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A Personagem do Lobo Mau e Sua Influência na Imagem do Jornalista na Sociedade, Esquemas de Jornalismo

Este documento discute a representação do jornalista na sociedade, analisando a personagem do lobo mau na animação infantil 'deu a louca na chapeuzinho', sob a perspectiva da teoria do imaginário. O trabalho explora como a imagem e a atuação do jornalista são influenciadas pelas categorias e passagens da personagem do lobo mau, contribuindo para a formação do imaginário coletivo sobre a profissão de jornalismo.

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

A_Santos
A_Santos 🇧🇷

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28 Sessões do imaginário Cinema Cibercultura Tecnologias da Imagem
28
O JORNALISTA LOBO MAU EM
DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO:
UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DO IMAGINÁRIO
Heloisa Juncklaus Preis Moraes1
Emanuelle Querino Alves2
Resumo
O presente trabalho discute a imagem e a atuação do
jornalista na sociedade, observando as características da
personagem do Lobo Mau, na animação infantil Deu a
Louca na Chapeuzinho, sob a perspectiva do Imaginário
(Durand, 2001; Morin, 1997; Silva, 2006). Os resulta-
dos constatam a influência do Imaginário na formação
do conceito coletivo sobre a figura da personagem e,
possivelmente, na profissão de jornalista. Temos o
espectador que espera o Lobo Mau e que encontra um
Lobo que não é mau, mas que é visto como tal, por
causa do imaginário que se têm sobre a personagem e
o que esperar dela.
Abstract
The present work discusses the journalist image and
actuation in society by the observation of the Wolf’s
character behavior in the animation movie Hoodwinked,
through the Imaginary perspective (Durand, 2001;
Morin, 1997; Silva, 2006). The results show the
influence that the Imaginary have in the formation of
the journalist’s profession collective idea. We have the
spectator that expects for an evil wolf but finds out that
the wolf is not evil, although he’s seen that way, because
of the imaginary around the character and what we’re
used to expect of him.
Keywords
Imaginary, Movies, Jornalism
Palavras-chave
Imaginário, Cinema, Jornalismo
1 Introdução
A imaginação é algo que todo ser humano
tem. Ela funciona automaticamente de
acordo com o imaginário, formado pelos
significados das imagens a que o indivíduo
é exposto. É como um sentimento que não
sabemos como expressar em palavras:
existe em nós e é complexo o suficiente
para nos instigar e querer saber mais, e
que, como define Rubem Alves, em artigo
da Folha de São Paulo, “curiosidade é uma
coceira que nas ideias” (Alves, 2002).
Ele cita Aristóteles numa passagem que nos
é pertinente e profundamente verdadeira,
afinal “todos os homens têm, por natureza,
um desejo de conhecer: uma prova disso é
o prazer das sensações, pois, fora até de sua
utilidade, elas nos agradam por si mesmas e,
mais que todas as outras, as visuais” (Alves,
2002).
O filme Deu a Louca na Chapeuzinho
é uma coceira dessas. Ao assistir, o espectador
é estimulado a raciocinar e relacionar os
fatos. Seria comum se não fossem pontos
que estão fixos no imaginário coletivo.
Quem conhece a história tradicional de
Chapeuzinho Vermelho sabe quais são os
papeis de cada personagem e o que esperar
dele, mas na releitura em análise somos
surpreendidos com a mudança de postura.
Entre tantas, a surpresa que nos interessa é
que o Lobo Mau nos é apresentado como
um jornalista. Por que um jornalista como
Lobo Mau ou o Lobo Mau como jornalista?
Uma personagem peculiar, com uma
personalidade que desperta dúvidas e emana
um carisma único. A mídia é responsável
pela transmissão dos fatos com exatidão, o
que é algo bom, mas aqui aparece como o
lado ruim da história. Surge a curiosidade
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28 Sessões do imaginário^ Cinema^ Cibercultura^ Tecnologias da Imagem^28

O JORNALISTA LOBO MAU EM

DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO :

UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA DO IMAGINÁRIO

Heloisa Juncklaus Preis Moraes^1 Emanuelle Querino Alves^2 Resumo O presente trabalho discute a imagem e a atuação do jornalista na sociedade, observando as características da personagem do Lobo Mau, na animação infantil Deu a Louca na Chapeuzinho , sob a perspectiva do Imaginário (Durand, 2001; Morin, 1997; Silva, 2006). Os resulta- dos constatam a influência do Imaginário na formação do conceito coletivo sobre a figura da personagem e, possivelmente, na profissão de jornalista. Temos o espectador que espera o Lobo Mau e que encontra um Lobo que não é mau, mas que é visto como tal, por causa do imaginário que se têm sobre a personagem e o que esperar dela. Abstract The present work discusses the journalist image and actuation in society by the observation of the Wolf’s character behavior in the animation movie Hoodwinked , through the Imaginary perspective (Durand, 2001; Morin, 1997; Silva, 2006). The results show the influence that the Imaginary have in the formation of the journalist’s profession collective idea. We have the spectator that expects for an evil wolf but finds out that the wolf is not evil, although he’s seen that way, because of the imaginary around the character and what we’re used to expect of him. Keywords Imaginary, Movies, Jornalism Palavras-chave Imaginário, Cinema, Jornalismo 1 I ntrodução

A imaginação é algo que todo ser humano

tem. Ela funciona automaticamente de acordo com o imaginário, formado pelos significados das imagens a que o indivíduo é exposto. É como um sentimento que não sabemos como expressar em palavras: existe em nós e é complexo o suficiente para nos instigar e querer saber mais, e que, como define Rubem Alves, em artigo da Folha de São Paulo, “curiosidade é uma coceira que dá nas ideias” (Alves, 2002). Ele cita Aristóteles numa passagem que nos é pertinente e profundamente verdadeira, afinal “todos os homens têm, por natureza, um desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até de sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais” (Alves, 2002). O filme Deu a Louca na Chapeuzinho é uma coceira dessas. Ao assistir, o espectador é estimulado a raciocinar e relacionar os fatos. Seria comum se não fossem pontos que já estão fixos no imaginário coletivo. Quem conhece a história tradicional de Chapeuzinho Vermelho sabe quais são os papeis de cada personagem e o que esperar dele, mas na releitura em análise somos surpreendidos com a mudança de postura. Entre tantas, a surpresa que nos interessa é que o Lobo Mau nos é apresentado como um jornalista. Por que um jornalista como Lobo Mau ou o Lobo Mau como jornalista? Uma personagem peculiar, com uma personalidade que desperta dúvidas e emana um carisma único. A mídia é responsável pela transmissão dos fatos com exatidão, o que é algo bom, mas aqui aparece como o lado ruim da história. Surge a curiosidade

Porto Alegre no^24 2010/2 Famecos/PUCRS 29 de entender como esta característica do Lobo Mau, personagem presente na mente de crianças e adultos por todo o mundo, pode influenciar na formação da imagem do profissional de jornalismo depois de assistir ao filme. A mídia, assim como o cinema, tem o poder de influenciar as pessoas em suas decisões, desejos e opiniões. Este, uma arte que fascina, diverte e faz pensar sobre os mais diversos assuntos, pode influenciar na maneira como as pessoas veem determinadas situações, sendo também formador de opinião, emissor de mensagens. De acordo com Juremir Machado da Silva (2006), todo indivíduo submete- se a um imaginário preexistente e que este imaginário funciona como um reservatório de imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real e leituras da vida que, individuais ou sociais, definem um modo de ser, ver, sentir, agir e estar no mundo. Neste cenário, o profissional do jornalismo, responsável por transmitir a mensagem da verdade, pode ter sua imagem pré-concebida de maneira negativa como consequência da ação influenciadora da personagem do Lobo Mau como vilã, no imaginário do público atingido pela obra. Em contrapartida, em Deu a Louca na Chapeuzinho , o Lobo Mau acaba não sendo tão mau como foi apresentado inicialmente. A própria oportunidade que lhe é dada de contar sua versão dos fatos mostra que sua personalidade e suas atitudes são moldadas pelo sistema em que foi criado e não pela maldade em si. Porém o rótulo de “Mau” permanece, e agora a personagem torna-se um “Lobo Mau-jornalista”. Assim, este trabalho pretende analisar, sob o ponto de vista da Teoria do Imaginário, como a obra cinematográfica Deu a Louca na Chapeuzinho apresenta a imagem e a atuação do jornalista na sociedade, sendo que, para ele ser retratado deste modo, já existe um modelo de opinião sobre a forma de trabalho dos comunicadores. Vamos descrever quais as categorias apresentadas no filme, relacionadas à personagem do Lobo Mau, contribuem para a formação do imaginário coletivo a respeito da profissão de jornalista; relacionar as passagens da personagem Lobo Mau com as atividades e competências do profissional jornalista na sociedade. Em última análise, o papel e a atuação do jornalista na sociedade em caráter comparativo à personagem do Lobo Mau, apresentado no filme Deu a Louca na Chapeuzinho. Esta é uma reflexão pertinente e atual ao campo da Comunicação Social, pois relaciona três áreas do processo comunicacional: Imaginário, Cinema e Jornalismo, dentro de um mesmo tema – no caso um filme – com uma personagem jornalista, criando e, ao mesmo tempo, desmistificando, imaginários. Deu a Louca na Chapeuzinho , em si, é um filme que pode ser percebido como uma reportagem: apresentam-se todas as versões e a partir daí encontra-se a verdade. Para quem costuma ter coceiras nas ideias é uma oportunidade, para transformar o que poderia ser apenas uma experiência de entretenimento, em reflexão e conhecimento. 2 P elas VIas do ImagInárIo A imaginação é uma ferramenta que existe em todo ser humano. Cada um pode utilizá- la à sua maneira, como e quando quiser e para diversos fins. Culturalmente, contamos histórias, fábulas para as nossas crianças com o objetivo de distraí-las e ensinar- lhes alguma lição, a famosa “moral da história”. Durante e depois da “historinha” somos automaticamente levados a criar ramificações, fazer ligações e pensar sobre o assunto, sejamos contadores ou espectadores. Quando analisamos as histórias contadas oralmente temos uma vastidão de detalhes únicos criados por cada ouvinte. Quando as mesmas histórias são apresentadas no cinema ou na televisão o

Porto Alegre no^24 2010/2 Famecos/PUCRS 31 As tecnologias do imaginário são dispositivos (Foucault) de intervenção, formatação, interferência e construção das “bacias semânticas” que determinarão a complexidade (Morin) dos “trajetos antropológicos” de indivíduos ou grupos. Assim, as tecnologias do imaginário estabelecem “laço social” (Maffesoli) e impõem-se como principal mecanismo de produção simbólica da “sociedade do espetáculo” (Debord) (Silva, 2006, p. 20). Como tecnologias do imaginário, Silva (2006, p. 22) define sua função como “dispositivos [...] de produção de mitos, de visões de mundo e estilos de vida”, mas que não chegam a ser impostas. Para o autor, buscam mais do que a informação, querem povoar o universo mental considerando ele um território de sensações fundamentais. “A publicidade, principal tecnologia do imaginário, seduz para persuadir, brinca para convencer, entra no jogo do receptor para tentar neutraliza-lo” (Silva, 2006, p. 69). É claro, que essa “não-imposição” não implica uma deficiência, afinal, o espectador deixa-se seduzir. Voltando à história citada no início deste trabalho, em Chapeuzinho Vermelho, nos deixamos levar pela ideia de que o Lobo Mau é mau (que já vem rotulado), fará maldades às outras personagens e mesmo assim não ligamos, certos da competência do heroi, no caso o Lenhador, assistimos inertes. No cotidiano, somos passivos ao noticiário que mostra guerrilhas urbanas, violência dos mais diversos tipos diariamente e esquecemos que aquilo que está “passando na televisão” é a vida real e está ali do lado de fora da porta de nossas casas, justificando a frase da citação acima. Podemos relacionar tal reflexão com o que definiu Guy Debord (1997), já em 1967, como Sociedade do Espetáculo , vivemos no espetáculo de nossa própria vida. Na síntese “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (Debord, 1997, p. 14). Qualquer coisa, até mesmo o nada, se transforma em produto de consumo e não apenas isso, mas num produto de consumo que carrega consigo ideais, status , ou, em casos piores, o vazio. Tudo vira marca e símbolo de algo que é consumido, sem se saber por que, mas sabe-se que é bom porque passou na TV. A espetacularização da vida tem feito com que rotineiramente pessoas “vendam” suas vidas por um espaçinho na tela mágica ou para seguir um modelo apresentado. Não basta que a vida seja vivida, ela precisa ser representada. Nos pontos turísticos vemos pessoas que sentem mais prazer tirando fotos e filmando do que aproveitando a experiência de estar naquele lugar. O importante será poder reviver o momento através da imagem da fotografia. E entramos numa contradição, pois se não vivo o momento porque estou ocupado com o registro, como vou revivê-lo depois se eu não o vivi? É onde a imaginação transforma-se em imaginário. O indivíduo vive a experiência de estar em determinado lugar e através da imagem registrada forma em seu imaginário a realidade imaginada do que ele “viveu”. Como afirmou Debord (1997), é a nossa vida transformada em espetáculo sendo mediada pela força das imagens. Neste caso, o espetáculo é para nossos amigos, parentes, e às vezes, apenas para nós mesmos ou para os desconhecidos. A nossa posição é legitimada pelo olhar do outro. Martino (2007, p. 136) apresenta um ponto de vista que coloca o profissional de comunicação como um contador de histórias que desenvolve uma narrativa com início, meio e fim, além de sentido, moral. Para ele, os meios de comunicação transmitem discursos específicos que simbolizam a criação de “universos simbólicos que pautariam a ótica que terá o leitor-receptor da realidade”. Assim, “os meios de comunicação de massa são instâncias mediadoras por excelência da realidade social” (Martino, 2007, p. 135).

32 Sessões do imaginário^ Cinema^ Cibercultura^ Tecnologias da Imagem Coloca ainda a comunicação como parte essencial do estudo da mente já que “o conhecimento da mente humana só pode se realizar plenamente na comunicação; só na comunicação a mente permite o acesso a seus conteúdos” (Martino, 2007, p. 25), o que significa que ninguém pode descobrir o que o outro pensa ou imagina sem que ele comunique isso, o que já é uma representação, pois a fala ou a escrita são linguagem, um conjunto de símbolos que dão significado ao que queremos transmitir. O autor ensina que é impossível entender a consciência do outro, porque quando o outro comunica, objetiva o pensamento num discurso ou ação, fazendo com que a ideia original só seja compreendida completamente na própria consciência do indivíduo. Durand (2001) divide o imaginário em regiões como sagrado, lúdico, mito, sonho e fantástico. Edgar Morin (1997, p. 98) complementa esta opinião quando explica que se “entra no reino do imaginário no momento em que as aspirações, os desejos e os seus negativos, os receios e os terrores, captam e modelam a imagem, com vista a ordenarem [...] os sonhos, os mitos, as religiões, as crenças, [...] todas as ficções”. Silva (2006, p. 32) cita o mito como peça importante da vida do homem e como criação dele próprio, quando comenta que “A humanidade é uma indústria mitológica. Poluente. Uma indústria que [...] muda o cenário de cada época com sua produção (um fazer vir que desloca o universo posto em um novo mundo proposto)”, voltando ao conceito de que uma vez experimentada uma nova realidade, novos mitos, temos novos imaginários a partir dela. Recorremos a Morin para pensar a relação entre imaginário e cinema: [...] nunca deixamos de saber que estamos numa cadeira a contemplar um espetáculo imaginário: vivemos o cinema num estado de dupla consciência. Ora esse estado de dupla consciência, apesar de evidente, não é percebido, não o analisamos, porque o paradigma de disjunção nos impede de conceber a unidade de duas consciências antinômicas num mesmo ser: O que é necessário precisamente interrogar é este fonômeno espantoso em que a ilusão da realidade é inseparável da consciência de que ela é realmente uma ilusão, sem que, no entanto, esta consciência destrua o sentimento de realidade (Morin, 1997, p. 17). Com base na citação acima podemos entender porque tantas crianças têm medo do Lobo Mau. Se o próprio adulto não consegue separar o real do ilusório, a criança, principalmente, com menos consciência da maneira como funciona uma exibição de cinema, é mais propensa a acreditar fielmente em tudo o que é apresentado na tela, imagem e discurso. É importante registrar que a obra da qual falamos é baseada em uma fábula, na qual animais falam e se comunicam com humanos e acontecimentos impossíveis na “vida real” tornam-se reais e possíveis, assim como nos sonhos. Morin (1997, p. 49) explica que “o mundo das imagens desdobra incessantemente a vida. A imagem e o duplo são modelos recíprocos um do outro”. Assim temos a imagem da imagem em nossa mente e é este duplo que será desenvolvido no imaginário. Uma potência imaginária desdobra tudo na projeção psíquica. Duplo e imagem devem ser encarados como os dois pólos duma mesma realidade. A imagem é detentora da qualidade mágica do duplo, mas uma qualidade interiorizada, nascente, subjetiva. O duplo é detentor da qualidade psíquica, afetiva da imagem, mas uma realidade alienada e mágica (Morin, 1997, p. 49). Aumont (1995) divide em três os valores da imagem em sua relação com o real: valor de representação, valor de símbolo e valor de signo. A primeira

34 Sessões do imaginário^ Cinema^ Cibercultura^ Tecnologias da Imagem é preciso que a história, para ser considerada real, se confirme por mais de uma versão de diferentes pessoas ou instituições. As notícias podem ser consideradas produtos de consumo. São produzidas em escala e vendidas para os consumidores de informação. A credibilidade de um jornalista e de um veículo, ou uma empresa de comunicação, passa necessariamente pela qualidade da informação transmitida. Assim como a arte virou produto da indústria cultural, a notícia é produto da indústria da comunicação. Deste modo, as leis do mercado passam a valer para a mídia: a informação deve ser de qualidade ou o cliente/leitor reclama. Com o avanço da tecnologia e a ligação praticamente instantânea com o indivíduo em qualquer parte do mundo, a velocidade da informação torna-se uma qualidade para quem a produz. Porém, a corrida pelo furo de reportagem pode fazer com o que o profissional de mídia deixe de lado algumas questões como a ética e a necessidade de confirmação dos fatos. Com base no pensamento de Moretzsohn (2002, p. 62), “notícia é mercadoria – embora, como bem simbólico, seja certamente uma mercadoria especial” e ainda mostra que “a máquina existe para comunicar, e quanto mais comunica, menos informa” (2002, p.177). Ela cita Ciro Marcondes Filho quando apresenta a ideia de que Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isso a notícia sofre um tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização, padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais, ela é um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e um forma de poder político. Ela pertence, portanto, ao jogo de forças da sociedade e só é compreensível por meio de sua lógica. (Marcondes, apud, Moretzsohn, p. 61) A notícia publicada é tomada como verdade, poucos duvidam da informação que recebem de uma fonte de notícias considerada confiável. Muitas vezes o jornalista é considerado um construtor da realidade social, já que o conjunto de receptores, em sua maioria, tem a noção de realidade social a partir da realidade midiatizada. Para Bucci (2000, p. 17), “a ética está na práxis. Há uma sintonia entre os costumes e a boa conduta, pois a ética não está nem poderia estar fora dos costumes”. No jornalismo, uma postura pode ser pautada pela prática comum do veículo em que o jornalista trabalha. E em sua rotina, é comum precisar refletir sobre o que fazer, como reflete Bucci: No exercício da profissão, diariamente os profissionais de imprensa enfrentam dilemas cuja solução nem sempre é simples. Os impasses cotidianos se apresentam como bifurcações entre dois valores que, de início, parecem ser igualmente válidos. Por exemplo, entre o valor da verdade e a responsabilidade sobre as consequências do que está sendo publicado (Bucci, 2000, p. 19). Pensando nesse dilema ético, em colocar em oposição dois valores a princípio justos e bons, Bucci (2000, p.

  1. classifica duas vertentes ao se analisar a ética jornalística. Baseado em Lambeth, Bucci divide-a em teleologia e deontologia. A primeira leva em consideração a consequência do ato. Por esse viés, “o jornalista deve julgar o que é que traz mais benefícios (éticos) para mais pessoas” (Bucci, 2000, p. 21). Nesse caso, pensamos no campo das consequências que o ato (notícia) pode provocar. Já na corrente da deontologia, baseada em Kant, prega que uma regra de conduta é válida se for universal, ou seja, “se tiver validade tanto para o agente como para todos os outros seres racionais” (Bucci, 2000, p. 22). A consequência não é

Porto Alegre no^24 2010/2 Famecos/PUCRS 35 posta em discussão. Como exemplo, o autor cita imperativos categóricos universais, como não roubar e dizer a verdade. Bom, no campo jornalístico, dizer a verdade independente das consequências que este ato pode provocar. De qualquer forma, a ética sempre deve ser respeitada, assim como os direitos de cada pessoa. É um dever, do jornalista, ser um cidadão correto, porque muitas vezes é visto como exemplo de correção e idoneidade, através da credibilidade oferecida pelo jornalismo. um J ornalIsta lobo mau Deu a Louca na Chapeuzinho é um filme de animação, direcionado ao público infantil, mas que, por sua proposta, é interessante para adultos. Produzido em 2005 por Cory Edwards, nos Estados Unidos, a história desconstrói a fábula de Chapeuzinho Vermelho, quando muda as características das personagens e suas funções. A história é contada através das diferentes versões das personagens que a compõem. Isso é fundamental para que dê sentido à narrativa e esta se torne interessante. A cada nova versão, o espectador é instigado a abrir sua mente e a perceber as mesmas cenas de perspectivas diferentes e a considerar aspectos psicológicos e emocionais da composição. A remontagem em forma de sátira traz como enredo um roubo de receitas na floresta. A história se desenvolve em torno da investigação pela busca do ladrão, o “Bandido da Guloseima”, e os depoimentos são das personagens principais, Chapeuzinho Vermelho, Vovó, Lobo Mau e Lenhador, cada um apresentando uma versão diferente dos fatos. Propusemos pesquisar como o jornalista é visto e age na sociedade, com base na personagem do Lobo Mau, no filme Deu a Louca na Chapeuzinho , sob a perspectiva da Teoria do Imaginário. Escolhemos esta animação porque não é um filme que poderia passar despercebido. Ele tem ingredientes que instigam e fazem o espectador ficar preso a ele até a solução de todo o mistério, como o suspense, as revelações inesperadas e o humor. Para o jornalismo é um desafio: ver que os profissionais de mídia são percebidos como Lobos Maus. A produção do filme retirou o adjetivo “mau” da personagem, mas para quem vê apenas pelo entretenimento aquele é o Lobo e é o Lobo Mau, como já está impregnado no imaginário coletivo, mas que agora ganha mais um adjetivo, o da profissão de jornalista. Fica claro que as características da personagem do Lobo são inerentes àquelas que são comuns a jornalistas. A curiosidade e a ironia são as mais marcantes, seguidas da tendência pelos recursos polêmicos, como escutas não autorizadas, o pagamento por informações e o uso de disfarces, que não foram o foco deste estudo. O Lobo é apresentado como um jornalista determinado a fazer tudo por sua reportagem, sem a preocupação rigorosa com a ética, apesar de deixar claro que não inventa notícias. Logo, se assim é apresentado é porque assim é visto. O cinema, como disseminador de imaginários, estimula a percepção do indivíduo, através de seu espetáculo de luz, cor e som, fazendo com que a percepção do real misture-se com o fantástico e o espectador venha a crer e pensar “é bem assim mesmo” seguindo com uma bela gargalhada. Quem está sentado na poltrona assistindo a uma animação não quer ficar pensando e refletindo sobre o conteúdo. O objetivo é a distração. Mas a fábrica de imaginários não para de funcionar e a mente humana vai captar tudo o que está sendo projetado de modo que, mesmo inconscientemente, o espectador fará ligações em sua mente sobre o significado daquelas imagens e daquele discurso. Tudo o que o Lobo faz é entendido como tudo o que um jornalista faz. Daí a importância de registrar o filme como

Porto Alegre no^24 2010/2 Famecos/PUCRS 37 figura, numa experiência tão fascinante como é o cinema, sempre lembrará desta relação. Dificilmente, lhe será oferecido o produto Deu a Louca na Chapeuzinho sem antes conhecer a fábula de Chapeuzinho Vermelho , até mesmo porque é uma história comumente presente no início da vida das crianças, que os pais contam antes de dormir ou elas ouvem no jardim de infância. O objetivo é fazê-las entender que no caminho da floresta, na vida, há um lobo que é mau, que vai fazer mal a ela e aos seus. Ele tem olhos grandes, mãos grandes, orelhas e uma boca enorme, enquanto a criança é pequena e frágil. No fim serão salvas por um lenhador que abrirá a barriga do animal e salvará as duas. Fica claro aqui como isso pode ser assustador no imaginário de uma criança. Com a nova versão as personagens são refeitas e a história totalmente remontada e até mesmo o Lobo Mau perde a crueldade da história original. Tudo no filme toma um novo significado quando as versões de cada personagem são confrontadas. Se ser fotogênico é estar melhorado, como diz Morin (1997), em Deu a Louca na Chapeuzinho , o Lobo Mau está melhorado quando é retratado, não como um vilão, mas como um ser curioso que apenas quer fazer o seu trabalho, apesar de seus métodos, como por exemplo, os disfarces. Porém, a profissão de jornalista é piorada, uma vez que a personagem que a representa é o Lobo Mau. O jornalista não está fotogênico aqui. E nesta projeção de mistura entre imaginário e real, a nova leitura da fábula faz com que a imagem do “Lobo” não signifique “Mau” e que a imagem do “jornalista”, signifique “Lobo”. E o Lobo tem um significado de caçador, que pode ser perigoso. Diferentemente de cachorros, temos medo de encontrar lobos soltos por aí. O animal lobo, em si, causa dúvida quanto à sua personalidade, se é confiável ou não. No filme de animação, isto pode ser confirmado na fala da própria personagem que, quando instigado por Chapeuzinho, afirma “ Para um repórter você trabalha de um jeito bem estranho ”, ele responde da seguinte forma: “ O que posso dizer em minha defesa? Fui criado por lobos ”. Por outro lado, o papel do jornalista faz com que o Lobo tenha um compromisso com a verdade, inerente à profissão, como relatamos anteriormente baseados em Contrera (2004). Mesmo que ele utilize métodos duvidosos, do ponto de vista ético, ele apenas o faz para desvendar o mistério do roubo de receitas na floresta. Em uma cena fica especificamente clara a preocupação dele com a reportagem. Em um momento briga com o Esquilo fotógrafo porque não tem uma foto do suspeito e, em seguida, fala que precisa correr para dar o “furo” sobre a solução do caso, antes que toda a floresta fique sabendo. Observando este trecho sob o olhar do jornalista, há uma identificação, pois o que o Lobo fez é semelhante à realidade do cotidiano da profissão. É intrigante pensar que nós somos jornalistas, o Lobo é um jornalista e o Lobo é mau, logo nós somos maus. Se o próprio jornalista chega à conclusão que é mau por causa do estímulo da animação, aquele, criança ou não, que não tem um significado formado para a figura do jornalista também pensará da mesma forma. E essa imagem de “Jornalista lobo mau” ou “Lobo Mau jornalista” permanecerá no imaginário do espectador. O filme age como um banco de dados novos se incorporado na consciência. Nem sempre o indivíduo o fará imediatamente, mas aqueles dados sempre ficarão lá armazenados na mente à espera de sua ligação com o contexto. Às vezes ele nem se dá conta, ou se lembra, de onde surgiram aquelas informações e porque está interpretando-as desta ou de outra maneira. Da mesma forma que o lobo sempre será um lobo e o jornalista sempre será um jornalista, cada pessoa é única e sua interpretação varia de acordo com suas experiências anteriores.

38 Sessões do imaginário^ Cinema^ Cibercultura^ Tecnologias da Imagem Porém, não esperamos que o Lobo Mau não seja mau, somos acostumados com esse estereótipo. Martino (2007, p.69) comenta que “o hábito nasce da repetição. Uma ação, repetida várias vezes de maneira igual ou semelhante cria a expectativa de continuidade da série” de modo que “a ação da consciência sobre a realidade não acontece como uma razão pura, mas como esquemas de interpretação aplicados aos signos da realidade imediata”. Isso significa que o indivíduo não tem completo controle do que sua mente está organizando. E ainda, como Martino (2007) explica, o hábito é uma operação mental que interpreta a situação antes mesmo de ela estar concluída, por isso, vamos tentando adivinhar o que deve acontecer na próxima cena. Em outra oportunidade, a análise de Deu a Louca na Chapeuzinho pode ser focada nas questões éticas expostas sobre o jornalismo. O fato de reformular toda uma narrativa pronta e extremamente disseminada para outro foco, incluindo personagens e fatos novos além de trazê- la para a atualidade do espectador, é um trabalho que merece ser observado e analisado profundamente sobre as escolhas e os efeitos das mudanças no original. No cinema nos transportamos para a Caverna de Platão pós-industrial e ali vivemos diversas experiências apenas pela projeção, algumas que nem imaginávamos. Rimos, choramos, sentimos medo e as mais variadas sensações. Ao sair da sala escura redescobrimos nosso mundo real, mas sempre fica a dúvida: “será que aquilo que vi no filme é possível?”. Nosso Lobo mesmo disse que deveria ter escolhido ser crítico de filmes, afinal, os sonhos que temos acordados, estão mais perto de se tornar realidade.

NOTAS

  1. Doutora em Comunicação Social, Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.
  2. Bacharel em Jornalismo pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina.

REFERÊNCIAS

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MARTINO, Luís Mauro Sá. Estética da Comunicação: da consciência comunicativa ao “eu” digital. Petrópolis: Vozes, 2007. MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em tempo real: O fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002. MORIN, Edgar. O Cinema ou o Homem Imaginário. Lisboa: Relógio D’Água, 1997. RAHDE, Maria Beatriz Furtado. Imagem: Estética Moderna & Pós-moderna. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. SILVA, Juremir Machado da. As Tecnologias do Imaginário. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2006.