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Desterritorialização Econômica: Um Mito?, Notas de estudo de Economia

Este artigo questiona os discursos atuais sobre a desterritorialização econômica, seja como sinônimo de globalização capitalista, produto do capitalismo pós-fordista ou acumulação flexível, ou vinculado ao setor financeiro e circuitos informacionais do 'ciberespaço'. O texto explora as três perspectivas econômicas da desterritorialização, enfatizando que ela está mais relacionada a processos de expropriação, precarização e exclusão, do que a simples deslocalização de empresas ou flexibilização de atividades produtivas.

O que você vai aprender

  • Qual é a perspectiva econômica mais ampla da desterritorialização?
  • Como a desterritorialização está relacionada ao capitalismo pós-fordista?
  • Qual é a importância da desterritorialização no setor financeiro?
  • Como a desterritorialização afeta as relações de trabalho?
  • Quais são as consequências socio-econômicas da desterritorialização?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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O MITO DA
DESTERRITORIALIZAÇAO
ECONOMICA*
ROGÉRIO HAESBAERT
Universidade Federal Fluminense
TATIANA TRAMONTANI RAMOS
Mestranda
-
Programa de Pós-Graduação em Geografia
-
UFF
Um dos discursos "espaciais" mais em voga nos anos 90, e que se estende ainda
hoje no âmbito de vários debates sobre a "sociedade em rede" e a"pós-modernida-
de",
é
o discurso da desterritorialização. Três grandes vertentes interpretativas
podem ser aí identificadas, associadas a pelo menos três dimensões sociais: a cul-
tural ou simbólica, em sentido mais estrito, a política e a econômica.
Trabalhamos com a distinção entre uma desterritorialização de "matriz" predo-
minantemente econômica, outra de matriz política e uma terceira de matriz cultural
mas isto não significa adotarmos uma posição estruturalista que distingue de forma
nítida esses componentes, indissociáveis enquanto dimensões ou perspectivas do
social. Esta diferenciação está ligada especialmente ao fato de que os próprios dis-
cursos sobre a desterrritorialização por nós analisados, na maioria das vezes assu-
mem essa separação e devem, como tal, ser sistematizados.
Explícita ou implicitamente, essas dimensões estão vinculadas a diferentes con-
cepções de território. Podemos ampliar a questão afirmando que se trata de respos-
tas diferentes a um mesmo processo de des-territorialização. Se entendermos terri-
tório no sentido amplo em que aparece associado aos processos de dominação elou
apropriação do espaço, reelaborando os termos de Lefebvre
(1984)
para
a
produ-
ção do espaço, podemos afirmar que os objetivos ou as razões desta produção e
controle (ou des-controle, no caso de incluir a desterritorialização) podem ser os
mais diversos, envolvendo fatores de natureza predominantemente econômica,
política elou cultural.
*
O
presente artigo
é
uma versa0 revisada e ampliada do capítulo de mesmo título em
"O
mito da
desterritorialização" (Haesbaert,
2004),
no prelo quando da redaçáo deste artigo.
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O MITO DA DESTERRITORIALIZAÇAO

ECONOMICA*

ROGÉRIOHAESBAERT

Universidade Federal Fluminense

TATIANATRAMONTANIRAMOS

Mestranda - Programa de Pós-Graduação em Geografia - UFF

Um dos discursos "espaciais" mais em voga nos anos 90, e que se estende ainda

hoje no âmbito de vários debates sobre a "sociedade em rede" e a"pós-modernida- de", é o discurso da desterritorialização. Três grandes vertentes interpretativas podem ser aí identificadas, associadas a pelo menos três dimensões sociais: a cul- tural ou simbólica, em sentido mais estrito, a política e a econômica. Trabalhamos com a distinção entre uma desterritorialização de "matriz" predo- minantemente econômica, outra de matriz política e uma terceira de matriz cultural mas isto não significa adotarmos uma posição estruturalista que distingue de forma nítida esses componentes, indissociáveis enquanto dimensões ou perspectivas do social. Esta diferenciação está ligada especialmente ao fato de que os próprios dis- cursos sobre a desterrritorialização por nós analisados, na maioria das vezes assu- mem essa separação e devem, como tal, ser sistematizados. Explícita ou implicitamente, essas dimensões estão vinculadas a diferentes con- cepções de território. Podemos ampliar a questão afirmando que se trata de respos- tas diferentes a um mesmo processo de des-territorialização. Se entendermos terri- tório no sentido amplo em que aparece associado aos processos de dominação elou

apropriação do espaço, reelaborando os termos de Lefebvre (1984) para a produ-

ção do espaço, podemos afirmar que os objetivos ou as razões desta produção e controle (ou des-controle, no caso de incluir a desterritorialização) podem ser os mais diversos, envolvendo fatores de natureza predominantemente econômica, política elou cultural.

  • O presente artigo é uma versa0 revisada e ampliada do capítulo de mesmo título em "O mito da desterritorialização" (Haesbaert, 2004), no prelo quando da redaçáo deste artigo.

GEOgr<rphici - Ano. 6 - Nu 12 - 2004 Haesbaert e Trarnontani

Para alguns, a problemática que se coloca é a mobilidade crescente do capital e das empresas - a desterritorialização seria um fenômeno sobretudo de natureza econômica; para outros, a grande questão é a crescente permeabilidade das frontei- ras nacionais - a desterritorialização seria assim um processo primordialmente de natureza política; enfim, para os mais "culturalistas", a desterritorialização estaria ligada, acima de tudo, à disseminação de uma hibridização de culturas, dissolven- do os elos entre um determinado território e uma identidade cultural corresponden- te. Problematizaremos aqui os discursos dentro da perspectiva econômica da des- territorialização, abordando em outro trabalho (HAESBAERT, 2004) as dimensões política e cultural. No âmbito específico da economia que, como sabemos, não é o campo de maior tradição nos debates sobre território, podemos observar que o fenômeno da dester- ritorialização aparece em várias análises, porém na maioria das vezes de forma implícita ou sob outros rótulos. A fragmentação e fragilização que atingiram o campo do trabalho e da produção nas últimas décadas podem ser consideradas, entretanto, componentes essenciais para configurar aquilo que a maioria dos auto- res denomina como processos de desterritorialização, mesmo entre muitos que os enfocam em um sentido extra-econômico. Tal como ocorre em relação ao debate sobre a (pós)modemidade, também em relação ao tema da globalização muitos autores o associam, direta ou.indiretamente, a processos de "desterritorialização". Assim, seria sobretudo através das relações econômicas, capitalistas, especialmente no que se convencionou chamar de globali- zação econômica e, mais enfaticamente, no campo financeiro e nas atividades mais diretamente ligadas ao "ciberespaço", que se dariam os principais mecanismos de destruição de barreiras ou de "fixações" territoriais. Podemos identificar pelo menos três perspectivas da desterritorialização sob o ponto de vista econômico:

  • Num sentido mais amplo, a desterritorialização é vista praticamente como sinônimo de globalização econômica ou, pelo menos, como um de seus veto- res ou características fundamentais, na medida em que ocorre a formaçáo de um mercado mundial com fluxos comerciais, financeiros e de informações cada vez mais independentes de bases territoriais bem definidas, como as dos Estados nações.
  • Numa interpretação um pouco mais restrita, a ênfase é dada a um dos

momentos do processo de globalização - ou ao mais típico - aquele do cha-

mado capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível, flexibilidade esta que seria responsável pelo enfraquecimento das bases territoriais ou, mais amplamente, espaciais, na estruturação geral da economia, em especial na lógica locacional das empresas e no âmbito das relações de trabalho (precari- zação dos vínculos entre trabalhador e empresa, por exemplo); daí também a proposta simplista de desterritorialização como sinônimo de "deslocaliza- ção", enfatizando o caráter "multilocacional" das empresas, que seriam cada vez mais autônomas em relação às condições locais/territoriais de instalação.

GE0,qruphia - Ano. 6 - Nu 12 - 2004 Haesbaeri^ e^ Trarnoniani

mitiva é, portanto, nada mais que o'processo histórico cle separaçüo entre produtor e meio de produçiío. [leia-se: desterritorializaçiio] (MARX, 1984:262)

Em outras palavras, na ótica do materialismo histórico podemos dizer que a pri- meira grande desterritorialização capitalista relaciona-se à sua própria origem, seu "ponto de partida" que é a chamada acumulação primitiva de capital, separando produtor e meios de produção. Trata-se da "expropriação do povo do campo de sua base fundiária" e sua transformação em trabalhador livre &mo ao assalariamento nas cidades. A dissociação entre trabalhador e "controle" (domínio e apropriação) dos meios de produção (da terra para cultivar à fábrica ou aos instrumentos para produzir) pode ser vista como a grande desterritorialização, imprescindível, de qualquer modo, à construção e à reprodução do capitalismo. Negri e Hardt (2001:348) reconhecem três aspectos primários já presentes no próprio Marx e que marcam o caráter "destemtorializante e imanente" do capita- lismo:

  • a liberação de populações de seus territórios na realização da acumulação pri- mitiva, criando um "proletariado 'livre"';
  • unificação do valor em tomo do dinheiro, seu equivalente geral, referência quantitativa frente à qual praticamente tudo passará a ser avaliado;
  • estabelecimento de um conjunto de leis "historicamente variáveis imanentes ao próprio funcionamento do capital", como as leis de taxas de lucro, taxas de exploração e de realização da mais valia. Esses teriam sido como que pré-requisitos para o gradativo processo de globali- zação que vai se definir, antes de tudo, pela ruptura de fronteiras, de limites e con- dicionamentos locais, pela expansão de uma dinâmica de concentração e acumula- ção de capital a nível mundial, numa integração e num cosmopolitismo generaliza- dos. Como profetizavam Marx e Engels:

Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produpío e ao consumo em todos os países. (...) As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser destruídas diaria- mente. Súo suplantaclas por novas indústrias, cuja introduçüo se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas - indústrias que já não empregam matérias- primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem ntio somente no próprio país mas em todas as partes do mundo. (...) N o lugar do antigo isolamento de regiões e naç6e.r auto-.suficiente.r, desenvolvem-se um intercâmbio universal e uma universal interdependência das naçiíes. E isto se refere tanto à produçúo material como à produçáo intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se patrimônio comum. ( M A R X e. ENGELS, 1998: 43)

O Mito da Desterritorialização Economica

Entretanto, mesmo com toda a sua vocação global, tão bem retratada nesse tre- cho do Manifesto Comunista, o capitalismo não alimenta apenas uma dinâmica desterritorializadora, reafirmando a tese de Deleuze e Guattari (1972) de que todo processo de desterritorialização está sempre vinculado a uma dinâmica de reterrito- rialização. Fica evidente que, ao criar a nova "interdependência" e ao conectar, econômica e culturalmente, as regiões mais longínquas, está-se estruturando uma nova organização territorial, uma espécie de "território-mundo" globalmente arti-

culado. E este "território-mundo" tem como um elemento comum um sistema de

códigos e signos igualmente criados pelo capitalismo. Em outras palavras, o capi- talismo para ser hegemônico precisa de coesão e esta vai se dar, sobretudo, por meio de uma homogeneização dos códigos e signos utilizados, para que se confi- gure o território-global ou território-mundo. Mas estes códigos não surgem espon- taneamente com o novo sistema, eles são criados a partir da destruição de códigos antigos, ou seja, ocorre uma re-codificação ou sobre-codificações sucessivas. Por exemplo, a criação de novos sistemas de medição de valor, novos critérios para as relações de troca de bens e produtos, novos padrões de consumo (que vão passar pela modificação de padrões estéticos, de criação de desejos individuais e coletivos etc.), até mesmo novos julgamentos de necessidade. Como sugerem Guattari e Rolnik ( 1 986: 39):

O Capitalismo Mundial Integrado (CMI) afirma-se em modalidades que variam de acordo com o país ou com a camada social, através de uma dupla opressão. Primeiro

pela repressão direta no pluno econômico e social - o controle du produçiío de bens e

das relações sociais através de meios de coerçiío material externa e sugesfEo de con- teúdos de signi'jicação. A segunda opressão, de igual ou maior intensidade que a pri- meiru, con.ri.~teem o CMI instulur-se nu própria produção de subjetividade: umu imen- sa mcíquina produtiva de uma srtbjetividade industrializada e nivelada em escala mun- dial tornou-se dado de base na formação da força coletiva de trabalho e da força de controle social coletivo.

Esse novo sistema de codificação ou sobrecodificação remete à organização ter- ritorial (global) que passa a ganhar novos significados, funções, possibilidades, padrões, enfim, sucessivos processos de des-re-territorialização. Podemos dizer que o capitalismo já nasce virtualmente global, ou seja, sem uma base territorial restrita, bem definida, mas que, para realizar efetivamente sua voca- ção globalizadora, ele recorre a diferentes estratégias territoriais, especialmente aquela que faz apelo ao ordenamento geográfico estatal. A interferência "cíclica" do Estado, sempre como uma faca de dois gumes, na contradição que lhe é ineren- te entre a defesa de interesses públicos e privados, atua no mínimo como um sério complicador neste jogo entre abertura e (relativo) fechamento de fronteiras. Hirst e Thompson (1 998), por exemplo, questionam a passagem de uma econo- mia inter-nacional para uma economia globalizada. Para eles, grandes potências,

O Mito da Desterritorialização Econornica

imperialismo, em retirada, foi forçado a abandonar e destruir a presa c10 seu próprio arsenal antes que a arma pudesse ser brandida contra ele. (grifos nossos)

É neste momento que os autores anunciam o início do declínio do imperialismo, como momento em que a soberania do Estado-nação era a pedra angular para o projeto de expansão (econômica e política) das potências européias e que vai resul- tar no parcelamento do mapa mundial entre estas potências na idade moderna, e a ascensão do Império, que:

n6o estabelece um centro territorial de porler, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fucas. É um aparelho de desceniralização e desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas e em expansão. (...) As distintas cores nacionais cio mapa imperialista do mundo se uniram e mesclaram, num arco-íris imperial global. (HARDT e NEGRI, 200 1 : 12)

Neste momento, começam a se anunciar também outros tipos de respostas do capitalismo organizado em defesa de seus interesses maiores e em reação aos acontecimentos que começam a emergir no seio das sociedades. Uma destas res- postas é a chamada reestruturação produtiva. A retomada da acumulação capitalista vai se dar por meio de-uma reestrutura- ção em suas bases produtivas que passam por uma restauração dos mecanismos de comando e uma reestruturação do poder. Segundo Guattari e Negri (1 987: 27-28) este processo se desenvolve em duas direções:

Uma integração transnacional a um nível mundial, sempre mais acentuada, das relaçóes econômicas internacionais e da subordinação a um projeto de controle policêntrico e rigorosamente planificado. (...) O comando estadual e os Estados nacionais estão assim submetidos a uma verdadeira desterritoria- lização. Uma reestruturação que visa o modo de produção e o conjunto das compo- nentes da força coletiva de trabalho que nela se relacionam. Será fundamen- talmente na base da informatização do social que esta desterritorialização e esta integração se tornarão possíveis.

Ou seja, o modo de produção capitalista irá tomar como fios condutores para sua reestruturação e m'anutenção de poder a "integração das economias mundiais", que se convencionou chamar de globalização, e a "reestruturação das componentes de produção", que vão incluir a força de trabalho e o processo produtivo. Ambos passam a estar inseridos em uma informatização e automação crescentes. Podemos perceber que fenômenos como a emergência do neoliheralismo, o pro- cesso de reestruturação da produção industrial e do trabalho, a mundialização da economia e a internucionalização dos fluxos são todos partes integrantes de uma

GEOgruphiu - Ano. 6 - N" 12 - 2004 Haesbaert e Trarnontani

mesma face da moeda, sendo a outra o processo de des-territorialização (sempre hifenizada) promovido pelo capifalismo.

Capitalismo e territorialismo

Um dos poucos autores que propõe uma teoria em tomo da relação entre capital e território (que é basicamente um território estatal) na reprodução capitalista é Giovanni Arrighi, especialmente em seu livro "O longo século XX". (ARRIGHI, 1996 [I 9941) Arrighi propõe uma distinção e mesmo uma oposição entre um pro- cesso que podemos denominar de mais desterritorializado e mais estritamente "capitalista" e outro mais temtorializador e de natureza "estatista". O autor inter- preta o confronto entre a dinâmica do capital (espaço econômico) e a "organização relativamente estável do espaço político" a partir de dois "modos opostos de governo ou de lógica do poder", duas estratégias geopolíticas, poderíamos dizer, que ele denomina de "capitalismo" e "territorialismo".

Os governantes territorialistas identificam o poder com a extensão e a densidade populacional de seus domínios, concebendo a riquezaío capital como um meio ou um subproduto du buscu de expunsão territorial. Os governuntes capitulisfas, ao contrtírio, identíficam o poder com a extensão de seu controle sobre os recursos escassos e consi- deram as aquisições territoriais um meio e um subproduto da acumulação de capital. ( P 33)

Arrighi se pauta na regra geral marxista DMD' para definir as fórmulas TDT' e

DTD' em relação às duas lógicas, a capitalista e a territorialista:

Segundo a primeira fórmula, o domínio economico abstrato, ou o dinheiro (D), é um meio ou um elo intermediário num processo voltado para a uquisiçíío de territórios adi- cionais (TI-T=+deltaT). De acordo com a segunda fórmula, o ferritório ( T ) é um meio ou um elo intermediário num processo voltado para a aquisição de meios de pagamento adicionais (D'-D=+deltaD). (p. 33)

Assim, enquanto no "territorialismo" o objetivo da gestão estatal' é "o controle do território e da população", sendo o controle do capital circulante um meio, no "capitalismo" a relação se inverte: "o controle do capital circulante" é o fim, "o controle do território e da população é o meio". (p. 34) Aqui fica claro o caráter mais desterritorializador do "capitalismo", na medida em que sua preocupação com as bases territoriais de reprodução decresce, em favor da circulação e dos flu- xos. Arrighi destaca, contudo, que é muito importante tomar as duas lógicas, capi- talista e territorialista, como historicamente funcionando em conjunto, "relaciona-. das entre si num dado contexto espaço-temporal". (p. 34)

GEOgruphiu - Ano. 6 - N' 12 - 2004 Haesbaert e Tramontani

lugares e espaço-dos-fluxos, termos muito caros, também, a Manuel Castells (1999) em sua análise da sociedade em rede:

(...) historicamente, o capitalismo, como sistema mundial de acumulação e governo, desenvolveu-se simitltaneamente nos dois espaços. No espuço-de-lugures (...) ele triun- fou ao se identificar com determinados Estados. No espaço-de-fluxos, em contraste, triunfou por não se identificar com nenhum Estado em particular, mas por construir orgunizuç5e.s empresariais não territoriais que ubrangium o mundo inteiro. (p.84, grifo do autor)

Mais uma vez, deparamo-nos com uma espécie de dicotomia entre lugar e fluxo ou, em outras palavras, território e "não-território" (ou rede), processos (implícitos, no caso) de territorialização e desterritorialização. Arrighi, entretanto, faz questão de demonstrar, inclusive com exemplos de temporalidades muito distintas (genove- ses no século XVI, empresas norte-americanas no final do século XX), como o capitalismo conviveu sempre com esses dois espaços. Se levarmos em conta nossa tese de que são na verdade duas concepções distintas de territorialidade, não se trata tão simplesmente de contrapor território e rede, ou "organizações territoriais" e "não-territoriais", mas de entender as diferentes formas ("territórios-zona'' e "terri- tórios-rede") com que elas se estruturam territorialmente ao longo do tempo. Em outro ponto Arrighi distingue a lógica das companhias de comércio e nave- gação dos séculos XVII e XVIII e as multinacionais do século XX. Um dos aspec- tos fundamentais é justamente a sua base territorial:

(...) as primeiras eram organizações parcialmente governamentais e parcialmente empresuriuis, que se especiulizuvam territorialmente. excluindo todas us outrus orguni- zações similares. As empresas multinacionais do século X X , em contraste, são organi- zações estritamente comerciais, que se especializam funcionalmente em linhas de pro- dução e distribuição especvicas, em múltip1o.s territórios e jurisdições, em cooperução e em concorrência com outras organizações similares. (p. 73, grifos do autor)

Assim, enquanto as companhias de comércio e navegação eram restritas em número, pois tinham territórios de atuação exclusivos onde não toleravam concor- rência, as multinacionais admitem o princípio da "transterritorialidade". Aqui a concepção de território parece se complexificar, e as "organizações empresariais não territoriais" globais (p. 84) passam a se organizar em "múltiplos territórios" (a "multiterritorialidade" a que aludimos em Haesbaert, 2004) ou, numa concepção mais polêmica, "transterritorialmente". Na verdade, o "território" que aparece na maior parte do tempo ao longo das reflexões de Arrighi não é nem o território-terra do senso comum, nem o multiter- ritório das empresas transnacionais, mas o território estatal ou de exercício dá soberania do Estado, sua concepção a mais tradicional e restritiva. Por isto é possí-

O Mito da Desterritorialização Economica

vel distinguir territorialismo e capitalismo. Há sempre, implícita ou explicitamente colocada, uma lógica política elou estatal por trás do conceito de territorialismo. Latouche (1989) é um dos autores que destaca de maneira muito explícita a força do capital ou da dinâmica econômica nos processos de desterritorialização. Ele afirma, por exemplo, que "o mais importante dos fenômenos geradores do crescimento, a acumulação do capital, em sua natureza e essência, não tem ligação

com uma pátria. O território e a nação dos atores têm pouca importância para o

capital". (p. 100) Acrescenta, porém, que o conluio do capital e do Estado-nação nunca foi simplesmente um pacto selado entre dois personagens. "Transnacional em essência", o capital nasceu para desterritorializar. Hoje, "uma política de nacio- nalismo econômico baseada no espaço nacional perde todo o sentido", numa "época de desterritorialização da economia". (p. 101) Segundo o autor:

(...) a 'desterritorializução' da economia não se limita ao crescimento du.s empresus multinacionais. (...) Ao lado do movimento dos únicos investimentos estrangeiros dire- tos e dos investimentos em carteira, há as joint ventures, as vendas diretas de fábricas, os contratos de licenciamento, os acordos de divisão du produção, as subcontrutap7es internacionais. (...) Outros fenômenos como o %rn dos camponeses' e a mundialização das telecomunicações contribuem também pura a ruptura dos vínculos entre a econo- mia e a base territorial. ( p. 103)

Essas múltiplas faces da dimensão econômica do discurso sobre a desterritoria- lização mostram ainda a sua vinculação indissociável com processos de natureza mais estritamente política e cultural. É ainda Latouche quem destaca o poder que as mudanças culturais ou de "transculturação" têm sobre a economia global, aju- dando a desacelerar o peso da territorialização nacional no controle da dinâmica econômica:

A 'desterritorializaçáa' não é somente um j'enôrneno econômico que esvuziu de sua substfincia a nacionalidade econômica, ela tem impactos políticos e culturais, enquanto que fenomenos autbnomos de 'transculturação' tem, por sua vez, um efeito econbmico e contribuem pura acelerar o declínio da nucionulidade econômica. (p. 103) Com os satélites de telecomunicação e a informática, a mundialização é imediata. A padroniza- ção dos produtos culturais (...) escapa a qualquer enruizamento. (...) A perda da identi- dade cultural (...) contribui pura desestabilizur política e economicumente u identidade nacional. (p. 105, grifos nossos)

Desterritorialização e flexibilização do capital

Ao lado de uma desterritorialização centralizada em torno de uma concepção genérica de globalização econômica encontramos uma segunda perspectiva, mais

O Miro da Desterritorializaçáo Economica

tação será percebida nas "modificações" na qualidade e no uso que passará a se fazer do espaço, em diferentes momentos pelos diferentes sujeitos envolvidos no processo. Suas escalas serão múltiplas, desde a escala da fábrica até a escala plane-

tária (se pensarmos na DIT) e os mecanismos práticos notados como modificado-

res da produção irão se concentrar sobre dois focos principais:

Em uma micro escala, dentro da própria fábrica e envolvidos diretamente no processo produtivo, as relações de trabalho e os meios d e comunica- çáo/informação; Em uma macro escala, através do "Capitalismo Mundial Integrado (C.M.I.), da integração transnacional a um nível mundial das relações econômicas inter- nacionais e da sua subordinação a um controle policênrrico." (GUATTARI e NEGRI, 1987: 27). Mudanças nos meios e formas de comunicação e informação pode-se dizer que são mais facilmente identificáveis e talvez até classificáveis como "pré-requisitos" ao processo de globalização elou como fatores de des-localização industrial, sob os argumentos de ruptura de fronteiras, limites e condicionamentos locais e de uma expansão de uma dinâmica de concentração e acumulação de capitais ao nível mundial. As transformações identificadas no mundo do trabalho podem ser observadas em diferentes escalas: a escala do corpo, a escala da fábrica e a do mercado de tra- balho (local, regional e global). Estas alterações podem se manifestar por meio de uma flexibilização de carga horária, de salários e benefícios, de funçõeslcargos desempenhados; por reduções de quadro de funcionários (downsizing), devido à automação nas fábricas ou à opção por um tipo de produção mais enxuta (just in time); maior exigência de qualificação da mão-de-obra empregada e que esta tenha como principal característica a polivalência, isto é, possibilidade de desempenhar várias funções que exigem diferentes tipos de conhecimento, incluídos conheci- mentos no campo da informática e eletrônica. Assim:

a exploração pode ser cientificamente articulada em toda a cena do social e os meca- nismos de formação do liicro controlados nu sua mais ampla articulação. (...) A socie- dade já não está apenas subsumida ao comando do capital, ela está totalmente absorvi- da pelo modo de produção integrado. (...) A reestruturação capitalista nEo advém mecunicumente de leis mais ou menos rucionais. Elu não é "cientrjLicaV,ela é essenciul- mente repressiva. (GUATTARI e NEGRI, 1987: 28-30)

Como sabemos, a importância dada à "transição" para o pós-fordismo ou pro- cesso de acumulação flexível é clara nas interpretações materialistas da pós- modemidade, principalmente naqueles autores que, como Harvey e Jameson, con- sideram a pós-modernidade a "lógica cultural" do capitalismo tardio ou de acumu- lação flexível. Harvey constrói até mesmo um quadro no qual fica explícita a cor-

GEO~ruphiu - Ano. 6 - N u 12 - 2004 Haesbaert e Trarnontani

relação entre o pós-fordismo e a desterritorialização, e que pode ser sintetizado a seguir (Quadro 1 ).

Quadro 1. "Modernidade Fordista" e "Pós-Modernidade Flexível"

Modernidade Fordista Pós-Modernidade Flexível

Economias de escala HierarquiaRiomogeneidade Habitação pública Capital produtivo/universalismo Poder estatal/sindicalismo Estado do bem-estar social Éticdmercadoria-dinheiro Produçiío/originalidade Operário/vanguardismo Centralizaçáo/totaIizaçáo Síntese/negociação coletiva Produção em massa Política de classe Trabalhador especializado Tndústridética protestante do trabalho Reprodução mecânica Intervencionismo/industrializaçio

Economius de escopo Anarquia/Diver.~idade Desabrigados Cupitul jictício//ocuIismo PoderJinanceiro/individuali.~mo Neoconservadorismo Estéticddinheiro contábil Reprodução/l)a.~riche Administrador/comercialismo De.scentralizaçáo/~Ieerconnstruçóo Antítese/contratos locais Produ~cioem pequenos lotes Movimentos sociais, grupos de interesse TrabalhadorJlexível Servigos/contrato ternpordrio Reprotlução ele~rônica Neo-liberalisrno/de.~indic.rtrializnçóo

Fonte: Harvey ( 1992:304, adaptado)

No quadro 1 assinalamos em itálico, entre as características associadas à "pós- modemidade flexível", aquelas que dizem respeito mais diretamente a processos que, em diferentes leituras, podem estar associados à desterritorialização. Simplesmente não há nenhuma das características da modernidade que seja utiliza-

da para corroborar discursos sobre a desterritorialização. Assim, fica claro que se

trata de um fenômeno "pós-moderno" também na sua abordagem econômica. Argumentos como a passagem de uma economia de escala para uma de escopo ou de uma produção em massa para uma em pequenos lotes caracteriza uma mudança de paradigma territorial, mas não uma desterritorialização em sentido estrito. Nos primeiros casos (economia de escala e produção em massa) a caracte- rística marcante que se encontrava nas plantas industriais era seu tamanholdimen- são, pois era necessário um grande espaço para o estoque de matérias-primas e produtos acabados. Além disso, a demanda por localização girava em tomo tanto do mercado fornecedor quanto do mercado consumidor, o que levava a uma procu- ra específica por determinados pontos do território.

GEO,~r<rphiu - Ano. 6 - N' 12 - 2004 Haesbaert e Tramoniani

vidades mais "tradicionais", especialmente aquelas que incorporam força de traba- lho de baixa qualificação e salários baixos, seriam mais suscetíveis à "fluidez" locacional. Num trabalho mais recente, Storper (2000) identifica, entre o que ele chama de quatro níveis da globalização, "a globalização através da desterritorialização (cadeias de commodity globais)", onde manufaturas e serviços básicos são facil- mente deslocáveis, pois não exigem muitos requisitos para sua instalação, ou seja, "têm um baixo nível de territorialização e um alto nível de fluidez internacional". (p. 49) Essas atividades se realizariam através de "redes destemtorializadas", na medida em que envolvem um nível restrito de place-specific assets (vantagens específicas de um local), isto é, de "vantagens físicas ou intangíveis que se encon- tram enraizadas no ambiente de locais particulares, impedindo a transferência da produção para outros lugares". (p. 49) Ele comenta também a importância desta "desterritorialização", especialmente em termos do impacto que provoca nos mer- cados de trabalho de países periféricos, acirrando a competição por salários baixos e aumentando as desigualdades sociais. Nesse discurso, a desterritorialização de ênfase econômica adquire sua cono- tação mais específica, associada basicamente ao comportamento "multilocacio- na]" das grandes empresas, tanto no sentido mais geral de maior flexibilidade de localização quanto no sentido de sua articulação interna e na relação com outras empresas, capazes que são de gerenciar a produção através da subcontratação em redes "flexíveis" com outras empresas localizadas em diferentes cantos do planeta. É verdade que as possibilidades de localização se ampliaram dentro da nova estrutura de produção. Maiores opções, maior flexibilidade de localização, espe- cialmente aquelas proporcionadas pelos novos circuitos de comunicação e trans- porte, não significam, entretanto, uma localização livremente estabelecida. Justamente esta maior flexibilidade (dependendo do setor) fez com que outros fatores passassem a ser considerados nas políticas de localização. Políticas a nível nacional, regional e local, bem como dados de infra-estrutura (agora sobrevalorizando a infra-estrutura técnico-informaciona]), continuam fun- damentais na opção das empresas por esta ou aquela localização. Além disso, a redução ou mesmo ausência de barreiras tarifárias e a disponibilidade de força de trabalho barata e não organizada continuam centrais, especialmente naqueles setores considerados por Storper como setores "desterritorializados". Finalmente, fenômenos como a chamada "guerra dos lugares" (Santos, 1996), para oferecer as condições mais vantajosas em termos de subsídios, infra-estrutu-

ra, mão-de-obra e imagem, mostram que o espaço - e o território - em vez de

diminuir sua importância, muitas vezes amplia seu papel estratégico, justamente por concentrar ainda mais, em pontos restritos, as vantagens buscadas pelas grandes empresas, e pela intensificação da diferenciação de vantagens oferecidas por cada sítio.

O Mito da Desterritori~liza~áoEcon6rnica

A articulação da globalização com "regionalizações" e especificidades econô- micas territoriais locais aparece de maneira enfática na seguinte reflexão de Pierre Veltz (1996):

Do ponto de vistu geogrcijico, u globalizuçíío não é o upurecimento de uma rede de unidades perfeitamente interdependentes, substituíveis (...) e sem ligações com os terri- tórios. O processo de globalização toma formas geogrcíficas muito variadas. Ele pode se upoiur sobre uma divisíío do trabalho expundidu no seio de umu rede muito ampla. Mas ele pode também se fixar em concentrações privilegiadas e em mecanismos de '- regionalizaçáo' (em diversas escalas). Isto por duas ruzões, que estão no centro de uma mesmu problemática (...): primeiro, porque u globulizução, como estrutégiu do domínio (e não da supressão) da diversidade, supõe uma articulaç5ofina com as especificidades locais dos mercados e mais geralmente dos contextos sócio-políticos; em seguida, por- que us interações de base territorial se tornum outru vez, no contexto utuul de cornpeti- çáo por diferenciação, um fator essencial de performance. (p. 111 -1 12, grifos nossos)

Tais elucidações só vêm corroborar a idéia de que o que se observa e o que os defensores da desterritorialização econômica tanto apregoam não é na realidade um "desapego" espacial, ou como querem alguns, o fim do território como parte integrante e fundamental no processo de produção de mercadorias e reprodução do capital. O que se observa hoje são territorialidades se construindo e se desfazendo praticamente com a mesma rapidez com que se dão as transformações no mundo da produção industrial. Em outras palavras, talvez o processo de reestruturação produtiva (ou, por que não, des-re-estruturação produtiva) em curso nas últimas décadas, participe da formação de territórios muitas vezes tão instáveis que passam a ser confundidos com sua própria ausência. Isso acaba por levar a interpretações simplistas ou unidimensionais da destern- torialização, já que, vistas desse modo, tanto as empresas quanto a sua produção tornam-se "flexíveis" e suas territorialidades passam a ser "fluidas", o que faz pen- sar que podem se reproduzir da mesma maneira em qualquer parte do globo terres- tre e em qualquer momento. Na verdade, a maior parte dos artifícios utilizados pelas empresas para dinamizar a produção e torná-las "desterritorializadas" ou "desterritorializáveis" implica em um profundo (re)ordenamento do território, tanto daquele que elas estão deixando, quanto do que as acolhe, todo este processo se mostrando então, na verdade, como uma des-re-territorialização. É interessante verificar como é complexo e ambíguo o discurso sobre a desterri- torialização mesmo no interior de uma mesma perspectiva, como a que privilegia a dimensão econômica da sociedade. Assim, exatamente no extremo oposto ao das atividades econômicas mais tradicionais, onde Storper identifica sua desterritoriali- zação, encontra-se outra abordagem, aquela que percebe a desterritorialização eco- nômica vinculada aos circuitos do capital financeiro globalizado.

O Mito da Desterritorialiwção Econornica

que ocorre é "um rearranjo do complexo identidade-fronteira-ordem que dá ao povo, ao território e à política o seu significado no mundo contemporâneo". (p.

  1. Não é apenas o fato de que a des-temtorialização ocorre conjuntamente com a re-territorialização, mas também que "ambas são partes de processos contínuos e generalizados de territorialização". (p. 143) Por fim, Ó Tuathail argumenta que o mapa geopolítico é hoje ao mesmo tempo mais integrado ou conectado e mais dividido e des-locado, em função das desigualdades crescentes e das tendências dominantes em termos da informatização globalizada. A cidade global do nosso tempo compõe um imenso apartheid social entre conectados e desconectados. Contribuíram para esta "desterritorialização" financeira global o fim do sistema de Bretton Woods, no início dos anos 70, que atrelava o dólar ao padrão-ouro, a desregulação dos mercados financeiros no final dos anos 70 e 80 e a introdução das tecnologias da informática, permitindo e acelerando as transações online, num mercado funcionando 24 horas por dia, além da emergência de novos atores e pro- dutos (fundos de pensão, derivativos, securitização). Para Ó Tuathail, entretanto, todas estas mudanças não significam o caminho inexorável rumo ao "fim da Geografia" que:

(...) é implicitamente uma tese sobre mercados e de como os rnercadosfinanceiros globais estão evidentemente destinudos u se uproximurem do "mercudo pegeito" - irm mercado caracterizado pela completa transparência, niío fricçiio de integração e per-

feita informação - invocado pelos atuais teóricos da área. (p. 146)

Entre os autores que mais radicalizaram o discurso da desterritorialização como conseqüência direta do processo de globalização econômica, estão Kenichi Ohmae, "guru" de muitos globalistas e ex-consultor de corporações transnacionais que escreveu "O mundo sem fronteiras" (Ohmae, 1990) e "O fim do Estado nação" (Ohmae, 1996[1995]), e o já comentado Richard O'Brien ( 1 992), com sua controvertida tese da integração financeira global e o "fim da Geografia". Ohmae e O'Brien trabalham claramente a serviço do ideário econômico domi- nante que promove o livre mercado e a "extinção" dos entraves impostos pelo Estado nação. Aqui, portanto, o discurso do fim das fronteiras e do fim dos territó- rios (dos Estados-nações) tem uma clara conotação normativa, não se tratando tanto de compreender o que está ocorrendo mas de defender o que deve ser cons- truído: para uma competitividade ideal, para um capitalismo "perfeito", a erradica- ção das fronteiras e mesmo do Estado é o cenário a ser privilegiado. Mas é interessante perceber que não se trata de uma desconsideração para com .. (^) outros fatores geográficos, como a proximidade, por exemplo. Nas palavras do próprio Ohmae:

Mesmo nirmu era voltudu para u informação, trubulhudores quulijicados, redes exfensas de fornecedores e assim por diante - os ingredientes do que Porter [Michael

GEOgruphiu - Ano. 6 - Nu 12 - 2004 Haesbaert e Trarnontani

Porter em " A vantagem competitiva das naçfies"] denomina o "diamante" da competi-

tividade - funcionam de fato melhor quando geograficamente próximos. (...) Entretanto,

ncio se conclui automaticamente que, para serem eficazes, tais agrupamentos geogrúfi- cos tenham de coexistir dentro das fronteiras de um Estado-naçúo individual e, portan- to, participar do mesmo interesse nacional. (...) esses agrupamentos necessáriosfuncio- nam igualmente bem - e talvez ainda melhor - quando transcendem as fronteiras políti- cas e, assim, são livres do ;nus do interesse nacional. ( O H M A E , 1996:58-59)

A partir do almejado fim do Estado nação, Ohmae defende a emergência de entidades espaciais puramente econômicas, os "Estados-regiões", que só acidental- mente se enquadram no interior de fronteiras nacionais. Trata-se de unidades eco- nômicas ótimas para o investimento estrangeiro num mundo globalizado sem entraves geográficos. Ainda assim, para esta otimização ao grande capital, seriam Estados-regiões geograficamente definidos, "suficientemente pequenos para seus cidadãos compartilharem de interesses como consumidores, mas de tamanho sufi-

ciente para justificar economias não de escala (...) mas de serviços - a saber, a

infra-estrutura de comunicações, de transportes e de serviços profissionais essen- ciais à participação na economia global" (p. 84). Até mesmo uma faixa média de número de habitantes é proposta. O'Brien também associa sua tese do fim da Geografia com competição, mas admite a persistência (necessária, até certo ponto) de mecanismos reguladores "ter- ritorializados", como o da política estatal ou de entidades supranacionais como a União Européia. Vinculando geografia e localização, ele afirma que "localização" continuará a ter importância enquanto subsistirem barreiras físicas, enquanto viajar significar dispêndio de tempo e enquanto persistirem diferenças sociais e culturais, o que, podemos acrescentar, certamente nunca deixará de ocorrer. Mesmo para o sistema financeiro globalizado diferenças locais/nacionais (em taxas cambiais e de juros, por exemplo) permanecem extremamente relevantes. Para O'Brien, entretanto, o "fim da geografia" vinculado à perda de poder do Estado sobre o controle de fluxos econômicos, especialmente o fluxo de capitais, e sobre as grandes corporações transnacionais, é um fato, e ele defende essa desre- gulação dos mercados financeiros, bem como a construção de mercados "livres", por considerá-los mais eficientes e racionais. Nesse sentido, afirma Ó Tuathail, o discurso da desterritorialização aparece como parte integrante da ideologia neoliberal, especialmente na medida em que desvaloriza o poder "limitado" (territorialmente) do Estado e enaltece as virtudes da fluidez dos mercados. Quer dizer, tratar-se-ia menos de um discurso intelectual- mente bem articulado e mais de um discurso de fundo político, estrategicamente adaptado aos interesses dos projetos neoliberais. Sobre a ausência, nessas argumentações, do debate sobre a dinâmica concomi- tante de reterritorialização, O'Tuathail é enfático: "A integração financeira global, na verdade, produziu um novo complexo geopolítico de território, tecnologia,