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Este texto apresenta a estrutura do método elêntico em dois diálogos iniciais de platão – laches e cármides – que tratam respectivamente da coragem e da temperança, dois aspectos da virtude relacionados à moral socrática e ao conhecimento. O autor destaca o movimento realizado por sócrates na busca do conhecimento das virtudes.
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Tipologia: Notas de aula
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O Método Socrático de Investigação e a Determinação dos Tipos de Virtude no Âmbito da Boa Vida
Resumo: Este texto tem, então, como limite a apresentação da estrutura do elenchos em dois dos diálogos iniciais – Laches e Cármides – que tratam respectivamente a coragem e a temperança dois dos aspectos da virtude relacionados com a moral socrática e com o conhecimento. No Laches a pergunta sobre o que é a coragem está relacionada à educação de jovens de modo a tornarem-se virtuosos. O Cármides busca a temperança, mas está igualmente voltado para a virtude, pois ser temperante é também ser virtuoso. Palavras-chave: Coragem; Temperança; Virtude; Elenchos.
Abstract: This text is, limited by the presentation of elenchos struture in two initial dialogues – Laches and Charmides – which adress respectively the Courage and Temperance two aspects of virtue related to Socratic moral knowledge. In the Laches the question aboaut what is courage is related to the education of young people in order to become righteous. Charmides search the temperance too, but is also geared towards virtue, because act whith temperace is be virtuous. Keywords: Courage; Temperance; Virtue; Method of Elenchus.
I.Introdução
Os diálogos iniciais de Platão seguem um modelo de investigação com vistas a determinar o que se entende por algumas expressões que designamos virtudes e, indiretamente, também com vistas a determinar o que se entende por boa vida. Esse modelo de investigação se distingue tanto do modelo do Platão dos diálogos
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médios e tardios quanto do de Aristóteles. Ao se voltar mais uma vez a atenção, hoje em dia, para um modelo de ética cujo conceito central é o de virtude, os diálogos iniciais de Platão juntamente com outros antigos modelos de investigação sobre as virtudes voltam a ganhar um papel nas discussões filosóficas. O objeto de estudo aqui é o método elêntico em sua tentativa de determinar virtudes específicas tal como ele é desenvolvido no Laches e no Cármides , dois dos diálogos iniciais de Platão. O papel central concedido às virtudes está no fato de que elas seriam parte central da formação dos jovens atenienses, uma formação voltada para a boa vida e o bem da sociedade. Apesar da importância que todos concediam às virtudes, o que significava cada uma das virtudes era ambíguo na sociedade ateniense da época. Uma das concepções vigentes na sociedade ateniense acerca da virtude, apresentada no Mênon (71e), mostra o quanto distanciada estava a cidade de uma concepção de organização social voltada para o Bem, na qual cada indivíduo buscasse uma vida virtuosa. Neste diálogo, ao perguntar Sócrates ao seu interlocutor o que é a virtude, obtem como resposta uma enumeração de virtudes:
a virtude de um homem é ser capaz de gerir as coisas da cidade, e, no exercício dessa gestão, fazer bem aos amigos e mal aos inimigos, e guardar-se ele próprio de sofrer coisa parecida (...) a virtude da mulher, não é difícil explicar que é repciso a ela bem adminstrar a casa, cuidando da manutenção do seu interior e sendo obediente ao marido. É diferente a virtude da criança ( ...) e a do ancião, seja ele um homem livre ou escravo (MÊNON 71e).
Esta compreensão é refutada por Sócrates, que busca a virtude única, o paradigma para a conduta humana em geral, e não apenas uma opinião. Homem virtuoso e cidadão são quase sinônimos na sua concepção moral e Platão, por intermédio de Sócrates, concebe uma educação moral para os jovens atenienses visando à boa vida e ao bem da cidade. Neste contexto encontram-se os diálogos iniciais de Platão nos quais a figura de Sócrates se faz presente, sempre perguntando aos seus interlocutores o que é x, onde x representa uma determinada virtude. É comum, da parte do interlocutor, responder a questão proposta mencionando exemplos de ações de pessoas. Á pergunta, o que
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exatamente o que coragem significa, estabelece-se como objeto de discussão “o que é a coragem”, pois, ao ser encontrada em várias situações, é preciso saber o que ela é essencialmente. Circunscrever uma dada situação é fundamental para o método elêntico. Somente a partir dela o diálogo é estabelecido. Nesse diálogo Sócrates alega não possuir conhecimento sobre aquilo que se está buscando. Há uma certa ironia nesta negação. No desenvolvimento do diálogo percebemos que Sócrates dispõe de algum conhecimento acerca do objeto da discussão e sobre o que deseja alcançar. Não parece ser do seu interesse que seus interlocutores tenham apenas opiniões sobre a coragem, e sim que alcancem a sua essência. No Mênon , um diálogo talvez já da fase intermediária, ele afirma estar à procura do mesmo em todas as coisas. A ironia neste sentido pode ser entendida como um recurso para o envolvimento do interlocutor no diálogo e para convencê-lo a revelar sua crença. Sócrates apresentando-se como não conhecedor do tema em discussão estimula seu interlocutor a expor e defender sua opinião. Utilizando-se deste meio (maiêutica), o despoja de toda ilusão de saber para dele extrair o conhecimento verdadeiro, tal como o trabalho de uma parteira. Sobre a definição apresentada é feita uma objeção, apoiada em exemplos da vida prática, a qual é respondida com outra definição. Esta é refutada com outro exemplo, sobre o qual é realizado um acordo, no momento em que o interlocutor confuso cede aos argumentos de Sócrates. O interlocutor é conduzido a concordar com cada uma das objeções de modo que parece provir dele mesmo a resposta. Quando Eutífron é chamado a definir piedade, diz que uma atitude piedosa seria perseguir seu pai por ter cometido a injustiça de assassinar um escravo. Sócrates, no entanto, afirma existirem outros atos piedosos com o que Eutífron concorda. Em seguida lhe é feita outra objeção:
Recorda-te, pois, o que eu te pedia para me informar não era uma ou duas coisas tomadas da totalidade das coisas piedosas, mas efetivamente este caráter essencial que faz tudo que é piedoso ser piedoso: pois, tu tinhas declarado que há um caráter único pelo qual as coisas ímpias são ímpias e as coisas piedosas são piedosas. Tu o tinhas esquecido? (MÊNON 6e)
Sócrates continua sua argumentação, após uma resposta negativa de Eutífron:
O Método Socrático de Investigação e a Determinação dos Tipos de Virtude no Âmbito da Boa Vida Ensina-me, então, qual é este caráter, de modo que eu tenha meus olhos por ele determinado e me sirva de modelo, e que se, através de teus atos ou de outrem, forem conformes a este modelo, eu os declaro piedosos, e, se eles não o forem, ímpios (MÊNON 6e).
Eutífron então satisfaz a Sócrates. No diálogo segue outra definição dada pelo interlocutor: “Então, o que é caro aos deuses é piedoso, e o que não é caro é ímpio.” (MÊNON, 7a) A explanação é realizada e um novo ciclo inicia-se, sempre norteado por princípios gerais que impedem as digressões e estabelecem parâmetros para a busca do que é x. O princípio procedural do elenchos apoia-se na definição da virtude através do emprego do termo em questão (piedade, temperança etc.) a certas ações e pessoas, e no entendimento da virtude como sendo sempre admirável (kαλόν), boa (ἀγαθόυ) e proveitosa (ὀφέλλιμον). Estas características são imprescindíveis a qualquer definição acerca da virtude e sobre elas são realizados os acordos baseados nos exemplos apresentados no diálogo. Inicialmente é definido o objetivo e em seguida exigido um empenho na definição do objeto da discussão para que o diálogo seja iniciado. Este segue orientado pela simulação do não-conhecimento de Sócrates e por princípios gerais acerca de toda e qualquer virtude. Ele se desenvolve numa sequencia de perguntas e respostas com as quais são apresentadas definições, objeções, refutação e conclusão. Uma vez estabelecido o que se discutirá, é solicitada uma definição do que é x. Ela será replicada com um argumento baseado em exemplos de ações humanas que irão apontar ao interlocutor o seu equívoco. Uma objeção será apresentada à réplica socrática, que será refutada com outro exemplo. Neste ponto do diálogo, o interlocutor começa a mostrar sua insegurança e a envolver-se na argumentação de Sócrates, acabando por abandonar suas opiniões. A valorização do negativo remove toda falsa pretensão ao conhecimento. Como o elenchos não permite a correção das definições, as objeções feitas por Sócrates não podem ser refutadas. No exemplo dado acima, há uma tentativa de correção da definição, mas Sócrates mostra a Eutífron que ela encontra-se no mesmo ponto do qual havia partido. Isto o desanima, ele cede e sua crença não sobrevive ao teste elêntico. Fica como conclusão a definição de Sócrates que não é submetida ao teste.
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futuro para saber como ele se realizará de uma forma mais favorável – mas é sempre idêntica a ela mesma”. (198d) A ideia é o que procura Platão através de seu filósofo predileto, porém, os diálogos elênticos não chegam à ideia mesma. No passo 534 b da República o autor fala a Glaucon seu pensamento sobre o conhecimento adquirido pelo homem que não alcança a Idéia do Bem. No passo seguinte expõe o que é o Bem para ele:
Ora de onde vem a verdade para os conhecimentos; de onde o sujeito do conhecimento recebe a faculdade, se não é da forma ideal do Bem - tal será tua profissão de fé. Esta forma do Bem é a causa da ciência e da verdade como objeto de conhecimento – tal será tua convicção íntima. Mas, qualquer que seja a perfeição do conhecimento e da verdade, há qualquer coisa de diferente e melhor do que elas, o Bem: tal será tua idéia, corretamente.(REPÙBLICA, 509).
Para Platão, o Bem estabelece a relação entre as Idéias. Piedade, coragem, temperança, amizade e justiça relacionam-se entre si e com o todo. A Virtude relaciona-se com suas partes. Tanto na teoria do conhecimento quanto na Filosofia Moral o Bem é o paradigma. Nosso trabalho irá deter-se na análise dos dois diálogos iniciais de Platão, Laches e Cármides , observando sobretudo o método utilizado por Sócrates. Entendemos que o elenchos pode ser visto como guia para o conhecimento do que é x e também um método de ensino voltado para jovens atenienses os quais, após submetidos a ele, estariam comprometidos com a boa vida e desta forma com o bem da sociedade. Na República , passo 420, Sócrates diz ter a idéia de forjar a imagem duma cidade feliz para todos os cidadãos e não apenas para uma elite. Este texto tem, então, como limite a apresentação da estrutura do elenchos em dois dos diálogos iniciais – Laches e Cármides – que tratam respectivamente a coragem e a temperança dois dos aspectos da virtude relacionados com a moral socrática e com o conhecimento. Sempre que necessário à compreensão do tema proposto no diálogo será exposta uma síntese da argumentação. No Laches a pergunta sobre o que é a coragem está relacionada à educação de jovens de modo a tornarem-se virtuosos. O Cármides busca a temperança, mas está igualmente voltado para a virtude, pois ser temperante é também ser virtuoso.
O Método Socrático de Investigação e a Determinação dos Tipos de Virtude no Âmbito da Boa Vida II. O Elenchos e o Ensinamento da Virtude
Lisímaco encontra-se no ginásio com Nícias e Laches e lhes pergunta o que pensam acerca dos combates armados, pois ele e Melésias, preocupados com a educação de seus filhos – Aristide e Tucídides – pretendem educá-los nesta arte. Preocupam-se em não deixá-los entregues à sorte, sem uma orientação para as suas ações quando adultos. Lisímaco julga serem os dois generais bons juizes na matéria das armas e deste modo não tornariam a situação ridícula, nem entrariam eles próprios em contradição. O objeto do diálogo neste momento inicial está definido como a educação dos filhos na arte das armas ou, a utilidade desta educação na formação de jovens virtuosos. Melésias e Lisímaco vêem que esta educação possibilitará aos jovens honrar seus nomes e não lhes permitirá censurar a seus pais por faltarem com este compromisso. Apesar de verem o combate armado como um belo estudo para os jovens desejam ouvir as opiniões de Laches e Nícias sobre a sua utilidade. Ambos são conhecedores dos tempos de guerra e de paz, dos aliados e das cidades. A necessidade da educação dos jovens na arte das armas é consensual. Laches aceita a tarefa de educador dos jovens, porém apresenta uma objeção. Sujere que Sócrates seja consultado sobre o tema. O filosofo está presente no ginásio e pertence a mesma cidade que Lisímaco. Nícias lhe assegura ser ele tão apto quanto Laches na educação dos jovens. Então, Lisímaco pede àquele que honrou a Sofronisque - seu amigo de infância – bem como à sua pátria na batalha de Délion que caso tenha algum conselho a dá-lo que o faça. O diálogo nos seus primeiros passos, tem um objeto - não muito preciso - interlocutores (Melésias, Lisímaco, Laches, Nícias e Sócrates), um esboço do método interrogativo e a negação do conhecimento, mas ainda lhe faltam alguns elementos do elenchos e um aprimoramento dos componentes existentes. Sócrates no momento em que atribui a um dos interlocutores maior competência no assunto a ser discutido introduz, neste preâmbulo, um dos aspectos do seu método – a negação do conhecimento. Lisímaco, seguindo a sugestão que lhe foi feita, coloca a seguinte questão para Sócrates: “É bom para um jovem aprender a arte do combate armado, sim ou não?” (MÊNON 181c). O Mestre não
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Os mestres que a ensinam não poderiam ter ignorado tal interesse dos Lacedemônios por estes ensinamentos. Os mestres apreciados pelos lacedemônios teriam consideráveis benefícios se a eles se apresentassem mostrando seu talento. Os mestres das armas consideram a Lacedemônia um lugar sagrado e inacessível, Os mestres circulam nas cercanias da Lacedemônia para mostrar seu talento. O povo lacedemônio se julga inferior a alguns outros nas coisas da guerra. Nenhum homem que praticou o manejo das armas é ilustrado na guerra. O homem que se destaca numa arte é aquele que a exercita freqüentemente. O homem que não pratica sua arte parece ter pouca sorte no seu métier. Logo, que a ciência das armas seja uma ciência ou que não seja , não tem valor para que nos esforcemos em estudá-la.” (cf. LACHES 183 a-b)
Laches conclui a exposição de sua opinião, com relação à pouca utilidade para um jovem em dedicar-se na ciência das armas, afirmando que ensinar esta arte, aos jovens, não os tornaria mais corajosos e apresenta um exemplo como objeção:
“Um covarde que acreditasse possuir o conhecimento desta ciência e que, portanto, adquiriu por isto maior firmeza, mostraria melhor sua covardia e um bravo na mesma situação e observado pelos espectadores não poderia cometer o menor erro sem se expor à crítica mais cruel.” (LACHES,184b)
Após a apresentação da sua objeção Laches chama atenção para a presença de Sócrates e sugere que os presentes não o deixe sair sem antes apresentar seu ponto de vista acerca do objeto da discussão. O diálogo começa a tomar seu caminho de modo que aparecerá o elencos em sua forma plena e nos passos seguintes Sócrates proporá o seu método. Tendo o Conselho chegado a um empate e Lisímaco vendo a necessidade de um juiz para o desempate pede a Sócrates que vote a favor de um dos dois pontos de vista. Sócrates lhe pergunta, com certa ironia, se a opinião que obtiver a maioria ganhará a preferência de sua parte. Para ele é necessário, primeiramente, que seja avaliada a necessidade de um mestre bem como a quem se deve confiar a educação dos jovens e o que seria efetivamente ensinado a eles. A investigação sugerida é orientada pela busca do objeto que conduzirá o diálogo, busca esta que tem como instrumento
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possibilitador o método interrogativo. Entre 184a e 187b será defendido o argumento da necessidade de um mestre, definido sobre o que se aplicarão os ensinamentos, apresentado o método socrático de investigação e a negação do conhecimento. O diálogo entre Sócrates e Melésias versa sobre conveniência ou não de um educador para as almas dos jovens.
Argumento: (184e-185a) “Se o assunto se refere à preparação física de teu filho, numa deliberação sobre o melhor método a seguir, tu confiarias na opinião expressa pela maioria entre nós, ou naquela de quem tenha estudado e praticado sob orientação de um bom Pédotribe”? O valor de um julgamento depende mais da ciência que do número de juizes? Deve ser procurado entre nós se há alguém competente em relação ao objeto da discussão. Se existir um entre nós alguém competente, em relação ao objeto em discussão, devemos nele crer. Logo, procuraremos aquele que mais estudou e praticou esta arte sob a direção de bons mestres.” (cf. LACHES 184e-185a)
Melésias, interlocutor de Sócrates, não apresenta nenhuma objeção ao argumento desenvolvido. Em alguns momentos concorda imediatamente com ele, noutros não alcança a essência da premissa, mas um acordo é realizado sempre que são apresentados exemplos empíricos. A análise do segundo aspecto, a definição da coisa pela qual faz-se necessário um mestre, traz Nícias como interlocutor de Sócrates e apresenta o caráter moral da educação para os jovens.
Argumento: a) “Devemos compreender o objeto sobre o qual deliberamos. Devemos saber a que propósito procuramos alguém que seja competente em relação ao objeto de deliberação. Quando deliberamos sobre um remédio para os olhos é sobre os olhos que falamos? Quando perguntamos se é necessário colocar freio a um cavalo é este e não o freio que é o objeto da pesquisa? Portanto, todas as vezes que deliberamos sobre algo em vista de outro é sobre este outro algo que recai a deliberação” b) “Quando discutimos tendo em vista um fim é este o objeto da discussão e não o meio subordinado ao fim.
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conhece bem o filho de Sophronisque para fazer esta proposição e desenvolve um argumento em defesa dele, apontando todos os passos do método purgativo.
Argumento: Você não encontrou com Sócrates na idade adulta “Se pertencemos ao grupo íntimo e à família dos interlocutores habituais de Sócrates somos forçados, qualquer que seja o objeto escolhido, a nos deixar conduzir pelo fio da conversa à explicações sobre nós mesmos, sobre nosso próprio estilo de vida e sobre toda nossa existência anterior. Não podemos evitar de assim sermos tratados. Eu não escaparei de ser assim tratado. Não é ruim ser colocado a recordar o bem ou o mal que se tenha feito. Ficamos mais prudentes após passarmos por esta prova. Sócrates não acha que somente os jovens devem passar por esta prova. Portanto, não me oponho que Sócrates se entretenha conosco da forma que queira”. (cf. LACHES, 187e – 188b).
Após sua exposição, Nícias sugere a Laches que diga o que pensa a respeito. Este apresenta, então, um argumento sobre a necessidade de um discurso que seja coerente com as ações do homem de discurso, fazendo um paralelo entre o discurso, a harmonia e o músico. Aquele homem que estabelece um acordo entre suas palavras e seus atos, diz ele, é tal como o músico ideal que não se satisfaz apenas em colocar a mais bela harmonia em sua lira ou em qualquer instrumento. Mesmo não tendo conhecimento dos discursos, estrutura a defesa a favor de Sócrates exaltando suas ações.
Resposta de Laches: “Em matéria de discurso, meu caso é duplo. Eu pareço amar o discurso bem como detestá-lo. Ao ouvir um discurso, sobre a virtude, experimento uma felicidade profunda quando o homem que discorre é verdadeiramente digno de seu discurso estando, suas palavras, em acordo com seus atos. O argumentador que age ao contrário me aborrece. Parece ser ele um inimigo do discurso.” (cf. LACHES, 188c)
Defesa a favor de Sócrates: “Não conheço os discursos de Sócrates, mas conheço seus atos. Considero-o digno da melhor linguagem e da mais total liberdade da palavras. Serei feliz em ser examinado por ele.
O Método Socrático de Investigação e a Determinação dos Tipos de Virtude no Âmbito da Boa Vida
Eu consinto em aprender na minha velhice sob a condição de ser meu mestre um homem honesto. A honestidade do mestre é um pré-requisito, para que não me acusem de não alcançar o entendimento se me acontecer de escutar sem prazer. Que o mestre seja mais jovem, pouco conhecido, ou qualquer outra desvantagem deste gênero para mim tanto faz. “Portanto, convido Sócrates a me ensinar e a me examinar como quiser, e eu lhe mostrarei o que sei.” (cf. LACHES, 189a-b)
Lisímaco pede a Sócrates que ocupe o seu lugar e tome o interesse de seus filhos fazendo ele próprio as perguntas a Nícias e a Laches, pois, sua idade poderá fazê-lo esquecer das questões que gostaria de colocar. Com esta colocação fica definido como o diálogo deverá prosseguir. Sócrates será o mestre e conduzirá o elencos tendo como interlocutores Laches e Nícias, nos próximos passos definirá a virtude, ou de outro modo a coragem, como o objeto deste diálogo. A busca pelo objeto os faz retomar o caminho que haviam deixado, o exame do mestre que tiveram e dos discípulos que formaram. Se soubessem de um objeto que melhorasse efetivamente quem o possuísse conheceriam o objeto que procuram, como também o meio de adquiri-lo. Nos passos 190a-d num diálogo com Laches , o interlocutor que com ele procura alcançar a definição do que é x, apresenta seu argumento sobre a necessidade de se saber não apenas qual é a coisa buscada ,mas, o que ela é. A virtude é o todo no qual será buscado o elemento relacionado ao combate armado.
Argumento: a) “A presença da visão faz os olhos mais perfeitos. Temos o poder de procurar esta presença. Sabemos o que é a visão. Se não soubéssemos o que ela é , seríamos pobres conselheiros e tristes médicos dos olhos quando alguém nos perguntasse o melhor meio de obter a visão. Perguntam, a mim, sobre a melhor maneira de procurar para os seus filhos uma virtude, cuja presença possa aperfeiçoar suas almas. Portanto, é necessário prosseguir no conhecimento da virtude para que possamos aconselhar o melhor meio de adquiri-la.” b) “Devemos limitar-nos a uma das suas partes para verificarmos a qualidade do nosso saber. Devemos procurar entre as partes da virtude aquela que aparece o aprendizado do combate armado.
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todas as formas” e “... em que consiste esta faculdade que se exerce ao mesmo tempo relativamente ao prazer, a dor, a todas as coisas enumeradas e que chamamos de coragem.”(LACHES, 192b) Laches apresenta uma segunda definição, pois, foi conduzido a abandonar a anterior, uma vez que o elenchos não permite a correção de uma definição: “Parece-me que é uma certa força da alma se nós consideramos sua natureza em geral"(192c). Sócrates submeterá esta definição ao teste elêntico, apresentando objeções com o intuito de verificar sua sustentação.
Objeção de Sócrates: “Tenho dúvidas de que toda força da alma te pareça corajosa, digo isto porque, estou certo de que tu colocas a coragem entre as coisas mais belas.”
Argumento: “Mas não é força acompanhada de inteligência que é a mais bela e boa? E se ela é associada à loucura? Não é ela agora nociva e prejudicial? Podes chamar de bela uma coisa que é nociva e prejudicial? Uma é inconveniente e a outra é boa? Sendo isto a força da alma inteligente, o que será a coragem? Vejamos, então, em que ela deve ser inteligente.”(cf. LACHES, 192d – 193 b)
Continuação do Argumento: “É em relação a todas as coisas, pequenas ou grandes? Se um homem faz uma despesa inteligente prevendo lucro dirás tu que ele é corajoso? Um médico que pede a seu filho ou a qualquer outro doente, que sofre de pneumonia, a beber ou a comer e inflexível ele recusa com força. É isto coragem? Na guerra um homem, no qual a força da alma se apoia de tal modo na inteligência e nos preparativos, é ele mais corajoso do que aquele que, nas fileiras opostas, defende energicamente seu ataque? A energia deste é menos inteligente do que a daquele outro? E o bom cavaleiro que luta num combate de cavalaria, não é ele menos corajoso no teu entender do que o mau cavaleiro? E do mesmo modo o bom arremessador ou o bom arqueiro ou qualquer outro no qual a coragem se apoie sobre sua habilidade? Se tratar dele descer num poço ou de mergulhar, os homens que consentem em arriscar-se sem ser do meio não são eles mais corajosos que aqueles do meio? Entretanto, Laches, há menos inteligência quando se corre o risco e o afronta sem experiência que com o conhecimento da arte.
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Não dissemos há pouco que a força e a energia privada de inteligência eram inconvenientes e prejudiciais? E não tínhamos reconhecido que a coragem era uma coisa bela? Vemos agora que, ao contrário, nós chamamos coragem esta coisa inconveniente, uma força da alma desarrazoada. Deste modo, para retomar sua expressão, nossa harmonia não tem nada de dórico, pois nossos atos não concordam com nossa palavras.” (cf. LACHES, 193a-b) O interlocutor de Sócrates foi conduzido pelos exemplos apresentados a contradizer-se, ficando num impasse. Ele diz ter a idéia exata do que seja a coragem, mas não que consegue exprimi-la e abandona a busca pela natureza da coragem cedendo lugar a Nícias. Sócrates também está em aporia e pede a Nícias que os ajude dizendo- lhes o que pensa acerca da coragem. Em outros diálogos, quando o interlocutor e seu mestre chegam a um impasse, um outro interlocutor toma lugar na discussão, mas Laches não será colocado como ouvinte neste diálogo, a pedido do mestre passará a interrogar Nícias. Nícias recorda, então, a Sócrates que a definição apresentada não corresponde à idéia que ele mesmo havia pronunciado, ou seja, a afirmação “cada um de nós era bom nas coisas que sabíamos e ruins naquelas que ignorávamos”(194d). Tanto Sócrates quanto Laches estão inseguros quanto ao sentido dessa definição. Para um parece haver uma relação entre a coragem e um certo tipo de ciência, isto porque, a coragem está sendo compreendida como um ato humano e bom. Ato este praticado por um homem corajoso e sábio. O outro interlocutor discorda inteiramente dela, insistindo em querer saber a qual ciência Nícias se reporta e apresenta uma objeção.
Argumento: “ Na doença não é o médico que conhece o perigo? Queres dizer que os homens corajosos conhecem o perigo ou tomas o médico por corajoso? Os agricultores conhecem os perigos que fazem parte da agricultura. Os artesãos sabem o que devem temer e com o que podem contar Os agricultores e os artesãos não são bravos por isto.” (cf. LACHES, 195b-c). Nícias não vê verdade na objeção que lhe foi feita, pois, aceitá-la seria concordar com a idéia de uma ciência da medicina que, perante a doença, fosse além da distinção entre saúde e doença. Para ele, a coragem é “uma ciência das coisas que devemos temer e ousar, seja na guerra, seja em todas as circunstâncias” (195a) e o homem corajoso é
O Método Socrático de Investigação e a Determinação dos Tipos de Virtude no Âmbito da Boa Vida Laches volta-se para o mestre e lhe diz não compreender as palavras de Nícias, pois, parece que somente a algum deus devessem chamar de corajoso. Sócrates sai em defesa da definição de Nícias e irá interrogá-lo a pedido de Laches. Todas as opiniões apresentadas, nos diálogos iniciais de Platão, são submetidas ao teste elêntico. Aquelas que a ele resistem permanecem e aos defensores das demais são apontadas as suas deficiências. Sócrates passa a examinar a ciência do temível e do seu contrário para verificar se ela alcança a natureza da coragem, aquilo que está sendo buscado. No argumento seguinte começa a extrair de Nícias sua própria contradição, apontando, assim, seus equívocos e a fragilidade de sua opinião.
Argumento: “Tu afirmas que a coragem é a ciência do temível e do seu contrário? E que esta ciência não está ao alcance de todo mundo, pois, nem o médico nem o adivinho a possui necessariamente. E que eles só serão corajosos na condição de adquiri-la. Recusas a coragem até para a javali de Crommyon. É uma conseqüência da tua definição. Portanto, se a coragem é isto, é necessário sustentar que, o leão e o cervo, a pantera e o macaco são iguais neste caso.”(cf. LACHES,196d-e)
Laches concorda com Sócrates e retoma o diálogo pedindo a Nícias que lhe diga se está colocando os animais corajosos como sábios ou lhes negando a coragem. Para este, qualquer espécie de animal que despreze o perigo, por ignorância, é um temerário, um audacioso. Corajosos são aqueles dotados de reflexão e é a estes que ele se refere. Nícias responde ironicamente dizendo a Laches que não se inquiete, pois, é um sábio sendo corajoso. Sócrates toma a defesa de Laches afirmando que, a distinção do sentido dos nomes feita no discurso anterior, é proveniente dos sofistas, sobretudo de Pródigos. Deste modo, Nícias deveria lhes dizer qual a idéia correspondente à palavra coragem. Prosseguindo com a discussão, o mestre e seu interlocutor, continuam a inquirição, numa argumentação apoiada em três questões.
Argumento: 1ª parte: “Lembras, no começo da discussão abordamos o estudo da coragem considerando-a como uma das partes da virtude?
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Respondestes que ela era somente uma parte, entre outras, de um todo chamado virtude. Virtude designa também sabedoria, justiça, coragem, temperança e outras qualidade do mesmo gênero. Portanto, até aqui nenhuma discordância.” (cf. LACHES, 198 a) 2ª parte: “Sobre o temível e seu contrário, façamos de conta que não temos opiniões diferentes e nos dirás se a aceitas. Chamamos de temíveis as coisas que despertam o medo, Tranquilizadoras aquelas que não o desperta. Se o que desperta o medo não é nem o mal passado, nem o mal futuro, é o mal que virá, contando que o medo é a espera pelo mal futuro. Esta é tua visão Laches? Nícias entendes qual é a nossa tese? Chamamos coisas temíveis os males futuros e tranquilizadoras, se elas acontecem, aquelas que não são males futuros ou são o bem. É ao conhecimento destas coisas que dás o nome de coragem?”(cf. LACHES, 198b-c)
3ªparte: “Estás em acordo conosco para reconhecer que a ciência é sempre idêntica a ela mesma relativamente às coisas idênticas, quer sejam estas passadas, presentes ou futuras? A coragem é para ti a ciência do temível e do seu contrário? Dissemos que o temível é um mal futuro e o tranquilizador um bem a vir. A mesma ciência se aplica às mesmas coisas, no futuro e em todos os outros tempos. Então, a coragem não é somente uma ciência do que é temível e do seu contrário. Desta forma, tu não respondestes mais do que a terça parte da coragem, quando te perguntamos sobre a coragem inteira. Portanto, resulta do teu próprio discurso que a coragem não é somente a ciência do temível, mas antes a de todos os bens e de todos os males em todos os tempos.” (cf. LACHES, 199a-e)
A cada passo, Nícias, distancia-se de sua definição inicial e lhe é perguntado se não julga necessário modificá-la, com o que ele concorda. Sócrates dá, então, prosseguimento à sua objeção que culminará numa aporia do diálogo e do interlocutor.