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Este capítulo explora o papel crucial da era nassoviana na história de pernambuco, marcada pela transformação do estado em monumento histórico e pelo desenvolvimento econômico. O autor aborda a independência política dos países baixos, as especificidades culturais da nova soberania, a criação de empresas neerlandesas e o projeto de expansão e colonização no novo mundo, além da centralização administrativa na nova holanda. O texto também discute a importância de grandes homens de negócios na política e a relação amistosa entre portugueses e neerlandeses.
Tipologia: Notas de aula
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André Ricardo de Oliveira Barbosa
Conde de Nassau, o engenheiro de tramoyas : a cultura do Barroco e a teatrocracia nassoviana
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós–Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Orientadora: Prof.ª Dra. Márcia de Almeida Gonçalves
Rio de Janeiro 2016
André Ricardo de Oliveira Barbosa
Conde de Nassau, o engenheiro de tramoyas : a cultura do Barroco e a teatrocracia nassoviana
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós–Graduação em História, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Política.
Aprovada em 28 de Março de 2016. Banca Examinadora:
Prof.ª Dra. Márcia de Almeida Gonçalves (Orientadora) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UERJ
Prof.ª Dra. Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UERJ
Prof.ª Dra. Heloisa Meirelles Gesteira Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro 2016
BARBOSA, André Ricardo de Oliveira. Conde de Nassau, o engenheiro de tramoyas: a cultura do Barroco e a teatrocracia nassoviana. 2016. 170 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
Este trabalho dissertativo busca analisar a cultura política empreendida pelo Conde João Maurício de Nassau na função de governador-geral do território da Nova Holanda (1637–1644). A escolha de tal objeto de estudo vai ao encontro do fato de Nassau ser não só o único elemento da administração batava da Companhia das Índias Ocidentais lembrado até hoje em Pernambuco, tendo sua memória preservada, como também pela razão dos feitos dos sete anos de seu governo serem cultuados. Para compreender e averiguar melhor esta preservação imaterial de um elemento exógeno e díspar em um país de colonização portuguesa, o presente trabalho procura estabelecer um diálogo de aproximações entre as práticas e os valores da cultura política nassoviana com os moldes novos de gestão política da conjuntura do Barroco. Dentre essas aproximações, as que mais chamam a atenção se dão em relação ao ocorrido na convocação da assembleia geral em 1640 e do episódio conhecido popularmente pelo nome de boi voador, ocorrido no ano de 1644. Para possibilitar o cumprimento dos objetivos desta dissertação, algumas fontes do período de colonização batava no território do Brasil foram mobilizadas, com destaque para o Testamento Político do Conde de Nassau, um importante documento escrito pelo próprio Conde, abordando sua administração e o território governado. Nas considerações finais, após a corroboração da hipótese e dos objetivos de onde partiu tal trabalho dissertativo, Nassau é apresentado, então, como uma espécie de engenheiro de tramoyas – arcabouço conceitual próprio da época barroca – , sendo sua gestão um exemplar de teatrocracia, conceito trabalhado pelo sociólogo francês Georges Balandier.
Palavras–chave: Cultura política. Barroco. Nova Holanda. Conde João Maurício de Nassau.
- INTRODUÇÃO
Toda pesquisa parte de, ao menos, uma problemática central. É ela que origina e fundamenta tal investigação acadêmica. Como não podia deixar de ser, este trabalho dissertativo também nasce de uma questão que instigou o presente pesquisador. Esta é a de que, se fizermos um exercício de reflexão, não há, com exceção do Conde de Nassau, nenhum outro elemento das nações que invadiram o território brasileiro – neerlandeses, franceses e ingleses – do qual sequer nos recordemos até hoje. É apenas o nome de Nassau e seus feitos que, além dos nossos colonizadores lusitanos, ficaram marcados na memória, mesmo com o transcorrer de quase quatro séculos. Esta é a indagação da qual parte tal pesquisa: como um elemento de cultura díspar pode ter tido sua memória enquadrada – preservada e cultuada – , mesmo após a expulsão dos neerlandeses de Pernambuco por parte de iniciativa da própria população local. Cimento Nassau. Edifício habitacional Maurício de Nassau. Edifício empresarial Nassau. Avenida Maurício de Nassau. Ponte Maurício de Nassau. Rádio Web Nassau. Teatro Maurício de Nassau. Escola Municipal Maurício de Nassau. Centro Universitário Maurício de Nassau. Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. No parágrafo anterior, podemos encontrar exatamente dez empreendimentos e logradouros da vida cotidiana urbana do Recife contemporâneo que prestam homenagem ao governador-geral da Nova Holanda^1 , dando sua nomenclatura às suas marcas. Tal desígnio não é algo banal, de remota importância. Em contraposição, sob tal processo corriqueiro e cotidiano está o prestígio memorial ainda atual do Conde, tornando-se um verdadeiro monumento histórico^2 para a região. Tal atribuição de homenagens afetuosas e de um reconhecimento de seu valor histórico não é apenas um processo da contemporaneidade. Em setembro de 1640, um ano antes do contrato da administração nassoviana se findar^3 , diversos representantes escabinos – cargo este cujas responsabilidades e importância administrativa serão melhor detalhados no
(^1) Nome dado pela administração batava ao que conhecemos mais popularmente, em nossa historiografia, como "Brasil Holandês". (^2) LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp,
chamando-lhe senhor e protetor. (...) clamavam ter caído o Brasil e já não restar esperança (...)”^10. Esta é a questão da qual parte tal dissertação: como um elemento de cultura tão díspar e governador-geral de uma soberania política invasora – ou seja, a República das Províncias Unidas dos Países Baixos – e que, depois, acabou sendo expulsa pela própria população local, consegue tal patrimônio imaterial^11 até os dias de hoje. Para melhor compreender tal questão, pode-se recorrer ao que Anthony Pagden desenvolve sob o conceito do “Outro” em uma cultura diferente – apesar deste ser o principal e mais recorrente termo utilizado por Pagden, o autor também utiliza vocábulos sinônimos em seu texto, como, por exemplo, “eles” (“O povo, para se tornar o “outro”, é homogeneizado dentro de um ‘eles’”^12 ), em detrimento da existência correlata de uma categoria cultural de “nós”, e “forasteiros” (“O papel de todos estes “forasteiros”, que são também nossos próprios ‘outros’”)^13. Embora este autor trabalhe mais a questão da percepção europeia do mundo do que a mundial da Europa, é possível utilizar sua ótica analítica nesta última direção também, uma vez que a semântica de seu conceito se dá em relação à existência de um “choque” de culturas – mentalidades e práticas – tão diferenciadas. Se para o europeu este choque ocorre diante do primeiro contato com os povos do continente americano, igualmente há uma incompatibilidade entre as culturas dos residentes nas possessões portuguesas da América e a dos neerlandeses – mesmo para os colonizadores lusitanos presentes nesta região colonial, uma vez que até mesmo a sua cultura é bastante díspar daquela dos Países Baixos. Assim, Nassau estaria incluído, tal qual os demais neerlandeses, nesta categoria de “Outros”, haja vista os “elevados níveis de diferença”^14 , “nos costumes e nas crenças”^15 , do seu “modo compartilhado de vida”^16. Sendo assim, busca-se
(^10) MELLO, Evaldo Cabral de. Nassau – Governador do Brasil Holandês. São Paulo: Companhia das Letras,
(^15) O texto em língua estrangeira é: “customs and beliefs” (Ibid. p. 23).
aqui investigar como Nassau, um elemento provindo de uma cultura diferenciada, tendo uma identidade exterior, consegue construir sua imagem, ao contrário dos demais colonizadores neerlandeses, como pertencendo a uma cultura fronteiriça, passando de uma identidade exógena a uma identificação pelos elementos endógenos. Evidente é que contribuiu para sua monumentalização – ou seja, transformação em monumento histórico de Pernambuco – o fato de ser o período nassoviano aquele em que o referido estado mais se desenvolveu e se transformou, havendo um imenso e rico legado patrimonial cultural até hoje. Em relação a tal afirmativa, cabe a transcrição de um fragmento do texto introdutório que Gilberto Freyre escreveu para a obra O Brasil Holandês , organizada por Evaldo Cabral de Mello. Este escritor e sociólogo efetua um resumo elucidativo, tanto em relação às principais modificações pontuais que o Conde de Nassau imprimiu, quanto no que diz respeito à metamorfose da essência de Recife, por meio destas ações. De acordo com ele,
Com o domínio holandês e a presença, no Brasil, do conde Maurício de Nassau (...) o Recife, simples povoado de pescadores em volta de uma igrejinha, e com toda a sombra feudal e eclesiástica de Olinda para abafá-lo, se desenvolvera na melhor cidade da colônia e, talvez, do continente. Sobrados de quatro andares. Palácios de rei. Pontes. Canais. Jardim Botânico. Jardim Zoológico. Observatório. Igrejas da religião de Calvino. Sinagoga. (...) Fora esta a primeira grande aventura de liberdade, o primeiro grande contato com o mundo, com a Europa nova – burguesa e industrial – que tivera a colônia portuguesa da América, até então conservada em virgindade quase absoluta.^17
Por conta desta transformação e progresso que empreendeu Nassau, ocasionando o enquadramento de sua memória^18 ainda hoje, quem efetua um exímio quadro sinóptico da motivação e importância contemporânea do estudo do período nassoviano é Antônio Paulo Rezende. Conforme analisa,
o Recife possui memórias que atravessam sua história, sem perder a dimensão da magia e do mistério. (...) Quem pode esquecer todo um imaginário que se criou a partir dos feitos de João Maurício de Nassau? (...) Os mortos parecem governar os vivos. (...) Assim, a cidade pode tomar a forma de um imenso labirinto histórico, onde o invisível é mais marcante que o que é concreto e tem forma definida. (...) O contar a história não deve se resumir, portanto, a uma cronologia de datas e de nomes, mas a um diálogo incessante entre o passado e o presente, pois a história não
(^16) O texto em língua estrangeira é: “shared way of life” (PAGDEN, Anthony (Ed.). Introduction. In: Facing Each Other : The World's Perception of Europe and Europe's Perception of the World. Michigan: Ashgate/Variorum, 2000. p. 28). (^17) MELLO, Evaldo Cabral de. O Brasil Holandês. São Paulo: Penguin Classics, 2010. p. 5.
(^18) POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Revista Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3 – 15, 1989.
dimensão coletiva, sendo a cultura política uma potencial chave analítica que
permite compreender a coesão de grupos organizados à volta de uma cultura. Fator de comunhão dos seus membros, ela fá-los tomar parte coletivamente numa visão comum do mundo, numa leitura partilhada do passado, de uma perspectiva idêntica de futuro, em normas, crenças e valores que constituem um patrimônio indiviso, fornecendo-lhes, para exprimir tudo isso, um vocabulário, símbolos, gestos, até canções que constituem um verdadeiro ritual.^24
Para melhor apreender as bases de uma determinada cultura política, há de se levar em conta não só as práticas concretas – as tomadas de posição de um determinado governo – , mas também – e sobretudo – as ideias, sentimentos e valores que informam tais ações. Assim, é importante considerar não só os componentes objetivos, como também os fatores subjetivos a fim de se “compreender as motivações dos atos dos homens num momento da sua história, por referência ao sistema de valores, de normas, de crenças que partilham”^25 , bem como as “suas representações da sociedade, do lugar que nela têm e da imagem que têm da felicidade”^26. Tal conceito de cultura política aqui foi detalhado por ser de suma importância na elaboração e desenvolvimento deste trabalho, uma vez que são dois os objetivos principais deste trabalho: detectar as bases constituintes de uma cultura política nassoviana, bem como correlacionar a mesma a um panorama conjuntural mais global^27 – no caso desta dissertação, a cultura política do Barroco, que é a “resposta dada, em torno do século XVII, por grupos ativos pertencentes a uma sociedade que entrou em dura e difícil crise^28 ”^29. Algumas fontes foram mobilizadas neste trabalho para dar conta de atender ao objetivo geral de análise da cultura política nassoviana. Todavia, cabe destacar uma, em
(^24) BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean François (Org.). In: Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998. p. 362–363. (^25) Ibid. p. 363.
(^26) Ibid. p. 363.
(^27) Uma vez que “o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções” (LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2001. p. 48). (^28) Corresponde, então, ao processo que o mencionado historiador francês Serge Berstein pauta como sendo a gênese das culturas políticas: em sua origem, correspondem “às respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história” (BERSTEIN, Serge, op. cit. p. 355). (^29) MARAVALL, José Antonio. A cultura do Barroco: Análise de uma estrutura histórica. Tradução de Silvana Garcia. Revisão Técnica de João Adolfo Hansen. 1ª Ed., 2ª Reimpr. São Paulo: EDUSP, 2009. p. 65.
especial, dada sua singularidade: o documento conhecido pelo nome de Testamento Político do Conde de Nassau. Isto se dá não só pelo fato de que tal documento não só foi escrito pelo próprio Conde, como também por fornecer justamente a supradita mentalidade que guiou a gestão nassoviana por sete anos. Esta apreensão exitosa através da análise deste documento ocorre dada a sua natureza existencial, que é a de contribuir, a seus destinatários – a tríade governamental que o sucederia – , acerca do modo como ele próprio governou, recomendando, assim, como eles igualmente deveriam governar – conforme o mesmo assinalou no documento: “nada foi dito aqui que eu mesmo não tenha posto em prática”^30. Tal afirmação não parece uma mera construção discursiva, mostrando-se verídica devido a dois motivos. O primeiro remete ao fato de que, embora o Conde tenha sido retirado do cargo pela própria Companhia das Índias Ocidentais (WIC), dado o descontentamento desta pelos altos gastos da sua gestão, este não saiu do comando questionando, em momento algum, a sua ideologia e condutas nos sete anos de seu governo. Então, sua forma de tratar a população, o exército, o território, a diversidade religiosa, etc., enquanto governador da Nova Holanda, ainda parece ser posta por ele como uma metonímia do bom administrar. Ademais, outro fator que parece fornecer veracidade a tal afirmação é que o mesmo, além do não questionamento supradito, não desejava, sobretudo, que todo aquele progresso e construções que ele mesmo edificou – palácios, jardins, Cidade Maurícia, jardim botânico, jardim zoológico, observatório astronômico, etc. – ruíssem devido a um mal orientado e sucedido administrar dos governantes batavos posteriores. Logo, devido a estas duas premissas, o seu testamento político apresenta-se como contendo um conteúdo não maquiado, forjado, mostrando, ao contrário, os propósitos que guiaram a conduta de ação do Nassau – tal interpretação analítica é a mesma que o conceituado historiador Jose Antonio Gonsalves de Mello possui, evidenciando-a na introdução à análise deste documento^31. Assim sendo, tal fonte é crucial de ser investigada, a fim de se observar e elucidar sobre as motivações nassovianas, ou seja, a mentalidade que informa as próprias ações nos eventos históricos que serão abordados nesta pesquisa. A maneira encontrada para trabalhar de forma a problematizar e desenvolver melhor o
(^30) NASSAU, João Maurício. Testamento Político do Conde João Maurício de Nassau (06/05/1644). In: MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a História do Brasil Holandês: a administração da conquista. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985. p. 408. (^31) MELLO, José Antonio Gonsalves de. Introdução ao documento Testamento Político do Conde João Maurício de Nassau (06/05/1644). In: ______. Fontes para a História do Brasil Holandês: a administração da conquista. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985. p. 385 – 393.
Os capítulos de número três e quatro detêm a finalidade de apresentar algumas bases do que formatavam a cultura política nassoviana. O terceiro aponta, em seu próprio título, o foco da sua discussão: Aproximações da cultura política nassoviana à gestão estatal barroca. O capítulo é iniciado fomentando a questão de se seria João Maurício de Nassau um governante nos moldes políticos da cultura do Barroco. Foram, então, apresentadas cinco possíveis afinidades conformativas de diálogo entre a cultura política nassoviana e a do Barroco: a opção pragmática de Nassau por uma tolerância religiosa de cunho temporário; a definição do povo como um rebanho de carneiros; o estabelecimento de laços de amizade como estratégia política; a construção de um novo núcleo urbano, chamado de Cidade Maurícia; e a realização de cerimônias públicas na Nova Holanda com o objetivo de conquistar corações e mentes. Fechando os quatro capítulos, o último norteia a direção que segue este trabalho dissertativo, ao estabelecer, no próprio título, um jogo linguístico entre o duplo significado do termo “engenho”. Chamado de O engenho de Nassau na sociedade dos engenhos, este quarto capítulo tem como intuito a discussão problematizada de dois dos principais eventos históricos dos sete anos de governo Nassau, que são os que melhor corroboram esta aproximação dialógica entre as culturas políticas nassoviana e a do Barroco: a convocação da assembleia de 1640 e o episódio conhecido popularmente pelo nome de boi voador.
1.1 Liberdade em casa
Para se entender melhor o Conde João Maurício de Nassau e seus feitos como governador-geral da Nova Holanda, é necessário, antes de qualquer coisa, conhecer seu lugar social, ou seja, de onde é que ele fala. Em outras palavras, é de suma importância a investigação das especificidades da cultura da própria República das Províncias Unidas dos Países Baixos^33 do século XVII – em especial, a cultura política –, alcunhado como “século de ouro” neerlandês, idade clássica de sua civilização. Todavia, anterior a tal processo, cabe a exposição aqui da motivação de assim denominar a origem do Conde de Nassau – cuja nacionalidade era alemã – ao invés da equivocada utilização da nomenclatura de Holanda, que nada mais era do que uma das sete províncias dos Países Baixos. Isto acontece pelo fato de que
A República apresentava uma grande diversidade em suas partes. O costume de designar o país inteiro pelo nome de “Holanda”, corrente já na Europa do século XVII, era, nesse sentido, abusiva. Certamente, a despeito de sua pequena extensão, a província da Holanda, por sua riqueza e seu poder, atraía mais a atenção do estrangeiro do que todas as outras juntas. No entanto, a linguagem local há muito tempo chamava de Nederland (País Baixo) o território reunido pela União de Utrecht. (...) Holanda, holandês, para a província; Países Baixos^34 , neerlandês, para as Províncias Unidas. Oponho estas últimas implicitamente aos Países Baixos do Sul, de dependência espanhola, que para simplificar chamo de Bélgica, ainda que no século XVII fossem muitas vezes chamados de Brabante.^35
Mais do que estudar somente a cultura dos Países Baixos – sobretudo a sua cultura política – , é necessário fazer um estudo da sua elite – da qual João Maurício de Nassau pertenceu – e de como se representavam. Neste quesito, os trabalhos de Peter Burke e Simon Schama são obras prosopográficas^36 fundamentais sobre as elites de Amsterdã, principal
(^33) A fim de se evitar a repetição exagerada de tamanha nomenclatura, tal território será referenciado aqui pelo nome simplificado de Países Baixos. (^34) Ou “Terra dos Países Baixos Unidos”, como era o termo puramente formal utilizado em tratados e documentos oficiais da época (SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 64). (^35) ZUMTHOR, Paul. A Holanda no tempo de Rembrandt. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras/Círculo do Livro, 1989. p. 18. (^36) Biografias coletivas nas quais se há o intuito da investigação de características básicas comuns e de um
comum^40. Diante de uma pluralidade de questões e interesses que tinham esses territórios, foi somente esta motivação geral e compartilhada – resistência ao domínio e autoridade espanhola – aquilo que possibilitou a união nos Países Baixos^41. Se, por fim, foi a luta contra o absolutismo espanhol – e não as semelhanças entre as províncias – que acabou unindo e construindo uma determinada imagem dos recém-formados Países Baixos, outra é a característica que assemelha estes territórios tão distintos entre si: a luta contra o oceano, dada a sua geografia territorial rebaixada, cuja tendência era ser invadida pelo mar. É não só esta adversidade natural que acaba por unir também as sete províncias^42 , mas também – e sobretudo – a sua superação: os Países Baixos criaram sua imagem de autorreconhecimento na transformação de catástrofe em fortuna, de enfermidade em vigor, de água em terra seca, de lama em ouro, de sofrimento em redenção^43. Eendracht maakt macht : a união faz a força^44. Para Andries Vierlingh, citado por Simon Schama, a vitória sobre o oceano dava às Províncias Unidas um caráter divino, pois “o poder de criar nova terra pertence apenas a Deus pois Ele concebe a alguns povos a inteligência e a força para fazê-lo”^45. Assim, nesta espécie metafórica de autorização delegada aos holandeses para o ato de criação territorial, se “Deus fez o mundo, o holandês fez a Holanda”^46. Aliás, os Países Baixos não só conseguiram domesticar a força rebelde e natural das águas do oceano, impondo-lhes limites, como acabaram voltando-as contra seus próprios inimigos mais tarde, na forma de uma poderosa frota marítima. O combate ao oceano foi tão importante na formação da imagem dos Países Baixos
(^40) Por isso, Simon Schama analisa que o senso de nacionalidade nos Países Baixos não é a causa da revolta contra a Espanha, mas tão somente o seu resultado (SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 64). (^41) Ainda assim, mesmo após a paz assinada em 1609 – que acabou não sendo definitiva, uma vez que o conflito entre os Países Baixos e a Espanha regressou no ano de 1621 – , a localização da Pátria estava longe de ser óbvia, faltando até mesmo uma nomenclatura de aceitação comum para aquele dado conjunto de territórios (Ibid. p. 64). Além disso, os impostos também não eram uniformes em toda a república, assim como a moeda, os pesos e medidas: variavam muito de uma província para outra (Ibid. p. 74). (^42) Uma vez que “a adversidade obriga os homens a conviver em harmonia. Qualquer que fossem suas diferenças, a sobrevivência impediu que degenerassem num estado hobbesiano de caos animal” (Ibid. p. 43). (^43) Ibid. p. 34.
(^44) Ibid. p. 43.
(^45) Ibid. p. 44.
(^46) ZUMTHOR, Paul. A Holanda no tempo de Rembrandt. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras/Círculo do Livro, 1989. p. 365.
que, não por mero acaso, houve um acentuado gosto pelas epopeias do desastre e da catástrofe neste dado território, recheadas de “peripécias horripilantes e salvações prodigiosas”^47 , fazendo até com que efetuassem comparações analógicas de seu povo à figura de Noé. O próprio mercado editorial dos Países Baixos acabou incentivando tais produções escritas e pedagógicas, que se coadunavam com a necessidade de criar uma galeria de heróis nacionais. Assim, os Países Baixos formariam sua identificação em um duplo e poético caminho, o que acabou por formar processos indissoluvelmente interligados na mente dos neerlandeses da época: no enfrentamento ao absolutismo, mas também ao oceano; na recuperação nacional
(^47) SCHAMA, Simon. O desconforto da riqueza: A cultura holandesa na época de ouro. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 37. (^48) Ibid. p. 47, 51.
(^49) Diferente da república de Veneza do mesmo XVII, na qual existia toda uma mitologia histórica dando a genealogia de imemorial antiguidade e continuidade da sua elite, nos Países Baixos foi de suma essencialidade romper com seu passado de domínio espanhol, obrigando-os a reinventá-lo para fechar a ferida e reconstituir o corpo político (Ibid_._ p. 76). (^50) WESTSTEIJN, Arthur. Maquiavel no Brasil Holandês: Gaspar Barlaeus, João Maurício de Nassau e o príncipe colonial. In: BAGNO, Sandra; MONTEIRO, Rodrigo Bentes (Org.). Maquiavel no Brasil: dos descobrimentos ao século XXI. Tradução de Mariana Dantas Batista e Christiano Sanches. Rio de Janeiro: FGV, 2015. p. 137. (^51) Ibid. p. 138.
(^52) MELLO , Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 2003. p. 61. (^53) “A prosperidade dos Países Baixos seduz a Europa e a intriga, depois a inquieta” (ZUMTHOR, Paul. A Holanda no tempo de Rembrandt. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras/Círculo do Livro, 1989. p. 313).