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Este texto analisa as relações conceituais entre a tecnologia e o trabalho, as transformações nos processos produtivos e no lexico do capital, e as novas formas de trabalho digital ou imateriais. Partindo do pressuposto de que as formas contemporâneas de trabalho, acionadas principalmente pelas tics, reproduzem a forma industrial de produção, o texto explora como a plataformização do trabalho radicaliza a exploração do trabalho, especialmente porque se apresenta como uma quebra de hierarquias produtivas que convidam os trabalhadores a serem colaboradores. O texto também discute as implicações desse processo para a gestão de dados, a automatização de decisões e a gamificação do trabalho.
O que você vai aprender
Tipologia: Slides
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Presidente da República Jair Bolsonaro
Ministro da Saúde Marcelo Queiroga
Presidente da Fundação Oswaldo Cruz Nísia Trindade Lima
SAÚDE AMANHÃ
Coordenação geral Paulo Gadelha
Coordenação Executiva José Carvalho de Noronha
Coordenação Editorial Telma Ruth Pereira
Apoio técnico Natalia Santos de Souza Guadelupe
Normalização bibliográfica Monique Santos
Projeto gráfico, capa e diagramação Robson Lima — Obra Completa Comunicação
TEXTOS PARA DISCUSSÃO
Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos desenvolvidos no âmbito do Projeto Saúde Amanhã, disseminando informações sobre a prospecção estratégica em saúde, em um horizonte móvel de 20 anos.
Busca, ainda, estabelecer um espaço para discussões e debates entre os profissionais especializados e instituições do setor.
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Fiocruz/MS.
O projeto Saúde Amanhã é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no contexto da “Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030”/Fiocruz.
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fi ns comerciais são proibidas.
URL: http://saudeamanha.fiocruz.br/
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A524f Amorim, Henrique O futuro do trabalho: entre novidades e permanências / Henrique Amorim, Rafael Grohmann. – Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2021.
28 p. – (Textos para Discussão; n. 63) Bibliografia: p. 24-28.
CDU: 331+ 004:64.012.
Henrique Amorim
Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Atualmente é professor de Sociologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP..
Rafael Grohmann
Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2009) e doutorado em Ciências da Computação pela Universidade de São Paulo (2016). Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS..
Introdução
Transformações nos Processos Produtivos: Contando a história
Empreendedorismo e Neoliberalismo
Transformações no Léxico do Capital: Recontando a história
Plataformização do Trabalho
Relações Entre Plataformização e Financeirização da Produção
Futuro Prospectivo do Trabalho
Referências Bibliográf icas
No sentido de elaborar um exame prospectivo acerca do futuro do trabalho e da produção, tendo como referência as mutações já em curso nas sociedades contemporâneas, o objetivo deste ensaio é problematizar a relação entre a novidade e a permanência no que se refere às transfor- mações de cunho tecnológico, científico e gerencial que já impactam e tendencialmente impac- tarão o futuro do trabalho. 1
A necessidade de contínua transformação nas formas de organização tecnológica e gerencial impôs historicamente contínuos processos de reestruturação da produção e do modo de vida das classes trabalhadoras nas sociedades capitalistas, o que nos permite avaliar como a explora- ção do trabalho na atualidade se aprofundará nas próximas décadas. As novas fronteiras pelas quais a produção de mercadorias avança se baseiam contemporaneamente na exploração e no desbravamento de um território produtivo aparentemente novo e caracterizado pela robotiza- ção e informatização da produção, muitas vezes chamada de digital, cognitiva ou imaterial.^2 No entanto, tal aparência se apresenta apenas como uma primeira camada que se orienta por um processo de valorização e acumulação do capital baseado na tríade: novas tecnologias da infor- mação e da comunicação, empreendedorismo e financeirização.
Essa tríade se fundamenta como uma nova combinação para a exploração do trabalho. A novidade nas formas de exploração do trabalho está, nesse sentido, em como o capital se orga- niza socialmente para se autovalorizar. É com base na explicação de suas causas e consequências que procuraremos analisar temas centrais para o trabalho e para a produção de mercadorias.
(^1) Esse cenário sofreu impactos significativos desde o ano de 2020 com a pandemia de coronavírus. Especificamente na questão do trabalho, indicamos as pesquisas de Abílio et al (2020), Oliveira et al (2020) e o dossiê organizado pela revista Gender, Work & Organization (Özkazanç-Pan & Pullen 2020). (^2) Sem entrar mais profundamente na polêmica acerca das diferenças entre o material e o imaterial quando se caracteriza o trabalho contemporâneo baseado nas TICs, entendemos que a diferença se caracteriza apenas do ponto de vista do trabalho concreto. É possível diferenciar o trabalho dos teleoperadores de call centers, dos programadores de software ou dos microtrabalhadores de empresas de extração e criação de dados daquele dos operários de uma linha de produção de automóveis, dos cortadores de cana-de- açúcar ou ainda dos trabalhadores da construção civil. No entanto, do ponto de vista da produção de mais-valia, objetivo central da produção de mercadorias em que uma massa de trabalho é explorada pelo capital, não faz diferença alguma se o trabalho é material/ físico ou imaterial/não físico. Trata-se apenas de trabalho abstrato (Amorim, 2014). A mesma questão pode ser aplicada à expressão “trabalho digital”. De fato, não existe trabalho que seja digital, pois trabalho é uma atividade humana. Essa expressão é usada aqui como sinônimo e síntese de trabalho mediado por tecnologias digitais. A nosso ver, a noção nomeia mais uma área de estudos do que exatamente um determinado tipo de atividade.
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Entre esses temas, estão as relações conceituais acerca da tecnologia e do trabalho; as trans- formações nos processos produtivos e no léxico do capital; os processos de plataformização 3 do trabalho, suas características gerais, bem como sua relação com a financeirização, observando- -se como o empreendedorismo sustenta ideológica e culturalmente o modo de vida neoliberal na contemporaneidade.
É, portanto, na perspectiva das novas formas de trabalho, consideradas imateriais ou digitais, que analisaremos o futuro do trabalho. Em primeiro lugar, porque é com base nas TICs que antigas e novas ocupações profissionais vêm sendo organizadas e desorganizadas; em segundo, porque, de forma direta ou indireta, a lógica da produção industrial se recriou e continua a se recriar com base na exploração do conhecimento, da comunicação e da informação.
Partimos, para realizar essa análise, do pressuposto de que a indústria, como forma de produ- ção própria do capitalismo, não foi superada nas sociedades contemporâneas e que o “advento de uma sociedade pós-industrial” está muito mais para um conto de fadas do que para uma realidade a ser observada e vivida rotineiramente. Isto é, a produção e o trabalho que se utilizam e têm como base o conhecimento, a comunicação e a informação estão longe de demarcarem uma ruptura com a produção de tipo industrial. Contrariamente, essa produção que se utiliza do conhecimento, da comunicação e da informação como forças produtivas centrais reproduz e, como veremos, radicaliza a exploração e a dominação da classe trabalhadora, mesmo que esta venha sendo chamada de parceira, empreendedora ou colaboradora.
A produção de mercadorias nas sociedades contemporâneas, nesse sentido, continua a se basear na forma industrial mesmo em situações que aparentemente colocariam em xeque esse tipo de organização da produção. Na prática, isso se mostra aparente na medida em que os prin- cípios gerais da produção tipicamente capitalista continuam a operar de forma central. Ou seja:
Portanto, partimos do pressuposto de que as formas contemporâneas de trabalho, acionadas predominantemente pelas TICs, reproduzem a forma industrial de produção e, com isso, ten- dem a radicalizar/aprofundar a exploração do trabalho, sobretudo porque se revestem de uma aparente quebra de hierarquias produtivas que convidam os trabalhadores a serem colabora-
(^3) Consideramos a plataformização do trabalho – como dependência de plataformas digitais para atividades de trabalho – como um termo, por um lado, mais situado historicamente do que a uberização, no sentido dado por Ludmila Abílio (2020), que mostra como a uberização já acontecia com revendedoras de cosméticos, por exemplo, antes da inserção das plataformas digitais. Nos termos de Abílio (2020), então, poderíamos dizer que a plataformização é o atual momento histórico da uberização. Isso não significa, por outro lado, que a plataformização seja tecnodeterminista, pois ela é a materialização de uma série de processos em curso, conforme vemos neste ensaio. Além disso, o termo plataformização é mais abrangente no atual contexto na medida em que ajuda a entender como os processos de trabalho implementados pela Uber são apenas um entre vários outros tipos em termos de plataformas digitais. Isto é, há uma diversidade de plataformas digitais e de perfis de trabalhadores não redutíveis a motoristas e entregadores.
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Neste ensaio, procuramos mostrar como a forma industrial se reproduz no mundo do tra- balho a partir das tecnologias digitais como radicalização da subsunção real, do conhecimento como força produtiva submetida ao capital, da plataformização e seus mecanismos e de uma nova linguagem como base ideológica para a radicalização da dominação e extensão da forma valor-trabalho.
Nas últimas décadas, em especial após os anos 1970, diversas transformações sociais, incluindo aquelas nas relações de produção, foram implementadas tendo em vista à recuperação das taxas de lucro em queda desde os anos 1950. Destaca-se, por um lado, o advento das políti- cas neoliberais, as quais embasaram a introdução do modo de vida empreendedor, que se torna hegemônico pós-década de 2000, e por outro, a introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) nos processos produtivos, permitindo a consolidação de novas práticas de gestão, controle e engajamento sobre o trabalho e sobre os trabalhadores.
Na aparência, as TICs possibilitariam maior autonomia e autorrealização dos trabalhadores envolvidos na produção e serviços, em consonância com os preceitos empreendedoristas que pressupõem a proatividade e a autoqualificação profissionais, mas na realidade são criadas e atuam como instrumentos de extração de mais-trabalho.
Um achado importante de Marx (s.d., p. 87), que já explicava no século XIX o interesse de classe que constitui e dá forma às forças produtivas, nos indica que em uma sociedade dividida em classes sociais “(...) os meios de produção apresentam-se não só como meios para a realiza- ção do trabalho, mas também, exatamente no mesmo plano, como meios para a exploração do trabalho alheio”. Assim, o desenvolvimento dos meios de produção teria como seu fundamento a radicalização histórica da subordinação do trabalho ao capital.
É nesse sentido que Marx (1988) nos oferece uma descrição da passagem da manufatura à maquinaria, a qual tem por base não o determinismo das transformações das forças produtivas (ciência e tecnologia, e incluímos formas de gestão e gerência da força de trabalho) sobre as relações de produção, mas uma determinação do social, do histórico, como expressão da sín- tese do conjunto dos interesses sociais em presença. Dessa maneira, a introdução do sistema de máquinas nos processos de trabalho teve como objetivo desvalorizar e desqualificar a força de trabalho, ao mesmo tempo que foi expressão de uma histórica sociabilidade classista. 7
Da mesma maneira que a maquinaria aprofunda as formas de controle e domínio da força de trabalho na indústria dos séculos XVIII e XIX, o taylor-fordismo e o toyotismo, implemen- tados respectivamente no início do XX e a partir dos anos 1960, radicalizam esse processo de racionalização produtiva. Segundo o próprio Taylor, a racionalização produtiva ocorre a partir da separação do setor gerencial do espaço produtivo, tornando função de gerência “reunir todos os conhecimentos tradicionais que no passado possuíram os trabalhadores e então classificá-los, tabulá-los, reduzi-los a normas, leis ou fórmulas, grandemente úteis ao operário para a execução do seu trabalho diário” (Taylor, 1990, p. 40). Ou seja, busca-se controlar, de maneira “científica”,
(^7) Ver, por exemplo, em Amorim e Silva (2015) e Amorim e Souza (2017) um conjunto de textos que abordam a temática das classes sociais nas sociedades contemporâneas.
O Futuro do Trabalho
como cada tarefa deveria ser realizada, retirando dos trabalhadores o saber-fazer laboral. Além disso, seus preceitos de organização dos estoques, dos fluxos de peças e mercadorias, ampara- dos por um processo de racionalização administrativa, dado pela relação entre tempos e movi- mentos, manifesta-se “(...) como uma linguagem, como parte visível de um projeto maior, (...) como uma construção ideológica que deveria ser universalizada” (Amorim, 2006, p. 11) e que possibilita não apenas o controle das tarefas a serem realizadas, mas também a radicalização da dominação sobre a classe trabalhadora.
O fordismo, por seu turno, se apresentou como uma extensão do taylorismo, por: 1) atualizar, a partir da esteira mecânica, as formas de controle sobre a produção de mercadorias; 2) pautar- -se pela produção e pelo consumo em massa; e 3) caracterizar-se como um modo de vida e de organização social, isto é, não se restringindo apenas a um conjunto de práticas tecnológicas aplicadas à produção. Nesse sentido, ao incrementar a produção, o taylor-fordismo carregava consigo a ideologia do progresso técnico e a ideia de que o desenvolvimento social estaria plas- mado à produtividade industrial (Gramsci, 2004).
O binômio taylor-fordista se concretizou, assim, como prática hegemônica de controle sobre o trabalho nos países centrais do capitalismo durante o período compreendido entre o pós-Se- gunda Guerra Mundial e a década de 1970. No entanto, a partir de meados de 1970, foram ado- tadas medidas visando a reversão da forte crise de crescimento da taxa de lucro experimentada nas décadas anteriores (Harvey, 1993, p. 153-240) 8 caracterizadas pelo pacto fordista. 9 Nesse contexto histórico, o advento do toyotismo apresentou-se como uma resposta, por parte do capi- tal, à crise do Estado de bem-estar social, recorrendo, para tanto, a estratégias de produção ditas mais enxutas, “científicas”, cognitivas e que demandariam a participação ativa e o engajamento constante dos trabalhadores.
Impôs-se, assim, com a introdução do toyotismo, um novo perfil de trabalhador e, como con- sequência, uma nova forma de adestramento técnico e social que remete, entre outras questões, a aspectos vinculados ao uso seriado das capacidades cognitivas dos trabalhadores nos proces- sos de trabalho. 10
Nesse sentido, observamos historicamente, grosso modo, que o toyotismo não supera para- digmaticamente o taylor-fordismo. Contrariamente, ele o reproduz, radicalizando seus princí- pios centrais de prescrição de tarefas, e, além disso, delega ao trabalhador coletivo maior res- ponsabilidade, sobretudo com relação ao autodisciplinamento e autotaylorização (Amorim & Grazia; 2018), bem como reproduz as características típicas da produção industrial, como a forma cooperativa-industrial da qual o capital se apropria sem custos.
No bojo das transformações produtivas realizadas a partir de 1970, surgem diversas formu- lações teóricas que questionam o trabalho e a produção industrial como elementos centrais da sociabilidade capitalista, especialmente por conta das “novas” formas de organização da produ- ção (imaterial, digital ou cognitiva). Assim, estruturam-se as teorias da sociedade pós-indus-
(^8) Destacamos que no Brasil o taylor-fordismo existiu apenas como forma gerencial do processo de trabalho, sendo impulsionado por um Estado autoritário e ditatorial, não se constituindo, portanto, um pacto-fordista. Já nos países europeus, a existência de Estados liberais, a autonomia dos sindicatos e as políticas keynesianas permitiram a consolidação de um Estado de bem-estar social. Sobre o fordismo brasileiro, ver: Silva, 1991. (^9) Ver Bihr, 1998. (^10) Importante salientarmos que, em nossa leitura, o taylor-fordismo e o toyotismo não podem ser compreendidos como modelos produtivos, mas sim como produtos singulares da luta de classes em cada formação social.
O Futuro do Trabalho
do conhecimento identificam nele uma característica específica que não permitiria a sua racio- nalização, tornando-o um tipo de força produtiva em si politicamente anticapitalista.
Haveria, assim, algo ainda não claramente explicado no conhecimento, que o faria ser ao mesmo tempo a força produtiva central da qual o capital se utiliza para se valorizar e seu princi- pal algoz. 14 Esse “algo” até o momento não apresentou sua face anticapitalista. Na prática, o que vemos é o capital avançar por todas as fronteiras nas quais o conhecimento, a informação e a comunicação estão presentes.
De teleoperadores, professores e programadores de software a tradutores e microtrabalhado- res, o que se vê é um trabalho no qual o conhecimento se situa como força produtiva central, mas apenas para a valorização do capital e de sua acumulação, sobretudo se observamos como o capital avança, através das TICs, em implementar processos de trabalho nos quais cada vez mais está presente a autoexploração, a autotaylorização ou o autogerenciamento (Amorim & Grazia, 2018; Abílio, 2019) individual e coletivo do trabalho.
Essas características estão em consonância com as transformações sociais recentes do capita- lismo que tornaram o empreendedorismo um componente central do modo de vida 15 neoliberal (Amorim, Moda & Mevis, mimeo), tendo como consequência maior subordinação da classe trabalhadora aos ritmos, anseios, desejos e interesses do capital.
A hegemonia do modo de vida neoliberal estaria, assim, embasada em uma mudança acerca da figura e dos aspectos que conformam quem seria ou não um empreendedor em nossa socie- dade. Se até a década de 1970 o empreendedor era o sujeito da mudança e da inovação, sendo considerado um indivíduo singular e capaz de mobilizar grandes quantidades de capital para a inovação e o desenvolvimento do capitalismo (Schumpeter, 1997; Weber, 2004), atualmente essa noção é alargada/ampliada/amplificada, passando o empreendedor a ser identificado em diver- sas situações de trabalho que, em sua maioria, estão vinculadas a diferentes modos de trabalhos informais ou à propriedade jurídica de nano, micro ou pequenas empresas.
Assim, se até os anos 1970 o estereótipo de empreendedor bem-sucedido fora identificado com o do grande empresário, detentor de propriedades privadas, nas últimas décadas passou-se
(^14) Esse tipo de trabalho, segundo Gorz (2005), passaria, contrariamente ao trabalho manual, a acionar a criatividade, rapidez de raciocínio, responsabilidade de comandos decisórios e as formas de intelecção do trabalhador, fazendo surgir uma “economia do conhecimento”. Essa economia do conhecimento seria, com isso, “(...) a principal fonte de valor e de lucro, e assim (...) a principal forma de trabalho” das sociedades contemporâneas (Gorz, 2005, p. 29). No entanto, tais atividades teriam uma dupla dimensão: ao mesmo tempo que se tornariam fonte do valor, se apresentariam como imensuráveis, haja vista que o conhecimento, fundamento dessa atividade, “não é mais redutível a uma quantidade de trabalho abstrato” (Gorz, 2005, p. 29). Dessa forma, esse caráter peculiar dos trabalhos imateriais e cognitivos foi considerado como fruto do conteúdo intelectual heterogêneo que tal atividade inscreve. Portanto, Gorz procura distinguir a imaterialidade do trabalho no exato oposto do trabalho manual, sendo este último um trabalho no qual a dimensão cognitiva estaria completamente ausente e no qual a homogeneidade de funções prevaleceria (Amorim, 2014). (^15) O conceito de modo de vida é desenvolvido por Gramsci em Americanismo e fordismo (2004) Nesta obra, o autor relaciona o conceito de modo de vida ao conceito de modo de produção (Marx & Engels, 2007), destacando como as transformações nos processos laborais ocorrem conjuntamente com a formação de “um novo tipo humano” (Gramsci, 2004), adaptado psicofisicamente às necessidades da reprodução capitalista naquela conjuntura. Desse modo, o autor compreende de maneira imbricada a organização do processo produtivo e da vida social que o circunscreve, pois novas formas de produção estão plasmadas por novas formas de agir, sentir e pensar, ou seja, de se reproduzir socialmente. Essa indicação feita pelo autor sobre a imbricação entre as transformações produtivas e formas de reprodução social nos confere um importante embasamento para a problematização da relação existente entre as TICs e o empreendedorismo quando nos referimos à exploração do trabalho na contemporaneidade.
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a aceitar uma multiplicidade de modos de empreender, criando condições para que todos pos- sam, e devam, mesmo que aparentemente, ser empreendedores, o que, por fim, tende a valorizar os trabalhadores que garantam de maneira autônoma, ou seja, sem apoio estatal ou de conven- ções coletivas, a sua reprodução social.
As transformações na figura do empreendedor têm como pano de fundo teórico as formula- ções desenvolvidas por Ludwig von Mises (2010), nos anos 1920, e Friedrich Hayek (1987), nos anos 1940, as quais realizam uma crítica ao intervencionismo estatal, defendendo a ideia de que a organização natural do mercado seria condição necessária para a liberdade individual, sendo esta a base do neoliberalismo. Segundo Harvey (2008, p. 12), para o neoliberalismo o bem-estar humano é decorrente do desenvolvimento das capacidades empreendedoras individuais, o que seria realizado com base em arranjos institucionais que favoreçam a iniciativa privada, os livres mercados e o livre comércio. Como consequência, o neoliberalismo postula que o mercado teria maior capacidade de garantir o desenvolvimento social quando comparado à planificação eco- nômica estatal, fazendo com que sejam adotadas medidas para flexibilizar ou erradicar todas as leis existentes que visem a garantia dos direitos sociais, como as trabalhistas, já que tais ações acabariam por distorcer o funcionamento natural do mercado, desestimulando a meritocracia individual. 16
Assim, essa nova fase do empreendedorismo é marcada pela extensão “(d)a lógica do mer- cado muito além das fronteiras estritas do mercado, em especial produzindo uma subjetivi- dade contábil pela criação da concorrência sistemática entre todos os indivíduos” (Dardot & Laval, 2016, p. 30). 17 O empreendedorismo aparenta ter, dessa forma, um duplo papel: ao mesmo tempo que se apresenta como alternativa para o desemprego, cria a ideia de autonomia de ges- tão da vida e do trabalho junto aos trabalhadores. Entretanto, o empreendedorismo não é uma alternativa ou uma escolha individual, mas uma saída precarizada para o(a) trabalhador(a) ante taxas tão expressivas de informalidade e desemprego como as que vêm operando, por exemplo,
(^16) A teoria do capital humano (Becker, 1964; Schultz, 1973) tem centralidade para compreendermos como se estrutura essa nova versão do empreendedorismo. Para essa teoria, os trabalhadores devem investir continuamente em suas capacidades adquiridas, o que ocorre principalmente a partir da formação educacional, visando a aumentar o seu valor no mercado, ou seja: os trabalhadores que se autovalorizarem de maneira mais efetiva teriam maiores chances de aumentarem a sua renda. Ao vincular à força de trabalho as mesmas características do capital, como sua capacidade de valorização, tal teoria abriu margem para a equiparação dos trabalhadores a uma microempresa (Salgado, 2016, p. 31). (^17) Tal definição guarda bastante relação com o pensamento desenvolvido por Foucault (2008) para analisar o neoliberalismo estadunidense que, segundo ele, tem como um dos seus centros a teoria do capital humano, sendo ela responsável por realizar “a incursão da análise econômica num campo até então inexplorado e, segundo, a partir daí e a partir dessa incursão, a possibilidade de reinterpretar em termos econômicos e em termos estritamente econômicos todo um campo que, até então, podia ser considerado, e era de fato considerado, não-econômico” (Foucault, 2008, p. 302). Para Dardot e Laval, uma das principais características do sujeito neoliberal é a internalização da lógica empresarial, sendo que “(...) a grande inovação da tecnologia neoliberal é vincular diretamente a maneira como um homem ‘é governado’ à maneira como ele próprio ‘se governa’” (Dardot & Laval, 2016, p. 333). Para os autores, esse controle das mentes se diferencia do controle exercido sobre o homem econômico clássico, no qual “a divisão do trabalho, que repartia os corpos e distribuía os gestos, de certo modo era o paradigma da gestão dos sujeitos” (Dardot & Laval, 2016, p. 357), com “antigas disciplinas que se destinavam, pela coerção, a adestrar os corpos e a dobrar os espíritos” (Dardot & Laval, 2016, p. 327). Analisamos criticamente essas afirmações, já que, em nosso ponto de vista, em ambos os períodos históricos estudados por Dardot e Laval, as formas de controle se direcionam à conformação de corpos e mentes. Isto é, rejeitamos a tese segundo a qual o período que se inicia nos anos 1970 se caracterizaria por uma captura da subjetividade, enquanto no anterior essa “captura” estaria ausente ou mesmo fragilmente posta. Trata-se, em outros termos, da constituição de duas subjetividades distintas e funcionais aos interesses dominantes em cada uma dessas conjunturas. Por fim, é importante salientar que Brown (2003) já havia anteriormente apontado um caminho analítico muito próximo ao de Dardot e Laval.
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de repetição e reatualização, como verdadeiros “mantras”, em uma gramática legitimadora dos modos de ser e aparecer do capital nas distintas instâncias da vida social. A partir de palavras- -chave que funcionam como “palavras de ordem”, vão-se costurando narrativas que não só justi- ficam a racionalidade neoliberal como a apresentam como a única possível.
As narrativas empreendedoras são, assim, formas de sedimentação comunicacional do capi- talismo. Inspiração, “atitude de dono”, mindset, performance, resiliência, proatividade, inovação, engajamento, criatividade, compliance, coach são palavras de ordem na gramática do capital em circulação, como um modo legítimo e único de pensar a vida em sociedade.^20
O que queremos enfatizar é que se há mercado linguístico, isso só acontece atualmente por- que envolve a circulação pelos dispositivos comunicacionais mais variados – e, justamente, pela repetição à exaustão na multiplicidade de telas, tweets e memes que há a sedimentação desse modo de pensar específico – neoliberal – alçado como se fosse universalidade. Jornalismo, publicidade, vídeos no Youtube, distintas plataformas digitais, LinkedIn e interações midiatiza- das, entrecruzadas, formam palco para a sedimentação dessas narrativas.
Como fórmulas convocatórias,^21 os signos do capital estrangulam os múltiplos sentidos das expressões originais, impondo um sentido restrito, mas que deve ser aplicado a todas as pessoas, como um referente não só social, mas universal. A palavra “inovação”, por exemplo, é polis- sêmica e pode significar inovação social, política, econômica, sendo algo atrelado à atividade humana. Contudo, ela é ressignificada de modo que o sentido preferencial de inovação seja relacionado à tecnologia e ao empreendedorismo.
Os discursos sobre a inovação apresentam impactos ideológicos e culturais na legitimação do sistema. Isso funciona mediante “fechamentos discursivos”, de modo a ajustar os sentidos à gra- mática do capital. Os seus signos, ao circularem, vão não só capturando os sentidos, mas apro- ximando os diferentes signos ao redor de sua órbita, em um mesmo campo semântico. Expe- rimente acrescentar expressões como “gestão” ou “gestão estratégica” a qualquer outro signo: trata-se de um valor – linguístico e econômico – adicionado, como uma marca legitimadora dos modos de aparecer do capital, isto é, um carimbo de verificação. A memória discursiva dos signos do capital é, portanto, atualizada a partir de sua constante circulação e também por seu fechamento de sentidos.
Acrescentamos a isso uma ressemantização das expressões, de um vocabulário outrora vincu- lado a lutas políticas e sociais, como signos de resistência e críticas às relações de poder, a uma
(^20) Bihr (2017) em análise do que chama de novlangue néoliberále, sobre a retórica do fetichismo do capitalismo, faz uma analogia com a ideia de novilíngua de George Orwell, elaborada no romance 1984. Com base nessa ideia, aponta para os procedimentos retóricos pelos quais podem ser obtidos efeitos ideológicos. Na trama orwelliana, o partido no poder impõe a criação de uma nova língua que tem por efeito tornar impossível qualquer dúvida, qualquer reflexão autônoma, privando os indivíduos de condições de contestação intelectual, linguística e psicológica. Para Bihr, o crédito e a confiança que o discurso neoliberal recebe no debate público não ocorrem por suas virtudes, mas sim por seu escopo ideológico. Mascaram-se por meio dele políticas de classe, fortalecendo a dominação capitalista e obscurecendo a percepção dos trabalhadores acerca dessa dominação. Uma das formas pelas quais isso ocorre é por meio da obliteração de sentido, ao tornar determinado significado inacessível ou impraticável, impedindo, portanto, o pensamento em certos termos ou expressões. (^21) Essas fórmulas funcionam de modo a servir para quaisquer sujeitos em quaisquer épocas ou espaços. São expurgadas práticas históricas de renda, gênero, raça, trajetórias e marcadores sociais de desigualdades e diferenças. São adaptáveis a quaisquer momentos e situações, desde o mascaramento/a invisibilização da informalidade e precariedade do trabalho (como a “guerreira empreendedora que vende bolo de pote”) ou aplicações a outras áreas da vida (“inove no amor”, “seja a melhor versão de você mesmo”, “seja um empreendedor também em seus momentos de lazer”). Essa é a embalagem discursiva do capitalismo de plataforma.
O Futuro do Trabalho
gramática higienizada e “alinhada” à retórica do capital. Isso ocorre, por exemplo, em relação à noção de engajamento, que passa de algo que é sinônimo de transformação social e luta política para a ideia de “alinhamento”, esterilizando sentidos que haviam sido historicamente construí- dos. Algo semelhante acontece com a expressão “empoderamento”. Os sentidos ainda não estão totalmente estabilizados, mas em disputa. Contudo, são reapropriados como se fossem mesmo da lógica e do predomínio do capital.
O “amor pelo trabalho” – ou o “trabalho afetivo como ideologia” – também é parte da gramá- tica do capital como dispositivo de distinção e legitimação de mérito. Faz parte das competên- cias e habilidades requeridas pelo trabalhador para gestão de si mesmo como portfólio que está disponível em todos os momentos e plataformas. É o privilégio de se colocar discursivamente como sujeito desinteressado nas lógicas econômicas, mas interessado nas questões simbólicas e afetivas.
Assim, os signos do capital funcionam como índices de desempenho e cartão de visita sobre a posição dos sujeitos no mundo. A gramática circulante funciona, então, sob a égide de que tudo deve servir para lógicas rentáveis. À circulação dos signos como discursos, acrescenta-se a circulação das métricas como lógicas de desempenho e avaliação com mecanismos de (auto) vigilância. Mediante essas lógicas de eficiência e eficácia, é a própria noção de sujeito político que se modifica. Os sujeitos não devem somente aderir aos signos do capital, mas inspirar-se e motivar-se a partir deles. “Vender-se” como sujeito de mercado em todos os lugares. Essa cons- tante reiteração por parte do sistema é não só a certeza de que haja não apenas uma adesão, mas um envolvimento ativo – inspirado e motivado – como parte de uma gestão da alma (Dardot & Laval, 2016).
Nesse contexto – do ponto de vista tanto das ideologias quanto dos processos produtivos – que embala o modo de vida neoliberal, podemos compreender a centralidade do trabalho em plataformas digitais ou da plataformização do trabalho no cenário contemporâneo.
Os impactos das plataformas digitais no gerenciamento da força de trabalho trouxeram novas problematizações aos estudos sobre o trabalho. A crescente dependência de plataformas digi- tais para executar atividades de trabalho tem sido chamada de plataformização do trabalho (Grohmann, 2020b). Ela envolve lógicas algorítmicas e dataficadas enredadas no processo de financeirização, considerando suas inter-relações.^22
Mas o que são plataformas? Infraestruturas digitais que possibilitam interações entre grupos, com uma série de dispositivos que permitem aos usuários a construção de seus próprios produtos e serviços, provendo uma infraestrutura básica para realizar a mediação entre diferentes grupos (Srnicek, 2017). Não são neutras nem livres de valores, vindo com normas inscritas em suas arquiteturas. De forma central, são alimentadas por dados e automatizadas por meio de algorit- mos (Van Dijck, Poell & De Waal, 2018). Além disso, são formalizadas por relações de proprie- dade, guiadas por modelos de negócios e governadas por meio de termos de acordo dos usuários.
As plataformas, em seus mais variados tipos, por um lado são a concretização da acumulação e extração de valor a partir dos mecanismos de dados e das mediações algorítmicas; por outro,
(^22) As inter-relações entre esses processos podem ser conferidas em Grohmann (2019).
O Futuro do Trabalho
tipo de plataforma de trabalho – com especificidades, por exemplo, nas atividades de um entre- gador do iFood e de um “treinador de dados” na Amazon Mechanical Turk.
Em linhas gerais, as características do gerenciamento algorítmico do trabalho são: 1) o ras- treamento e a avaliação permanentes do comportamento e do desempenho dos trabalhadores;
Desde o momento em que ligam seus aplicativos, motoristas e entregadores, por exemplo, são perfilados e diversos cálculos algorítmicos modulam e antecipam seus comportamentos, ação que segue ocorrendo durante toda a realização do seu trabalho. O acompanhamento remoto constante de cada trabalhador, com os dados captados e analisados pelas empresas, permite que seja atualizada a gerência taylorista, pois os cálculos algorítmicos automatizam o processo de prescrever, de maneira exata e em tempo real, como a atividade de cada trabalhador deve ser desempenhada. A novidade, assim, é que o acompanhamento sobre como as tarefas estão sendo realizadas passa a ocorrer de forma imediata, punindo todo e qualquer desvio do que fora estipulado pela gerência, muitas vezes financeiramente, aumentando assim a vigilância existente sobre o trabalho (Woodcock, 2020).
A vigilância sobre os trabalhadores faz parte desse contexto, com o monitoramento de inte- rações dos trabalhadores e gerenciamento do comportamento dos trabalhadores por meio de dados. Tais práticas de vigilância são históricas em relação aos trabalhadores. A novidade reside no uso de softwares para monitorar todas as atividades dos trabalhadores, especialmente em contexto remoto. Esses aspectos de vigilância envolvem captura de dados em relação à geolo- calização e todas as atividades de trabalhadores nos ambientes digitais, especialmente o tempo dedicado a cada tarefa – desde a resposta para um e-mail até a execução de determinada ativi- dade. Ou seja, a vigilância sobre os trabalhadores por meio de plataformas digitais é, de alguma forma, a atualização do controle sobre o tempo de trabalho (Wajcman, 2015).
Já a automatização de decisões no gerenciamento algorítmico do trabalho afeta inclusive os trabalhadores em situação de desemprego, pois intensifica a automatização dos sistemas de con- tratação e seleção de trabalhadores, ocorrendo vieses algorítmicos de gênero e raça nesses pro- cessos (Eubanks, 2018).^25 A isso acrescentamos como aspectos do gerenciamento algorítmico do trabalho: 1) gerenciamento de dados e metadados por meio de plataformas globais impac- tando trabalhadores e legislações locais; 2) gamificação^26 do trabalho, entendida por Woodcock (2019), a exemplo da aplicação de elementos de games a partir de imperativos da área de negó- cios, como uma “gamificação vinda de cima”, redesenhando temporalidades e espacialidades;
(^25) Os vieses algorítmicos são compreendidos como as normas e os valores encarnados nas tecnologias. Nos últimos anos, uma série de pesquisadores tem estudado como os algoritmos reproduzem desigualdades de raça e gênero, como Noble (2018) e Silva (2019), inclusive cunhando o termo racismo algorítmico. Como os algoritmos só podem funcionar a partir de dados do passado, eles acabam por reproduzir padrões históricos de desigualdade. Isso é especialmente relevante nos serviços públicos e na contratação de pessoas, como mostra Eubanks (2018), pois, ao automatizar a seleção de pessoas para uma vaga de emprego, há a reprodução dos mecanismos históricos de exclusão, como experiências passadas, lugares onde estudou, entre outros fatores. (^26) Gamificação e rastreamento permanente são a concretização de um trabalhador quantificado com base em métricas de performance e desempenho geridas por algoritmos, com as técnicas de gestão indo além do sujeito a “transcender-se pela empresa” ou “motivar-se cada vez mais para satisfazer o cliente” (Dardot & Laval, 2016, p. 331). Trata-se do transcender-se e motivar-se por si mesmo mediante suas próprias métricas, como mecanismos de autocoerção e autoculpabilização vistos como espírito empreendedor e empresa de si mesmo. É a automatização das lógicas neoliberais – gerenciadas a partir de mecanismos, a um só tempo, algorítmicos e financeiros.
BRASIL SAÚDE AMANHÃ
chefe ser supostamente um “sistema”, um “aplicativo”, e não uma “pessoa” – isto é, o imaginário algorítmico de neutralidade e objetividade atuando em forte relação com o ideário neoliberal de empreendedorismo que envolve gestão de desempenho, eficácia e lógicas de avaliação.
O gerenciamento algorítmico opera, por exemplo, entre as plataformas digitais de entrega de delivery. As práticas de subordinação desempenhadas por essas empresas têm por base o geren- ciamento algorítmico realizado pelos aplicativos. A introdução dessa nova modalidade de TICs permite aumentar a flexibilidade dos processos de trabalho, implementando uma nova forma de gestão da força de trabalho para recuperar as taxas de lucro que estavam em baixa desde a crise econômica de 2008 (Srnicek, 2017).
O objetivo é alterar a relação entre trabalho vivo e morto para reduzir a presença do trabalho vivo e diminuir cada vez mais a intervenção direta do trabalhador ao objetivar seus saberes na forma de prescrição de tarefas. Nesse sentido, é mais uma forma de incorporar o saber-fazer dos trabalhadores às máquinas (no caso, o software), aumentando o poder de controle do capital e, com isso, a subsunção real do trabalho em relação ao capital.
As modificações gerenciais implementadas a partir da utilização de aplicativos não apenas afetam a produtividade do trabalhador individual, já que os motoristas não atuam como indiví- duos dispersos e isolados, mas também conformam uma força produtiva social, um trabalhador coletivo, com cada trabalhador sendo parte integrante “de um organismo ativo que acrescenta novas potências sociais à capacidade de trabalho de cada um” (Rosdolsky, 2001, p. 201), isto é, reproduzindo a lógica de organização cooperativa da qual o capital se apropria sem custo. 27 Assim, a gerência algorítmica realiza maior organização do trabalhador coletivo, já que a grande capacidade de reter e analisar dados dos aplicativos permite que, por exemplo, 3 milhões de motoristas ao redor do mundo tenham o seu trabalho coordenado, racionalizando de maneira mais efetiva a prestação do serviço e, consequentemente, tendo um aumento de produtividade superior à mera soma do que é extraído de cada trabalhador individualmente.
O gerenciamento algorítmico que subordina realmente o trabalhador, tanto individual quanto coletivo, atua assim como um controlador de tempos e movimentos, nos termos de Taylor (1990), deixando cada vez menor margem para os trabalhadores planejarem as suas atividades. Dessa forma, o trabalho por aplicativo segue a tendência histórica do capitalismo de aumentar o controle da empresa sobre o processo de trabalho, na medida em que nas empresas-aplicativo as plataformas e seus cálculos algorítmicos sintetizam o mando capitalista sobre os trabalhadores, agora constante e virtualmente atualizado.
Essa nova forma de controle do trabalho é realizada conjuntamente com formas bastante antigas de se organizar o trabalhar e a produção, como a exigência de que os trabalhadores tenham posse de parte das ferramentas utilizadas, visando diminuir os custos do capital sobre aquela atividade. Desse modo, tais empresas conseguem unificar, para realizar a sua exploração, o que existe de mais avançado em inovações tecnológicas, como os cálculos algorítmicos, com práticas de trabalho bastante antigas, que remetem até mesmo ao período manufatureiro, o que fundamenta uma radicalização das formas de exploração e dominação do trabalho.
E qual o futuro do trabalho? Tudo indica uma generalização da plataformização, com base no processo que Ekbia e Nardi (2017) chamam de heteromação, como um mecanismo de extração
(^27) Retomando mais uma vez os argumentos de Srnicek (2017), temos que a enorme quantidade de dados retidos pelas grandes plataformas permite que elas controlem um maior número de trabalhadores, e quanto maior o número de pessoas inseridas em rede gerando dados, maior é a valorização da plataforma, um processo que favorece a criação de monopólios.