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Este texto destaca a importância da questão ambiental em escala local e global devido às impactos ambientais crescentes gerados pelo modo de produção capitalista. O autor analisa a teoria da segunda contradição do capitalismo, que coloca em risco a própria reprodução do capital, e a transferência do ônus do processo produtivo para países do sul. Além disso, o texto discute a expansão do capitalismo e sua transição para a fase imperialista, a exploração da força de trabalho e a degradação das condições ambientais em escala global.
Tipologia: Resumos
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O Social em Questão - Ano XIV - nº 25/26 - 2011
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Resumo A crise que caracteriza a contemporaneidade qualifica-se por um grau de in- tensidade e capilaridade muito maior que as suas antecessoras. Destaca-se, nesse contexto, a emergência da questão ambiental em escala local e global, em virtude dos impactos ambientais crescentes gerados pelo modo de produção capitalista dominante. Neste sentido, a chamada crise ambiental atinge os variados grupos sociais de forma desigual uma vez que esta reflete as contradições clássicas ine- rentes ao capitalismo. A mundialização do capital e os novos contornos adquiridos pela economia na contemporaneidade acentuam ainda mais tais contradições ca- racterizando o cenário de crise.
Palavras-chave Crise ambiental; Trabalho; Capitalismo; Expropriações.
The development of capitalism and the environmental crisis
Abstract The crisis that characterizes contemporary culture qualifies for a degree of intensity and capillarity much larger than their predecessors. Worth noting in this context, the emergence of environmental issues in local and global scale, due to increasing environmental impacts generated by the dominant capitalist mode of production. In this sense, the environmental crisis affects the various social groups unequally as it reflects the classical contradictions inherent to capitalism. The globalization of capital and the new contours acquired by the contemporary economy exacerbate such contradictions characterizing the crisis scenario.
Keywords Environmental crisis; Work; Capitalism.
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A emergência da crise ambiental “O velho século não acabou bem”, parafraseando Hobsbawm (1995) ao término da introdução d’A era dos extremos. Para o historiador, o breve século XX termi- nou deixando uma profunda inquietação e uma complexa crise no seu escopo mais genérico. Contudo, se a crise social do começo do século XX foi marcada por gran- des ondas de desemprego em massa e inflação a patamares sem precedentes, o nível de dependência em que se encontravam as economias mundiais era, sem dúvida, muito menor do que atualmente. A crise que caracteriza o final do século XX e o começo do novo milênio, com- posta não apenas pela sua vertente econômica, social e política mais evidente, mas também permeada pela contestação a velhos paradigmas, qualifica-se por um grau de intensidade e capilaridade muito maior que as suas antecessoras. Pela primeira vez na história, o grau de integração em que se encontra a humanidade alcança ní- veis de causa e efeito nunca antes experimentados pelas culturas humanas. Destaca- -se, nesse contexto, a emergência da questão ambiental em escala local e global, em virtude dos impactos ambientais crescentes gerados pelo modo de produção capi- talista dominante baseado na utilização dos recursos naturais de forma desenfreada, alheio aos ritmos de reprodução da natureza. A crise ambiental aparece, assim, como aquela capaz de lembrar à humanidade
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Lênin (2008), atento às mudanças ocorridas na escala de expansão de capitais, no início do século XX, aponta para a transformação qualitativa do capitalismo, que, para ele, teria inaugurado a sua fase superior imperialista monopolista. Uma das particularidades que destaca nesse processo é a concentração da produção em em- presas cada vez maiores que, ao atingirem determinado grau de desenvolvimento baseado na centralização e controle de distintos ramos da produção, culminam na formação de monopólios. Ao perceberem a possibilidade de redução dos custos e consequente aumento do lucro no processo produtivo, as empresas anteriormente concorrentes passam a organizar-se em novas formas monopolistas, como os cartéis e trustes, e deste modo provocam a transformação radical da esfera econômica da vida com desdobramentos sobre a sua componente social, política e ideológica. É válido ressaltar que, se a criação dos monopólios conduz à socialização da pro- dução, principalmente no que tange ao aperfeiçoamento das técnicas – pois a reunião em uma só empresa de diferentes ramos da indústria possibilita a troca de importantes estratégias para o desenvolvimento do processo produtivo –, essa nova forma de orga- nização social de grupos econômicos em conglomerados também o faz sob o regime da propriedade privada. Neste sentido, “a produção passa a ser social, mas a apropria- ção continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um reduzido número de indivíduos” (LÊNIN, 2008, p.26). Para Lênin (2008), o fator determinante para a expansão do capitalismo e tran- sição para a sua fase imperialista foi a junção do capital industrial ao bancário, o que possibilitou a concentração de uma enorme massa de capital e proveu a condição para que os grandes conglomerados industriais pudessem expandir a sua produção e atuar para além das fronteiras do Estado-nação. Neste processo, os bancos passam a recolher rendimentos em dinheiro de todo o gênero, tanto dos grandes capitalistas como dos empregados, pequenos patrões e, até mesmo, de uma reduzida camada superior dos operários. Com isso, intensifica-se, com grande rapidez, o processo de concentração do capital e de constituição de monopólios, uma vez que os bancos passam a deter grandes somas de capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e trabalhadores. Ou seja, de meros intermediários passam a ocupar lugar central na economia disponibilizando à classe capitalista grandes montantes de capital para investimento nas atividades produtivas. Surge assim uma oligarquia financeira capaz de impor, por meio do seu poderio econômico, os rumos dos investimentos capita- listas, engendrando uma dependência crescente em decorrência dos empréstimos concedidos. Do ponto de vista político, destaca-se uma articulação de tais grupos na atuação dos Estados e em suas políticas econômicas.
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A partir de tais empréstimos, o capital industrial ou funcionante (FONTES,
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outro modo de produção anterior. Entretanto, vale a pena ressaltar que a degra- dação e a poluição não constituem uma novidade do capitalismo, mas têm sido comuns na história da humanidade:
A história das sociedades pré-capitalistas e pré-industriais está assim cheia de exem- plos de colapsos sociais alcançados pela depredação do meio ambiente. Evidências históricas e arqueológicas sugerem que as civilizações dos sumérios, do vale do Indo, grega, fenícia, romana e maia tiveram colapsos devidos, em parte, a fatores ecológicos. Finalmente, a condição do campesinato, que constituía a maioria da po- pulação mundial antes da Revolução Industrial, estava caracterizada por uma alta mortalidade infantil, baixa esperança de vida, severa desnutrição e açodamento da fome e epidemias – dificilmente uma “milagrosa adaptação à natureza” (FOSTER, 1994 apud FOLADORI, 2001b, p.171).
Todavia, existem diferenças elementares entre a depredação e a poluição pré- -capitalistas e as ocorridas a partir da sociedade industrial e que se fazem percebidas no mundo contemporâneo. Nas sociedades pré-capitalistas, o fraco desenvolvimen- to das forças produtivas, inclusive da tecnologia, acarretava um enorme impacto sobre a natureza. Nas sociedades industriais, é o elevado grau de desenvolvimento das forças produtivas que, ao operar em um ritmo avassalador, acaba por sobre- carregar a natureza. Nestas, a busca crescente pelo lucro faz com que a produção de mercadorias deva ser sempre elevada e progressiva, o que gera uma pilhagem dos recursos naturais em larga escala. Além disso, nas sociedades pré-capitalistas, as depredações eram sentidas regionalmente, isto é, os seus impactos eram locais e dependiam do tamanho da população (FOLADORI, 2001b) enquanto que nas sociedades industriais o poder de alcance e a intensidade dos efeitos causados pelas relações de produção capitalistas atingem todo o globo. Marx (1984), ao analisar o momento histórico que corresponde à transição do feudalismo e a consolidação da sociedade capitalista, chama a atenção para o proces- so de acumulação primitiva do capital. Tal fenômeno seria responsável por redefinir as relações do homem com a natureza e o seu impacto sobre ela, pois representaria a separação do trabalhador – expropriado de suas terras – dos seus meios de pro- dução. Portanto, as enormes massas de camponeses expulsos de suas terras foram transformadas em proletários destituídos dos seus instrumentos de trabalho, e a sua força de trabalho transformada em mercadoria pronta para ser vendida. A inter- mitente expropriação e expulsão da população rural foi um processo histórico de
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extrema violência e pode ser considerado um dos marcos do surgimento do capita- lismo, uma vez que dissociou o trabalhador dos seus meios de produção ao mesmo tempo em que redefiniu o uso das terras antes comunais. O êxodo rural, típico da Revolução Industrial ocasionada primeiramente na Inglaterra (século XVIII), teve um enorme impacto no equilíbrio cidade-campo no que diz respeito à migração populacional. Do ponto de vista ambiental, a cisão entre cidade e campo encerrou uma separação irreparável no tocante ao meta- bolismo com a natureza, pois apartou, de forma aguda, “as fontes de produção de alimento e a matéria-prima de seu consumo” (FOLADORI, 2001a, p.111). A falha metabólica deste processo, apontada por Marx, decorre da ruptura provoca- da pelas relações capitalistas de produção, que separam o homem da sua natureza mediante a relação entre capital e trabalho assalariado, alterando radicalmente o metabolismo social entre ambos. O resultado da entrada massiva de capital na agricultura foi a mudança no modelo de exploração da terra, agora pautado na lógica de expansão e acumula- ção do capital, além de um acirramento na cisão cidade-campo. A longa distância entre o campo e a cidade impedia a restauração dos constituintes elementares do solo, o que gerava dois problemas: o declínio da fertilidade do solo, devido à falta de reposição de nutrientes, e o acúmulo deste material em forma de rejeitos, que passaram a poluir de forma crescente as cidades. Marx, atento ao caráter desigual na apropriação da natureza sob o regimento do capitalismo, direcionou a sua crítica à incapacidade da moderna agricultura capitalista associada à indústria em repor ao solo os nutrientes perdidos (FOSTER, 2005). O processo de degradação dos solos, ocasionado pela sua exploração exaustiva e consequente interrupção do metabolismo orgânico entre energia e matéria, foi explicitado no século XIX pelo químico alemão Justus Von Liebig, que pesquisava possibilidades de soluções para tal problema. A partir de suas descobertas, Marx destacou a natureza insus- tentável da agricultura capitalista, que usurpava tanto ao trabalhador quanto ao solo, causando o seu empobrecimento.
E cada progresso da agricultura capitalista constitui um progresso não só na parte de rapinar o operário, mas também na arte de rapinar o solo; cada progresso no acrés- cimo da sua fertilidade por um dado período de tempo constitui ao mesmo tempo um progresso da ruína das fontes duráveis dessa fertilidade. Quanto mais um país, por exemplo os Estados Unidos da América do Norte, parte da grande indústria como fundamento de seu desenvolvimento, tanto mais rápido é este processo de
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natureza como uma força da natureza. Ele põe em movimento as forças naturais que pertencem ao seu próprio corpo, aos braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar os materiais da natureza de uma forma adaptada às suas próprias necessi- dades. Através deste movimento, ele atua sobre a natureza externa e a modifica, e assim simultaneamente altera a sua própria natureza... Ele [o processo do trabalho] é a condição universal da interação metabólica [Stoffwechsel] entre o homem e a natureza, a perpétua condição da existência humana imposta pela natureza (MARX, 1976 apud FOSTER, 2005, p.221).
Esta concepção corresponde ao conceito de trabalho produtivo, isto é, aquele trabalho voltado para a produção de valores de uso que, ao se apropriar dos ele- mentos naturais, satisfaz as necessidades humanas. O processo de trabalho, ao trans- formar a natureza externa, converte-se em riqueza material, ou seja, em riqueza pronta para ser desfrutada pelo conjunto da sociedade (riqueza social). Na socieda- de capitalista, a relação sociedade-natureza se define pela produção de mais-valia, a qual só é possível obter a partir do trabalho excedente, isto é, de certo grau de produtividade do trabalhador superior ao que lhe é necessário. Além disso, a rique- za social produzida pela sociedade capitalista se encontra corporificada no dinheiro. Este como mercadoria permite tanto a satisfação das necessidades humanas (valor de uso) como a sua troca por outros objetos úteis (valor de troca), inclusive a força de trabalho. O trabalho excedente, dessa maneira, volta-se para a produção de valo- res de troca, na medida em que ele próprio se torna uma mercadoria e se objetiva para a produção de mais-valia e, consequentemente, para a acumulação do capital. O processo de mercantilização do trabalho engendra drásticas rupturas no to- cante à relação homem-natureza. Segundo Quaini (1979), a gênese histórica do processo de acumulação primitiva do capital começa a partir do momento em que se dá a separação entre o trabalhador e as condições do seu trabalho, ainda sob o modo de produção feudal. Portanto, a partir do momento em que o trabalhador converte-se em vendedor livre da sua força de trabalho, que carrega consigo a sua mercadoria para qualquer lugar do mundo em que possa encontrar mercado, ele está definitivamente apartado das condições de sua própria reprodução. Ele passa, por assim dizer, a depender de terceiros.
Portanto o processo que cria a relação capitalista só pode ser o processo de separa- ção do trabalhador da propriedade das próprias condições de trabalho, processo que de um lado transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção,
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por outro lado transforma os produtores diretos em operários assalariados. Portan- to a chamada acumulação primitiva nada mais é que o processo histórico de separa- ção do produtor dos meios de produção. Ele aparece “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção a ele correspondente (MARX, apud QUAINI, 1979, p.106).
Nesse sentido, podemos entender o processo de acumulação primitiva do capi- tal como reviravolta das velhas relações entre o homem e a natureza, na medida em que contribui tanto para a separação do trabalhador das suas condições de trabalho quanto para o acirramento da relação antagônica cidade-campo. É importante sa- lientar que Marx não compreende o processo de trabalho desassociado das condi- ções naturais, isto é, a natureza está para o trabalho assim como o trabalho está para a natureza. Portanto, quando se estabelece a relação entre capital-trabalho assala- riado ocorre também um distanciamento do homem em relação ao seu meio, uma vez que tanto a sua natureza interna quanto externa se modificam drasticamente. Para Marx, a separação cidade-campo compreendia o curso natural do desen- volvimento capitalista, pois a acumulação de capital ocorria mediante tal dinâmica. Em seu conhecido capítulo sobre a acumulação primitiva, 3 Marx lança mão de mi- nuciosos exemplos para caracterizar o processo de expropriação da população rural e a expulsão de suas terras como excepcional fenômeno de separação do homem da natureza, destacando o caráter violento como fundamento de todo o processo: “a violência é a parteira de toda a sociedade velha, grávida de uma sociedade nova; é ela mesma uma força econômica” (MARX, 1959, apud QUAINI, 1979, p.109). Todo o processo de cercamento dos campos ocorrido na Inglaterra teve como com- ponente a formação de um exército de força de trabalho, fundamental para que se iniciasse a revolução industrial naquele país. Na medida em que o mundo urbano passava a sobrepor o mundo rural, mudanças significativas ocorriam na relação do homem com a terra. Portanto, a partir do momento que esta separação, através da divisão social do trabalho, passa a operacionalizar a lógica de produção de mercado- ria, significativos impactos ambientais já eram perceptíveis assim como importan- tes impactos sociais generalizavam-se, incluindo a degradação do solo por parte da agricultura capitalista e a exploração da força de trabalho.
As contradições do capitalismo e a crise ambiental
Muitos autores se debruçaram sobre o fenômeno das crises econômicas no capi- talismo, mas, sem dúvida, foi Marx o primeiro a chamar atenção para a importância
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temente, devem ser operadas pelo Estado e custeadas pela tributação de parcelas crescentes do valor excedente produzido (CARNEIRO, 2005, p.29).
Ainda que ocorra a externalização dos custos sociais e ambientais, estas variáveis retornam de formas distintas ao cálculo do processo produtivo, como, por exem- plo, na pressão para a internalização das externalidades negativas, ou seja, a identi- ficação dos custos ocultos e imputação dos mesmos ao seu responsável econômico (MONTIBELLER-FILHO, 2001). A crise se fixaria a partir desta contradição, pois o limite do desenvolvimento não estaria na escassez dos recursos naturais, e sim no alto custo dos mesmos, levando a uma compressão do lucro privado. De acordo com István Mészáros (2009), à medida que os sintomas de crise se multiplicam e sua severidade é agravada, o conjunto do sistema capitalista parece estar se aproximando de certos limites estruturais do capital. Para o autor, tal cri- se se dá mediante a lógica perversa do sistema sociometabólico engendrado pelo capitalismo, que, por não impor limites à expansão do capital – uma vez que este funda-se no valor de troca –, converte-se numa processualidade incontrolável e destrutiva. Marx já havia chamado a atenção para o caráter contraditório e destruti- vo do sistema capitalista no tocante à utilização da força de trabalho mediante taxas de exploração sub-humanas. Não obstante, atualmente a degradação da natureza em ritmo acelerado agudiza ainda mais as velhas contradições do capitalismo, colocan- do em xeque a sua própria sobrevivência. Segundo a formulação do autor, a crise contemporânea é crônica e permanen- te, isto é, desde meados dos anos 1960 e início dos 1970 os ciclos de expansão que conformaram a história do capitalismo encontram-se mergulhados em uma pro- funda depressão. Uma vez que se intensifica a dicotomia entre a produção visando à satisfação das necessidades humanas e aquela voltada para a própria valorização do capital, graves consequências podem ser identificadas como, por exemplo, a precarização estrutural do trabalho e a deterioração das condições ambientais em escala global. Para Mészáros (2009), a adoção do padrão norte-americano de alto consumo de energia e matéria por todas as nações determinaria a exaustão dos recursos ecológicos em menos de um século. Nem mesmo a onipotência tecno- lógica seria capaz de solucionar os problemas e desafios ambientais derivados da expansão das relações de produção capitalistas. Concomitantemente, observa-se a ampliação das taxas de desemprego pelo mundo, cujo resultado é a prolifera- ção dos níveis de miséria e pobreza. Contudo, a contradição situa-se justamente na impossibilidade de restabelecimento dos níveis de crescimento econômico al-
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cançados pelas nações desenvolvidas durante os considerados anos dourados do capitalismo (HOBSBAWM, 1995), haja vista os custos ecológicos e sociais deste processo. Diante deste quadro de crise estrutural e sistêmica, o cenário mundial não é muito animador e parece colocar o capitalismo enquanto sistema social em declínio sistemático e permanente. Para Mészáros, assim como para O`Connor, a crise estrutural do capital ou a segunda contradição do Capitalismo, respectivamente, conduziriam ao fim do capi- talismo, pois as forças sociais antagônicas entrariam em choque acarretando a ruína do sistema.Vale ressaltar que esta visão pessimista sobre a crise não é compartilhada por autores como Chesnais & Serfati (2003), que atentam para as perigosas análises catastrofistas sobre o fim do capitalismo. Para tais autores, a crise estrutural do ca- pital, longe de ser o vetor de declínio deste sistema, representa uma nova etapa no processo de acumulação a partir do aumento da concentração de capital mediante novas configurações de expropriação. Na medida em que novas tendências são dita- das pelo mercado financeiro, novos mecanismos de transferência das externalidades negativas do processo produtivo são postos em prática. Portanto, para tais autores, a ameaça à reprodução do sistema significa, na verdade, a ameaça à reprodução de de- terminados grupos sociais. Ou seja, o que estaria em questão seria a sobrevivência de determinados grupos sociais vulneráveis, por exemplo: as populações pobres, os negros, os grupos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc.), e não o modo de produção capitalista em escala mundial. É importante fazer menção ao papel do Estado na reconfiguração da crise econômica, pois é ele o encarregado de direcionar o ônus da degradação ecoló- gica para as camadas mais vulneráveis da sociedade, e também de arcar com os custos do desemprego estrutural. Desta maneira, os impactos sociais da crise do trabalho e da crise ambiental são transferidos para os países mais vulneráveis econômica e politicamente mediante as relações geopolíticas de poder entre ambos. Contudo, se nestes momentos de grave crise os conflitos sociais se in- tensificam e tornam a vida social mais árdua, o capitalismo, por sua vez, abre espaço para o seu questionamento enquanto sistema social predominante. A emancipação social passa a rondar o horizonte, colocando a sociedade em um momento histórico crítico. Nesse sentido, o estágio atual em que se encontra o sistema de acumulação de capital se expande sob um conjunto de relações complexas e contraditórias, pois na tentativa de tudo capitalizar, o capital humaniza a natureza e cria uma segunda natureza, que, ao mesmo tempo em que é mercantilizada e valorizada, é também
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agrário, cujo resultado é o êxodo rural, como também sobre o contexto urbano, inchado pelas contínuas levas de expropriados do campo. As antigas e novas formas de expropriação, de maneira combinada, atingem ain- da o conjunto da natureza, agora retomada sob a designação generalista de “recursos naturais,” em especial no que tange aos principais recursos que servem à redução dos custos de produção e, portanto, permitem o incremento do lucro pelo capita- lista. Neste sentido, assistimos à “mercantilização da natureza por atacado” (HAR- VEY, 2004, p.123) e a sua ressignificação como capital, em detrimento de diversos outros significados a ela atribuídos por grupos sociais pautados em lógicas distintas (ZHOURI e OLIVEIRA, 2005). Originalmente observadas na questão da terra e de outros recursos considerados estratégicos para a exploração (no caso do Brasil colônia, pau-brasil, cana-de-açúcar, minérios, café etc.), as expropriações primárias hoje somam-se à exploração e mercantilização da biodiversidade; privatização dire- ta e indireta de recursos outrora abundantes para a exploração e consumo, como a água ou o ar, por meio da privatização de aquíferos e venda de créditos de carbono; patenteamento de processos e técnicas diversas aprendidas e transmitidas através de gerações por populações tradicionais e indígenas, assim como de materiais ge- néticos resultantes da domesticação milenar de plantas e sementes; dentre outras múltiplas formas de incorporação da natureza a partir do seu valor econômico. Todos esses processos compartilham a progressiva privatização dos recursos na- turais e a concentração da riqueza gerada a partir da sua exploração. Compreendem no seu bojo uma determinada racionalidade cultural das práticas produtivas fun- dada na especialização e homogeneização da natureza, e maximização do benefício econômico, que se traduz, de forma direta, na sua exploração a ritmos crescentes (LEFF, 2000). As consequências mais imediatas da imposição de leis de mercado sobre as condições ecológicas da reprodução social são a degradação e esgotamento dos recursos naturais. Tais práticas incidem sobre formas distintas de reprodução sociocultural baseadas nas condições de equilíbrio dos ecossistemas, como no caso das sociedades tradicionais, em um processo crescente de assimilação de formas cul- turais diversas e imposição de relações sociais e produtivas insustentáveis do ponto de vista ecológico. Esta dinâmica se estabelece a partir da hegemonia exercida pelo modo de produção dominante, calcado na necessidade de expansão crescente, ex- pressa na contínua abertura de mercados e disposição de populações expropriadas em distintos níveis, detentoras apenas da sua força de trabalho. O resultado é a ge- neralização de práticas ecologicamente irracionais de exploração e aproveitamento dos recursos naturais combinada à eliminação de culturas detentoras de saberes
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fundamentais à construção de “padrões tecnológicos mais adequados para o aprovei- tamento do potencial produtivo dos ecossistemas” (LEFF, 2000, p.96). As disputas resultantes deste embate explicitam-se na emergência contemporânea dos conflitos ambientais, caracterizados pela luta entre grupos sociais pautados em ló- gicas distintas e na apropriação e significação do mundo material (ACSELARD, 2004). De um lado, imperam práticas baseadas no valor de uso dos recursos naturais capazes de conjugar o ritmo de produção aos limites ecológicos, gerando uma sustentabilidade deste processo; e de outro, preponderam relações baseadas no valor de troca que visam capitalizar a natureza e a cultura como forma de produção de riqueza e obtenção de lu- cro. Na medida em que as práticas de uns interferem na possibilidade de implementação das práticas de outros, e as expropriações se diversificam e intensificam, o choque entre as distintas formas de reprodução social das condições de existência implica na disputa pelo usufruto do território e recursos nele contidos. A eclosão e ampliação destes con- flitos reforçam o caráter contraditório do sistema capitalista hegemônico, evidenciando outras fragilidades inerentes ao processo de reprodução do capital.
Referências
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