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Este artigo analisa as características da tomada pelas figuras do bem e do mal na renovação carismática católica (rcc). O mal é representado pelo demônio, e o bem pelas figuras divinas. A rcc enfatiza a presença do mal na vida cotidiana, enquanto os momentos rituais são marcados pela presença do bem. Ao longo do artigo, são discutidas as semelhanças e diferenças entre a rcc e as religiões neopentecostais, especialmente em relação às presenças e manifestações de satanás.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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O Espírito Santo e o Diabo: o preenchimento pelo Bem e a contaminação pelo Mal na Renovação Carismática Católica Lílian Maria Pinto SALES Introdução O propósito central deste artigo é analisar a característica da tomada dos homens pelas figuras do bem ou do mal – Satanás e o Espírito Santo, respectivamente - , presente no movimento Renovação Carismática Católica (RCC). Autores que estudaram as denominações neopentecostais (Almeida, 2003; Mariano, 1996; Birman, 1997; Gomes,
especialmente na sua “entrada” no corpo dos fiéis, tornando-o agente responsável pelas ações humanas no mundo profano. Devido às semelhanças entre as características dessa figura na RCC e nas religiões neopentecostais, estabelecemos um paralelo entre elas, mostrando suas proximidades, mas também destacando suas diferenças, especialmente no que se refere à forma pela qual o demônio penetra e se manifesta nos corpos dos fiéis em ambas as religiosidades. Ao final da apresentação nos detemos na representação do bem, as figuras divinas, pois, como mencionamos, representa o pólo oposto ao mal na visão de mundo carismática, mas também devido ao fato do preenchimento dos homens pelo Espírito Santo se tratar de uma experiência marcante e excepcional nos rituais carismáticos - oposta a banalidade da infecção demoníaca – como é marcante e excepcional a manifestação demoníaca nos rituais neopentecostais. O Inimigo A definição mais representativa da presença do Diabo no mundo foi observada em uma palestra durante um ritual carismático. Segundo a palestrante, “ o inimigo está presente em tudo, em tudo podemos discernir a sua presença”. Somente após um longo trabalho de campo e muita reflexão é que pudemos apreender o que seria “ tudo” para os carismáticos. Inversamente à grande centralidade do demônio na RCC, a figura do diabo praticamente havia desaparecido da teologia das grandes Igrejas – Católica e Protestante. Segundo Kolaskowski, desde o século XVIII, a teologia católica tem sido cada vez mais econômica nas questões demonológicas, sendo que, no século XX “a maioria dos teólogos parece embaraçada e envergonhada com o problema do diabo” (1985, p.20). A teologia liberal, inclusive, evita o mundo demoníaco, considerando-o apenas como uma metáfora, uma abstração. A RCC, ao reiterar a presença da figura do demônio, se contrapõe à teologia católica recente que considera o demônio apenas uma abstração. Essa contraposição, porém, ocorre apenas com relação à teologia recente, pois os símbolos associados ao diabo na RCC são advindos do próprio cristianismo, estando presentes há séculos no imaginário da população. A ênfase carismática em Satanás não estabelece uma ruptura com o imaginário católico, mas faz uma releitura de características tradicionalmente associadas a ele.
preocupa, por que eu já sou dele. (...) O que tá na rua é dele, então ele não se preocupa, a partir do momento que aceita Jesus como único salvador aí ele alerta, acorda (Depoimento de Isaura). Nesse depoimento podemos perceber a crença de que o “mundo” é dominado por Satanás e as pessoas que vivem no mundo pertencentes a ele. Assim, o mundo, para os carismáticos, é o local de domínio de Satanás. “Tudo o que está na rua é dele” A concepção do mundo como dominado por Satanás não é novidade no cristianismo, remontando às concepções dos primeiros doutrinadores da Igreja, segundo Kolaskowski, aparecendo principalmente às margens do cristianismo, em que “o mundo da criação é mau, portanto, não admira que esteja submetido ao diabo” (1985, p.10). Na linguagem cristã, a palavra mundo adquire significados pejorativos – mundus imundus - , sendo que o título atribuído no Novo Testamento ao diabo como “príncipe desse mundo” colabora com essa concepção. Os carismáticos dividem as pessoas entre os freqüentadores da RCC e as pessoas do mundo, que não pertencem ao movimento, que estão mais expostos às influências de Satanás. Porém, não são apenas os infiéis que estão expostos ao mal. Os carismáticos, por necessariamente possuírem uma vida exterior a RCC, estão constantemente em contato com o mal. Podemos afirmar que ninguém é imune a ele. Sob esse aspecto, o domínio de Satanás sobre os homens é exercido por contaminação. O mal é uma essência que penetra nos corpos dos homens. O vocabulário carismático é revelador da onipresença do mal do mundo. O demônio contamina, infecta os fiéis através de sua simples existência no mundo exterior. Utilizam as seguintes frases para expressar o contato com o mal: Você não teve culpa irmão, mas você adquiriu uma contaminação; O pecado está inoculado no homem, ele foi inoculado pelo inimigo no homem; O pecado, o mal, infecta todos nós, não há como fugir dele. Dessa forma, podemos perceber que a ação do mal, personificado por Satanás, opera por contaminação, por infecção. Ou seja, independe da ação e vontade humana. Assim, mesmo o mais fiel dos carismáticos pode ser contaminado pelo mal, já que, como todos os homens, sua vida cotidiana se desenvolve no “mundo”, em que a presença de Satanás é constante. Temos, pois, que na concepção carismática de mundo, o mal é uma força que se encontra solta pelo ambiente humano, sendo capaz de “contaminar” qualquer pessoa. O mal adentra os homens, “não há como fugir dele”, ele está presente em “tudo” referente
ao mundo profano. Assim, todos os homens, fiéis ou infiéis, estão constantemente em contato com o mal. São infectados por ele a cada momento em suas experiências mundanas, desde as mais banais. Ele é uma força onipresente que infecta os carismáticos, pois eles forçosamente têm de voltar ao mundo profano para viverem seu cotidiano. Temos, pois, que na representação carismática, o mal é uma força que se encontra solta pelo mundo profano. Ele é uma figura próxima e constantemente presente na vida dos fiéis. Satã: o Todo Poderoso Satanás, além de onipresente e banal, tem poder sobre a vida dos humanos. Na RCC, a felicidade é o destino que Deus concedeu aos homens, sendo usada muitas vezes como sinônimo de bem. Tudo o que contradiz esse sentimento - as diversas formas de infelicidade - são atribuídas a Satanás_._ “O Demônio é o princípio da adversidade” (Gomes, 1994 , p. 228 ) , essa frase, referida por Gomes às religiões pentecostais, aplica-se perfeitamente a RCC; ou seja, como no pentecostalismo, todas as formas de mal são atribuídas a sua ação. Ele é o grande responsável por todo mal que aflija a humanidade, seja ele uma ocorrência natural ou devido à ação humana. Todas as tragédias físicas ou humanas – desde terremotos, enchentes, até a guerra, a fome ou um ataque terrorista – são atribuídas a Satanás. Vemos, pois que Satanás tem poder: poder sobre os homens e sobre a natureza. Somente as figuras divinas podem limitar seu poder, já que os homens nada podem contra ele. Entretanto, apesar da intensidade da presença do mal no mundo profano, podem se perceber diferenças no grau de presença do inimigo na vida dos homens. Alguns comportamentos são exemplares da sua presença destruidora, como o uso de drogas e a chamada prostituição, sendo referidos pelos fiéis como extremos da demonização. As deficiências físicas e mentais dos homens são atribuídas a Satanás, fato que ilustra perfeitamente o seu grande poder sobre a vida das pessoas. Elas são vistas, na RCC, como conseqüência da ação do inimigo sobre a vida dos homens. Para eles, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, e a imagem de Deus não é deformada, ela é perfeita. Portanto, a imagem de todos os homens também deveria ser perfeita. Quando ocorrem deformidades não foi por que “Deus quis”, mas sim devido à influência do
constante e terrível de Satanás no mundo. Segundo Souza (1996), essa dimensão se difundiu entre a população da colônia nos séculos XVII e XVIII devido ao contato com as bulas papais, em que o diabo aparece como um ser terrível. Segundo essa autora, “foi a cultura das elites que contribuiu para que o diabo ganhasse a dimensão virulenta na vida cotidiana dos colonos” (1986, p.378) Assim, a característica terrível de Satanás, bem como a sua presença em fatos inofensivos do dia a dia dos homens, é parte do repertório de imagens criadas pelos teólogos de idade moderna, não sendo portanto estranha ao imaginário popular, no qual qualquer heresia assumia formas demoníacas. Essa mesma dimensão ameaçadora e banal de Satanás indica que “o demônio não é apenas a simbolização do mal, mas uma presença e evidência em todos os momentos” (Souza, 1986 , p.101) Ele invade os menores espaços da vida, tomando a alma dos indivíduos. Diante dessa onipotência de Satanás em promover a desarmonia, a condição humana aparece impotente. Nem a ação humana, nem sua vontade ou livre arbítrio podem impor limites à ação de Satanás. O demônio tem poder sobre a vida dos homens, sendo capaz de decidir os caminhos de cada um, sem lhes deixar praticamente opção de escolha. As deformidades físicas e mentais são o melhor exemplo disso. Por esse motivo o Demônio é uma figura que assusta os carismáticos. Ele é onipotente, tem poder sobre a vida dos homens, manipula-os a revelia de sua vontade e de forma muitas vezes imperceptível e banal. Assim, o mal, devido a sua persuasão, é uma força que escapa à ação e ao controle humano. Ele age como uma bactéria, por infecção e essa contaminação independe da vontade humana. Nesse sentido, “as pessoas sentem-se vítimas de forças que são totalmente incapazes de controlar” (Nogueira, 2000, p.49). O Demônio é uma figura que assusta os carismáticos. Satanás aparece, pois, como elemento que substitui a responsabilidade humana, tornando-se ele mesmo a causa dos malefícios, relacionados ou não à ação humana. Sob esse aspecto, podemos estabelecer uma primeira aproximação entre a RCC e as religiões neopentecostais, em que todos os males são atribuídos a Satanás, independente da vontade ou escolha humana. Na IURD “não existe a idéia do mal escolhido ou não escolhido (...), um indivíduo não escolhe o mal, mas é possuído por este” (Mariz, 1996, p.56). Nesse sentido, o diabo exime o homem de poder e responsabilidade sobre suas ações, nas palavras de Gomes “ao miserável homem não se atribui responsabilidade ou culpa cosmológicas, como no cristianismo, segundo o qual herdamos a culpa de nossos
pais, Adão e Eva. Praticamente ninguém tem culpa - nem Deus nem os homens - a não ser os Demônios” ( 1994 , p. 229 ). Essa concepção onipotente das forças malignas, comum a RCC e a IURD, reduz a condição humana ao papel secundário. Os homens não são responsáveis por suas escolhas, eles são agentes apenas por que realizam as ações, porém, essas ações são manipuladas por Satanás, sendo ele seu real autor. Nesse ponto devemos, pois, aprofundar as relações entre a concepção de Satanás entre os carismáticos e os neopentecostais. O demônio carismático e o demônio neopentecostal A concepção do mal na RCC aproxima-se da presente nas religiões neopentecostais, como a IURD. Autores que estudaram essas religiões destacam que em qualquer perturbação da ordem cotidiana identificam a presença de Satanás. Doenças, brigas, desemprego, alcoolismo, problemas financeiros ou qualquer infortúnio são considerados ações do demônio sobre a vida das pessoas. Ele é a razão de todos os males que afligem os fiéis. (Mariz, 1997; Birman, 1997, Gomes, 1994; Almeida, 2003 ). Nas palavras de Mariano, referente à IURD “pastores e fiéis enxergam atuação demoníaca nos acontecimentos mais insignificantes do cotidiano” ( 1996 , p.127). Assim, como na RCC, o diabo é onipresente e banal, além de possuir poder de intervenção sobre a vida humana, sendo o causador de todos os malefícios. Entretanto, importa destacar que nas denominações neopentecostais, como a IURD – analisada por Gomes (1994) e Almeida (2003) – o demônio é uma presença corpórea. São demônios que se manifestam no corpo dos fiéis e falam por meio deles, sendo identificados com as entidades da Umbanda e do Candomblé – como Exu Tranca Rua, Zé Pilintra, Pomba Gira, entre outros. Nesse sentido, os males são atribuídos aos demônios, sendo que vários deles possuem não apenas os nomes, mas as características das entidades afro-brasileiras. Segundo Birman “Os espíritos mais freqüentemente mencionados por esses religiosos são aqueles que reconhecidamente pertencem ao campo maléfico, na classificação dada pelos cultos de possessão” ( 1997 , p.72). No caso da separação de um casal, por exemplo, a responsável pode ser a Pomba Gira, entidade relacionada com a transgressão sexual. Nesse sentido, na IURD as entidades/demônios possuem não apenas nome e voz, mas poder de interferir na vida das pessoas de acordo com a sua
presença e seu poder são constantemente destacados durante os rituais, porém, não há nenhuma forma de expulsão dos demônios ou de incorporação demoníaca. O inimigo, apesar de constantemente presente no discurso e nas palestras da RCC, não possui centralidade no que se refere a suas práticas rituais. Em outras palavras, não existe um momento dedicado à expulsão dos demônios nos cultos carismáticos. Os momentos excepcionais na RCC são aqueles em que ocorre a tomada dos homens pelo bem, as figuras divinas, em oposição à banalidade da infecção pelo mal. Dessa maneira, apesar da centralidade da figura do demônio entre os carismáticos e pentecostais, existem também características rituais que afastam estes dois movimentos. Nesse sentido, apesar de na RCC enfatizar a tradicional oposição cristã entre o bem e o mal, estruturando sua visão de mundo sobre esta oposição - como na Igreja Universal - a centralidade ritual do movimento encontra-se na crença no contato direto e imediato com as figuras divinas – especialmente o Espírito Santo e a Virgem Maria. Já no caso da Universal, segundo Giumbelli (2007), o demônio ocupa lugar central não apenas na sua cosmologia, mas também no plano ritual, sendo o exorcismo o eixo em torno do qual se constitui a IURD. Nas palavras do próprio bispo Macedo “nossa Igreja foi levantada para um trabalho especial: a libertação de pessoas endemoniadas” (1996, p.16). Assim, devemos demonstrar a centralidade ritual do contato com as figuras divinas na RCC, o pólo oposto e complementar ao demônio. Antes importa destacar o lugar do demônio na visão de mundo dos carismáticos. O Demônio e o sentido do mundo Ao mesmo tempo em que o Diabo é o elemento que suprime a responsabilidade dos homens, ele também organiza a visão de mundo dos carismáticos e neopentecostais, corporificando todos os sofrimentos humanos. As causas e razões dos sofrimentos humanos podem ser explicados por Satanás. O demônio pode ser considerado como um elemento racionalizador do mundo na RCC, nos termos adotados por Geertz, em que “aqueles que adotam os símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas de sua capacidade de compreender o mundo, mas, ao compreendê-lo, dão precisão ao seu sentimento de forma a poder suportá-lo” (1989, p.120). Dessa forma, o Diabo, e todo o sistema simbólico relacionado a ele, aparece como elemento racionalizador do mundo, é ele que permite a compreensão dos
sofrimentos humanos – já que todos os males são atribuídos a ele - , ao situá-los em um contexto significativo que permite o entendimento desse sofrimento, e, portanto, possibilita ao homem suportá-lo. Exemplo disso são os testemunhos que relatam os sofrimentos anteriores à adesão à RCC ou a IURD, extremamente valorizados e exaustivamente repetidos em seus rituais. Eles expressam os sofrimentos e os contextualizam significativamente como pertencentes ao universo dominado pelo diabo e, dessa forma, atribuem sentidos a esses sofrimentos, permitindo que sejam compreendidos. Ou seja, a visão de mundo desses grupos sobre o mal, seu universo simbólico relacionado ao diabo, organiza os sofrimentos humanos, dando-lhes sentido. Isso não ocorre apenas em relação aos sofrimentos humanos, mas à rotina da vida cotidiana, que também adquire sentido à luz dos símbolos relacionados a Satanás – pois, ao acreditarem na presença do Demônio “em tudo” presente no mundo, ele também permite a compreensão dos fiéis de sua vida cotidiana, mesmo que nela estejam ausentes os sofrimentos exemplares relatados durante os rituais. A banalidade do mal permite a racionalização, a compreensão da banalidade da vida cotidiana, eximida da plenitude e da excepcionalidade que caracterizam o contato com as divindades durante os rituais carismáticos. O Demônio é, pois, o elemento racionalizador na RCC, que dá aos fiéis um sentido do mundo. Assim, a resposta religiosa aos problemas do mal e do sofrimento – e, podemos acrescentar aqui, da rotina – passa pela formulação de um sistema de símbolos em torno da figura de Satanás que dá conta e até celebra as ambigüidades percebidas no mundo. Dessa forma, devemos também destacar as características excepcionais do contato com as figuras divinas nos rituais da RCC, que representam justamente o pólo oposto ao mal, ao sofrimento, à rotina e a banalidade que, na concepção dos carismáticos, marcam o seu dia a dia fora dos rituais. O bem: As figuras divinas O bem entre os carismáticos é representado pelas divindades, que também penetram o corpo dos fiéis, porém de forma excepcional e plena – percebida como a suprema felicidade dos homens-, e não na forma de uma contaminação cotidiana^2. (^2) Podemos pensar que, na verdade, as duas figuras são complementares: o diabo e o Espírito Santo, sendo que, como colocado por Almeida, foi o pentecostalismo que “introduziu a possibilidade de imanência do divino através do Espírito Santo, abrindo um espaço também para o diabo (ou das entidades) no corpo do
Nesse momento, em que ocorre a mudança na postura do palestrante e do público, iniciam-se os louvores ou libertações, marcada por grande emotividade entre os carismáticos. O palestrante fala entusiasticamente, muitos fiéis choram, outros se ajoelham, alguns falam em línguas. É o tom dessas palestras que os leva a esse momento de clímax emocional. O auge do êxtase, da entrega e preenchimento pelos deuses nos retiros ocorre durante o chamado “repouso no Espírito Santo”. Esse é um momento que se realiza apenas nos retiros carismáticos fechados – com acesso restrito de pessoas – e de longa duração. Nesse momento algumas lideranças estendem as mãos sobre suas cabeças de alguns fiéis e colocam “o poder de Deus sobre essas pessoas”. Então, os fiéis para os quais são dirigidas as orações perdem os sentidos, caindo no chão com os olhos fechados, como se dormissem. Após alguns momentos levantam-se e permanecem sentados, com uma expressão de extrema alegria, um sorriso e olhar parados sobre um ponto. Nesse momento os carismáticos crêem na entrada do Espírito Santo nos corpos dos fiéis. Utilizam-se das expressões: “Estamos repletos do Espírito Santo, estamos cheios do Espírito Santo”. Os fiéis cantam, choram, se ajoelham, falam em línguas... O êxtase emocional é tamanho que muitos perdem os sentidos, acreditando estarem sendo preenchidos pelo Espírito Santo. Trata-se de uma experiência excepcional, percebida como a suprema felicidade, a plenitude. “ Não há experiência maior ou melhor do que sentir o Espírito Santo bem dentro da gente”. Podemos considerá-lo, pois, como um momento de transe na RCC, no qual os fiéis são preenchidos, tomados pelo Espírito Santo. Durante o transe no Espírito Santo é a própria essência divina, pelo Espírito Santo que é essencial e não corpóreo, que preenche os fiéis. Eles estão “cheios, repletos, do Espírito Santo”. Entretanto, as divindades que tomam os fiéis são essenciais, e não corpóreas, e não se manifestam verbal ou corporalmente nos fiéis, eles são apenas inspirados por elas, o que não exime esse momento, porém, de intensa emocionalidade, que caracteriza sua excepcionalidade^3. Dessa forma, a excepcionalidade dos rituais carismáticos está no contato direto com o divino, marcado por experiências emocionais intensas. (^3) Segundo Sanchis, a experiência do transe é comum em todas as denominações religiosas brasileiras. “Espíritas, fiéis do candomblé, pentecostais e, agora, católicos carismáticos fazem a experiência fundamental de “ser o outro”. Inspirado por, tomado por, possuído por, cavalgado por, o fiel fica “fora de si” (2000, p.48). Já Maués (2003) faz uma importante análise das diferentes formas de transe nas
Assim, a banalidade de Satanás, quando comparada a excepcionalidade do contato com as forças do bem diferencia a RCC da IURD. A idéia de preenchimento pelas essências do bem - as divindades - e do mal - o Diabo – também está presente nas crenças dessa religião, porém, apesar da característica comum do preenchimento pelas divindades ou pelo Demônio, existem diferenças entre elas. O momento excepcional e marcante dos rituais carismáticos é o preenchimento dos fiéis pelo Espírito Santo, essa é a plenitude. Já a figura do demônio também penetra o corpo humano, porém se trata de uma contaminação, pela inevitável vivencia no mundo profano, ou seja, não possui características excepcionais, pelo contrário, ela é uma contaminação não apenas inevitável, mas muitas vezes imperceptível e, portanto, banal. Já a tomada pelo Demônio nas religiões neopentecostais como a Igreja Universal do Reino de Deus, analisada por Gomes (1997) e Almeida (2003), trata-se de um momento excepcional, sendo marcada por exorcismos, em que o demônio se manifesta verbal e corporalmente ao pastor, não se tratando de uma experiência banal, mas central e de destaque durante os rituais. Considerações Finais Demonstramos ao longo do artigo a as características da tomada dos homens pela essência do bem ou pela essência do mal, crença também apreendida por autores que estudaram a religiosidade neopentecostal, especialmente a denominação IURD. Constatamos a existência de muitas semelhanças na concepção de ambas as religiosidades sobre o demônio, principalmente em sua dimensão terrível – ele é o responsável por todos os males que afligem a humanidade – e cotidiana – em “tudo” apreendem a sua presença - , sendo, pois, a figura que dá sentido aos sofrimentos e a banalidade da vida, ao inseri-los em um contexto significativo específico. Apesar das dimensões em comum, a qualidade do mal difere entre as duas religiosidades. Enquanto na RCC Satanás é uma essência, que opera por contaminação inevitável e imperceptível, no neopentecostalismo ele é corpóreo, adquirindo os nomes e as qualidades das entidades afro-brasileiras. Além disso, gera performances bastante diferenciadas. Os exorcismos são momentos centrais dos rituais da IURD, sendo que neles os demônios se manifestam, tomando o corpo e a consciência do possuído, denominações religiosas brasileiras, detendo-se especificamente na RCC e demonstrando que os fiéis mantém-se conscientes durante os momentos de transe.
corpo dos fiéis. A plenitude ocorre pela oposição aos sofrimentos e a banalidade da vida cotidiana, dos momentos exteriores aos rituais carismáticos, explicados pela figura do diabo. Dessa maneira, o diabo volta à cena, sendo elemento simbólico importante na RCC, porém, é a “suprema felicidade” do contato com o divino, vivenciado durante os rituais, que nos ajuda a compreender a “nova” centralidade atribuída ao demônio no movimento carismático. Lílian Maria Pinto Sales Doutoranda em Antropologia Social FFLCH/USP lisales@usp.br Referências bibliográficas: ALMEIDA. Ronaldo. “A guerra de possessões”. In: Oro, Ari; Corten, André; Dozon, Jean Pierre (orgs). Igreja universal do Reino de Deus. Os novos conquistadores da fé. São Paulo, Paulinas. 2003. ALMEIDA, Ronaldo. “Dez anos do chute na santa: a intolerância com a diferença”. In : Gonçalves, Vagner (org). Intolerância Religiosa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. BALANDIER, G. O Poder em Cena. Brasília. Editora da UNB, 1992. BENEDETTI, Luiz Roberto. Templo, Praça, Coração – a articulação do campo religioso Católico. São Paulo: FAPESP, 2000. CAMARGO, Candido Procópio. Católicos, Protestantes e Espíritas. Petrópolis: Vozes,
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