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I. A IGREJA NA TEOLOGIA DOS REFORMADORES. A teologia da Reforma é amplamente dominada por duas perguntas: Como posso ter um Deus gracioso? e Onde posso ...
Tipologia: Notas de aula
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FIDES REFORMATA 4/2 (1999)
Antonio José do Nascimento Filho*
Antes de analisar o ensino dos reformadores sobre o laicato, um retrospecto geral mostrará a posição da Igreja Católica Romana com respeito ao assunto no período da Reforma. Na época em que o cristianismo tornou-se a religião aceita do Império Romano, o sistema hierárquico de autoridade estava plenamente estabelecido na igreja. Os leigos ficavam naturalmente na camada mais baixa. Vários níveis de posição separavam-nos dos bispos colocados no topo. Enquanto a igreja estava cada vez mais institucionalizada, os cristãos comuns pareciam tornar-se cada vez menos essenciais nas atividades da igreja. Mais e mais o seu papel foi se tornando o de receber e seguir obedientemente o que descia do alto da escala hierárquica. A assim chamada Idade das Trevas manteve a tendência já mencionada. Enquanto a igreja e o estado continuavam a disputar a sujeição da massa popular, o cristão comum não se sentia estimulado a ir muito além de seguir as regras e regulamentos impostos pela igreja. A tradição da Igreja Católica Romana fez uma nítida diferenciação entre leigos e religiosos. Estes eram os que assumiam as ordens, compreendendo dois grupos, os sacerdotes e os monges. A ordenação era a designação para um determinado ofício, feita por um bispo, incluindo autorização e responsabilidade para realizar os deveres do ofício atribuído. A distinção entre o clero e o laicato foi mantida e aceita como divinamente estabelecida.^1 Na teologia e ensino católicos, o sacerdócio consagrado pelo sacramento da ordem era visto como comissionado para cumprir a tríplice função do ofício sacerdotal: ensino, administração e santificação. Assim, o sacerdote, como membro da hierarquia, cumpria a missão da igreja divinamente estabelecida, como autoridade de ensino e agente sacramental, tornando disponíveis ao laicato os meios de graça através dos sacramentos.^2 A distinção entre o laicato e o clero na tradição católica romana era correspondente à distinção entre a igreja e o mundo. A igreja era concebida como societas perfecta (sociedade perfeita), porém inequalis (desigual), com os status clericalis e laicalis , tendo cada grupo seus respectivos direitos e responsabilidades.^3 O clero, com o direito e a responsabilidade de administrar os sacramentos, era ordenado para uma vocação sagrada. O laicato, que precisava receber os sacramentos e o ensino, devia procurar o seu trabalho no mundo, o ambiente profano. Eclesiasticamente, a igreja, o ambiente sagrado, tinha prioridade sobre o profano. Implícita nessa distinção estava a valorização do ofício do clérigo. Os monásticos, que renunciam à participação eclesiástica no mundo (isto é, o profano) por assumirem os votos de celibato, pobreza e obediência, eram designados para a atividade religiosa.^4
Uma abordagem significativamente diferente da condição e papel do laicato ficou evidente na Reforma Protestante do século XVI. É geralmente aceito que a história moderna iniciou-se no período da Reforma liderada por Martinho Lutero, João Calvino, Ulrico Zuínglio e outros líderes. A Renascença estava proporcionando educação a um número cada vez maior de pessoas não pertencentes ao clero. Tudo isto levou os leigos a desempenharem um papel mais positivo na igreja e na sociedade. Foi o movimento da
Reforma, juntamente com o Renascimento, que encaminhou os leigos em direção a uma nova liberdade e nova responsabilidade.^5 Martinho Lutero (1483-1546), em sua obra Apelo à Nobreza Cristã da Nação Germânica , rejeitou a estrutura hierárquica da Igreja Católica Romana, bem como a distinção entre clero e laicato. O princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, visto como um ensino essencial da Palavra de Deus, forneceu uma base para a insistência na primazia do laicato nas igrejas protestantes. A vocação do ministério, visto como necessário para a vida e prática da igreja, era responsabilidade delegada a pessoas da comunidade dos crentes, que eram comissionadas pela congregação para ensinar, pregar e participar do culto e da adoração. Assim, aqueles que eram comissionados para serem ministros tornaram-se oficiantes para as ocasiões ritualísticas.^6 João Calvino (1509-1564) enfatizou a importância de todos os membros da igreja, que eram coletivamente o laicato, viverem de tal modo a realidade de sua condição de eleitos de Deus que ficasse evidente em sua atividade no mundo a manifestação da glória de Deus e a realização diligente desse mandato. Embora o princípio teológico do sacerdócio universal de todos os crentes tenha sido fundamental ao protestantismo, na prática o ministério ordenado era tido como prioridade na manutenção de seu ensino, pregação e responsabilidades litúrgicas, para o que eram necessários treinamento e educação teológica.^7
I. A IGREJA NA TEOLOGIA DOS REFORMADORES A teologia da Reforma é amplamente dominada por duas perguntas: Como posso ter um Deus gracioso? e Onde posso encontrar a verdadeira igreja? A unidade desses dois problemas fundamentais – a busca de um Deus gracioso e da verdadeira igreja – pode ser vista com surpreendente clareza nas teologias de Martinho Lutero e João Calvino. Para Lutero, por exemplo, a resposta a ambas as indagações era dada com radical simplicidade no evangelho do livre perdão, da justificação pela graça imerecida de Deus recebida somente por meio da fé.
A. O Centro Cristológico em Lutero e Calvino Na ênfase de Lutero, o impulso eclesiológico inicial da Reforma é evangélico e cristológico. Isto quer dizer que a natureza e essência da igreja é compreendida pelo reformador à luz de seu profundo embasamento nos evangelhos e na realidade da pessoa e obra de Jesus Cristo. Como E.H. Rupp assinala, os primeiros reformadores, particularmente Lutero, “não estavam preocupados em definir a circunferência da igreja, mas com a proclamação de seu centro cristológico.”^8 Para Lutero e todos os demais reformadores, o evangelho constituía o centro cristológico da Reforma. Esse foi o impulso inicial da eclesiologia da Reforma. A igreja foi criada pela presença viva de Cristo através de sua Palavra, o evangelho. Onde o evangelho é encontrado, Cristo está presente. Como Lutero citou em seu grande catecismo: “Onde Cristo não é pregado, não há Espírito Santo para criar, chamar e reunir a igreja cristã.”^9 Essa convicção repousa na raiz de toda a luta travada pela Reforma e foi compartilhada pelos reformadores luteranos e reformados. Os reformadores foram intransigentes e indivisos quanto a esse princípio; ele forneceu o distinto conceito reformista da igreja, informando e inspirando não somente a doutrina das marcas da verdadeira igreja (“ essentia ecclesiae ”), mas também o ensino dos reformadores acerca do ministério e o seu conceito de missão.^10 Lutero veio a perceber que a sua compreensão da natureza do evangelho implicava na desnecessidade da igreja considerada somente como estrutura visível e hierárquica. Como afirmou o estudioso luterano Werner Ellert:
Por algum tempo pode ser que a Reforma no sentido de Lutero significasse a destruição ou abolição da igreja, porque queimar a bula papal de excomunhão e o corpo da lei canônica era repudiar não somente a forma existente, mas qualquer
dentro dela, distribuindo dons variados individualmente, e preeminentemente os dons de amar, ordenar, unificar e santificar seus membros.^19
II. AS CONFISSÕES REFORMADAS E A IGREJA O desenvolvimento da doutrina da igreja nas igrejas reformadas no período imediatamente posterior à Reforma pode ser melhor ilustrado com base em algumas das confissões e outros documentos das igrejas entre a metade do século XVI e a metade do século XVII. A Confissão de Fé Francesa (1559) foi publicada pelo sínodo nacional da Igreja Reformada da França. Seu principal autor foi Calvino. Os artigos XXV a XXVIII tratam da igreja e seus ministros.^20 Essa confissão de fé afirma notavelmente que a igreja como povo de Deus é compreendida por aqueles que seguem obedientemente a Palavra de Deus: “A verdadeira igreja... é a companhia dos fiéis que concordam em seguir a Palavra de Deus e a religião pura que ela ensina... Entre os fiéis pode haver hipócritas e réprobos, mas a sua maldade não pode destruir o título da igreja.”^21 A Confissão de Fé Escocesa (1560) foi principalmente obra de John Knox, tendo sido ratificada pelo Parlamento Escocês em 1567. Os capítulos V e XVI-XVIII tratam da igreja.
Sempre houve uma Kirk [termo usado para a Igreja Nacional da Escócia], e sempre haverá até o fim do mundo. Ela é católica (universal) porque contém os escolhidos de todos os tempos, de todos os reinos, nações e línguas. Ela é a comunhão dos santos, que têm um Deus, um Senhor Jesus, uma fé e um batismo... Ela é invisível, conhecida somente de Deus, e inclui os eleitos que partiram (a Igreja triunfante) e os eleitos que ainda vivem ou viverão.^22
A igreja verdadeira é caracterizada pela autêntica pregação, pela administração dos sacramentos e por sua universalidade, reunindo os crentes de todas as nações e línguas. A Confissão de Fé Helvética (1566) foi adotada por todas as igrejas reformadas suíças e permaneceu em vigor até meados do século XIX. O capítulo XVII trata da Igreja de Deus Santa e Católica (universal) e da Única Cabeça da Igreja, e o capítulo XVIII aborda os Ministérios da Igreja, sua instituição e deveres: “Porque Deus desde o princípio tinha homens para serem salvos... (1 Timóteo 2.4), sempre foi necessário que houvesse uma Igreja, e deva haver agora, e até o fim do mundo.”^23 A Confissão de Fé Helvética também enfatiza que a igreja é uma assembléia dos fiéis chamados ou reunidos do mundo; uma comunhão de todos os santos, que pela fé participam dos benefícios oferecidos por meio de Cristo. Outro ponto relevante enfatizado pela Confissão Helvética é encontrado no capítulo XVIII. Esse capítulo trata em considerável extensão do ministério. Estabelece que o ofício do ministro é uma prerrogativa e uma providência do próprio Deus para o estabelecimento, governo e preservação da igreja. No Novo Testamento, os ministros foram chamados de apóstolos, profetas, evangelistas, bispos (supervisores), anciãos, pastores e mestres (Efésios 4.11). A Confissão fala de bispos (definidos como supervisores e vigias da igreja, que administram o alimento e as necessidades da vida da igreja), anciãos, pastores e mestres, como sendo suficientes para aqueles dias. Dá ênfase aos ministros da igreja como servos. O Novo Testamento fala de todos os crentes como sacerdotes, pois eles são capazes de oferecer sacrifícios espirituais a Deus por meio de Jesus Cristo.^24 A Confissão de Fé de Westminster (1647) também aborda o assunto. Durante a Guerra Civil na Inglaterra, o Parlamento instalou a Assembléia de Westminster para fazer recomendações para a reforma da igreja na Inglaterra. Embora a assembléia incluísse alguns episcopais e independentes, a maioria de seus membros era composta de calvinistas, o que permitiu uma forma presbiteriana de governo. A assembléia elaborou uma confissão para Igreja da Inglaterra em 1647, que foi aprovada pelo Parlamento em
invisível, distinta da igreja visível, é estabelecida com muita clareza no capítulo XXV.
A igreja católica ou universal, que é invisível, consiste de todo o número de eleitos, que foram, são e serão reunidos em um, sob Cristo sua cabeça; e ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que satisfaz a todos em tudo. A igreja visível, que é também católica e universal sob o evangelho, consiste de todos aqueles, espalhados por todo o mundo, que professam a verdadeira religião, e de seus filhos; e é o reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus.^25
O conceito dos reformadores acerca da igreja, bem como o conceito das confissões de fé reformadas dos séculos XVI e XVII, salientam a igreja de Jesus Cristo composta de todos os crentes espalhados pelo mundo, os quais professam a fé cristã com seus filhos. As metáforas de esposa, corpo e família são usadas para a igreja, o povo de Deus. Portanto, o entendimento cristão da igreja advogado pelos reformadores e pelas confissões de fé mencionadas acima não favorece a distinção entre o clero e o laicato nem identifica a igreja com a estrutura hierárquica reconhecida na Igreja Católica Romana.
III. A DOUTRINA DO SACERDÓCIO DE TODOS OS CRENTES De todas as ênfases da Reforma Protestante na área eclesiológica, talvez nenhuma tenha conseqüências tão amplas para a vida e missão da igreja como a ênfase no sacerdócio de todos os crentes. Os reformadores insistiram no sacerdócio universal dos crentes em oposição ao clericalismo daquela época. Eles afirmaram o princípio bíblico de que todo cristão é ministro de Deus, de que cada pessoa é um sacerdote. O significado mais pleno da expressão é que todos os cristãos são sacerdotes uns dos outros, pois o sacerdócio refere-se ao ministério mútuo de todos os crentes. No convívio dos crentes, cada pessoa faz parte da comunhão dos perdoados e perdoadores. Todos os crentes, ordenados e não ordenados, derivam o seu sacerdócio daquele único, santo e eterno sacerdócio de Cristo. A realidade fundamental do ministério de toda igreja servidora, realidade essa básica para qualquer compreensão verdadeira do ministério — pleno ou parcial, profissional ou amador — dentro da comunidade de fé, é o sentimento de que toda a igreja é ministerial, é ministério. O protestantismo deve retornar à sua herança e reviver a doutrina do sacerdócio de todos os crentes.^26
A. O Sacerdócio de Cristo e a Igreja A boa-nova do Novo Testamento é que não mais existem o sacerdócio da classe clerical do Velho Testamento e o laicato não sacerdotal. Todo sacerdócio, leigo e ordenado, deriva do sacerdócio único, santo e eterno de Cristo, e todo ministério é ministério de Cristo, do qual os crentes são privilegiados em participar de acordo com seus dons. Vincent Donovan declara:
Naquele momento único e supremo de sua vida, quando Jesus ofereceu sacrifício uma vez por todas, ele reuniu em si mesmo todo o sentido do sacerdócio e sacrifício, e obliterou para sempre a necessidade da classe sacerdotal. O resultado daquela ação e sua inteira contribuição original foi, pela primeira vez na história da religião, habilitar todo um povo para ser sacerdote. Não é esta uma das maiores diferenças entre o cristianismo e todas as outras religiões sobre a face da terra?^27
O sacerdócio de Cristo – e o sacerdócio de toda a igreja – contrasta fortemente com a compreensão veterotestamentária sobre o sacerdócio que deu origem a uma classe
sacerdotal. O sacerdócio de Cristo não é herdado, pois Cristo foi descendente de Judá, uma tribo à qual Moisés não fez nenhuma referência ao falar sobre os sacerdotes. Antes,
Cristo foi um sacerdote segundo a ordem Melquisedeque, do qual pouco ou nada se
Ninguem pode negar que todo cristão possui a Palavra de Deus e é ensinado e ungido por Deus para ser sacerdote.”^31
Karlstadt, que se apressou em adotar e explorar a doutrina do sacerdócio de todos os crentes, assim se expressou: “A Palavra de Deus é uma fonte da qual flui o Espírito nos crentes, e renova-os, e faz deles um reino de Deus.”^32 Em seu livro Apelo à Nobreza Cristã da Nação Germânica , de 1520, Lutero atacou as paredes erigidas pelos romanistas em torno de privilégios que impediam a reforma da igreja, a primeira das quais era precisamente a distinção entre os estados espiritual e temporal, que carregava em si tão dúbias conseqüências, como, por exemplo, o benefício do clero.
É pura invenção que o papa, bispos, sacerdotes e monges sejam chamados estado espiritual, enquanto príncipes, senhores, artesãos e fazendeiros sejam chamados estado temporal. Esta é, realmente, uma peça de falsidade e hipocrisia. Entretanto, ninguém precisa ficar intimidado por isso, e por esta razão: Todos os cristãos são verdadeiramente do estado espiritual e não há nenhuma diferença entre eles, exceto a de ofício... Isto é assim porque todos temos um batismo, um evangelho, uma fé, e todos somos igualmente cristãos; pois batismo, evangelho e fé, por si mesmos, fazem-nos espirituais e um povo cristão... somos todos consagrados sacerdotes por meio do batismo, como Pedro diz: “Vós... sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa” (1 Pedro 2.9).^33
Este foi apenas um aspecto do ensino de Lutero sobre o sacerdócio dos crentes. A doutrina do sacerdócio universal estava intimamente relacionada com a afirmação de Lutero de que: (1) somente a Bíblia possui autoridade infalível, e (2) o cristão tem o direito de provar todas as coisas pelas claras palavras da Escritura. Esse princípio envolvia não somente a relação imediata do crente com Deus, mas também a questão da autoridade da igreja institucional. Lutero estava desejoso de chegar à conseqüência fundamental desta posição: papas e concílios da igreja estão sujeitos a erro e todo cristão que possui as claras palavras da Escritura está na posição de julgar quanto à verdade do que dizem papas e concílios.^34 Lutero atribuiu o direito de exercitar a função profética ao crente como sacerdote. Isto se deve indubitavelmente ao fato de que a sua concepção dos direitos e deveres do crente na igreja se desenvolveu numa situação em que essa função era prerrogativa de um oficial institucional chamado sacerdos (sacerdote). Mas seus repetidos apelos a 1 Pedro 2.9 são importantes nesse contexto. Lutero estava lidando com uma conexão entre a função profética dos crentes e seu ofício sacerdotal que está enraizada na própria Escritura, não sendo simplesmente o resultado de uma situação histórica em que a comunicação da Palavra de Deus tivesse sido reservada a um funcionário ordenado chamado sacerdote. Embora seja verdade que os crentes são vistos no Novo Testamento atuando como profetas, sacerdotes e reis (Atos 2.17-18; Apocalipse 5.10; 20.5-6), a síntese dos ofícios encontrada em 1 Pedro 2.9 é especialmente significativa.
2. JOÃO C ALVINO A idéia do sacerdócio de todos os crentes amadurecida na mente de Calvino estava ligada à sua convicção de que o crente não requeria a mediação de um sacerdócio humano em sua aproximação a Deus. Para Calvino, o sacerdócio universal é entendido como algo que expressa a relação entre o crente e seu Deus. Ele se refere à liberdade do cristão para chegar a Deus sem a mediação humana; nenhuma terceira parte precisa ou pode interpor-se entre o indivíduo e seu Criador. Cristo é, ele mesmo, profeta, sacerdote e rei, e ostenta esses ofícios em favor dos crentes: seu sacerdócio é compartilhado com o seu povo. Em sua obra Institutas da Religião Cristã, Calvino afirma:
Cristo agora ostenta o ofício de sacerdote; não somente pela lei eterna de reconciliação pode ele fazer que o Pai seja favorável e propício a nós, mas também que ele possa admitir-nos em sua nobre aliança. Pois nós, embora em nós mesmos corrompidos, sendo nele sacerdotes (Apocalipse 1.6), oferecemos o nosso todo a Deus e livremente entramos no santuário celestial, de modo que os sacrifícios de oração e louvor que apresentamos são agradáveis e de suave odor perante ele.^35
Calvino ainda reitera:
Moisés chamou seus pais um reino sagrado porque todo o povo desfrutou, por assim dizer, de uma libertação real, e do seu conjunto foram escolhidos os sacerdotes; ambas as dignidades foram, portanto, reunidas: Mas agora sois sacerdotes reais, e de fato de uma forma mais excelente, porque sois, cada um de vós, consagrados em Cristo, para que possais ser cidadãos do seu reino e participantes do seu sacerdócio. Assim, pois, os pais tiveram alguma coisa semelhante ao que tendes, porém tendes muito mais do que eles. Pois depois que o muro de separação foi derrubado por Cristo, somos agora reunidos de todas as nações, e o Senhor confere estes altos títulos a todos os que formam o seu povo.^36
Com Calvino e outros reformadores a condição do laicato foi vitalmente interligada aos ensinos bíblicos da livre graça e salvação para todos os fiéis. Calvino não negou a validade do sacerdócio e ministério dos líderes ordenados, mas opôs-se violentamente aos abusos do clericalismo, que negava às pessoas leigas seus plenos direitos e responsabilidades como servos de Deus redimidos e restaurados. Outros reformadores da época defenderam a mesma causa.^37 No ensino dos reformadores, uma importante verdade da doutrina do sacerdócio de todos os crentes foi a afirmação do dever que todos os cristãos têm, pelo fato de pertencerem ao sacerdócio da fé, de servirem uns aos outros. Assim, a igreja surge como a comunidade de crentes em Cristo que tanto ouvem a Palavra de Deus como a praticam. O princípio do sacerdócio de todos os crentes compreende não somente os direitos, mas também as obrigações de cada crente. Ele requer que todo cristão seja um sacerdote para os seus semelhantes, ajudando-os a conhecer e compreender a verdade de Deus revelada em Jesus Cristo.
C. Os Magistrados nas Igrejas da Reforma Além disso, deve-se acentuar o papel decisivo dos magistrados nas igrejas da
Reforma como um dos princípios fundamentais da teologia protestante. A Reforma tinha sido uma tentativa de afastar a dominação clerical e de dar ao laicato uma participação
significativa no governo da igreja. Em 1520, Lutero havia apelado aos nobres alemães, como membros do sacerdócio universal, para assumirem a reforma da igreja.
Há, certamente, uma diferença de natureza entre igreja e estado, exatamente como há entre cristão e cidadão, mas não precisa ser uma diferença de pessoa; o mesmo
indivíduo pode ser tanto cristão quanto cidadão. Na mente de Lutero, a autoridade espiritual da igreja é exercida somente sobre a alma. Essa autoridade é persuasiva, e não
coercitiva. Como fica demonstrado nos rituais luteranos, o reino de Cristo é espiritual — o conhecimento de Deus no coração e na vida de fé. O poder das chaves é simplesmente o
poder de pregar o evangelho e administrar os sacramentos.^38 A autoridade temporal do magistrado, por outro lado, é entendida como uma
autoridade sobre os corpos e bens dos homens, não sobre as suas almas. É coercitiva em vez de persuasiva. Entretanto, embora o magistrado, sendo leigo, não possa decidir sobre
doutrina, deve esforçar-se para que ela seja mantida. O seu primeiro dever é a prosperidade da glória de Deus. Melanchton apela ao imperador Carlos V:
igreja.^42 Nas passagens do Novo Testamento em que aparece a expressão ou o conceito de laos de Deus, ela abrange toda a comunidade de crentes, e não apenas um grupo seleto dentro do corpo. Esse povo de Deus é a igreja, a comunidade peculiar composta de todos os escolhidos por Cristo. É a comunidade em que Cristo é Senhor, e que recebe desta convicção o poder para agir e testemunhar no mundo. Nenhuma distinção clerigo-leigo existe na mente de Deus. Todo crente é parte do laos e possui um ministério dado por Deus para edificar a sua igreja. Todos devem encontrar um significado pessoal ao compreenderem o que é ser uma das pessoas convocadas por Deus. No Novo Testamento, a palavra hebraica am torna-se o grego laos , no sentido especial do povo da aliança chamado por Deus. Deus toma os indivíduos que crêem em Jesus, tanto judeus como gentios, e os separa dos ethnoi (as nações) para fazê-los um laos (povo) para si mesmo (Atos 15.14). Em Cristo, os crentes são agora tanto o templo como o povo de Deus (2 Coríntios 6.15). O Deus de santidade fez morada em suas vidas; e porque ele agora vive entre eles como o seu Deus, eles lhe pertencem de forma especial. Os termos leigo e laicato têm a sua origem no ensino do Novo Testamento de que os cristãos, como herdeiros da bênção do povo de Deus do Velho Testamento, constituem o laos Theou (povo de Deus, Atos 15.14, Hebreus 4.9, 1 Pedro 2.10). O uso dessas palavras com esse significado é inteiramente admissível; deixar de usá-las na presente situação da igreja constitui um empobrecimento do vocabulário eclesial extraído do Novo Testamento. Hoje, entretanto, os termos leigo e laicato são freqüentemente usados para distinguir nitidamente entre ministros ordenados e membros comuns da igreja, com a conotação de que o laicato compreende os cristãos de classe inferior. O termo laos nunca é usado no Novo Testamento para fazer uma distinção entre a comunidade cristã dos que crêem e os seus líderes.^43 Neste estudo, os termos leigo e laicato são usados para denotar o povo de Deus que é chamado por Deus para realizar tarefas específicas no seu serviço. A distinção entre esse povo e seus líderes é vista como de função e não de mérito ou valor.^44 Esse relacionamento único com Deus é uma valiosa possessão de todos os seus filhos. Sendo todos agora filhos de Deus por meio da fé em Cristo Jesus, não há entre o seu povo “judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher” (Gálatas 3.28). Porque os crentes foram unidos em um corpo pela ação do Espírito, as velhas distinções pelas quais os homens eram avaliados e seu valor atribuído tornou-se irrelevante (1 Coríntios 12.13). O apóstolo Paulo afirma: “Não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos” (Colossenses 3.11).
B. O Ministério do Laicato na Igreja Primitiva A palavra grega para ministério é diakonia , sendo significativo que no tempo do Novo Testamento esse termo era, como ainda é, o meio mais adequado para designar de modo abrangente aos obreiros da igreja e ao seu trabalho. Quando Paulo apresenta os relatos de várias funções realizadas por indivíduos (leigos) na igreja primitiva (1 Coríntios 12.4-30; Efésios 4.7-12), ele fala da variedade dos ministérios. Refere-se a si mesmo e a outros obreiros como ministros, e ao seu trabalho como ministérios de reconciliação ( Coríntios 3.6; 11.23; 2 Coríntios 5.18-21,25; 4.7; 5.18). Na carta aos Efésios, ao resumir o significado dos apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, Paulo usa a mesma palavra: o trabalho do ministério. Em Atos, o próprio apostolado é descrito em termos de diakonia (Atos 1.17; Efésios 4.11,12). A palavra ministério, quer em grego ou em português, significa simplesmente serviço; e embora ela rapidamente tenha passado a designar um ofício eclesiástico específico, o ofício do diácono, o seu sentido original mais amplo nunca foi completamente perdido. O obreiro cristão também é freqüentemente caracterizado no Novo Testamento como
um escravo de Cristo (em grego, doulos ). Paulo e outros obreiros designam a si mesmos dessa maneira. Porém, a ênfase desse termo recai basicamente sobre um status ou relacionamento – o escravo é propriedade de seu senhor, pertence totalmente a ele – ao passo que diakonos denota não primariamente um status (embora isto possa estar implícito), mas uma função, a função de serviço útil. Um ministro ( diakonos ) de Cristo é útil para Cristo, auxiliando no cumprimento dos propósitos de Cristo no mundo. Quando a igreja é vista dessa perspectiva, a caracterização de Paulo sobre a mesma assume um sentido especial e assaz relevante: “Todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Efésios 4.16). Nesse contexto, o ministro pastoral ( diakonos ) ocupa o seu lugar, não acima, mas ao lado de todos os outros membros do corpo, cada um dos quais tem a sua própria diakonia (serviço, ministério) para realizar. O apóstolo Paulo afirma:
Há muitos membros, mas um só corpo. Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários... Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros (1 Coríntios 12.20-25).
Segundo Paulo, todo membro do corpo de Cristo (a igreja) deve ser olhado como possuidor de algum dom da graça de Cristo. Uma pessoa não pode ser enxertada no corpo de Cristo sem partilhar, em alguma medida, da verdade e da vida de Cristo. Desse modo, todo membro e junta do corpo tem alguma contribuição a dar, algum serviço ( diakonia ) a realizar para a edificação do corpo. O serviço ou ministério pode ser o da pregação ou ensino, pode ser o de contribuir ou realizar atos de misericórdia, pode ser simplesmente manifestar o espírito de fé, esperança e amor na koinonia (vida comunitária) da igreja. Ninguém ou nenhum grupo executa todos esses ministérios. Todos participam de um ou mais dos mesmos. Cada um e todos os dons de Cristo são necessários para o funcionamento harmônico de todo o corpo. Nenhuma forma de serviço pode depreciar uma outra como insignificante ou desnecessária.^45
C. O Laicato e a Comunicação do Evangelho nos Primeiros Dias da Igreja O livro de Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo mencionam muitas pessoas que foram essenciais à vida da igreja em seu nascedouro e na disseminação do evangelho. Muito mais que uma responsabilidade, a proclamação das boas novas em Cristo era um estilo de vida para a comunidade neotestamentária. O evangelismo era então responsabilidade de todos os crentes. Green faz o seguinte comentário:
Vimos apóstolos e profetas andarilhos, nobres e pobres, intelectuais e pescadores, todos participando da tarefa básica atribuída por Cristo à sua igreja. As pessoas comuns [os leigos] da igreja viram aquilo como sua incumbência: o cristianismo foi supremamente um movimento leigo, irradiado por missionários informais.^46
Por certo, era igualmente importante para recomendar a fé cristã o estilo de vida caracteristicamente piedoso dos cristãos comuns, que praticavam a sua fé na vida diária. Sem dúvida, o seu exemplo era um poderoso testemunho da plenitude de Cristo e do seu amor pela humanidade. As comunidades cristãs eram seguramente o corpo de Cristo no mundo. A mais antiga referência explícita à comunicação leiga do evangelho após o Pentescoste ocorre em Atos 8.1, 4, onde Lucas, historiando o fato, afirma: “Naquele dia levantou-se uma grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram espalhados pelas regiões da Judéia e Samaria... Os que foram dispersos
crentes na Macedônia e na Acaia’.”^47 Hendriksen afirma:
Eles [os cristãos tessalonicenses] são comparados a um arco parabólico ou um painel de ressonância que reforça os sons emitidos e faz com que viajem em várias direções... Assim também a Palavra do Senhor tinha sido recebida por aquelas pessoas em Tessalônica... [A Palavra] tinha sido reforçada por sua própria experiência jubilosa em aceitá-la, e assim fortalecida ecoou ao derredor.^48
V. O CONCEITO DE LUTERO E CALVINO SOBRE A COMUNICAÇÃO LEIGA DA FÉ CRISTA Nos dias dos reformadores o termo descrente aplicava-se a muitos que Roma considerava fiéis. Para os reformadores, descrentes eram todos os que, por qualquer razão, não confessavam ou viviam a fé revelada no evangelho. A verdadeira Reforma da igreja requeria a aceitação do evangelho por aqueles que tinham sido mantidos na ignorância do seu poder. A tarefa de difundir esse conhecimento verdadeiro de fé e vida exposto na Escritura Sagrada foi entregue aos membros comuns da igreja. Lutero fundamenta na doutrina do sacerdócio de todos os crentes a sua admoestação no sentido de que todos devem anunciar a Palavra de Deus. Contrastando Israel e a igreja num sermão pregado na igreja do Castelo de Torgau, em 1544, ele declarou:
Porém nós, que estamos no reino de nosso Senhor Jesus Cristo, não estamos desse modo confinados a uma tribo ou lugar, de modo que tenhamos de aderir a um único lugar e ter somente uma raça ou uma espécie de pessoas particulares e separadas. Antes, somos todos sacerdotes, como está escrito em 1 Pedro 2.9; de sorte que todos nós devemos proclamar a Palavra e as obras de Deus em todo tempo e em todo lugar, e pessoas de todas as classes, raças e posições podem ser chamadas especialmente para o ministério, se tiverem a graça e o entendimento das Escrituras para ensinar a outrem.^49
Lutero relaciona essa prerrogativa oficial com o batismo. Argumentando contra o ensino de Roma, ele afirma:
Se eles forem forçados a admitir que todos nós que fomos batizados somos igualmente sacerdotes, como de fato somos, e que o ministério é confiado somente a eles, entretanto com nosso comum consentimento, saberiam que não têm nenhum direito sobre nós, a menos que o admitíssemos. Pois assim está escrito em 1 Pedro 2.9: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real.” Portanto, somos todos sacerdotes, tanto quanto somos cristãos. Mas os sacerdotes, como os chamamos, são ministros escolhidos entre nós. Tudo o que eles fazem é feito em nosso nome; o sacerdócio é nada mais do que um ministério.^50
Noutro lugar, Lutero faz a seguinte assertiva:
O único genuíno ofício de pregar... é comum a todos os cristãos. Paulo diz... que Deus “nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança”... Essas palavras Paulo proferiu para todos os cristãos: que [Deus] pode fazer de todos eles ministros do Espírito... Pedro fala a todos os cristãos em 1 Pedro 2.9... Uma vez que todos os cristãos são chamados das trevas, cada um tem o compromisso de declarar o poder daquele que o chamou... Cristo deu a cada um o direito e poder de avaliar e decidir, exortar e pregar... todos os cristãos têm o bom e perfeito direito de exortar e pregar com base na Escritura.^51
Lutero acentua nesse ponto a liberdade do cristão. O cristão é livre para imitar a Cristo e para seguir o exemplo de Deus que salvou as pessoas por causa da sua livre
misericórdia. Lutero recomenda o ofício do sacerdócio nestas palavras de exortação a todos os cristãos, com base no Salmo 117:
Então, com base nisto, confesse-o perante o mundo livre e abertamente – pregue, louve, glorifique e dê graças. Esse é o único e verdadeiro culto a Deus, o verdadeiro ofício do sacerdote, e a mais excelente e mais aceitável oferenda – como diz Pedro (1 Pedro 2.9): “Vós sois... sacerdócio real... a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” Sim, nossa boca será esbofeteada por tal louvor, pois o mundo não quer ouvi-lo e não pode suportá- lo.^52
Entre o reformadores, nenhum falou com mais clareza do que João Calvino a respeito da questão da comunicação leiga da fé cristã. Calvino apela repetidas vezes aos crentes no sentido de demonstrarem interesse por seu próximo descrente. No contexto da época (século XVI), descrentes eram as pessoas comuns do rebanho católico ou aqueles que se livraram da dominação romana, mas não aderiram à Reforma. As admoestações de Calvino são aplicáveis a todas as situações em que o crente se torna vizinho de um descrente. Em um sermão sobre 1 Timóteo 2.5-6, Calvino declara: “Quando vemos homens indo para a destruição, não tendo Deus sido gracioso a ponto de uni-los a nós na fé do evangelho, devemos apiedar-nos deles e esforçar-nos para trazê- los ao caminho reto.”^53 A recusa dos cristãos em testemunhar a seu próximo é reprovada como algo que visa restringir a realeza de Deus e o poder da morte de Cristo. Calvino diz:
Nosso Senhor Jesus Cristo foi feito um como nós, e sofreu a morte para que pudesse tornar-se um advogado e mediador entre Deus e nós, e abrir um caminho pelo qual possamos chegar a Deus. Aqueles que não se empenham em trazer os seus vizinhos e descrentes ao caminho da salvação mostram abertamente que não têm em conta a honra de Deus, e que tentam diminuir o imenso poder de seu império, e estabelecem limites para que ele não possa governar todo o mundo; de igual modo obscurecem a virtude e a morte de nosso Senhor Jesus Cristo e diminuem a dignidade dada a ele pelo Pai.^54
Em um sermão sobre 1 Timóteo 2.3-5, Calvino assinala que a preocupação com os descrentes por parte dos cristãos é um dos sinais pelos quais os cristãos podem estar seguros de estar sendo aprovados por Deus. O reformador afirma:
Portanto, podemos estar cada vez mais certos de que Deus nos aceita e fortalece dentre seus filhos, se nos empenharmos em buscar aqueles que estão afastados dele. Confortemo-nos e tenhamos coragem neste chamado: embora haja nestes tempos um grande desamparo, e embora pareçamos ser miseráveis criaturas completamente desarraigadas e condenadas, ainda assim devemos labutar tanto quanto possível para atrair aqueles que estão afastados da salvação. E, acima de todas as coisas, oremos a Deus por eles, esperando pacientemente que ele se digne mostrar boa vontade para com eles, assim como tem mostrado para conosco.^55
Calvino ensinou com firmeza que a salvação é dom de Deus somente para os seus eleitos. Não obstante, isto não o impede de insistir que os membros da igreja procurem trazer um grande número de pessoas a Cristo. Em um sermão sobre Isaías 53.12, Calvino declara: “Se desejamos pertencer à igreja e ser reconhecidos como rebanho de Deus, devemos admitir que isto ocorre porque Jesus Cristo é o nosso Redentor. Não receemos ir a ele em grande número, e cada um de nós traga o seu próximo, considerando que ele é suficiente para salvar a todos.”^56
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES
confissão pessoal e o compartilhamento da fé são implicações éticas da vida cristã, fundamentando estes atos no ofício que os crentes recebem de Cristo, o ofício do sacerdócio de todos os crentes ou, mais especificamente, o ofício profético de todos os crentes. Qualquer tentativa de negar este direito e obrigação contraria o testemunho unânime da igreja cristã ao longo de sua história.^59 A obrigação de ministrar o evangelho a outros incumbe a todos os crentes. É importante ouvir o testemunho da história da igreja sobre a questão da pregação leiga do evangelho, à medida que a igreja se torna cada vez mais cônscia da responsabilidade de todos os seus membros em espalhar a boa notícia da salvação em Jesus Cristo. O dever do crente de anunciar o evangelho ao seu próximo não-crente é um aspecto da responsabilidade cristã de testemunhar que promana da natureza missionária da igreja. Os oficiais ordenados têm o dever de lembrar aos membros essa natureza da igreja e preparar os santos para a tarefa do ministério (Efésios 4.12). O ministério dos santos é um ministério de palavra e ação às pessoas que estão dentro e fora da comunidade cristã (Colossenses 3.12-17; 1 Tessalonicenses 5.15; 1 Coríntios 10.31—11.1).^60 O chamado de Deus visa mover a igreja de dentro do espaço físico do templo para fora, a fim de alcançar o mundo, conforme observa o líder anglicano Leslie Newbigin: “A igreja é o povo peregrino de Deus. É aquela que corre por todos os cantos da terra instando todos os homens a se reconciliarem com Deus e que se apressa a chegar ao fim dos tempos para encontrar o seu Senhor, que reunirá todos em um.”^61 Na crença de que o Espírito Santo esteja sempre com a igreja, renovando todas as coisas, espera-se que o exercício do sacerdócio de todos os crentes possa expandir-se na época atual, por caminhos ainda não visualizados pelas comunidades cristãs, e muito menos por este estudo.
Notas (^1) A. J. Maclean, “Laity, Laymen,” em Encyclopedia of Religion and Ethics , 7 vols.
(Edimburgo: T. & T. Clark, 1972), 54. (^2) Yves Congar, “My Path-Findings in the Theology of the Laity and Ministries,” The
Jurist (1972), 169-182. (^3) J. Christian Beker, Paul the Apostle: The Triumph of God in Life and Thought
(Filadélfia: Fortress, 1974), 161. (^4) Eric C. Jay, The Church: Its Changing Image Throughout the Centuries (Atlanta:
John Knox, 1980), 91. (^5) Stephen Neill, The Church and Christian Union (Londres: Oxford University Press,
1984), 34. (^6) James M. Kittelson, Luther the Reformer: A Story of a Man and his Career
(Minneapolis, Minnesota: Augsburg, 1986), 87. (^7) Ian W. F. Hamilton, Calvin’s Doctrine of Scripture (Edimburgo: Rutherford
Publishing House, 1984), 123. (^8) E. H. Rupp, The Righteousness of God (Londres: SCM, 1953), 310. (^9) T. G. Tappert, The Book of Concord (Filadélfia: Westminster, 1959), 416. (^10) Michael Green, Evangelism in the Early Church (Londres: Hodder and Stoughton,
1970), 113. (^11) Werner Ellert, The Structure of Lutheranism (Saint Louis, Missouri: Concordia
Publishing House, 1962), 255. (^12) Ronald S. Wallace, Calvin, Geneva and the Reformation (Grand Rapids: Baker,
1988), 81. (^13) James Mackinon, Calvin and the Reformation (Nova York: Russel & Russel, 1962).
(^14) João Calvino, Institutes of the Christian Religion , 4 vols. (Grand Rapids:
Eerdmans, 1966), 425. (^15) Ibid. , 431. (^16) Ibid. , 430. (^17) Ibid. , IV.1. 9. (^18) João Calvino, Calvin’s Commentaries , Vol. 10: 1 Timothy (Grand Rapids: Baker,
1958), 232. (^19) João Calvino, Institutes of the Christian Religion (Filadélfia: Westminster, 1961),
IV.1.2-3. (^20) Arthur C. Cohrane, Reformed Confessions of the Sixteenth Century (Filadélfia:
Westminster, 1966), 106. (^21) Confissão de Fé Francesa , 1559, cap. XXVII. (^22) Confissão de Fé Escocesa , 1567, cap. XVI. (^23) Confissão de Fé Helvética , 1566, cap. XVII. (^24) Edmund Schlink, The Marks of the Church According to the Augsburg Confession
(Londres: SCM, 1967), 77. (^25) Confissão de Fé de Westminster , 1648, cap. XXV. (^26) Hendrik Kraemer, A Theology of the Laity (Filadélfia: Westminster, 1958), 121. (^27) Vincent J. Donovan, Christianity Rediscovered (Notre Dame, Indiana:
Fides/Claretian, 1976), 140. (^28) Hans Küng, The Church (Nova York: Sheed and Ward, 1967), 487. (^29) Hendrik Kraemer, A Theology of the Laity (Filadélfia: Westminster, 1958), 150. (^30) Thomas Forsyth Torrance, Royal Priesthood (Edimburgo: Oliver and Boyd, 1963),
(^31) Martinho Lutero, Luther’s Works (Londres: SCM, 1955), Vol. 40, p. 21. (^32) Ronald Sider, Karlstadt: The Development of his Thought, 1517-1521 (Londres:
Hodder & Stoughton), 135. (^33) Lutero, Luther’s Works , Vol. 44, p. 127. (^34) Edith Simon, Luther Alive: Martin Luter and the Making of the Reformation
(Garden City, Nova York: Doubleday, 1968), 229. (^35) Calvino, Institutes of the Christian Religion , II.15. 6. (^36) João Calvino, Calvin’s Commentaries (Filadélfia: Westminster, 1979), Vol. XX, 75. (^37) Benjamim Charles Milner, Calvin’s Doctrine of the Church (Leiden, Alemanha:
Brill, 1970), 164. (^38) T. G. Tappert, The Book of Concord (Filadélfia: Westminster, 1959), 81. (^39) Ibid. , 236. (^40) Calvino, Institutes of the Christian Religion , IV.20.1-10. (^41) James Mackinon, Calvin and the Reformation (Nova York: Russel & Russel,
1962), 132. (^42) R. F. A. Hort, The First Epistle of Saint Peter (Nova York: Mcmillan, 1898), 129. (^43) Hans Küng, The Church (Nova York: Sheed and Ward, 1967), 99. (^44) Yves Congar, Lay People in the Church (Westminster, Maryland: The New Press,
1965), 51. (^45) Howard A.Synder, The Problem of Wine Skins (Downers Grove, Illinois:
InterVarsity, 1975), 155.