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Análise do Regionalismo na ASEAN e sua Integração ao Sistema GATT/OMC, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este documento analisa a asean em relação à criação de zonas de livre comércio e uniões aduaneiras, com foco em seus objetivos e desafios. Além disso, discute a relação entre o regionalismo na asean e o sistema gatt/omc, abordando a complementaridade e a criação de blocos regionais. Também é discutida a abordagem do novo regionalismo no pacífico asiático.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Kaka88
Kaka88 🇧🇷

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Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 305
Sumário
1. Considerações iniciais. 2. Associação das
Nações do Sudeste Asiático ASEAN. 2.1. Os
fundamentos para a criação da ASEAN como
bloco regional no Sudeste Asiático. 2.2. O status
da ASEAN nas negociações multilaterais do
GATT/OMC. 2.3. Os acordos preferenciais de
comércio da ASEAN de 1977 e os percalços da
integração regional. 2.4. Rumo à consolidação da
Área de Livre Comércio da ASEAN (AFTA). 2.5.
A Zona Asiática de Investimentos (ZAI), progra-
mas coordenados de investimentos e o Regime
de Cooperação Industrial (AICO). 2.6. Estratégias
de ampliação do regionalismo no âmbito da
ASEAN e impactos sobre o comércio multilate-
ral: a inclusão regional da China. 3. Organização
de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático
(APEC). 3.1. Algumas premissas da criação da
APEC e o desenvolvimento do regionalismo no
Pacífico-Asiático. 3.2. Caracterização da APEC e
problemas de determinação de sua personalidade
no Direito Internacional Público. 3.3. Princípios
básicos da cooperação econômica pragmática
implicada no regionalismo moldado pela APEC e
percalços da institucionalização. 4. O novo regio-
nalismo asiático e noções de regionalismo aberto.
4.1. Fundamentos do regionalismo aberto. 4.2.
Regionalismo concorrencial. 4.3. Liberalização
competitiva. 4.4. Identidade asiática. 5. Perspec-
tiva geral do regionalismo no Pacífico Asiático e
as novas tendências. Conclusões.
1. Considerações iniciais
Uma realidade singular no contexto de
integração regional hoje arquitetado pelas
O desenvolvimento do novo regionalismo
asiático no direito de integração
Notas sobre a ASEAN e APEC
Fabrício Bertini Pasquot Polido
Fabrício Bertini Pasquot Polido é Advogado
e Consultor em São Paulo. Doutorando em Di-
reito Internacional pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Realizou estudos de
Graduação em Direito pela Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo e Universidade
de Tübingen, Alemanha, e “Master of Laws”
(LL.M.) pela Università degli studi di Torino,
Itália, e Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI). É Professor de Direito Inter-
nacional Privado e Direito do Comércio Interna-
cional da Faculdade de Direito da FAAP.
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Brasília a. 45 n. 180 out./dez. 2008 305

Sumário

  1. Considerações iniciais. 2. Associação das Nações do Sudeste Asiático – ASEAN. 2.1. Os fundamentos para a criação da ASEAN como bloco regional no Sudeste Asiático. 2.2. O status da ASEAN nas negociações multilaterais do GATT/OMC. 2.3. Os acordos preferenciais de comércio da ASEAN de 1977 e os percalços da integração regional. 2.4. Rumo à consolidação da Área de Livre Comércio da ASEAN (AFTA). 2.5. A Zona Asiática de Investimentos (ZAI), progra- mas coordenados de investimentos e o Regime de Cooperação Industrial (AICO). 2.6. Estratégias de ampliação do regionalismo no âmbito da ASEAN e impactos sobre o comércio multilate- ral: a inclusão regional da China. 3. Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (APEC). 3.1. Algumas premissas da criação da APEC e o desenvolvimento do regionalismo no Pacífico-Asiático. 3.2. Caracterização da APEC e problemas de determinação de sua personalidade no Direito Internacional Público. 3.3. Princípios básicos da cooperação econômica pragmática implicada no regionalismo moldado pela APEC e percalços da institucionalização. 4. O novo regio- nalismo asiático e noções de regionalismo aberto. 4.1. Fundamentos do regionalismo aberto. 4.2. Regionalismo concorrencial. 4.3. Liberalização competitiva. 4.4. Identidade asiática. 5. Perspec- tiva geral do regionalismo no Pacífico Asiático e as novas tendências. Conclusões.

1. Considerações iniciais

Uma realidade singular no contexto de integração regional hoje arquitetado pelas

O desenvolvimento do novo regionalismo

asiático no direito de integração

Notas sobre a ASEAN e APEC

Fabrício Bertini Pasquot Polido

Fabrício Bertini Pasquot Polido é Advogado e Consultor em São Paulo. Doutorando em Di- reito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Realizou estudos de Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Universidade de Tübingen, Alemanha, e “Master of Laws” (LL.M.) pela Università degli studi di Torino, Itália, e Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). É Professor de Direito Inter- nacional Privado e Direito do Comércio Interna- cional da Faculdade de Direito da FAAP.

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novas dimensões do Direito Internacional Econômico surge em evidência e revela como, nas relações de cooperação entre Estados, sobretudo no hemisfério sul, di- ferentes processos de regionalismo emer- gem nas formas e originalidade com que são constituídos.^1 O aumento significativo do número de acordos de livre-comércio concluídos entre Estados nas últimas duas décadas e a necessidade de remodelação da própria unidade do sistema multilate- ral do comércio edificado sob as bases do GATT/OMC também devem ser objeto de atenção e reflexões práticas, em especial no que concerne à região do Sudeste Asiático e seu desenvolvimento histórico nos últi- mos cinqüenta anos. Todo esse movimento não é caracterizado pelo ineditismo. Um problema elementar à história da humani- dade, que se fez mais ou menos unificada e fragmentada, tem sido um desejo constante dos Estados de buscar a defesa dos espa- ços nacionais, a proteção dos mercados, a promoção de estabilidade monetária, conservação de padrões sociais conquista- dos e a preservação de identidade cultural de determinado povo. Tudo isso em um processo de nítida comunitarização, que pode ser identificado com clareza no caso dos blocos regionais (Cf. GREWE, 2000, p. 70). O caso asiático, por suas características, acena para uma interessante proposição de reconsideração dos processos de integração regional, pelo menos em seu distanciamen- to dos fenômenos clássicos concebidos pelas escolas do Direito de Integração.^2 Ainda nas negociações do antigo Acor- do Geral sobre Tarifas e Comércio de 1947 (GATT 47), hoje incorporado ao GATT 94 (Anexo I-A do Acordo Constitutivo da OMC), havia uma preocupação das Partes

(^1) Sobre isso, ver fundamentalmente DIHN; DAILLIER; PELLET, 1992, p. 615 e ss.; MAHIOU, 1993, p. 57 e ss; LAWRENCE, 1996, p. 70 e ss, especifica- mente sobre regionalismo na Ásia e Oceania; BELLIS; GARCIA JIMENEZ, 1997, p. 35 e ss. (^2) Sobre tais questões, ver LAWRENCE, 1996, p. 70 e ss.; CHASE, 2006, p. 1 e ss; estudos em CASELLA; LIQUIDATO, 2006; e CELLI JR., 2006, p. 19 ss.

Contratantes em chegar a um modelo co- mum de análise dos acordos regionais de livre-comércio.^3 Em foco estavam justamen- te a aplicação geral da cláusula da nação mais favorecida justificada pelo princípio da não discriminação contido no Artigo I do Acordo, e as exceções oferecidas pelo Artigo XXIV relativamente às uniões aduaneiras, áreas de livre-comércio e acordos de transi- ção envolvendo uniões aduaneiras e áreas de livre-comércio. Segundo o Artigo XXIV, alguns requisitos devem ser obervados pelos Estados Membros da OMC quanto à criação de zonas de livre comércio e uniões aduaneiras a partir de acordos preferen- ciais, especificamente: (i) a não criação de uma situação mais restritiva – após a con- clusão do acordo – em termos tarifários e/ ou regras de comércio para os Membros que dele não sejam partes; (ii) inclusão de um cronograma para a formação de união adu- aneira ou da área de livre comércio em um prazo razoável, entendido como sendo este de 10 anos (genericamente conhecido como “prazo de implementação”); e (iii) margem de flexibilidade para considerar válidos os acordos preferenciais cuja abrangência de harmonização ou eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifárias não seja total, so- bretudo quanto à expressão “com relação a substancialmente todo o comércio”, contido no § 8o^ do Artigo XXIV do GATT.^4 Com efeito, o Artigo XXIV do GATT serve de medida de compatibilidade entre os acordos preferenciais de comércio e as normas estabelecidas no sistema multilate- ral do comércio. Em sua justificativa, está a possibilidade de tais acordos proporciona- rem uma expansão do comércio internacio- nal de bens, serviços e tecnologias a partir (^3) A expressão “acordos regionais de livre-comér- cio” ou “acordos preferenciais de comércio” é aqui empregada de acordo com a terminologia adotada pela Organização Mundial do Comércio a “todo e qualquer acordo bilateral, regional e plurilateral, de natureza preferencial”. (^4) Sobre a dificuldade de aplicação do Artigo XXIV do GATT, cf. LOWENFELD, 2003, p. 39 e ss; JACK- SON, 2000, p. 157 e ss.

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estabelecida entre Estados de um mesmo continente. Ela vai além, compreendendo objetivos de políticas comuns, segurança e estabilidade, desenvolvimento social e cul- tural e, igualmente, representatividade dos membros no sistema do GATT/OMC. Tais objetivos levam os Estados à criação de co- alizões e redes em nível transnacional, bem como organizações que tenham o escopo de cooperação em torno de acordos regionais, inter-regionais e trans-regionais. O regionalismo no Pacífico Asiático oferece importantes exemplos desses fenô- menos: a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), a Associação da Ásia Meridional para Cooperação Regional (SA- ARC), Conselho para Cooperação Econô- mica do Pacífico (PECC), a Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (APEC), o Fórum do Pacífico Sul (South Pa- cific Forum), Acordo de Livre Comércio do Pacífico (Pacific Regional Trade Agreement), União do Pacífico (Pacific Union), Parceria Econômica Estratégica do Trans-Pacífico (Trans-Pacific SEP) e o Acordo de Relações Econômicas e Comercias entre Austrália e Nova Zelândia (ANZCERTA).^6 Eles revelam novos elementos para a análise do processo de integração regional e cooperação econômica entre Estados, tais como as noções debatidas no presente tra- balho, de regionalismo aberto, regionalis- mo concorrencial, liberalização competitiva e identidade asiática.^7 Algumas das recentes tendências do novo regionalismo asiático, compreendendo a importância de dois casos específicos, a

(^6) Do ponto de vista geopolítico, especificamente, o regionalismo é analisado a partir da Bacia Ásia-Pa- cífico (Pacific Rim), compreendendo ainda o Sudeste Asiático, Leste Asiático, Ilhas do Pacífico, o Mar da China Meridional e Oceania. No presente trabalho, não examinamos o processo de integração na Ásia Me- ridional, Sudoeste Asiático, Estados do Índico-Pacífico e o Oriente Médio. O novo regionalismo asiático se justifica no contexto do Pacífico Asiático, em especial quanto aos aspectos da APEC e da proliferação de acordos de livre-comércio na região (bilaterais, regio- nais, inter-regionais e trans-regionais). (^7) Ver itens 4.1 e 4.2 supra.

ASEAN e a APEC, são objeto do presente artigo. O item 2 busca apresentar os fun- damentos, estrutura e funcionamento da ASEAN, além do significado histórico do contexto de negociações do GATT/OMC para a Organização. São analisados os Acor- dos Preferenciais de Comércio da ASEAN de 1977, os planos de investimentos coor- denados, a constituição da Área de Livre Comércio da ASEAN, seus fundamentos e estrutura, bem como a Zona Asiática de Investimentos e Regime de Cooperação Industrial, e a inserção da China no regio- nalismo asiático com a conclusão da Área de Livre Comércio entre China e ASEAN. O item 3 revisita o contexto de surgimento da Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (APEC), as premissas de sua criação, estrutura e caracterização no Di- reito Internacional Público. Em destaque são considerados os princípios da cooperação econômica pragmática na APEC (abertura, igualdade e institucionalização evolutiva) e as recentes negociações entre os Estados participantes como temas do desenvolvi- mento do regionalismo do Pacífico. O item 4 envolve o debate sobre novo regionalismo asiático, os fundamentos do regionalismo aberto e as noções ali implicadas, como o regionalismo concorrencial e liberalização competitiva, e a da identidade asiática. Ten- dências do regionalismo no Pacífico Asiático são ainda discutidas no item 5. Como conclu- são, o trabalho oferece uma visão geral sobre a relevância do tema do novo regionalismo asiático para o desenvolvimento progressivo de novas instituições do Direito de Integra- ção e premissas para sua reavaliação.

2. Associação das Nações do

Sudeste Asiático – ASEAN

2.1. Os fundamentos para a criação da ASEAN como bloco regional no Sudeste Asiático O regionalismo asiático não é um fenômeno recente do ponto de vista his- tórico, mas remete a diferentes origens

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e fundamentos no contexto das relações econômicas internacionais, antes mesmo que uma explicação teórica fosse oferecida pelos processos de cooperação e integração regional surgidos paralelamente ao desen- volvimento do sistema multilateral do co- mércio sob as bases do GATT/OMC. Ainda em 1954, em plena Guerra Fria, países como Austrália, Estados Unidos, Filipinas, França, Nova Zelândia, Paquistão, Reino Unido e Tailândia criaram a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (a SEATO)^8 , como forma de expressar o exercício da chamada “legítima defesa coletiva” e justi- ficar os mecanismos de intervenção militar na região^9 (Cf. DIHN; DAILLIER; PELLET, 1992, p. 577 e ss). Os Membros tinham como objetivo primário estabelecer uma política regional comum de contenção do comu- nismo na Ásia, fazendo frente à política nacional perseguida pela China e antiga URSS. Até a extinção da SEATO, em 1977, não chegaram a qualquer atuação concreta relativamente ao objetivo perseguido. Em questão estavam justamente as medidas unilaterais adotadas pelos Estados Unidos com o intuito de buscar, no âmbito daquela Organização, uma medida de legitimidade para intervenção no Vietnam, Laos e Cam- boja no espaço de defesa coletiva regional, ainda que não recebesse apoio expresso da França e do Paquistão (Cf. CAMILLIERI, 2003, p. 58 e ss; SUDO, 2001, p. 13 e ss)^10.

(^8) O Pacto de Manila ou Tratado do Sudeste Asiático de Defesa Coletiva (Southeast Asia Collective Defence Treaty) foi concluído em 8 de setembro 1954, logo após a retirada da França da Indochina, e posteriormente ex- tinto em 1977 pelos Membros. A secretaria da SEATO estava sediada em Bangkok, na Tailândia, com diver- sas conferências realizadas em Manila, nas Filipinas, sob o mandato do Presidente Ferdinand Marcos. (^9) Explicando a polêmica em torno da aplicação do Artigo 51 da Carta da Organização das Nações Unidas sobre o exercício da legítima defesa coletiva pelos Estados. (^10) Sobre as origens do regionalismo asiático. Importante observar que um dos fatores de enfra- quecimento e fracasso da Organização esteve espe- cialmente na incapacidade de os Estados atuarem conjunta e pacificamente na solução das controvérsias envolvendo a região da Indochina no período do

Paralelamente à iniciativa da SEATO e da frustração dos objetivos iniciais ali projetados, alguns países mantiveram relações diplomáticas mais estreitas na região, o que conduziu à criação, em 8 de agosto de 1967, da Associação das Na- ções do Sudeste Asiático (ASEAN), com a conclusão da Declaração de Bangkok 11. Originalmente são signatários a Indonésia, Tailândia, Filipinas, Malásia e Cingapura. Após a entrada em vigor da Declaração de Bangkok no plano internacional, a ASEAN foi ampliada com a adesão de Brunei, em 1985, Mianmma, Laos, Camboja, em 1997, e do Vietnam em 1999. A estrutura constitucional da ASEAN compõe-se fundamentalmente dos trata- dos celebrados entre os Estados Membros desde a Declaração de Bangkok de 1967, entre os quais devem ser destacados: a Declaração de Kuala Lumpur sobre a Zona de Paz, Liberdade e Neutralidade, de 1971 12 , Declaração de Dempasar sobre a ASEAN^13 , o Tratado de Dempasar sobre Amizade e Cooperação no Sudeste Asi- ático de 1976 e respectivo Protocolo de Manilla de 1984 14 , Acordo Quadro relativo à Cooperação Econômica no âmbito da ASEAN de 1992 (“Acordo Quadro sobre

Pós-Guerra. A finalidade pela qual havia sido criada e a influência dos Estados Unidos em militarizar os conflitos da região prolongaram os efeitos da crise até sua dissolução. (^11) Bangkok Declaration , 8 August 1967 (aqui referida como “Declaração de Bangkok de 1967” ou “Declaração da ASEAN de 1967”). A versão consolidada do trata- do pode ser consultada em: <http://www.aseansec. org/1212.htm>. Acesso em: 8 jun. 2006. (^12) Zone of Peace, Freedom and Neutrality Declaration , 27 November 1971, disponível em: <http://www. aseansec.org/145.htm>. Acesso em: 8 jun. 2006. (^13) Declaration of ASEAN Concord of February 24, 1976 , tratando fundamentalmente da expansão da cooperação entre os Estados membros nas áreas econômicas, sociais, políticas e culturais. A versão consolidada do tratado pode ser encontrada em: http://www.aseansec.org/145.htm. Acesso em: 8 jun. 2006. (^14) Treaty of Amity and Cooperation in Southeast Asia, of February 24, 1976; Protocol Amending the Treaty of Amity and Cooperation in Southeast Ásia, December 15, 1987.

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paz, progresso e prosperidade na região.^22 Os Estados comprometem-se igualmente a organizar um cenário de cooperação ampla, invocando determinados valores, tais como a existência de “responsabilidade primária” pelo fortalecimento da estabilidade , econô- mica e social, da região, e de segurança em relação ao desenvolvimento nacional pací- fico e progressivo. Tais valores, segundo a Declaração da ASEAN, devem ser assegu- rados sem interferência externa na região e permanecer livres de quaisquer formas de coerção. A partir desse cenário, a Organi- zação buscaria preservar as “identidades nacionais” dos Membros.^23 Buscando estreitar as relações de coo- peração, tais como nas áreas econômica, política, social e cultural, os Estados Mem- bros estabeleceram objetivos comuns na Declaração da ASEAN de 1967, entre os quais merecem destaque a intensificação do crescimento econômico, progresso social e desenvolvimento cultural na região. Nesse sentido, esforços conjuntos seriam estabele- cidos com base nos princípios da parceria e igualdade entre os Membros, com vistas ao aprofundamento de “uma comunidade próspera e pacífica de Estados do Sudeste Asiático”.^24 Os objetivos de estabilidade e

(^22) Assim, cf. nos consideranda da Declaração da ASEAN: “DESIRING to establish a firm foundation for common action to promote regional cooperation in South-East Asia in the spirit of equality and partner- ship and thereby contribute towards peace, progress and prosperity in the region;” (^23) Assim, conclui-se da seguinte passagem da Declaração: “the countries of Southeast Asia share a primary responsibility for strengthening the economic and social stability of the region and ensuring their peacefull and progressive national development, and that they are determined to ensure their stability and security from external interference in any form or manifestation in order to preserve their national identities in accordance with the ideals and aspirations of their peoples”. (^24) Cf. Parágrafo Segundo, n o (^) 1 da Declaração da ASEAN: “To accelerate the economic growth, social progress and cultural development in the region through joint endeavours in the spirit of equality and partnership in order to strengthen the foundation for a prosperous and peaceful community of South-East Asian Nations.

segurança regionais também são previstos no documento, a serem alcançados, se- gundo o compromisso de respeito à paz, observância do Direito nas relações com os Estados e adesão aos princípios da Carta da Organização das Nações Unidas.^25 Mais amplamente, a Declaração da ASEAN prevê a colaboração e assistência mútua em matérias de interesse comum, em todos os campos, tais como social, cul- tural, técnico e científico e administrativo, assistência e capacitação técnica recíproca, nas áreas educacionais, profissionais e administrativas, a colaboração na área da agricultura e indústria, a expansão do co- mércio, incluindo o estudo dos problemas relacionados ao comércio internacional de bens, melhorias em seus transportes e infra-estruturas de comunicação, além da elevação do padrão de vida das populações dos Membros.^26 Outros objetivos, como o de promoção de estudos sobre o Sudeste Asiático e a manutenção de uma “coopera- ção estreita e benéfica” com organizações internacionais e organizações regionais que tenham objetivos e propósitos similares àqueles da ASEAN, também são estabe- lecidos pela Declaração. Na atualidade tais objetivos são reiterados na atividade de pesquisa e estudos consolidados nos trabalhos do Banco Asiático do Desenvol- vimento (ADB)^27 , Instituto de Estudos do Sudeste Asiático (ISEAS)^28 e os Relatórios Anuais da ASEAN.^29 É certo que a ASEAN tenha historica- mente revertido a tendência natural de sua (^25) Cf. Declaração da ASEAN de 1967, Parágrafo Segundo, n o^ 2. (^26) Cf. Declaração da ASEAN de 1967, Parágrafo Segundo, especialmente no^ 5 (“the expansion of their trade, including the study of the problems of inter- national commodity trade, the improvement of their transportation and communications facilities and the raising of the living standards of their peoples”). (^27) Asian Development Bank (http://www.adb.org). (^28) Institute of Southeast Asian Studies (http://www. iseas.edu.sg). (^29) Conteúdo dos relatórios disponíveis em: < http://www.aseansec.org/4913.htm>. Acesso em: 6 jun. 2006.

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formação. A Organização era vista em sua tarefa de neutralização de tensões militares regionais, desenvolvendo estratégias de negociações comuns para responder ao avanço do comunismo na China e antiga URSS. 30 Somente no fim da década de 70, como será analisado, é que o foco da ASEAN deslocou-se funcionalmente para o estabelecimento de uma organização de caráter regional preocupada com o de- senvolvimento de um quadro normativo de acordos preferenciais de comércio e a criação de uma zona de livre comércio. Durante o processo de formação de uma “identidade asiática” comum ao regiona- lismo no Pacífico Asiático 31 , os Membros originários da ASEAN contribuíram com o êxito da cooperação encetada pela orga- nização, ainda que não totalmente decor- rente da estrutura normativa dos tratados celebrados. A explicação estaria no fato de terem implementado internamente metas de estabilidade política e assentado as forças propulsoras que delimitavam o crescimento econômico regional. Esse seria o resultado ao menos alcançado entre a segunda meta- de da década de 80 e o início da crise asiática em 1997. Tal esforço sugere, em boa medida, as reformas domésticas estabelecidas pela Indonésia, Malásia e Tailândia no período considerado e que nunca poderiam ser igno- radas no contexto do regionalismo asiático (Cf. POMFRET, 1998, p. 146). A partir primeiramente de uma estratégia de manutenção da paz e segurança na região do Sudeste Asiático, a ASEAN pôde criar uma agenda de crescimento econômico, de desenvolvimento cultural e social, baseada nas relações de cooperação e alinhamento, por assim dizer, entre as esferas governa- mentais dos Membros e uma intensa disse- minação dos efeitos (alcance) de um processo

(^30) A criação da ASEAN era vista como forma de equilíbrio de forças no cenário geopolítico em relação à China, ou ainda como alternativa de cooperação econômica entre os Estados em relação ao Japão e Coréia. (Cf. NARLIKAR, 2003, p. 167). (^31) Sobre isso, ver item 4.4, em que o tema é melhor analisado.

de integração que gradativamente tomava corpo entre os Estados (NARLIKAR, 2003, p. 172).^32 De fato, essa realidade se estendeu para tantas ocasiões, comprovadas pela assiduidade com que as Conferências Mi- nisteriais foram sendo realizadas, como pela criação do Fórum Regional da ASEAN em julho de 1994 e até hoje atuante. Nesses casos, os objetivos de manutenção de paz e segu- rança regionais continuam casados àqueles de desenvolvimento de uma estrutura para cooperação econômica entre os Membros (VAN MEERHAEGHE, 1998, p. 13). É importante considerar que as normas criadas no âmbito da ASEAN e sua apli- cação nos campos da cooperação política, econômica, social e cultural, especialmente conforme estabelecidos nos dispositivos da Declaração de Bangkok, aparecem como modelos para formulação de políticas le- gislativas domésticas em países em desen- volvimento. Aqui se destacam, fundamen- talmente, ações comuns da Organização no campo da integração econômica e da chamada “cooperação funcional”. Na pri- meira área, a ASEAN estabelece a atuação dos Membros relativamente aos acordos preferenciais de comércio, iniciativa de integração da ASEAN (IAI), alimentação e agricultura, direitos aduaneiros, solução de controvérsias, telecomunicações e tecno- logias da informação, relações econômicas, finanças, indústria, propriedade intelectual, investimentos, energia e recursos minerais, serviços, pequenas e médias empresas, turismo e transportes. 33 Para tais setores, especificamente, são formulados projetos e planos de ação envolvendo redes universi- tárias, cultura e informação, gerenciamento das catástrofes naturais, controle do tráfico de drogas e narcóticos, educação, saúde e nutrição, HIV/AIDS e controle de pande- (^32) Com referência aos “positive spillover effects”e “synergistic interactions” da cooperação regional no caso da ASEAN. (^33) Sobre isso, ver a extensa atuação da ASEAN nas áreas implicadas no processo de integração, disponível em: http://www.aseansec.org/4810.htm. Acesso em: 10 jul. 2006.

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dos elementos relevantes do processo de integração regional na ASEAN. Daí porque sua observância é indiscutivelmente reco- nhecida como “questão transnacional” no domínio da Organização, resultando, para os Membros, obrigações e responsabili- dades típicas do Direito Internacional do Meio Ambiente (MUSARE, 1995, p. 283 e ss; SOARES, 2001, p. 163 e ss).^39

2.2. O status da ASEAN nas negociações multilaterais do GATT/OMC A relação entre os Estados Membros da ASEAN e as negociações multilaterais encetadas pelas Partes Contratantes do antigo Acordo Geral de Comércio e Ta- rifas de 1947 (GATT 47) foi estruturada a partir da formação de uma “coalizão regional” de Estados, indicando, inclusi- ve, a importância da Organização para a evolução histórica e institucional do siste- ma multilateral do comércio em sua atual configuração (NARLIKAR, 2003, p. 169 e ss.). Tal coalizão somente se concretizaria graças à mentalidade e desenvolvimento das negociações entre os Estados da ASE- AN, e uma pressão pela integração regional alternativa daqueles modelos tradicional- mente assentados pelos países da Europa e Estados Unidos. No caso da ASEAN, os Membros cui- dadosamente evitaram aspirações políticas que acabassem por minar o processo de negociações multilaterais (como o risco de um possível distanciamento dos demais Estados no âmbito do GATT), buscando manter igualmente um “estilo opaco” no contexto do regionalismo. A própria opção que fizerem quanto à estrutura normativa e instituições inicialmente adotadas para conduzir o processo de integração segundo a proposta originária mostram muito bem esse sintoma. À primeira vista, a Declaração de Bangkok de 1967 revela que os Membros se preocupavam mais em “assegurar sua

(^39) Para a atualidade do tema e destacando as obrigações implicadas na cooperação internacional nesse campo.

estabilidade e segurança de ingerências ex- ternas” e “promover a paz e a estabilidade por meio do respeito à paz e ao direito nas relações entre os países da região”, do que formalmente atuar nas frentes de negocia- ções do sistema multilateral do comércio e atingir estágios formais de um processo de integração regional com base no exemplo da então Comunidade Européia (Idem, p. 169 e ss). Ocorre que a participação da ASEAN no contexto do GATT 47 e seu reconheci- mento como coalizão de Estados nas ne- gociações multilaterais contribuíram para elevar, consideravelmente, a qualidade das consultas e dos modelos aplicados ao processo decisório baseado no consenso, especialmente durante as Rodadas Tóquio e Uruguai. Ainda em 1973, foi criado o “Comitê de Genebra da ASEAN” para co- ordenação e centralização das negociações conjuntas dos Membros da ASEAN na Rodada Tóquio do GATT, e que se mantém até a atualidade, com mandato rotativo de seis meses entre os participantes (ASEAN, 1973).^40 Resultados positivos da atuação do Comitê foram em parte constatados pela capacidade de compartilhamento, entre os Membros, de força de trabalho e recursos humanos diplomáticos nas negociações no âmbito do GATT 47 e que conduziram à constituição da OMC em 1994. Ainda no início da década de 80, a ASE- AN formulava uma “instância coordenada” de negociações, que se estenderia a outros momentos das Reuniões Ministeriais da OMC, como expressada em Seattle. A preparação de uma coalizão de Estados africanos fundada no modelo de coorde- nação dos trabalhos pelos Membros da ASEAN apontou para a importância desse processo, bem como na elevação substan- cial do número de propostas encaminhadas por tais grupos relativas à alteração de normas substantivas e procedimentais no

(^40) Sobre isso, cf, fundamentalmente ASEAN, Joint Communique of the Sixth ASEAN Ministerial Meet- ing, Pattaya, 16-18 April 1973.

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arcabouço normativo do GATT/OMC. O modelo seguiu, inclusive, à formação de grupos de negociações na OMC, como o caso do G-21, em razão de suas vantagens e soluções para a participação dos países em desenvolvimento no contexto das negociações multilaterais (HOECKMAN; MARTIN, 2001, p. 105 e ss). Na atualidade, oito Estados da ASEAN são igualmente Membros da OMC, entre os quais: Brunei, Camboja, Indonésia, Malásia, Mianmar, as Filipinas, Cingapura e Tailândia. O Laos e o Vietnam são candidatos à acessão. Assim, seria possível afirmar que a ASEAN tenha revelado, gradativamente, uma habilidade de consolidar uma coali- zão efetiva de Estados, em relevo entre os países em desenvolvimento, e estruturada sob uma opção de regionalismo alternati- vo no contexto do sistema multilateral do comércio. O êxito, como constatado, pode ser explicado pelo elemento geoestratégico de cooperação no Sudeste Pacífico, além dos objetivos primários da Declaração de Bangkok de 1967. No entanto, se essa é a tese em favor da efetividade da “coalizão regional”, como forma de justificar o impul- so das negociações multilaterais no GATT/ OMC, as pretensões mesmas da ASEAN rumo à consolidação de um processo de in- tegração regional passariam absolutamente despercebidas das mesas de negociação entre Membros (ou pelo menos não evi- dentes conforme o estado das negociações pretéritas) (NARLIKAR, 2003, p. 170). O fator determinante no caso analisado é apontado como sendo um “mínimo grau de integração regional” nos moldes clássicos, mas que não teria prejudicado o surgimento de uma coalizão regional no contexto das negociações multilaterais do GATT/OMC. Isso em grande medida resultou da apro- ximação entre Membros da ASEAN com interesses muito parecidos no domínio do comércio internacional, abrindo caminho, igualmente, para o novo regionalismo asiáti- co. Esse aspecto é tanto mais peculiar quanto despretensioso, sobretudo no que tange ao

alargamento e institucionalização do bloco com base em tratados e convenções que justifiquem, do ponto de vista constitutivo, formas clássicas de integração, tais como as zonas de livre comércio, uniões aduaneiras e mercados comuns. Por outro lado, os Esta- dos Membros da ASEAN buscariam evitar a negociação isolada de acordos bilaterais de investimento ou acordos de livre-comércio concluídos, mas antes negociar em nível trans-regional (Exemplo: ASEAN-China, ASEAN-Japão, ASEAN-Coréia). Isso seria compatível com a lógica da coalizão regional (NARLIKAR, 2003, p. 175).^41 As crises dos mercados asiáticos de 1997, no entanto, já tinham apontado para uma mudança de paradigma em torno de tais ne- gociações, sobretudo pelas estratégias unila- terais adotadas por alguns Membros, como seriam os casos específicos de Cingapura e da Tailândia, nas negociações multilaterais do GATT/OMC. O Comitê de Genebra da ASEAN mantém-se formalmente em ati- vidade, porém adepto a uma flexibilidade pela qual seus integrantes têm ampla liber- dade de atuação em diferentes fora. E isso é bastante evidente no curso das negociações relativas a acordos de livre comércio cele- brados entre Membros da ASEAN e países da Ásia, União Européia, além da Austrália e, notadamente, Estados Unidos (HOECK- MAN; MARTIN, 2001, p. 106).

2.3. Os acordos preferenciais de comércio da ASEAN de 1977 e os percalços da integração regional No início da década de setenta, e haven- do observado a dificuldade de realização dos objetivos previstos na Declaração de (^41) Referindo-se ao “ávido apoio ao multilateralis- mo” dos Estados Membros da ASEAN. Esse exemplo demonstra que o poder de barganha nas negociações do GATT/OMC em termos de associações de Estado não necessariamente advém do tamanho do mercado comum ou integrado que se pretende alcançar em um processo de integração regional nos modelos clássicos. Graus de institucionalização podem não resultar no fortalecimento esperado do comércio e a cooperação intrablocos.

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quantitativa do comércio intrabloco pela re- dução de barreiras tarifárias e não-tarifárias. No entanto, no período subseqüente a entra- da em vigor de tais Acordos, essa expansão teria sido praticamente insignificante, tanto pela adoção persistente de barreiras não- tarifárias por Estados como a Tailândia e Malásia como pela oposição, erigida por alguns Membros, impedindo o êxito dos programas de investimentos coordenados no âmbito da ASEAN (TAN, 2004, p. 937). Os Acordos previam ainda a criação de listas de bens submetidos ao tratamento preferencial e “itens sensíveis”, a fim de assegurar a proteção de certos segmentos da indústria doméstica. Tais listas, por sua natureza, compreendiam boa parte dos produtos comercializados intrabloco, mas não pareciam corresponder à prática obser- vada. Os Membros da ASEAN não eram tão favoráveis ao desenvolvimento do processo de integração regional com base em uma zona de livre comércio, uma vez que suas economias não apresentavam graus de complementaridade, e objetivavam, em suas políticas domésticas, a proteção dos mercados internos. Apesar de os Acordos Preferenciais de 1977 terem reduzido as tarifas de exportação aplicáveis ao comércio intrabloco a patamares satisfatórios, sua implementação nos mercados da ASEAN tornou-se insustentável. A criação de listas e mais listas de produtos submetidos ao tratamento preferencial na região enfra- quecia os tímidos esforços de liberalização do comércio; na prática revelavam que os Acordos Preferenciais de 1977 serviriam como estrutura normativa para substituição de importações entre Estados, muito mais do que estabelecer objetivos de liberaliza- ção e coordenação de investimentos, como anteriormente concebidos na Declaração dos Estados Membros de 24 de fevereiro de 1976 (TAN, 2004, p. 938). Em boa medida, a insustentabilidade dos Acordos Preferenciais de 1977 esteve

em: http://www.aseansec.org/1376.htm. Acesso em: 3 jun. 2006.

associada às políticas domésticas adotadas pelos Membros. Isso era claro pela inexis- tência de consenso sobre o processo de integração regional e adoção de estratégias individuais de investimentos públicos para a criação de plataformas industriais volta- das para a exportação intensiva, a exemplo do que ocorria com a Coréia do Sul e o Japão. Além desse elemento, os Estados da ASEAN – por tudo aquilo que idealiza- vam as normas e princípios da Declaração de Bangkok – buscavam, como “ideologia regional”, uma ênfase no exacerbado sen- timento de soberania nacional, justificada na preocupação de segurança. Em grande medida, isso teria sido um dos obstáculos relevantes – sempre ressaltado nas Confe- rências da ASEAN – para o aprofundamen- to do processo de cooperação econômica e integração entre Estados da região, os quais deveriam de alguma forma ajustar suas instituições domésticas à estrutura do regionalismo objetivado. A prioridade dos Membros, no entanto, sempre foi (como ainda parece ser até hoje) a ampliação de relações comerciais com vários Estados ao mesmo tempo, num processo de abertura para a economia mundial e “inserção glo- bal” no sistema multilateral do comércio sob as bases do GATT/OMC.^45 (^45) Penso que uma certa lógica seja inclusive sub- vertida pelo senso comum, sobretudo por aqueles que se subjugam “especialistas em Direito do Comércio Internacional”. O sentido real que tem o processo de integração regional não se confunde com o mero fortalecimento de “relações comerciais” entre Estados, mas repousa antes no adensamento e aprofundamen- to de instituições justificadas nos vários pilares da cooperação internacional, que é sempre muito mais ampla e sólida. O caso da ASEAN, ainda na década de 70, parece remeter a um baixo grau de concretização desse objetivo geral do próprio sistema do Direito Internacional. A técnica empregada nos Acordos Preferenciais de 1977 é exemplo interessante para tantos desinformados e seduzidos pela “liberaliza- ção dos fluxos de comércio” e “acesso a mercados”. Curiosamente, as listas de produtos submetidos a tratamento preferencial compreenderiam, já na me- tade da década 80 e com todas as alterações sofridas da versão original dos Acordos Preferenciais de 1977, apenas 5% dos bens comercializados intrabloco. Até mesmo as relações comerciais (tantas vezes tomadas

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2.4. Rumo à consolidação da Área de Livre Comércio da ASEAN (AFTA) Durante toda década de 80 e início da década de 90, os Estados membros da ASE- AN concentraram seus esforços nas nego- ciações envolvendo o comércio multilateral e faziam-se representar fundamentalmente como bloco regional entre as Partes Con- tratantes do GATT 47. Ainda antes da con- clusão da Rodada Uruguai e a conseqüente constituição da Organização Mundial do Comércio, os Ministros de Estado da ASEAN na Quarta Cúpula de Cingapura, em janeiro de 1992, observando algumas oportunidades com relação ao desenvolvi- mento da integração no Sudeste Asiático (Cf. HAAS, 1997, p. 329 e ss; HAAS, 1994, p. 862 e ss), adotaram o Acordo Quadro de Cooperação Econômica que levaria à cria- ção da Área de Livre Comércio da ASEAN

  • AFTA (“Acordo Quadro de Cooperação Econômica na ASEAN de 1992”).^46 Em essência, o momento das negocia- ções na região do Sudeste Asiático parece indicar que os Estados da ASEAN estavam atentos ao processo de integração européia, especialmente quando do desenvolvimento das instituições da então Comunidade Eco- nômica Européia (CEE), projetado com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht de 1991. A mesma preocupação dos Estados da ASEAN estaria centrada na constituição do NAFTA em 1992, pela posição assumida pelos Estados Unidos na região, cuja in- fluência se fazia presente desde o período subseqüente à Segunda Guerra Mundial. A oportunidade de criação da Área de Livre Comércio da ASEAN justificaria, então, a inclusão do bloco em vários mercados,

como razão de ser da integração regional) seriam praticamente irrisórias se comparadas à liberdade de fluxo de comércio supostamente desejável para uma zona de livre comércio mínima. (^46) Framework Agreement on Enhancing ASEAN Economic Cooperation (January 28, 1992), disponível em: http://www.aseansec.org/1165.htm. Sobre histórico das negociações, ver BOWLES, 1997, p. 219 e ss.; KARTADJOEMENA, 2001, p. 203 e ss.; GREEN- WALD, 2006, p. 193 e ss.

como solução de “inserção global” no co- mércio internacional (TAN, 2004, p. 939). Como implícito na própria termino- logia adotada, o Acordo Quadro de 1992 não estabelece objetivos detalhados para a criação de uma zona de livre comércio, mas, fundamentalmente, um conjunto de planos gerais para o estreitamento das relações de cooperação econômica entre os Estados da ASEAN. Em seu artigo 2(A), o Acordo Quadro estabelece o plano de criação de uma zona de livre comércio embasada nas relações intrabloco. 47 O objetivo principal da futura AFTA seria o de “intensificar a cooperação entre os Membros para au- mentar sua competitividade internacional e integração com o mundo”. 48 Em última análise, tal objetivo seria o de posicionar concorrencialmente a ASEAN como base regional de produção voltada para o merca- do internacional. O propósito de estimular o comércio intrabloco, portanto entre os Estados membros, seria um objetivo secun- dário (TAN, 2004, p. 939). Para alcançar a criação do AFTA, em janeiro de 1993, os Estados membros celebraram o Acordo relativo ao Regime Comum Efetivo Tarifário Preferencial da AFTA (“Acordo sobre o Regime CEPT”) 49 , que tem como objetivo principal a redução progressiva das alíquotas dos impostos de exportação a patamares entre 0% a 5% até

  1. Vale destacar que o Regime CEPT é considerado, pelo Acordo Quadro de Cooperação Econômica de 1992, como o mecanismo principal para a Área de Livre

(^47) “Article 2 A. Cooperation in Trade

  1. All Member States agree to establish and par- ticipate in the ASEAN Free Trade Area (AFTA) within 15.years. A ministerial-level Council will be set up to supervise, coordinate and review the implementation of the AFTA”. (^48) “intensify cooperation among the members of ASEAN to increase their international competitiveness and integration with the world”. (^49) Agreement on the Common Effective Preferential Tariff Scheme for the ASEAN Free Trade Area , disponivel em: http://www.aseansec.org/12375.htm. Acesso em: 8 jun. 2006.

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separar, na prática, da coalizão formada anteriormente com bloco da ASEAN no sistema do GATT/OMC, levando-o a não poupar esforços para conclusão de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, Austrália e Japão. Há razões, no entanto, para supor que a integração regional na Ásia, a partir do desenvolvimento da cooperação econômica concebida no contexto da ASEAN, seja na verdade um longo e demorado processo. A implementação dos Planos Gerais, conforme estabelecidos no Acordo Quadro de Coope- ração Econômica de 1992, e a conseqüente constituição da Área de Livre Comércio da ASEAN dependeriam, em muito, de um melhor redirecionamento das negociações entre os Estados e comprometimento sobre o ajustamento das instituições domésticas, desde reformas legislativas até um nivela- mento das economias nacionais. Os suces- sivos acordos e protocolos celebrados no âmbito da ASEAN, desde a conclusão do Acordo Quadro de 1994, constatam a preo- cupação dos Estados de incrementar o grau de institucionalização do bloco; o contexto normativo de tais documentos se tornou mais detalhado e formalizado, relacionan- do os objetivos da Área de Livre Comércio da ASEAN a uma miríade de obrigações a serem observadas pelos Membros (Cf. GREENWALD, 2006, p. 210). O Regime CEPT, ao fornecer a estrutura tarifária para a implementação do AFTA, também parece ser amplo o suficiente para induzir os Estados Membros à não observância de seus dispositivos. O mesmo se observa quanto ao provável retrocesso em torno da exclusão de bens das listas de tratamento preferencial no comércio intrabloco. O Regime CEPT adotou uma abordagem setorial para classificar os produtos, a partir de três listas básicas. A “Lista de Inclusão” diz respeito aos bens que serão submetidos a tarifas preferenciais de exportação; a “Lista de Produtos Sensí- veis” compreende o comércio preferencial de bens primários agrícolas e a “Lista de

Exceção Geral” refere-se aos bens perma- nentemente excluídos do Regime do CEPT por razões de segurança nacional, danos à saúde pública e aqueles dotados de valor artístico, histórico e arqueológico.^55 Os Estados da ASEAN têm a opção, segundo o Regime do CEPT, de excluir bens das listas adotadas para o comércio preferencial intrabloco, em três categorias: (a) a adoção de uma lista temporária de exclusão; (b) produtos agrícolas sensíveis e (c) exceções gerais. Vários problemas foram sendo detectados desde 1997, como, por exemplo, a exclusão pelo Vietnam de 165 categorias de produtos na Lista de Exceção Geral, como automóveis, motocicletas, computadores, equipamentos de informáti- ca e telecomunicações, leite, bebidas alcoó- licas e derivados de açúcar. No Laos, vários produtos também foram classificados como incluídos na Lista de Exceção Geral, tais como veículos automotivos, embarcações de pequeno porte e bens supérfluos, como cigarro, bebidas alcoólicas e derivados do petróleo. Talvez o mais sério impasse seja aquele estabelecido entre Malásia, Indoné- sia e Tailândia quanto ao setor automotivo, já que os países inseriram os bens neles fabricados na Lista de Exceção Geral. Importante destacar que o AFTA foi notificado ao GATT ainda durante as nego- ciações da Rodada Uruguai pelos Estados Membros da ASEAN^56 , de acordo com o Ar- tigo IV sobre Comércio e Desenvolvimento. Ainda àquele período, o Regime CEPT era visto pelos Membros como compatível com o Artigo XXIV do GATT, já que não resulta- ria em barreiras significativas ao comércio com outros Estados não integrantes da ASEAN (Cf. STEPHENSON, 1994, p. 439 e ss). Até hoje o Comitê de Acordos Regionais da OMC não emitiu nenhum relatório sobre os impactos do Acordo AFTA sobre o alcan- ce normativo do Artigo XXIV do GATT e do Artigo V do GATS. Em especial, a pre- (^55) Cf. Artigos 2 o (^) e 9 o (^) do Acordo sobre o Regime CEPT de 1992, (nota 49 supra ). (^56) ASEAN Secretariat, 1993, p. 9.

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ocupação estaria na análise pela Secretaria sobre a liberalização do comércio intrablo- co, as regras de origem e os dispositivos transitórios contidos no quadro normativo do AFTA e do Regime CEPT.^57

2.5. A Zona Asiática de Investimentos (ZAI), programas coordenados de investimentos e o Regime de Cooperação Industrial (AICO) Como examinado anteriormente, na Pri- meira Cúpula de Bali de 1976, os Membros da ASEAN reconhecerem a necessidade de criação dos chamados “programas de investimentos coordenados” como forma de alavancar a cooperação econômica intrabloco e que seriam, futuramente, redi- recionados para as negociações do Acordo Quadro sobre a Zona de Investimentos Asiática (ZAI), concluído em 7 de outubro de 1998. Paralelamente à implementação da Área de Livre Comércio da ASEAN, a ZAI ofereceria, a investidores estrangeiros atuais e potenciais, um ambiente propício, na região da ASEAN, para atividades de produção intensiva, implementação de plataformas industriais e investimentos diretos. Para isso, os Estados Membros já haviam adotado o Acordo relativo ao Re- gime de Cooperação Industrial da ASEAN (“AICO”), em 1 o^ de novembro de 1996, 58 a fim de substituir as antigas formas de cooperação na área econômica. Do ponto de vista estrutural, o Acor- do AICO abre espaço para a criação de empresas integradas verticalmente que possam atuar na ASEAN como plataformas de produção regionais. Contratos coope- rativos podem ser celebrados entre duas

(^57) Sobre a análise dos impactos da área de Li- vre Comércio da ASEAN pelo Comitê, ver WT/ REG/W/45, Committee on Regional Trade Agree- ments: Rules of Origin Regimes in Regional Trade Agreements – Background Survey by the Secretariat, 05/04/2002; WINDEN; KENEVAN, 1993, p. 224 e ss; BOWLES, 2003, p. 37 e ss. (^58) Basic Agreement on the ASEAN Industrial Co- operation Scheme , disponível em: <http:// www. aseansec.org/economic/eco_aico.htm>. Acesso em: 2 jul. 2006.

empresas originárias de diferentes países, sendo-lhes oferecidas tarifas preferenciais e acesso irrestrito aos mercados dos Esta- dos da ASEAN. Até março de 2003, foram autorizados 104 projetos classificados nos modelos do Acordo relativo ao Regime de Cooperação Industrial. Muitos deles eram apresentados por empresas atuantes nos setores automobilístico, elétrico e eletrônico e de alimentos, como os conglomerados formados pela Toyota, Honda e Sony.^59 Um dos principais problemas do Regime de Cooperação Industrial da ASEAN estaria no limitado alcance de acesso aos mercados pelos bens fabricados, já que muitos não são objeto de tratamento preferencial uniforme em todos os Estados Membros. Acesso irrestrito aos mercados diz respeito às em- presas sediadas nos Estados participantes apenas. Do mesmo modo, bens primários oferecidos somente podem ser importados e utilizados como insumos para a produção dos bens submetidos ao Regime de Coope- ração Industrial da ASEAN (TAN, 2004, p. 942). Por outro lado, o AICO atraiu uma série de investimentos estrangeiros diretos para os Estados membros da ASEAN, es- pecialmente do Japão, como mencionado, nas áreas da alta tecnologia, setores auto- mobilístico e eletro-eletrônico.

2.6. Estratégias de ampliação do regionalismo no âmbito da ASEAN e impactos sobre o comércio multilateral: a inclusão regional da China

2.6.1. Aspectos políticos das relações entre a ASEAN e a China A criação da ASEAN em 1967, com a Declaração de Bangkok, assumia primei- ramente uma série de objetivos de caráter político e de cooperação econômica, os quais eram vistos pela China como forma de justi- ficar a existência de uma “associação militar com fins antichineses” no continente asiático

(^59) Ver informações da Secretaria da ASEAN em: http://www.aseansec.org.

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trou a inconsistência da coesão entre os Estados da ASEAN em torno de uma estra- tégia de negociação comum com a China, já que todos os envolvidos buscaram, indivi- dualmente, invocar mecanismos próprios para solução da controvérsia internacional. A ASEAN, como bloco regional, parecia en- fraquecida nesse contexto (GREENWALD, 2006, p. 212). Tal sintoma ficaria ainda mais evidente pela frustração de objetivos de coo- peração política estabelecidos na Declaração de Bangkok de 1967, já que no documento existe previsão sobre mecanismos de con- sultas internas entre os Estados Membros, tanto em nível intergovernamental, como nas Conferências Ministeriais. Aparentemente, os efeitos da influência externa da China sobre disputa territorial envolvendo o Arquipélago Spratly não fo- ram neutralizados de modo suficientemente transparente, com o que se poderia concluir que a ASEAN se tornou um grupo político regionalizado, de “solidariedade duvidosa”

  • pelo menos se considerada a diversidade de seus Membros (KODAMA, 1996, p. 384). Isso levaria à conclusão sobre a necessidade de adoção de uma estrutura de integração mais aprofundada, a partir da reforma dos tratados celebrados entre os Estados da ASE- AN, bem como o refinamento dos mecanis- mos pacíficos de solução de controvérsias, centrado nas negociações conjuntas entre os Membros. Ainda aqui restaria a difícil tarefa de afirmar um processo de institucionali- zação do bloco, desejável no momento em que a China emerge como um dos Estados mais importantes no processo de inserção e concorrência nas relações econômicas inter- nacionais da perspectiva asiática.

2.6.2. A implementação do Acordo de Livre Comércio entre ASEAN e China (ACFTA) O processo de acessão da China à Or- ganização Mundial do Comércio iniciado em 2001 encetou nova realidade no re- gionalismo asiático. A pressão comercial entre Estados levou à celebração, com a ASEAN, do Acordo sobre Comércio de

Bens do Acordo Quadro de Cooperação Econômica de 4 de novembro de 2002. 65 Entre os principais objetivos comuns está a criação e implementação de uma Área de Livre Comércio entre a China e a ASEAN (ACFTA). Importante destacar que, em 24 de novembro de 2004, o Acordo Quadro foi notificado ao Comitê de Acordos Re- gionais da OMC, para que o órgão pudesse examinar concretamente os efeitos da Área de Livre Comércio China-ASEAN sobre o sistema multilateral do comércio. 66 Em especial estão considerados os dispositivos do Acordo relativamente ao período de 10 anos para implementação das medidas de eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias aos fluxos de comércio intrabloco e tratamento diferencial e flexibilidades para novos Estados da ASEAN, tais como Camboja, Mianmar e Vietnam. O surgimento do ACFTA corresponde exatamente à tendência de aumento e pres- são pela concorrência entre blocos regionais surgidos no Pacífico Asiático, as reformas econômicas domésticas e o crescimento exponencial da China nesse contexto. Os impactos do ACFTA em relação ao sistema multilateral do comércio seriam sentidos justamente no tocante ao volume de ex- portações originadas dos Estados Partes, confrontado com o fluxo do comércio in- ternacional em outros blocos regionais (Cf. KONG, 2004, p. 839 e ss). Entre os objetivos gerais do ACFTA, está a cooperação econô- mica sobre a estrutura de liberalização do comércio de bens. Acredita-se que a área de livre comércio em questão venha inau- gurar um dos maiores blocos regionais no plano internacional, superando processo de (^65) Agreement on Trade in Goods of the Framework Agree- ment on Comprehensive Economic Co-operation between the Association of Southeast Asian Nations and the People’s Re- public of China (November 4, 2004). A versão consolidada do Acordo pode ser consultada em: <http://www. aseansec.org/16646.htm>. Acesso em: 3 jun. 2006. (^66) Cf. documento WT/COMTD/N/20, Committee on Trade and Development – Framework Agreement on Comprehensive Economic Cooperation between the Association of South East Asian Nations and the Peoples Republic of China, 21 December 2002.

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integração implicados respectivamente no NAFTA e a União Européia em termos de contingente populacional efetivo (Cf. GRE- ENWALD, 2006, p. 193 e ss; WANG, 2005, p. 17 e ss). Com a consolidação dos objetivos propostos pelos Estados, o Acordo abrange uma região de aproximadamente 1,7 bilhão de consumidores, e um volume de comércio anual na cifra de 1,23 trilhão de dólares.

2.6.3. A evolução da ASEAN e perspectivas do ACFTA como contraponto ao regionalismo no Sudeste Asiático Desde sua constituição em 1967, os Esta- dos Membros da ASEAN não deixaram de observar os problemas relacionados à insu- ficiência de um quadro normativo que ti- vesse como objetivo ulterior o de constituir uma zona de livre comércio evoluindo para uma “União Asiática”. A crise financeira in- ternacional de 1997, como mencionado, fez com que os Estados enfrentassem os efeitos arrasadores da intensa circulação de capital especulativo de curto prazo originado de países da Europa e Estados Unidos, e que desencadeou uma preocupação da ASEAN quanto à formação de uma “identidade asiática”, hoje refletida nas alternativas de regionalismo assimilada pelos Estados da região. Isso se constata igualmente pelo crescente número de acordos de livre comércio concluídos, liberalização compe- titiva e pressão pela inserção dos Membros no sistema do comércio multilateral. No entanto, ainda restariam dúvidas em rela- ção ao processo de integração regional, em especial quanto à necessidade de criação de instituições que pudessem concretizar políticas comuns adotadas no contexto da ASEAN. Essa dificuldade seria, portanto, confrontada com o próprio êxito e viabili- dade do Acordo de Livre Comércio entre ASEAN e China. Assim também o deficit nas negociações quanto à consolidação de um sistema re- gional de solução de controvérsias dotado de efetividade também aparece como fator indicado pela literatura como tendente ao

enfraquecimento dos objetivos relacionados à constituição da Área de Livre Comércio ASEAN-China. Esforços de integração em moldes institucionais poderiam ser ques- tionados nesse contexto, já que os Estados não chegaram ao consenso quanto à solução conjunta do litígio envolvendo o Arquipéla- go Spratly. Os Estados – então igualmente Partes no Acordo sobre Comércio de Bens de 2002 que estabelece a ACFTA – muito hesitaram até chegar à solução diplomática na Declaração sobre o Mar da China Meri- dional. Obviamente, o caso Spratly se afasta, do ponto de vista temático, das negociações travadas no contexto de criação do ACFTA, já que nem todos Membros da ASEAN reivindicam os territórios das ilhas no Mar da China Meridional. Todavia, a China foi capaz de romper com a coesão do bloco e negociar bilateralmente com cada um dos Estados, o que poderia ser um obstáculo potencial para futuras negociações envol- vendo a formulação e concretização dos objetivos previstos para o futuro ACFTA (Cf. GREENWALD, 2006, p. 210). Por outro lado, a ausência de uma au- têntica estrutura constitucional normativa para a ASEAN (por conta da insuficiente abrangência dos tratados e acordos con- cluídos desde 1967 com a Declaração de Bangkok) sugeriria o colapso do ACFTA. Como visto, a dificuldade de se estabelecer um sistema regional de solução de con- trovérsias prejudicaria a capacidade dos Estados Partes (China e os Membros da ASEAN) de resolver controvérsias futuras. A reforma do arcabouço normativo da ASEAN poderia sustentar a efetividade do futuro ACFTA. A China, por sua vez, não teria condições de, em tão curto período de tempo, alcançar o patamar de reformas de instituições e legislação domésticas exigido para a implementação das obrigações assu- midas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (Cf. SHEN, 2004, p. 268-271). 67 (^67) Observando que um dos desafios reais da China seria superar a ajustabilidade dos regimes jurídicos e administrativos domésticos.