Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Diferenças entre o Prometeu de Hesíodo e o Prometeu de Esquilo, Provas de Artes

Neste documento, analisamos as principais diferenças entre as representações do mito de prometeu na obra de hesíodo e na tragédia de esquilo, 'prometeu agrilhoado'. Além das diferenças substantivas, como as origens filosófico-religiosas e as intenções dramáticas, há também diferenças formais, como a presença de deuses alegóricos e a relação entre prometeu e a justiça. O texto também discute a importância de prometeu na cultura grega e sua continua relevância para a humanidade.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Carnaval2000
Carnaval2000 🇧🇷

4.7

(116)

218 documentos

1 / 8

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
HVMANITAS -
Vol.
LIII
(2001)
O
FOGO DE PROMETEU*
ANA PAULA QUINTELA SOTTOMAYOR
Universidade do Porto
Abstract: The author analyses the
main
differences between the Hesiodic Prometheus
and the
Bound.
These distinctions are not only substantive but
also
formal; the
former
are due to Aeschylean philosophic and religious thoughts and the latter
to compelling circumstances of dramatic writing.
The
playwright
made Themis Prometheus'mother, as this was the only way for
him to take notice of the secret which
would
buy bis liberation, i.e. the
ominous
marriage of Zeus with
Thetis.
Also, the
Identification
of Themis - Justice -
with
Gaea - Earth -
seems full
of symbolism: Aeschylus produces a
kinship
be-
tween the Titan and
Justice,
but also between the Philantropist and the Earth, by
assimilating likewise
Justice to the Earth in order to
mean
that Justice is on the
side of Prometheus and of
mortais.
Otherwise, Zeus who is regarded as Justice
itself in the Oresteia and in the Suppliant
Women,
is presented in the Prometheus
Bound as a tyrant who persecutes the Philantropist.
Another
Aeschylean innovation
has
to do with the presence of the two allegoric
deities - Power and Force. According to Dodds, Prometheus represente
knowl-
edge without power and Zeus power without knowledge; this is related to the
Hellenic notion of perfectibility of a god who, at the beginning, raled
exclu-
sively by force.
The Hesiodic Prometheus is but a mere transgressor who stole the fire only to set
himself against Zeus; both are rogues as those we find in comedies. Obviously
this
might
not happen in a
tragedy.
Thus, in Prometheus
Bound,
in spite of being
enemies, none of
them
is ignoble, neither Zeus nor Prometheus.
The Philantropist acted for the sake
of
human beings, by giving to Humanity not
only fire but also hope (this represents one more difference between Hesiod and
Aeschylus); this
same
hope
led
him to endure his suffering with courage and de-
termination.
That
is
why he
has become
a
symbol
of freedom throughout the
ages.
pf3
pf4
pf5
pf8

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Diferenças entre o Prometeu de Hesíodo e o Prometeu de Esquilo e outras Provas em PDF para Artes, somente na Docsity!

HVMANITAS - Vol. LIII (2001)

O FOGO DE PROMETEU*

ANA PAULA QUINTELA SOTTOMAYOR Universidade do Porto

Abstract: The author analyses the main differences between the Hesiodic Prometheus and the Bound. These distinctions are not only substantive but also formal; the former are due to Aeschylean philosophic and religious thoughts and the latter to compelling circumstances of dramatic writing. The playwright made Themis Prometheus'mother, as this was the only way for him to take notice of the secret which would buy bis liberation, i.e. the ominous marriage of Zeus with Thetis. Also, the Identification of Themis - Justice - with Gaea - Earth - seems full of symbolism: Aeschylus produces a kinship be- tween the Titan and Justice, but also between the Philantropist and the Earth, by assimilating likewise Justice to the Earth in order to mean that Justice is on the side of Prometheus and of mortais. Otherwise, Zeus who is regarded as Justice itself in the Oresteia and in the Suppliant Women, is presented in the Prometheus Bound as a tyrant who persecutes the Philantropist. Another Aeschylean innovation has to do with the presence of the two allegoric deities - Power and Force. According to Dodds, Prometheus represente knowl- edge without power and Zeus power without knowledge; this is related to the Hellenic notion of perfectibility of a god who, at the beginning, raled exclu- sively by force. The Hesiodic Prometheus is but a mere transgressor who stole the fire only to set himself against Zeus; both are rogues as those we find in comedies. Obviously this might not happen in a tragedy. Thus, in Prometheus Bound, in spite of being enemies, none of them is ignoble, neither Zeus nor Prometheus. The Philantropist acted for the sake of human beings, by giving to Humanity not only fire but also hope (this represents one more difference between Hesiod and Aeschylus); this same hope led him to endure his suffering with courage and de- termination. That is why he has become a symbol of freedom throughout the ages.

134 ANA PAULA QUINTELA SOTTOMAYOR

O fogo, ao surgir no mundo, dissipou as trevas e trouxe aos Homens a luz da civilização e da esperança. "Prometeu - diz Jaeger' - é o que o traz a luz à Humanidade sofredora. O fogo, essa força divina, torna-se o símbolo sensível da cultura." Para os Gregos, assim como para muitos outros povos da Antiguidade, um bem tão precioso - "O maior, o mais nobre e o mais escondido tesouro do Universo", no dizer do Pe^ António Vieira^2 - não podia ser senão um privilégio dos deuses, Φεών γέρας, como é designado no ν. 82 da tragédia Prometeu Agrilhoado. A divindade helénica detentora do fogo era Hefesto, o deus-artífice que, na Ilíada, forja o escudo de Aquiles e que, tanto no Hino Homérico que lhe é dedicado, como na chamada Elegia às Musas de Sólon, é cantado como aquele que, juntamente com Atena, ensinou aos mortais a sua arte. No entanto, como faz notar Jacqueline Duchemin^3 , e, ao contrário do que se poderia esperar, não foi das suas mãos que os Homens receberam o fogo. Essa tarefa coube a Prometeu, o Titã filantropo que arrebatou do céu o fogo para o dar de presente aos mortais. Este mito foi tratado, pela primeira vez, por Hesíodo, tanto na Teogonia (vv. 517-616), como nos Trabalhos e Dias (vv. 42-105), poemas onde o Titã é apresentado como filho de Jápeto e da Oceânide Clímene. Em ambos se conta como Zeus foi ludibriado por Prometeu, no dia em que este, chamado a dirimir a contenda sobre a atribuição aos deuses e aos mortais dos lotes dos sacrifícios, depois de ter esquartejado um boi, separou, para um lado, um montão de ossos coberto de gordura e, para o outro, a melhor parte da vítima dissimulada debaixo do estômago do animal sacrificado. Zeus, a quem estas duas porções foram apresentadas, para que escolhesse uma delas, fingindo cair no engodo, pois queria ter um pretexto para aniquilar a espécie humana, preferiu o quinhão aparentemente mais apetecível, mas que, na verdade, era o pior. Por esta razão, durante os sacrifícios se queimavam nos altares dos deuses os ossos dos animais

  • Participação na sessão dedicada ao mito de Prometeu, realizada no Instituto de Justiça e Paz, no dia 9 de Março de 2001, por ocasião da 3° Semana da Mostra Cultural da Universidade de Coimbra. 1 2 Paideia^ (tradução portuguesa), Lisboa, p. 287. Sermão de Santa Bárbara § II, 436 (Sermões do Pe António Vieira, vol. VII, São Paulo, 1944, p. 474). 3 Prométhée, Paris, 1974, pp. 30-31.

136 ANA PAULA QUINTELA SOTTOMAYOR

Titãs. Para que estas duas forças em tensão se reconciliem, é indispensável que ambas entrem na ordem cósmica que perturbaram. Sem dúvida que, na sequência da trilogia, Prometeu abrandaria a sua cólera e Zeus aprenderia a perdoar. Um e outro tenderiam, assim, para a moderação. Esta questão prende de forma inextricável, por um lado, com o conceito helénico de perfectibilidade dos deuses, nomeadamente de Zeus, e por outro, com a inserção da peça na trilogia dos Prometeus (quiçá dilogia, se aceitarmos a opinião de Focke^5. O Pai dos deuses e dos homens, embora não apareça como personagem do Prometeu Agrilhoado, está presente, ao longo de toda a peça, onde é tratado da forma mais aviltante, não só através dos impropérios do Titã e das justas lamentações da alucinada e inocente Io, mas também da hipocrisia bajuladora de Oceano, do servilismo sabujo de Hermes e da dureza inabalável do Poder. Pelo contrário, tanto na Oresteia como n'As Suplicantes, Zeus é identificado com a própria Justiça. Em contrapartida, é curioso notar que, no Prometeu Agrilhoado, Esquilo considera Témis, a Justiça, como mãe de Prometeu, em vez da Oceânide Clímene, que é referida na versão hesiódica. A meu ver, esta inovação esquiliana não é gratuita, assim como também não me parece despida de simbolismo a identificação de Témis com Gaia, a Terra. Desta forma, o poeta cria deliberada- mente laços de parentesco entre o Titã e a Justiça, entre o Filantropo e a Terra, ao mesmo tempo que assimila a Justiça à Terra, como que a significar que, nos tempos que imediatamente se seguiram à vitória dos «deuses novos», a Justiça estava ao lado de Prometeu e dos Homens e não de Zeus. Parece-nos que corroboram esta hipótese os seguintes versos que o coro entoa no párodo: «Novos senhores Governam o Olimpo E, com leis novas, Zeus rege sem regra Ε destrói, agora, Os fortes de antanho». Não terá sido, no entanto, exclusivamente por motivos de ordem filosófico-religiosa que Esquilo atribuiu a Témis o papel de mãe do Titã, mas,

' «Aischylos Prometheus», Hermes, 65 (1930), pp. 259-304.

O FOGO DE PROMETEU 137

porque, do ponto de vista formal da construção do drama, precisava de explicar de que maneira conhecia Prometeu um funesto vaticínio sobre Zeus, que predizia a sua destruição, no caso de ele se unir à Nereide Tétis. Este precioso segredo, que Prometeu não tencionava revelar a Zeus antes de ser desagrilhoado, só Témis o conhecia, devido aos seus dons proféticos, ela que, aliás, no prólogo d'As Euménides (v.2) é apresentada como profetisa do templo de Apolo em Delfos^6. Assim sendo, ao fazer de Prometeu filho de Témis, encontrou Esquilo o modo mais verosímil de o Titã ficar a conhecer um oráculo que lhe valeria a sua libertação. De resto, tinha sido também Témis quem, como mãe, revelara a Prometeu que, para alcançar a vitória sobre os Titãs, deveria Zeus usar como arma a astúcia, que não a violência. E, por fim, é de Témis que Prometeu herda os dons divinatórios patentes sobretudo no diálogo com Io. Penso não ser meramente formal uma outra diferença em relação à narrativa do mito que Esquilo recebeu das mãos de Hesíodo - a presença, de modo nenhum despicienda, no prólogo, de duas divindades alegóricas - Poder e Força - que agrilhoam Prometeu, conquanto a segunda mais não seja do que um figurante. Ε à luz da opinião de Dodds^7 , que considera que, no Prometeu Agrilhoado, o protagonista representa o saber sem o poder e Zeus o poder sem o saber, que julgo dever interpretar-se esta inovação intimamente ligada com a concepção esquiliana da perfectibilidade de Zeus, que, ao princípio, dominava unicamente através do poder e da força. Em conformidade com este ponto de vista, surge no Agamémnon (vv. 177-178) a noção de que Zeus ensinou aos homens que só pelo sofrimento é que se aprende - trata-se do bem conhecido πάθει μάτ)ος. Outrossim, no Prometeu Agrilhoado, a respeito de Zeus, diz o protagonista, no párodo: "Penso que, ainda um dia a sua alma se adoçará, quando for despedaçado pelos sofrimentos" (v. 187-189) e, no êxodo, em resposta a Hermes, que perante uma exclamação de dor do Titã, comenta: "Aí está uma palavra que Zeus ignora" (v. 980), Prometeu responde: "Mas o tempo, envelhecendo, tudo ensina" (v. 981).

(^6) Conforme se diz no prólogo de Euménides, a primeira profetisa a tomar assento no templo de Apolo em Delfos foi a Terra (Gaia) e, em seguida, a sua filha Témis. Prometeu, no Io^ episódio (w. 209-210), identifica Témis com Gaia: "uma só forma, com muitos nomes". 7 Ponto de vista apresentado em aulas, na Universidade de Oxford, apud Μ. H. Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica, Lisboa^8 , p. 411.

O FOGO DE PROMETEU 139

contém uma alegoria ao progresso científico" está, sem dúvida, a pensar neste passo, pois, segundo Paul Mazon^10 , só nesta obra é que o Filantropo é considerado como inventor de todas as artes. Em Hesíodo, Prometeu é o prevaricador, que rouba o fogo numa atitude de puro acinte, apenas para se opor à reacção de Zeus perante o logro em que o Titã o tinha feito cair. Um e outro são embusteiros vis que se divertem a urdir artimanhas e a trocar entre si palavras ardilosas. Aproximam-se das figuras da comédia. Nada disto acontece - nem podia acontecer - no Prometeu Agrilhoado. Prometeu é inimigo de Zeus e Zeus de Prometeu, mas nenhum deles é ignóbil, como convém numa tragédia. Foi, sem dúvida, também por isso que Esquilo omitiu o ludíbrio feito por Prometeu a Zeus na distribuição dos lotes do sacrifício, episódio que não seria dignificante para nenhum dos dois deuses. Prometeu não rouba o fogo ao Pai dos deuses apenas para lhe fazer frente, mas sim por filantropia, por se apiedar dos mortais, que Zeus queria aniquilar. Para além do fogo - e aqui se insere uma outra inovação em relação ao mito transmitido por Hesíodo - o Titã dá aos homens a esperança. Para Hesíodo a esperança encontrava-se na vasilha dos males que Pandora, por curiosidade, abriu. Como não chegou a sair, porque a mulher "por desígnio de Zeus" colocou de novo a tampa, muito se tem discutido se o poeta a consideraria um bem ou um mal. De passagem, saliento, por me parecer a mais interessante, o opinião de Herman Frãnkel^11 : a esperança teria ficado retida na vasilha, porque, se saísse, realizar-se-ia, perdendo assim a sua verdadeira essência. O texto de Esquilo, no entanto, não suscita estas dúvidas. Ao saber da boca de Prometeu que ele deu aos homens "cegas esperanças" (v. 250), o Corifeu responde, "Grande bem deste aos mortais" (v. 251). Para Esquilo, embora a esperança possa ser dúbia, ainda assim é benéfica para a Humanidade ... para a Humanidade e para Prometeu, que suporta heroicamente os seus sofrimentos, na esperança de, um dia, ver quebrados os grilhões que o acorrentam. Ele é o Agrilhoado, mas simultaneamente um rebelde intrépido, de espírito indómito e resistente, que se recusa a dobrar a cerviz ao jugo da tira-

(^10) Eschyle, I, Paris, 1958, p. 154. (^11) Dichtung und Philosophie desfriihen Griechentums, p. 131.

140 ANA PAULA QUINTELA SOTTOMAYOR

nia^12. Esta sua insubmissão de apóstolo da liberdade^13 converteu-o em símbolo da heroicidade inquebrantável de quem luta abnegadamente por um ideal. Recordo, a este propósito, as palavras de Jaeger^14 : "Não é sem razão que o Prometeu tem sido sempre, dentre as obras da tragédia grega, a peça preferida dos poetas e filósofos de todos os povos; e continuará a sê-lo enquanto arder no espírito humano uma centelha do fogo prometeico".

(^12) Por isso, afirma, ao dialogar com Hermes: "não trocaria a minha desgraça pela tua servidão" (vv. 966-967). (^13) "Não há grilhão que já cative/Minha esperança triunfal" (João de Barros, Canto de Prometeu). (^14) Op. cit., p. 288.