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Responsabilidade dos Estados no Combate ao Tráfico Internacional de Pessoas na Deep Web, Notas de estudo de Direito

Este documento discute o papel dos estados na luta contra o tráfico internacional de pessoas na deep web, examinando a relação entre o aumento do tráfico humano e a democratização da internet, e analisando a responsabilidade dos estados em criar e desenvolver normas, medidas e políticas públicas preventivas, protetivas e repressivas do tráfico humano na internet. O texto também aborda a importância de compensar, reabilitar e satisfazer as vítimas, além da necessidade de prevenir novas violações.

O que você vai aprender

  • Qual é a relação entre o aumento do tráfico internacional de pessoas e a democratização da Internet?
  • Quais são as responsabilidades dos Estados em relação às vítimas de tráfico humano?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Sel_Brasileira
Sel_Brasileira 🇧🇷

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ
CAMPUS JACAREZINHO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA
AMANDA JUNCAL PRUDENTE
O IMPACTO DA DEEP WEB NO TRÁFICO HUMANO:
ANÁLISE A PARTIR DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
JACAREZINHO PR
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Baixe Responsabilidade dos Estados no Combate ao Tráfico Internacional de Pessoas na Deep Web e outras Notas de estudo em PDF para Direito, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ

CAMPUS JACAREZINHO

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA JURÍDICA

AMANDA JUNCAL PRUDENTE

O IMPACTO DA DEEP WEB NO TRÁFICO HUMANO:

ANÁLISE A PARTIR DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

JACAREZINHO – PR

AMANDA JUNCAL PRUDENTE

O IMPACTO DA DEEP WEB NO TRÁFICO HUMANO:

ANÁLISE A PARTIR DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica (Área de Concentração: Teorias da Justiça – Justiça e Exclusão; Linha de Pesquisa: Responsabilidade do Estado: questões críticas) da Universidade Estadual do Norte do Paraná, para qualificação como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica. Orientador: Prof. Dr. Tiago Cappi Janini JACAREZINHO – PR 2020

TERMO DE APROVAÇÃO

AMANDA JUNCAL PRUDENTE

O IMPACTO DA DEEP WEB NO TRÁFICO HUMANO:

ANÁLISE A PARTIR DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica (Área de Concentração: Teorias da Justiça – Justiça e Exclusão; Linha de Pesquisa: Responsabilidade do Estado: questões críticas) da Universidade Estadual do Norte do Paraná, para defesa final como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciência Jurídica, sendo aprovada pela Banca de Qualificação.


Orientador: Prof. Dr. Tiago Cappi Janini


Membro 2: Prof. Dr. João Victor Rozatti Longhi


Membro 3: Profa. Dra. Daniela Menengoti Gonçalves Ribeiro Jacarezinho/PR, 31 de janeiro de 20 20.


Prof. Dr. Fernando de Brito Alves Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UENP

Aos meus pais, Renato e Denise, fonte de amor e razão maior de toda minha luta, por fazerem com que eu me mantivesse fiel a mim mesma e por serem meu porto seguro. Aos meus irmãos, Felipe e Gabriel, que tem a minha eterna admiração e são meus melhores exemplos de amizade e companheirismo. Por toda paciência e pela certeza de que estamos juntos nessa jornada. Ao meu bem, Vitor, por me proporcionar a felicidade de caminhar ao seu lado е pelo dom de me trazer paz na correria do dia a dia. A eles, além deste trabalho, dedico a minha vida.

PRUDENTE, Amanda Juncal. O impacto da Deep Web no tráfico humano: análise a partir da responsabilidade do Estado. 2020. 188 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, 2020. RESUMO A Internet surge como um instrumento de ampliação do acesso à informação e garantia da democracia, que aproxima os povos e consolida a globalização. Com a sua comercialização, os rastros deixados no ambiente virtual tornaram mais visíveis e hoje são o principal ativo das Big Techs. Após a criação de aparatos de fiscalização da rede, desenvolveu-se a Deep Web , páginas ocultas e não indexáveis, que garantem o anonimato dos seus usuários e, assim, torna-se um local seguro ao cometimento de diversos crimes. Diante disso, o problema de pesquisa que se pretende responder é: a partir da compreensão de que a Deep Web tem influenciado na perpetração do tráfico humano internacional, qual é o papel do Estado no seu enfrentamento? E mais, pode o Estado responder internacionalmente por esse tipo de cibercrime? O objetivo geral é analisar como o combate ao crime, prevenção de sua ocorrência e proteção das vítimas ficou mais complexa com o uso desse instrumento tecnológico pelos grupos criminosos, para entender o caminho a ser perseguido pelos Estados no seu enfrentamento. Já os objetivos específicos são identificar a Deep Web como um novo ambiente social, que demanda a atuação do Direito, apontar as vulnerabilidades que contribuem para o tráfico humano e demonstrar a responsabilidade internacional do Estado no combate ao tráfico humano pela Deep Web. Para tanto, utilizou-se do método dedutivo e da pesquisa bibliográfica, bem como do estudo histórico qualitativo. Ao final, conclui-se que o Estado é responsável internacionalmente por omitir-se no cumprimento das previsões do Protocolo de Palermo, em vista da ineficácia dos instrumentos tradicionais de que dispõe para combater e prevenir a nova roupagem do tráfico humano. O presente trabalho foi desenvolvido durante o Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná, que tem como área de concentração o estudo da exclusão social e as Teorias da Justiça, e linha de pesquisa as questões críticas sobre a Responsabilidade do Estado. Palavras-chave: Tráfico internacional de pessoas; Web oculta; Deep Web ; Responsabilidade internacional do Estado.

PRUDENTE, Amanda Juncal. O impacto da Deep Web no tráfico humano: análise a partir da responsabilidade do Estado. 2020. 188 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, 2020. ABSTRACT The Internet emerges as an instrument for expanding access to information and ensuring democracy, bringing people closer together and consolidating globalization. By internet commercialization, the traces left in the virtual environment had become clear and today they are the main asset of Big Techs. After the creation of network surveillance apparatus, Deep Web has developed through hidden and non-indexable pages, which ensure the anonymity of its users and thus becomes a safe place to commit various crimes. That said, the research problem that is intended to answer is: from the understanding that deep web has influenced the perpetration of international human trafficking, what is the role of the State in confronting it? What's more, can the state respond internationally for this kind of cybercrime? The general objective is to analyze how the fight against crime, prevention of its occurrence and protection of victims became more complex with the use of this technological instrument by criminal groups, to understand the path to be pursued by states in their confrontation. The specific objectives are to identify deep web as a new social environment, which demands the action of the law, to point out the vulnerabilities that contribute to human trafficking and demonstrate the international responsibility of the State in the fight against trafficking human by deep web. Therefore, the deductive method and bibliographic research were used, as well as the qualitative historical study. In the end, it is concluded that the State is responsible internationally for omitting itself in complying with the predictions of the Palermo Protocol, in view of the ineffectiveness of the traditional instruments available to combat and prevent the new clothing of human trafficking. This research was developed during the Post-Graduation Program in Legal Science of the Northern Paraná State University, that has as its concentration area the study of social excluding and the Theories of Justice, and as its researching guideline the critical issues about State Responsability. Keywords: International human trafficking; Hidden web; Deep web; State’s International responsibility.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ARPA Advanced Research Projects Agency Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos CE Conselho Europeu CGI.br Comitê Gestor da Internet no Brasil CIJ Corte Internacional de Justiça CPI Comissão Parlamentar de Inquérito FBI Federal Bureau of Investigation EFF Electronic Frontier Foundation FGV Fundação Getúlio Vargas ENAFRON Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas nas Regiões de Fronteiras FTP File Transfer Protocol HTML Hyper Text Markup Language HTTP Hypertext Transfer Protocol IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBM International Business Machines Corporation ICAT Inter-Agency Coordination Group against Trafficking in Persons IMA Instituto de Mulheres do Amapá IOM Organização Internacional de Migração IP Internet Protocol ITS Rio Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro IWF Internet Watch Foundation LAN Local Area Network MAN Metropolitan Area Network MIT Massachusetts Institute of Technology NCP Network control protocol NSA Agência de Segurança Nacional OAB Ordem dos Advogados do Brasil OEA Organização dos Estados Americanos OIT Organização Internacional do Trabalho ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PEC Proposta de Emenda Constitucional

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua RGPD Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados TCP Transfer Control Protocol TLDs Top-level Domain TICs Tecnologias da Informação e Comunicação TOR The Onion Router TSH Tráfico de Seres Humanos UE União Europeia UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime URL Uniform Resource Locator VoIP Voice Over Internet Protocol VPN Redes Privadas Virtuais WAN Wide Area Network WWW World Wide Web

11 INTRODUÇÃO O tráfico de pessoas é uma prática tão antiga quanto a própria civilização humana. Contudo, o número crescente de pessoas traficadas ano após ano, a expansão deste crime para além das fronteiras nacionais e suas consequências devastadoras têm atraído a preocupação da comunidade internacional nos últimos tempos. Isso porque o tráfico humano contemporâneo se revela como um dos crimes mais rentáveis mundialmente, movimentando bilhões de dólares por ano, o que o coloca no segundo lugar em matéria de lucro ilegal, visto que perde apenas para o tráfico de armas. Mesmo após a ratificação do Protocolo de Palermo, tanto o Brasil como diversos outros países signatários continuam a sofrer com as consequências ligadas ao aumento do tráfico internacional de pessoas. Quando analisada a origem multicausal do crime, vê-se que resulta da combinação de fatores políticos, econômicos, históricos, sociais e culturais, fatores que envolvem não só os Estados como também alimentam as expectativas e os sonhos dos que buscam alternativas para migrar. Contudo, em que pese inúmeras condições contribuam para a perpetração do delito, o fator primordial que conduz as possíveis vítimas às rotas do tráfico é a sua condição de vulnerabilidade, caracterizada por privações de direitos fundamentais no meio social que vivem. Ainda, a globalização somada à evolução tecnológica, características do mundo pós- moderno, também são fatores que tem contribuído para a evolução do tráfico humano a nível global. Em um curto período de tempo, a Internet deixou a exclusividade dos agentes militares, abrindo-se ao público em geral, popularizando-se e democratizando-se. Hoje, tamanha é a sua importância que o livre acesso à rede é considerado direito humano pelos organismos internacionais, pois está intrinsecamente ligado à concretização de diversos direitos fundamentais, como o direito de acesso à informação e à participação nas tomadas de decisões pelos órgãos públicos, como garantia da democracia. Essa verdadeira cibercultura revela inúmeros efeitos positivos da expansão da Internet, que se assentam principalmente na busca da igualdade e da inclusão social. Contudo, a mesma evolução tecnológica tem propiciado o aprofundamento da marginalização de grupos vulneráveis, além de funcionar como um intensificador da proliferação de atores transnacionais, inclusive do crime organizado e de organizações terroristas.

12 A situação tende a piorar quando analisada sob a ótica global, que, pela inexistência de instrumentalização dos órgãos públicos, insuficiência de políticas públicas preventivas e combativas eficazes e de cooperação internacional, sofre com a transnacionalidade de um crime que não vê fronteiras territoriais e que, recentemente, tem encontrado na Deep Web – parcela “oculta” ou “profunda” da Web – um submundo fértil para concretizar seu modus operandi no anonimato e na impunidade. Em razão das características que marcam a Deep Web é que organizações e grupos de criminosos têm recorrido a esse instrumento para difundir o mercado negro do tráfico humano, já que nele encontram um ambiente à margem da fiscalização dos Estados que lhes garante o necessário anonimato para uma atuação desimpedida e alargada a nível mundial. Ao trazer a discussão para o contexto das obrigações assumidas pelos Estados signatários do Protocolo de Palermo, principal diploma internacional que trata do tráfico de pessoas, vê-se que os países têm se mostrado omissos quando o assunto é a regulamentação – em seu amplo aspecto – das relações ilícitas consolidadas nas zonas obscuras da Web. Isso ocorre porque na absorção e uso das novas tecnologias de informação, os crimes virtuais revelam-se, em geral, mais ágeis que os aparelhos de segurança estatais, situação que se agrava sobremaneira quando analisada a criptografia de dados robusta da Deep Web. Tal situação tem dificultado o pleno cumprimento das diretrizes obrigacionais assumidas pelos Estados membros do Protocolo de Palermo. Diante desse contexto, considerando que a Internet hoje é vista como o novo ambiente social que renova a concepção dos direitos humanos ao permitir a concretização de direitos sociais, mas que essa mesma tecnologia tem aprofundado a vulnerabilidade das possíveis vítimas e, consequentemente, o aumento da criminalidade on-line; Considerando, ainda, a função primordial do Direito de pacificar as relações humanas, questiona-se qual o papel dos Estados no enfrentamento do tráfico internacional de pessoas que ocorre na Deep Web? Mais especificamente, é possível caracterizar a responsabilidade de um Estado receptor e/ou remetente de vítimas de tráfico humano pela Deep Web no âmbito internacional? O presente trabalho foi desenvolvido durante o Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná, que tem como área de concentração o estudo da exclusão social e as Teorias da Justiça, e linha de pesquisa as questões críticas sobre a Responsabilidade do Estado. O método de análise utilizado para o desenvolvimento do estudo foi o dedutivo, servindo-se da pesquisa bibliográfica, primordialmente de obras existentes sobre o tráfico internacional de pessoas e cibercrimes, além de artigos e documentos nacionais e internacionais,

14 demonstrar a parcela de responsabilidade que recai sobre os Estados membros do Protocolo de Palermo, inclusive no que tange à retirada das vítimas de sua condição de vulnerabilidade. O sobredito diploma aborda algumas diretrizes de necessária observância pelos Estados membros, como os deveres de combate efetivo ao tráfico, que abrange a adequação da legislação interna; as diretrizes de proteção, que conjugam o dever dos Estados de adotarem políticas públicas efetivas para garantir a devida recuperação das vítimas resgatadas; e as diretrizes de prevenção, que miram em medidas que impeçam o aliciamento das vítimas e a concretização do crime, medidas que enfrentem as causas que alimentam o tráfico, substancialmente a vulnerabilidade. O estudo da responsabilidade do Estado perante as vítimas de tráfico internacional se justifica pela importância e essencialidade da garantia da dignidade humana, estendida a todos, nacionais ou estrangeiros. Sabidamente, o tráfico internacional de pessoas, em suas diversas vertentes, cerceia o pleno gozo de direitos fundamentais de milhares de seres humanos por todo o mundo ano a ano. E esse quadro tem se agravado e se tornado mais complexo com as páginas não indexáveis e criptografadas da Deep Web pelos agentes transnacionais. Desse modo, faz-se necessário aprofundar os estudos sobre o tema para melhor entendê-lo, torná-lo conhecido e divulgá-lo perante a academia, que possui papel essencial nos rumos das sociedades e dos governos, visto que contribui diretamente para a evolução do estudo do Direito.

15 1 O CIBERESPAÇO COMO O NOVO AMBIENTE SOCIAL Compreender os processos que conduziram à formação da Internet e sua estruturação nos moldes atuais, bem como sua elevação à condição de direito humano, é o primeiro passo para entender como as redes criminosas se desenvolvem e concretizam inúmeros delitos na Web, à margem da vigilância estatal. Já dizia Manuel Castells que “de fato, a produção histórica de uma dada tecnologia molda seu contexto e seus usos de modos que subsistem além de sua origem, e a Internet não é uma exceção a esta regra”.^1 Assim, analisar-se-á neste primeiro capítulo a conjuntura histórica do surgimento da Internet e sua atual interpretação como direito humano, bem como o funcionamento de suas estruturas e o descobrimento de suas camadas mais profundas pelos grupos criminosos internacionais. 1.1 Internet: da criação ao reconhecimento como Direito Humano A história da humanidade, para muitos, pode ser dividida em três grandes eras, a saber, a agrícola, a industrial e a digital. Esta última, vivenciada na atualidade, é marcada pelos avanços tecnológicos, da comunicação e da informação, sendo uma de suas principais inovações o advento da Internet. De acordo com Manuel Castells, as origens da Internet remontam ao período histórico que ficou conhecido como Guerra Fria. A base do seu surgimento pode ser encontrada na Arpanet, que foi uma rede de computadores desenvolvida pela Advanced Research Projects Agency (ARPA - Agência de Projetos de Pesquisa Avançada), em setembro de 1969. A ARPA foi formada em 1958, pelo Departamento de Defesa dos EUA com a missão de mobilizar recursos de pesquisa, notadamente universitário, para alcançar superioridade tecnológica militar em relação à União Soviética.^2 O momento histórico vivenciado serviu como pano de fundo da evolução da tecnologia da informação e da comunicação, que surgiu como o modo americano de tornar-se superior às forças soviéticas e, concomitante a isso, como forma de resguardar o sigilo de dados e da transmissão de mensagens entre os militares. (^1) CASTELLS, Manuel. A galáxia da Internet : reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Tradução de Manuel Castells e Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 13. (^2) Idem.

17 convencionada a possibilidade de sua utilização para fins comerciais, passando a denominar- se, então, ‘Internet’”.^7 Em 1990 muitos provedores de serviços da Internet montaram suas próprias redes e estabeleceram suas próprias portas de comunicação em bases comerciais. A partir de então, a Internet cresceu rapidamente como uma rede global de redes de computadores.^8 Contudo, importante considerar que a Arpanet não foi a única fonte da Internet tal como conhecemos hoje. O formato atual da Internet resulta também de um conjunto de origens e programas que vinham sendo desenvolvidos no âmbito acadêmico, a exemplo da FIDONET, criada em 1983 como uma rede de comunicação que se utilizava de ligações por linhas telefônicas, bem como a UNIX, um sistema operacional desenvolvido pelos Laboratórios Bell e liberado para as universidades em 1974, que permitiu a formação de redes de comunicação entre computadores, chamadas Usenet News fora do backbone^9 da Arpanet. Além disso, o que permitiu à Internet abarcar o mundo todo foi o desenvolvimento da chamada “www”. Os textos, até então monocromáticos, passaram a conhecer outras frequências do espectro visual, com a presença de fotografias, sons e movimentos.^10 A World Wide Web (www) tratava-se de uma aplicação de compartilhamento de informação desenvolvida em meados de 1989 e 1990 por um programador inglês chamado Tim Berners-Lee, hoje reconhecido como o “pai da internet”. Além de melhorar e simplificar o aspecto visual da internet, ele implementou o software que permitia obter e acrescentar informação de e para qualquer computador conectado: HTTP, MTML e URI (posteriormente chamado de URL). O world wide web “é composto por hipertextos, ou seja, documentos cujo texto, imagem e sons são evidenciados de forma particular e podem ser relacionados com outros documentos”.^11 No ano de 1992, os programadores tornaram a World Wide Web acessível ao público em geral, o que deu início a um período de desenvolvimento ininterrupto da rede. “A WWW (^7) PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 62. (^8) CASTELLS, Manuel, op. cit., p. 15. (^9) Backbones , também conhecidos como espinhas dorsais, são cabos de fibra óptica intercontinentais, que transmitem os dados da Internet em alta velocidade. Eles funcionam como uma grande avenida de fibra óptica, que trabalha levando as informações de forma rápida de uma rede de dados à outra, sendo responsável pela transmissão da mensagem ao local de destino da forma mais veloz possível. Atualmente, os backbones não só cruzam vários países, como interligam todos os continentes, com exceção da Antártica. São milhares de quilômetros de fibra óptica que respondem por aproximadamente 99% das conexões do mundo. (^10) PÓVOA, Marcello. Anatomia da internet : investigações estratégicas sobre o universo digital. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000. p. 12. (^11) PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet : liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil.

  1. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 20.

18 cresceu de maneira tão rápida que seu precursor, Tim Berners-Lee, procurou orientar esforços em um novo projeto chamado W3 Organization, marcando a união entre o Laboratório de Física de Genebra e o MIT”.^12 Em sequência, a Microsoft descobriu a Internet e em 1995, junto com seu software Windows 95, introduziu seu próprio navegador, Internet Explorer. No mesmo ano, a Sun Microsystems projetou o Java, uma linguagem de programação que permite a mini aplicativos viajar entre computadores na Internet, possibilitando a máquinas rodar com segurança programas baixados da Internet.^13 Em 1996, no programa de doutorado da Universidade de Stanford, dois estudantes americanos, Larry Page e Sergey Brin, criam um site que representa atualmente um dos maiores motores de busca da Internet, o Google. Assim, em meados da década de 1990, a Internet estava privatizada e dotada de uma arquitetura técnica aberta, que permitia a interconexão de todas as redes de computadores em qualquer lugar do mundo. [...] Embora a Internet tivesse começado na mente dos cientistas da computação no início da década de 1960, uma rede de comunicações por computador tivesse sido formada em 1969, e comunidades dispersas de computação reunindo cientistas e hackers tivessem brotado desde o final da década de 1970, para a maioria das pessoas, para os empresários e para a sociedade em geral, foi em 1995 que ela nasceu.^14 Interessante notar que os desenvolvimentos tecnológicos decisivos que conduziram a criação da Internet nos seus moldes atuais tiveram como premissa a intenção de revolucionar o sistema de comunicação, garantindo a privacidade da troca de informações em um ambiente que é ao mesmo tempo aberto aos vários usuários e sigiloso ao remetente e destinatário da mensagem. De acordo com Manuel Castells, Portanto a Arpanet, a principal fonte do que viria a ser afinal a Internet, não foi uma consequência fortuita de um programa de pesquisa que corria em paralelo. Foi prefigurada, deliberadamente projetada e subsequentemente administrada por um grupo determinado de cientistas da computação que compartilhavam uma missão que pouco tinha a ver com a estratégia militar. Enraizou-se um sonho científico de transformar o mundo através da comunicação por computador, embora alguns dos participantes do grupo se satisfizessem em simplesmente promover boa ciência computacional. Em conformidade com a tradição da pesquisa universitária, os criadores da Arpanet envolveram estudantes da pós-graduação nas funções nucleares do (^12) CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos jurídicos da Internet. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13. (^13) CASTELLS, Manuel, op. cit., p. 19. (^14) Idem.