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o espetáculo se afirmar por toda parte, sendo que “a mudança de maior importância, em tudo o que aconteceu há vinte anos”, desde a publicação de “A sociedade do.
Tipologia: Provas
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Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012
Emerson Ike COAN^2
RESUMO
Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreender o domínio do entretenimento na contemporaneidade, a partir de sua acepção como elemento da cultura, passando pelos estudos críticos centrados nas noções de indústria cultural e de sociedade do espetáculo até os que se referem ao contexto da sociedade midiatizada, na qual se identifica uma fusão entre as dimensões lúdica e informacional.
Palavras-chave: Comunicação na contemporaneidade. Entretenimento. Sociedade do espetáculo. Sociedade midiatizada.
ABSTRACT
This article deals with the conceptual basis for the understanding of the entertainment domain in contemporary time, from its acceptation as an element of culture, going through critical studies centered on the notions of cultural industry and the society of the spectacle, up to those referring to the mediatized society context, in which a fusion is identified between the playful and the informational dimensions in media products.
Keywords: Communication in contemporary time. Entertainment. Society of the spectacle. Mediatized society.
Introdução
Este artigo versa sobre as bases conceituais para compreensão do domínio do entretenimento na contemporaneidade. Parte de sua acepção como componente da natureza psíquica do homem e como elemento da cultura, em razão da dimensão “Homo ludens” (do brincar, jogar, entreter), passando pela postura crítica centrada nas noções de indústria cultural e de sociedade do espetáculo, até o contexto da denominada
(^) Dedico este artigo ao Professor Doutor Alysson Leandro Mascaro, com quem compartilho a esperança de uma sociedade mais fraterna e justa, além da razão instrumental reinante. 1 Trabalho apresentado à quarta edição da Revista Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura, publicação ligada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná. 2 Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Membro do Grupo de Pesquisa "Comunicação e Sociedade do Espetáculo" na Faculdade Cásper Líbero.
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 sociedade midiatizada, na qual é identificada uma fusão entre o lúdico e o informacional nos produtos midiáticos.
O entretenimento como componente da natureza psíquica do homem e como elemento da cultura
Há um menino Há um moleque Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto balança Ele vem pra me dar a mão (Bola de meia, bola de gude – M. Nascimento e F. Brant)
O termo entretenimento, do latim "inter" (entre) "tenere" (ter), evoluiu para o inglês "entertainment", “aquilo que diverte com distração ou recreação” ou “um espetáculo público ou mostra destinada a interessar ou divertir” (Gabler, 1999: 25). A ideia de “ter entre” indica que o entretenimento “nos leva cada vez mais para dentro dele e de nós mesmos” (Trigo, 2003: 32). A dimensão “Homo ludens” (do brincar, jogar, entreter) possibilita ver na atividade não direcionada a um fim pragmático um componente da natureza psíquica do homem e uma das bases da cultura. Esta, para compreensão do lúdico como um de seus elementos constituintes, é o conjunto de atividades que ultrapassam a mera finalidade de preservar a sobrevivência material. Daí que: A cultura, em particular, e a vida humana, em geral, são muito mais complexas que as tentativas de se padronizar experiências. O esporte, a cultura, a política, os jogos e as diversões, a religião e as crenças, as festas são fontes inesgotáveis de atividades humanas prazerosas, que se expressam sob os mais diversos conceitos como lazer, recreação, ócio e entretenimento (Trigo, 2003: 181).
Freud, em "O poeta e a fantasia", propõe procurar na infância os traços da atividade imaginativa do artista, considerando que, ao brincar, toda criança comporta-se como um artista na criação de um mundo novo composto dos elementos de seu próprio mundo. Também explica que brincar é uma atividade séria, na qual a criança investe grandes quantidades de afeto, e que é a realidade, e não a seriedade, que se opõe ao
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 um artista a criar seriam as mesmas que levam outras pessoas à neurose. Porém, o artista exprime suas fantasias, torna-as aceitáveis e até prazerosas aos outros, realizando os desejos próprios e os alheios. A técnica do artista, no particular do poeta, é que leva à superação de algumas barreiras: ou porque as suborna com o prazer puramente formal ou estético que suaviza ou disfarça o caráter egocêntrico de seus devaneios; ou porque proporciona um deleite às pessoas com as suas próprias fantasias, em razão do que liberam tensões. Eis o componente da natureza psíquica do homem para compreensão do entretenimento. Huizinga observa que tão importante como o raciocínio na dimensão “Homo sapiens” e o fabrico de objetos na dimensão “Homo faber”, e talvez ao mesmo nível do primeiro, é o jogo na dimensão “Homo ludens”, de modo que deve ser tomado como fenômeno cultural e estudado em uma perspectiva histórica. O jogo tem primazia sobre a cultura, pois é objetivamente observável, passível de definição concreta, ao passo que a cultura é apenas um termo que nossa consciência histórica atribui a determinados aspectos. Nada impede interpretá-lo como qualquer fenômeno cultural que se apresente como inteiramente sério (algo identificado em Freud, para quem o contraponto é com a realidade), como a Filosofia, o Direito e a guerra, como se revelassem o elemento lúdico original. Em tais esferas, há (na polêmica como busca do saber, no processo judicial e na luta, respectivamente) uma instância primitiva e mítica de competir para vencer, ao expor sensibilidade e habilidades técnicas e por elas ser reconhecido. A sociabilidade do homem decorre também da sua natureza lúdica. É ela que confere espontaneidade nas relações de convivência, independentemente das instituições. É no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve. O percurso de sua forma significante como função social tem origem no mito e no culto^3. A antítese jogo-seriedade significa que os homens foram tomando consciência do conceito de jogo como entidade independente. É uma atividade voluntária e desinteressada (sua feição poética): um intervalo em nossa vida quotidiana como função vital, para que o homem, isolada ou cooperativamente, possa suprimir temporariamente
(^3) No mito vivo não existe qualquer distinção entre o jogo e a seriedade. Só quando se torna mitologia (literatura, transmitida como uma forma tradicional por uma cultura que em parte se separou da imaginação primitiva) foi aplicada ao mito a distinção entre o jogo e a seriedade, e em seu detrimento. Em relação ao culto, o mito, após haver perdido seu valor como instrumento adequado da compreensão do universo pelo homem, continua desempenhando a função de exprimir o divino em linguagem poética, o que é alguma coisa mais do que uma função estética, pois na realidade é uma função litúrgica (Huizinga, 2007: 144-145).
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 o mundo habitual e se colocar num espaço/tempo com dinâmica própria, regras estruturais e obrigatórias, permissivas de sua repetição como um ritual ou um culto. Não por acaso, o fascínio, o encantamento, a ilusão e o arrebatamento que provoca. Deve o participante crer e manter-se fiel ao papel assumido para não ser um desmancha- prazeres. O jogo:
É uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola é de arrebatamento e entusiasmo, e torna-se sagrado ou festivo de acordo com a circunstância. A ação é acompanhada por um sentimento de exaltação e tensão, e seguida por um estado de alegria e de distensão (Huizinga, 2007: 147).
Quanto ao domínio em formação do lúdico na contemporaneidade, Huizinga já em 1938 vislumbrava um problema, ainda existente, expresso nas perguntas: em que medida a cultura atual continua se manifestando através de formas lúdicas? Até que ponto a vida dos homens que participam dessa cultura é dominada pelo espírito lúdico? Coube-lhe denunciar que a definição de jogo por ele formulada, estava sendo desvirtuada, uma vez que saía da esfera do divertimento ocasional para a existência de clubes e da competição organizada, de modo que o espírito do profissional não é mais o espírito lúdico, pois lhe falta a espontaneidade, a despreocupação. Sustentou ainda que “procurar ver se há um conteúdo lúdico na confusão da vida moderna pode levar a conclusões contraditórias” tais como as existentes na busca de atingir um “record” no esporte e na procura de cumprir metas de estatísticas de vendas. Já presenciava um aspecto esportivo em quase todo triunfo comercial ou tecnológico: o navio de maior tonelagem, a travessia mais rápida, a maior altitude etc. Os negócios transformavam-se em jogo (Huizinga, 2007: 217-222). Assim: cada vez mais fortemente dominada por uma característica que tem alguma coisa em comum com o jogo e dá a ilusão de um fator lúdico fortemente desenvolvido ... Tudo se passa como se a mentalidade e o comportamento do adolescente tivessem passado a dominar certas áreas da vida civilizada que outrora pertenciam aos adultos responsáveis (Huizinga, 2007: 227-228).
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O segundo, na associação diversão/consumo, pois até tirar férias significa trabalhar e consumir, ou seja, o tempo livre tornou-se uma mercadoria. Daí que:
O entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos atuais. A indústria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em princípio a transferência muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão de suas ingenuidades inoportunas e de ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias (Adorno; Horkheimer, 1985: 126).
O terceiro, na subordinação da diversão ao princípio da utilidade, por certo que os três se implicam:
A indústria cultural permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria. A diversão é o prolongamento do trabalho (Adorno; Horkheimer, 1985: 128).
É apenas aparente a liberdade de escolha do indivíduo, uma vez que:
O princípio impõe que todas as necessidades lhe sejam apresentadas como podendo ser satisfeitas pela indústria cultural, mas, por outro lado, que essas necessidades sejam de antemão organizadas de tal sorte que ele se veja nelas unicamente como um eterno consumidor, como objeto da indústria cultural (Adorno; Horkheimer, 1985: 133).
A inversão do significado de diversão como passatempo para se distrair com algo diferente dos afazeres cotidianos está no fato de que o entretenimento “deixa de ser algo imediato, um fim em si mesmo, transformando-se em um meio para a reprodução do modo de produção capitalista” (Coelho, 2010: 166). A diversão está a serviço das grandes empresas na busca de lucro desmedido, coerente com a razão instrumental do sistema capitalista de dominação, pela submissão a comportamentos que lhe são úteis. O tempo livre deixa de ser um espaço para se desligar do cotidiano e torna-se um tempo que deve ser aproveitado para gerar vantagem financeira ao sistema capitalista, ou seja, para consumir (televisão, jornais, revistas, rádio, Internet - meios em que são veiculados anúncios publicitários) ou passear para descansar em “shopping centers”.
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 Na contemporaneidade, sob o império de uma ideologia do consumo desenfreado de bens, serviços e marcas, por força de uma correspondente publicidade ostensiva, o ser humano tem a ilusão da liberdade ou da consciência plena de escolha. Tudo se torna valor de troca, bastante o “ter” algo ou “parecer-se” com algo, insignificante o “ser” alguém. É a lógica da produção de aparências e da cultura da imagem, como se fosse vivida em plenitude a própria realidade social numa ação cívica, o que é expresso na tese de Guy Debord (1997: 14) sobre o “fetichismo das imagens”: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. Primeiro, o próprio trabalhador acredita que o valor de uma mercadoria não é consequência do tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção, mas decorre da “natureza” do produto. Depois, os meios técnicos dominam de modo a influenciar, diga-se alienar, a possibilidade de o indivíduo criar um distanciamento crítico, e de cidadão passa a mero consumidor de imagens. Assim:
não só o trabalhador deixa de se ver e ser visto como o sujeito do processo de produção (basta ver o uso do termo “classes produtoras” para designar os empresários) como qualquer indivíduo no capitalismo deixa de ver e ser visto como produtor da própria realidade social, que aparece como se fosse separada das ações humanas (Coelho, 2006: 16- 17 – destaque no original).
Na relação entre a mídia e o entretenimento a visão se torna legitimadora do que passa por ela, sem que seja importante se o que é visto é verídico, valioso, inteligível, estruturado ou simplesmente banal, falso, manipulador ou distorcido. O domínio do espetáculo pode ser visto como um componente do atual estágio da sociedade capitalista, pois:
Na fase primitiva da acumulação capitalista, “a economia política só vê no „proletário‟ o „operário‟”, que deve receber o mínimo indispensável para conservar sua força de trabalho; jamais o considera “em seus lazeres, em sua humanidade”. Esse ponto de vista da classe dominante se inverte assim que o grau de abundância atingido na produção das mercadorias exige uma colaboração a mais por parte do operário. Subitamente lavado do absoluto desprezo com que é tratado em todas as formas de organização e controle da produção, ele continua a existir fora dessa produção, aparentemente tratado como adulto, com uma amabilidade forçada, sob o disfarce de consumidor. Então, o „humanismo da mercadoria‟ se encarrega dos “lazeres e da
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 Neal Gabler sustenta que a vida se tornou um filme. A aplicação deliberada de técnicas teatrais em política, religião, educação, literatura, comércio, guerra, crime, em tudo, converteu todos os ramos da indústria de entretenimento, na qual o objetivo supremo é ganhar, satisfazer uma audiência, com “uma força tão esmagadora que acabou produzindo uma metástase e virando a própria vida” (Gabler, 1999: 13). Ao agir como “um vírus ebola cultural, o entretenimento invadiu organismos que até havia pouco ninguém imaginava que fossem capazes de fornecer divertimento” (Gabler, 1999: 17). A transformação da vida num veículo de entretenimento não poderia ter dado certo:
se aqueles que assistem ao filme-vida não tivessem descoberto o que os primeiros produtores de cinema já tinham descoberto anos antes: que as plateias precisam de algum elemento de identificação para que o espetáculo as envolva de fato. No cinema, a solução foram as estrelas. Para o filme-vida são as celebridades. Ainda que o estrelato, seja qual for sua forma, confira celebridade automática, é muito provável que hoje em dia ela seja concedida igualmente a gurus de dietas milagrosas, a estilistas e as suas chamadas “top models”, a advogados, políticos, cabeleireiros, intelectuais, empresários, jornalistas, criminosos – qualquer um que calhe de ser captado, ainda que efemeramente, pelos radares da mídia tradicional e que, por isso, sobressaia da massa anônima. O único pré-requisito é publicidade (Gabler, 1999: 14-15).
Tudo o que a mídia precisava fazer para produzir mais celebridades:
era ampliar o alcance de seus holofotes, ainda que, ao fazê-lo, tenha quebrado os últimos elos que porventura ainda uniam a celebridade a algum feito, a fama a alguma habilidade. A única habilidade que importava no universo em expansão da celebridade era a habilidade de fazer o próprio nome aparecer na mídia (Gabler, 1999: 151).
Veem-se ainda programas “reality? show!” como “Big Brother Brasil”, pelos quais se percebe que se é famoso meramente por ser famoso, ou seja, não é preciso reunir qualificações ou atributos pessoais (intelectuais, científicos, artísticos, lúdicos ou desportivos), basta aparecer e permanecer exposto “em tempo real”. Inúmeros são os outros exemplos, desde o papel preponderante das telenovelas até o crescimento na mídia impressa do espaço dedicado a temas como moda, gastronomia, cuidados com o corpo, busca de sucesso profissional, autoajuda, indicativas da mistura de informação e de entretenimento, a ponto de se falar em “infotenimento” (Coelho, 2010: 163). Isso porque:
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012
Em uma sociedade cuja informação é uma mercadoria valiosa e os fluxos de circulação da informação são controlados por instituições e empresas ligadas aos mais diversos setores produtivos, existe uma intricada rede que agrupa em um mesmo fenômeno atividades que, na origem, são diferentes (esportes, notícias, arte, educação, lazer, turismo, “show-business”), mas que se articulam enquanto mercadorias destinadas a um consumo específico caracterizado pelo prazer (Trigo, 2003: 21-22).
Dos anos 80 para cá, em continuidade ao padrão norte-americano, a dimensão informativa e a dimensão lúdica fundem-se cada vez mais, de modo que aumenta o volume de leitores de revistas de atualidades e de entretenimento, nas quais a informação social e política resume-se mais a entrevistas que em análises da vida cotidiana, dos gostos das personagens públicas ou em suas opiniões sobre conflitos que afetam o cidadão comum. Ali pelos anos 90:
rara era a semana em que não houvesse um vídeo de uma perseguição automobilística em velocidades alucinantes, de algum acidente aéreo durante uma exibição ou outra, de algum ataque horrendo, por exemplo um domador sendo estraçalhado por um leão, um refém em mãos de criminosos com repórteres amontoados em volta, ansiosamente aguardando o desfecho do caso, ou ainda de algum pára- quedista cujo pára-quedas não abrira. (“Avisamos ao telespectador que o que vamos mostrar a seguir pode ser desagradável”, avisa solenemente o âncora.) E ainda que todos saibam que o valor informativo de uma perseguição de automóvel ou de um acidente de pára-quedas é zero, todo mundo também sabe que o valor em termos de entretenimento é enorme – o que é o mesmo que dizer: nós assistiremos (Gabler, 1999: 81).
As publicações, os programas de rádio e de televisão geram interpretações “satisfatórias” para diferentes grupos de consumidores, com comentários amáveis, divertidos e vivências melodramáticas obtidas “no lugar dos fatos” numa estetização da notícia, sem problematizar a estrutura social na qual esses fatos se inscrevem nem discutindo a possibilidade de transformá-la (Coan, 2011). Não se nega que o cidadão/consumidor, nesse campo de “fetichismo das imagens”, age assim principalmente em razão do “status” social, ao proporcionar a satisfação de fazer parte de uma comunidade de pessoas que adotam tal valor cultural. Por outras palavras, sem olvidar a totalidade da lógica mercantil da sociedade do
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 Por se tratar de um processo ainda em curso:
O que talvez tenha transformado o computador, pelo menos nessa função, em mais uma entre as várias e engenhosas ferramentas tecnológicas a serviço da força imensa e implacável do entretenimento e feito da própria Internet não uma superestrada da informação e, sim, uma superestrada do entretenimento (Gabler, 1999: 224).
Sendo a mídia um dos principais componentes do atual estágio da sociedade capitalista, denominado por neoliberalismo ou por globalização:
a vida do ser humano médio nas sociedades atuais é, em geral, medíocre e só pode ser suportada pelos cenários e fantasias produzidos pela mídia, pela nossa fantasia (baseada na mídia) e pelo entretenimento. Até mesmo as religiões, partidos políticos e ONGs partiram para o espetáculo para atrair as massas e o financiamento de seus projetos. Mas a maioria dessas manifestações tampouco corresponde à realidade, pois são propostas fantasiosas que se alicerçam em um mundo medíocre (Trigo, 2003: 147).
Expõe Gabler:
Claro que nem todos se deixam hipnotizar. Muitos deploram os efeitos do entretenimento e das celebridades. Ainda que uma sociedade impulsionada pelo entretenimento e orientada pela celebridade não seja, necessariamente, uma sociedade que destrói todos os valores morais, como querem alguns, ela “é” uma sociedade em que o padrão de valor é saber se algo pode ou não atrair e manter a atenção do público. É uma sociedade onde aquilo que não está conforme – por exemplo, literatura séria, debate político sério, ideias sérias, qualquer coisa séria – tem mais probabilidade que nunca de ser diluído ou marginalizado. É uma sociedade onde as celebridades se tornam modelos exemplares porque são elas que aprenderam como roubar a cena, independentemente do que tiveram de fazer para roubá-la. E, num nível mais pessoal, é uma sociedade na qual os indivíduos aprenderam a valorizar habilidades sociais que lhes permitem, como atores, assumir seja qual for o papel que a ocasião exija e a “interpretar” sua vida, em vez de simplesmente vivê-la. O resultado é que o “Homo sapiens” está se tornando rapidamente o “Homo scaenicus” – o homem artista (Gabler, 1999: 15-16 – destaques no original).
É importante ter em conta que, se o resultado na vida cotidiana é uma crescente dependência da mídia, em geral, e da digital, em particular, tudo está sendo explorado não por motivos de desenvolvimento humano, mas por motivos mercantis. O que é um
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 prolongamento daquilo que já foi denunciado por Adorno e Horkheimer e por Debord. Tanto que este, nos seus “Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo”, em 1988, constatou que os “excessos midiáticos”^4 eram uma das consequências práticas do fato de o espetáculo se afirmar por toda parte, sendo que “a mudança de maior importância, em tudo o que aconteceu há vinte anos”, desde a publicação de “A sociedade do Espetáculo” (1967), residia “na própria continuidade do espetáculo” (1997: 171). Mais de vinte anos se passaram e essa afirmação é ainda pertinente.
Considerações finais
E me fala de coisas bonitas Que eu acredito Que não deixarão de existir Amizade, palavra, respeito Caráter, bondade Alegria e amor (Bola de meia, bola de gude – M. Nascimento e F. Brant)
A noção de que o entretenimento é um elemento da cultura, na realização do ser humano em sua porção lúdica, põe em questão a necessidade de uma prática hedônica, como um fim em si mesmo, que permita ao homem vivenciar uma experiência de tensão e alegria, bem como de consciência de ser diferente da vida cotidiana. A postura crítica, sem desconsiderar essa necessidade humana, denuncia o fato de que, não bastasse a exploração da força produtiva laboral, mesmo quando o homem está em repouso e procura se distrair, ainda aí é explorado, porquanto a indústria cultural e a sociedade do espetáculo o impelem, sem que tenha oportunidade de consciência, a consumir. O entretenimento deixa de ser algo imediato, um fim em si mesmo, e transforma-se em um meio para a reprodução do modo de produção capitalista, pois, no contexto da modernidade para a contemporaneidade ocidental, o prazer individual passa a ser objeto da sociedade de consumo, sabido que uma parcela da individualidade
(^4) Sobre o tema cf. Coan, E. I. (2011). “A informação como mercadoria e a estetização da notícia na sociedade contemporânea”, Estudos de Sociologia , v. 16, p. 19-35, no qual há algumas ilustrações de “excessos midiáticos” internacionais e brasileiros, com ref. bibl. específica sobre o assunto.
Universidade Federal do Paraná Programa de Pós Graduação em Comunicação Vol 2. Nº 2. Ano 2012 Contemporaneidade) Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2010. Disponível http://www.casperlibero.edu.br/pesquisas/pesquisa/index.php/a-relacao-entre-os- discursos-publicitario-e-jornalistico-no-dominio-do-entretenimento,66.html.
____ A informação como mercadoria e a estetização da notícia na sociedade contemporânea. Estudos de Sociologia, v. 16, n. 30, Araraquara: UNESP/FCLAR, p. 19-35, 2011. Disponível em http://seer.fclar.unesp.br/estudos/article/view/3885/3567.
COELHO, C. N. P. O conceito de indústria cultural e a comunicação na sociedade contemporânea. Communicare, v. 2, n 2, São Paulo: Cásper Líbero, p. 35-46, 2002.
____ Publicidade: é possível escapar? São Paulo: Paulus, 2003.
____ Em torno do conceito de sociedade do espetáculo. In: COELHO, C. N. P.; CASTRO, V. J. de (orgs.). Comunicação e sociedade do espetáculo. São Paulo: Paulus, p. 13-30, 2006.
____ Indústria cultural, entretenimento e cultura do narcisismo: a questão do controle social terapêutico. In: COELHO, C. N. P.; LIMA JUNIOR, W. T. (orgs.). Comunicação: diálogos, processos e teorias. São Paulo: Plêiade, p. 159-180, 2010.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
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NASCIMENTO, M.; BRANT, F. Bola de meia, bola de gude. CD 14 Bis II, EMI,
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