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Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio: História e Classificação, Notas de estudo de Direito

Este artigo aborda o tema do crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, realizando um estudo retrospectivo sobre a história da punição do suicídio. O texto discute a longa e complexa história da punição do suicídio, desde a roma antiga até a atualidade, e apresenta uma classificação proposta por enrico altavilla para a compreensão dos diferentes tipos de suicídio.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Marcela_Ba
Marcela_Ba 🇧🇷

4.6

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o CRIME
DE
INDUZIMENTO AO SUICÍDIO
Darcy
Arruda
Miranda
Magistrado aposentado e Professor de Direito
das
Faculdades de Direito Mackenzie
e Sorocaba
o
tema
do
presente
artigo: "O
Crime
de Induzimento,
Instigação
ou
Auxílio ao Suicídio", obriga-nos a
um
estu-
do
preliminar
retrospectivo,
da
punição do suicídio.
Até meados
do
século XVIII,
as
legislações dos povos
cultos
ainda
continham
disposições
repressivas
do suicí-
dio. De
então
para
uma
nova
mentalidade
se
foi
de-
senvolvendo e, com
ela
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tendência
a abolir definitiva-
mente
o suicídio do rol
das
infrações penais.
Uma
vas-
sourada
de bom senso
desvestiu
o direito repressivo
da
fuligem
que
lhe
ensombrava
o conteúdo
humano,
colo-
cando o suicídio fora
da
órbita
penal.
No
entanto,
verificamos
ainda
hoje a "Common law"
punindo o suicídio como homicídio,
quando
realizado de-
liberadamente
por
quem
tem
a capacidade
mental
neces-
sária
para
ser
culpado
da
prática
de
um
delito (Asúa,
"Tratado", v. IV, p. 603).
No
entanto,
não
faz muito,
foi
abolida
nesse
país
a
pena
de morte,
que
procuraram
restaurar.
Vale dizer,
o cidadão inglês
não
tem
o direito
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auto-eliminar-se
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Estado
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arroga
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mandar
matá-lo
...
longa e
velha
a
história
da
punição
do
suicídio. Ji-
menes de
Asúa,
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"Na
Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, n. 1, jan./jul. 1966
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o CRIME DE INDUZIMENTO AO SUICÍDIO

Darcy Arruda Miranda

Magistrado aposentado e Professor de Direito das Faculdades de Direito Mackenzie e Sorocaba

o tema do presente artigo: "O Crime de Induzimento,

Instigação ou Auxílio ao Suicídio", obriga-nos a um estu do preliminar retrospectivo, da punição do suicídio. Até meados do século XVIII, as legislações dos povos cultos ainda continham disposições repressivas do suicí dio. De então para cá uma nova mentalidade se foi de senvolvendo e, com ela a tendência a abolir definitiva mente o suicídio do rol das infrações penais. Uma vas sourada de bom senso desvestiu o direito repressivo da fuligem que lhe ensombrava o conteúdo humano, colo cando o suicídio fora da órbita penal.

No entanto, verificamos ainda hoje a "Common law" punindo o suicídio como homicídio, quando realizado de liberadamente por quem tem a capacidade mental neces sária para ser culpado da prática de um delito (Asúa, "Tratado", v. IV, p. 603).

No entanto, não faz muito, foi abolida nesse país a pena de morte, que já procuraram restaurar. Vale dizer, o cidadão inglês não tem o direito de auto-eliminar-se mas o Estado se arroga o de mandar matá-lo ...

.É longa e velha a história da punição do suicídio. Ji menes de Asúa, em ligeiro esbõço, assim a resume: "Na

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Índia, o suicídio era considerado como o meio de chegar quanto antes possível ao "Nirvana", ao nada, estado su perior à vida e ao ser.

Entre os hebreus o suicídio era proibido: "Não mata rás", dizia o Decálago, ficando o corpo do suicida privado de sepultura. Na Grécia era desonrado o cadáver do sui cida quando provocado por debilidade ou covardia. Em Roma só se castigava a tentativa de suicídio quando pra ticado por soldados (1, 6 § 7, Digesto, livro XLIX, 16). O "Direito Canônico ressuscita a proibição hebréia. Os li vros Sagrados só continham a vaga sentença de não ma tar. Foi a Igreja quem concretizou a condenacão do suici da e o Direito Canônico o considerou como um homicida criminoso, negando ao seu corpo sepultura cristã.

"No direito comum da França, a penalidade do suici da continua. Desde as Capitulares de Carlos Magno, até a Ordenança de 1670, se impôs a negativa de sepultura e de preces públicas, ao suicida, condenando-se-o ao confis co de seus bens. Essa Ordenança de 1670 diferençou - do mesmo modo que o direito inglês - o fato de ter o suicida cometido o ato involuntàriamente e com consciência, caso em que o seu corpo era arrastado em uma espécie de ces to, com a cabeça voltada para a terra, e jogado, em se guida, a um monturo; porém, se o sujeito não gozava de suas faculdades mentais, era irresponsável. A tentativa se castigava e se considerava como homicídio voluntário. Tôdas essas disposições repressivas desapareceram no século XVIII.

"O Direito comum alemão (Prússia, 1622) manteve igualmente o enterramento infamante do suicida e a pu nição arbitrária da tentativa de suicídio. Até mesmo no séc. XVIII defendeu-se êste ponto de vista entre os filóso fos da escola de Wolff, assim, como por Solden, Wieland, Gmelin, Quistorpe, e outros. Veio depois o influxo dos en ciclopedistas francêses e de Beccaria, na abolição das pe nas contra os suicidas. Porém, apesar disso, o Código Pe-

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"As palavras de Beccaria são ainda mais convincen tes. Não fala como um grego ou um romano cansado da vida, da maneira como o fêz Montesquieu, senão como ju rista e um homem de bom senso. "O suicídio - diz o in signe milanês - é um delito que parece não poder estar submetido a pena alguma pràpriamente dita, pois esta pena só poderia recair sôbre um corpo insensível e sem vida, ou sôbre inocentes. Além disso, os castigos que se impusessem contra os restos inanimados do culpado, não poderiam produzir outra impressão sôbre os espectado res senão a que êles experimentariam ao ver fustigar uma estátua, e, por outra parte, seria repugnante aos nossos costumes atuais. Se se me objeta que o mêdo dês te castigo pode, não obstante, deter a mão do que preten de suicidar-se, eu respondo que quem renuncia tranqui lamente à doçura de viver, e que odeia o bastante esta existência terrena, para preferir uma eternidade, ainda que desgraçada, não se comoverá seguramente pela con sideração, distante e menos forte, da vergonha que o seu crime acarretará à família" (Dei delitti e delle pene, Capo XXXII, p. 602-3).

Surgiu, assim, na história dos homens, o crime de suicídio e assim desapareceu com a impunidade.

Pessina, diria: No domínio da penalidade, encarando se a pena pelo lado da intimidação, làgicamente diz-se que não se deve punir o suicida porque nenhuma pena deve temer aquêle que não teme a morte. Mas, quando se reconhece a amplitude intrínseca dos princípios do Direi to, quando se reconhece que a causa concreta do apare cimento da punição é o mal acontecido e não o mal possí vel de acontecer, que esta tem por fim a segurança da justiça violada, não se pode deixar de reconhecer que pe rante o Direito, o suicídio é um ato punível. Quando con sumado, certamente falta a possibibildade real de punir o autor, porque falta o objeto da punição, mas esta im-

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possibilidade de punir não tira ao fato a essência crimi nosa" (Cf. Romeiro, p. 318).

Lacassagne sustentava que o suicídio é o crime modi ficado pelo meio social; Morselli, que um é o antagonismo do outro. Tarde e H. Joly rejeitam uma e outra opinião, sem se pronunciarem muito nItidamente sôbre a nature za das relações observadas entre as duas espécies de atos", diz Corre ("Crime e suicide", p. 91, nota 1). Não se acomodam as opiniões num plano de equilí

brio, neste delicado assunto. Inúmeros autores susten

tam que não se pode considerar criminoso o suicídio ou que êle seja uma violação do direito, ante o conhecido princípio de que "volenti non fit injuria", enquanto outros procuram fazer distinção entre "direitos naturais aliená veis e inalenáveis", estando a vida entre êstes últimos. Negam, assim, ao homem, o direito de dispor da própria vida, considerando o fato criminoso. Dizem êles que o homem tem não só deveres para consigo mesmo, mas também para com os seus semelhantes, aos quais assiste o direito de exigir o cumprimento dêsses deveres. Uma vez que o suicídio, pela violação dêsses deveres, pode le sar direito alheio, deve ser considerado crime. Franck (antigo professor do Colégio de França) sus tentava que êsses "deveres" para consigo mesmo e para com os seus semelhantes sítuam-se no campo de um di reito indeterminado, sem que possa ser exigido por meios coercitivos, caindo, assim, no domínio do reconhecimen to, da benevolência e da ternura. "Se é permitido a al guém expatriar-se - aduzia - por que razão se há de ser mais culpado para com a pátria, quando se a deixa por uma morte voluntária?" (Romeiro, p. 318).

E Ravá, citado por Ferri (Homicídio e suicídio, p. 5) insistia em que parece absurdo "falar em direitos sôbre a própria pessoa, já que o direito é, essencialmente, uma relação com o mundo exterior ("PROPORTIO HOMINIS Ao

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Ruiz-Funes, sustentando que a privação da própria vida é um fenômeno comum a indivíduos sãos e enfer mos, acrescenta que "os suicídios nos enfermos mentais não se produzem por uma só causa, que seja relacionada com uma entidade nosológica especial. Há suicídios nas várias categorias de enfermos desta ordem. Durkhein, com uma terminologia superada já pela psiquiatria mo derna, considera quatro classes de suicídios de alienados: o maníaco, produzido por alucinações, ou concepções de lirantes; o melancólico; o obsessivo, que encontra sua gê nesis na idéia fixa da morte; e o impulsivo ou automáti co. "Entre êsses mesmos fatôres, há outro, predisponen te, de uma incerta determinação no que afeta aos seus peculiares caracteres, que é a neurastenia ..." (Durkhein, prefácio, p. V). Várias porém são as causas' do suicídio, girando em tôrno dos índices de civilização, a idade, o sexo, o culto, tôdas elas de heterogêneo perfil (Ruiz-idem, p. VI), como também não existe relação estreita entre suicídio e al coolismo. Outros procuram ainda nos tipos raciais, na heredi tariedade, a tendência ao suicídio.

As estatísticas, porém, quando chamadas a controlar os índices, sofrem mutações como as agulhas magnéticas em campo imantado.

Diante de tais dificuldades, Enrico Altavilla propõe uma classificação, que diz aceita por Ferri e que é a se guinte: 1) suicídio por tendência; 2) suicídio por deficiên cia do instinto de conservção; 3) suicídio por loucura; 4) suicídio passional; 5) suicídio ocasional ("Cf. Dicionário de Criminologia", Niceforo-Florian, lI, p.978).

A melancolia, acrescenta a neurastenia, e outras formas de doença mental, dão o maior coeficiente de sui cídios. No passional, muitas vêzes, o suicídio equivale ao

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homicídio, porquanto o homem, se violento, mataria o objeto de seu rancor, mas, se débil, fraco, incapaz do ho micídio, praticaria o suicídio, pois com isso estaria ma tando a causa de seu sofrimento. O suicídio pode ser, também, o desvio de um impulso homicida, como a rea ção do homem social que a si mesmo faz justiça, como ocorre, frequentemente, no homicídio-suicídio e no duplo suicídio, no qual, geralmente, o morto era o súcubo da vontade do outro. Todavia, para quem busque reprofundar as áreas do suicídio no campo da etiologia, há que defrontar-se com tanta e tão complexas causas, desnorteadoras por vêzes, que as classificações etiológicas acabam por ser relega das a oblívio. Se a vida em coletividade é um imperativo da própria sobrevivência humana, fOrça é convir que, cada grupo so cial, pelo seu índice de civilização, pelas condições meso lógicas, geográficas ou climatéricas em que se desenvol ve, apresenta uma moral variável e contraditória. O ho mem envolve em sua mentalidade e em sua psicologia, em grande parte, por influências ambientais e, dentro do mesmo grupo social heterogêneo, de acôrdo com a sua atividade profissional, o seu ambiente familiar, as suas condições de alimentação e sobrevivência fisica. N as várias condições de sociabilidade que cada povo comporta, nas diferentes camadas humanas que o estru turam, surgem os dramas da opulência e da miséria, da consciência da dignidade, da saúde e da doença, do al truísmo e do egoísmo, da sexualidade e impotência, da opressão e da subserviência, os triunfos e os fracassos, a alegria e a dor, as privações e os esbanjamentos, o amor e o ódio, o ciúme e a revolta, a esperança e o desespêro, e em qualquer dessas situações pode ser encontrada a cau sa nutriz do autocídio.

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e submetido a rigorosa vigilância durante um ano, pelo menos". As sanções tanto atingiam os bens do suicida como o seu cadáver. Foi o movimento humanista do sé culo XVIII, o fator preponderante da dignificação huma na com a supressão dessas formas bárbaras que incidiam sôbre o cadáver do suicida e sôbre terceiros inocentes.

Somente a confusão, denunciada por Carrara, diz o mestre argentino, entre pecado e delito, podia ter sido o motivo de se manter por tanto tempo uma infração de tão irregulares caracteres ("Derecho Penal Argentino", III, p. 104). O próprio Carrara (Programma, Parte especial, § 1.153, nota 2) refuta a informação histórica de que o sui cídio era punido em Roma, esclarecendo: "Não é verdade que os romanos punissem o suicídio. Êste erro comum, repetido por insignes criminalistas, entre os quais se en contra Pessina, é fruto de equívoca interpretação de um

Fragmento de Marciano, "leg. 3 ff. de Bonis eorum qui

ante sententiam sib mortem conscriverunt".

O confisco dos bens era penalidade aplicada a diver sos delitos e jamais como pena especial do próprio suicí dio. Acontecia que aquêles que eram apanhados em fla grante delito ou dêste acusado, desesperados se mata vam e, com isso, subtraíam ao fisco o seu patrimônio, conservando-o com a família. Para corrigir essa fraude contra o fisco é que se decretou que o patrimônio de tais suicidas não passasse aos herdeiros e se o devolvesse ao fisco. Não havia, pois, pena alguma atribui da ao suicida, somente estabeleciam os romanos que o suicídio não de veria ser útil ao culpado, subtraindo sua família à pena patrimonial. "Não se admite discussão - completa o in signe mestre de Pisa - em face da lêtra daquele Frag mento: "Qui rei criminis non postulati manus sibi intu lerint, boa eorum fisco non vindicentur; non enim facti sceleritatem esse obnoxiam, sed conscientiae metum in reo velut confesso tenere placuit: ergo aut postulati esse

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debent, aut in scelere deprehensi, uti si se interferint, bona eorum confiscentur". "E tanto isso é verdade que o mesmo jurisconsulto prossegue anotando dever-se deixar livre o patrimônio aos herdeiros, tôda a vez que aquêle que se suicidava, após ser surpreendido em flagrante ou depois da acusação, era, ou surpreendido ou acusado por tal delito que por si mesmo não importasse no confisco dos bens",

Ora, desaparecido o suicídio do elenco dos crimes, nas legislações modernas, surgiu, de logo, a dificuldade jurí dica da configuração da cumplicidade nesse caso. Impos sível falar-se em cumplicidade de um fato que deixou de ser crime, dada a natureza acessória da instigação ou do auxílio.

Já não era possível aceitar-se, também, a punição da tentativa de suicídio como tentativa de homicídio, como pretendia Pessina, repulsado por Carrara. Daí a necessi dade - frisa o grande mestre de Pisa - de criar-se um nô vo título de crime, isto é, um título especial de "partici pação no suicídio de outrem". E prossegue: "O projeto do Código da Luisiânia elaborado em um ano por Eduardo Livingston, por decreto de 13 de fevereiro de 1821, foi um dos primeiros a punir (art. 548), como título especial de delito "sui generis", o auxílio prestado ao suicídio de ou trem com a pena de trabalhos forçados de 3 a 6 anos. O Código toscano, no art. 314, também punia a participa ção do suicídio com 3 a 4 anos na casa de fOrça. O projeto do Código português previa a pena de 3 anos para aquêle que auxiliasse ou instigasse ao suicídio (§§ 1.155 e 1.156, nota 2).

Quanto à tentativa de suicídio a maioria dos códigos modernos consagra a sua impunidade. Alguns autores preconizam a sua punição pelo influir no predisposto ao suicídio o temor da incriminação. Outros julgam-na sin toma de grave perturbação mental, merecendo tratamen to e não pena.

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Assim dispunha o Código criminal de 1830, em seu art. 196: "Ajudar alguém a suicidar-se ou fornecer-lhe meios para êsse fim com conhecimento de causa: Pena: de prisão celular por 2 a 4 anos". Com o "NOMEN IURIS" de "Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio", dispõe o nosso atual Código Penal (1940), em seu Art. 122: "Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de I a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único: A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico; H - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qual quer causa, a capacidade de resistência". Como se vê, no "caput" do artigo, o nosso legislador previu duas hipóteses para a apenação: a consumação do suicídio e a lesão corporal de natureza grave como resul tado da tentativa frustra. Nada fala sôbre a hipótese de lesão corporal de natu reza leve, o que significa que, se da tentativa frustrânea resultar lesão corporal leve, o fato da instigação ou auxí lio prestado por outrem torna-se impunível. Ás vêzes, como diz Hungria, a lei penal, ao incrimi nar um fato e cominar a pena, condiciona a imposição desta a um determinado acontecimento, e isso se chama "condição de punibilidade". "O crime se consuma com a ação ou omissão descrita no preceito legal, mas a punição fica subordinada ao advento (concomitante ou sucessivo) de um certo resultado de dano, ou a um "QUID PLURIS" extrínseco (como p. e. a queixa nos crimes de ação priva da). É o que acontece com o crime de participação em suicídio: embora o crime se apresente consumado com o simples induzimento, instigação ou prestação de auxílio,

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a punição está condicionada à superveniente consumação do suicídio ou, no caso de mera tentativa, à produção de lesão corporal de natureza grave na pessoa do frustrado desertor da vida. Se não se segue, sequer a tentativa, ou esta não produz lesão alguma ou apenas ocasione uma lesão de natureza leve, a participação ficará impune. Em face do código revogado, a participação em suicídio só era punível quando o suicídio se consumava. É portanto, uma inovação do atual Código a punibilidade dêsse cri me, mesmo no caso de simples tentativa do suicídio, des de que desta resulte lesão corporal grave, isto é, qual quer das lesões previstas nos §§ 1.0 e 2.° do art. 129" ("Cód. Penal", v. V, p. 200-1, n. 44).

Para o Código italiano (art. 580) também a participa ção no suicídio só é punível se o suicídio sobrevém (5 a 12 anos) e se não sobrevém mas deriva lesão grave ou gra víssima (1 a 5 anos).

Salienta Manzini que o crime de participação no sui cídio de outrem pressupõe que a tentativa ou o suicídio consumado seja da própria vontade, livre e consciente, do suicida, pois do contrário, haveria homicídio doloso (V. 8 93).

A condição de punibilidade é, pois, aquela da qual depende o aperfeiçoamento da infração, como esclarece Soler, e que requer, na hipótese em equação, que o suicí dio tenha sido consumado, ou, pelo menos tentado. Essas expressões, como acentua o mestre portenho, hão de ser entendidas no sentido técnico, isto é, o suicídio deve ha ver tido um "princípio de execução", e, em consequência, para determinar a punibilidade do instigador ou do au xiliador, não é suficiente que o instigado realize meros atos preparatórios: é necessário que haja ingerido o ve neno propiciado, disparado o tiro contra si, etc.

Maggiore ("Direito Penal e", v. 2, Tomo 2, p. 755) e Magalhães Noronha ("Crimes contra a pessoa e contra o

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o nosso legislador penal estabeleceu sinonímia entre as expressões "induzir" e "instigar". Todavia, induzir é sugerir aconselhar, persuadir; e instigar é animar, esti mular, acoroçoar. Na instigação, como muito bem ensina Noronha, o agente robustece ou revigora um propósito existente, ex primindo, assim, uma ação secundária, ou, na lição de Custódio da Silveira ("Direito Penal", p. 94-5): "A dife rença, portanto, está em que, no induzimento é o agente que faz nascer no espírito da vítima a idéia suicida, en quanto na instigação há acoroçoamento da idéia preexis tente". Há induzimento, portanto, no seguinte exemplo de Manzini: "dois cônjuges mutuamente se juram que um não sobreviverá ao outro e, depois de algum tempo, o marido (que na realidade, queria desfazer-se da espôsa) ausenta-se e faz com que seja levada à mulher a notícia de sua morte, e esta, fiel ao juramento, se suicida". Dês te ponto de vista participam Hungria e Bento de Faria, sendo que o último denomina de "engano" esta forma de induzimento. "No induzimento ou na ajuda - diz Galdino Siqueira, o conhecimento de causa está implícito. Cumpre notar prossegue - que a participação, elemento constitutivo do crime em questão, não pressupõe acôrdo de vontades, como na participação de vários agentes em um crime, ou cumplicidade "sensu lato"; o que apenas requer a lei, diz Altavilla, é que haja um nexo de causalidade voluntária entre a própria ação criminosa e o suicídio, e, se assim não fôsse, delitos mais graves ficariam impunes. Não tem razão, pois, Alimena quando sustenta: "não é parti cipação no suicídio maltratar uma pessoa afim de levá-la ao suicídio e sem que esta vontade seja conhecida da ví tima". Que faltaria para a configuração delituosa, per gunta Altavilla, no fato de quem, conhecendo a disposi ção suicida de um seu amigo, lhe fizesse encontrar um

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veneno ou uma arma de que se servisse, ignorando quem lh'a forneceu, ou no fato de quem, conhecendo a tendên cia suicida de uma jovem melancólica, a fizesse conhecer a falsa notícia da morte do noivo, para induzí-Ia ao ato desesperado, efetivamente realizado?" ("Direito Penal Brasileiro", p. 590).

Hungria também sustenta constituir induzimento o fato de maus tratos infligidos a alguém, vindo êste a ma tar-se de desespêro, uma vez que haja o dolo, direto ou eventual, específico do crime, isto é, a intenção ou aceita ção do risco de que a vítima se suicide. E mais, em ha vendo coação resistível (pois se irresistível, é homicídio) pode haver instigação (p. 198).

Neste ponto ousamos discordar de tão eminentes mestres para adotar o ponto de vista de Alimena. Para nós os maus tratos, fisicos ou morais, infligidos a al guém, em crebra obstinação e de tal modo que levam a vítima a suicidar-se, é crime de homicídio e não qualquer das formas de induzimento, instigação, ou auxílio a sui cídio.

Se como ensina o mesmo eminente mestre Nelson Hungria, o induzimento consiste em sugestões, conse lhos, mandato, súplicas e persuasão, como enquadrar-se a figura dos maus tratos, por si só criminosa, em qual quer dessas formas de induzimento?

O autor dos maus tratos não quis matar diretamente a vítima, mas levando-a a suicidar-se incidiu em dolo eventual e deve responder por homicídio doloso. A von tade da vítima não era libertar-se da vida e sim libertar se do jugo opressor e o único meio ao seu alcance foi êsse.

O crime é o mesmo de quem surra outrem a ponto de desnorteá-lo e obrigá-lo a procurar refúgio na jaula de um leão faminto ou atirar-se num despenhadeiro vindo a falecer, (^) em consequência. Em ambas as hipóteses a víti ma era coata.

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ao qual se dirige a instigação seja um inimputável, ou quando se empregue coação ou violência ou quando se induza em êrro o suicida acêrca da ação que realiza, pressupostos incompatíveis com a instigação, que supõe um destinatário capaz de resolver-se por vontade não vi ciada. "Dada uma vontade não viciada, a ação do instigador, tanto poderá consistir em determinar a resolução como em reforçar uma resolução preexistente. Mesmo que se trate de instigação, não se faz mister que o fato instiga dor representa a totalidade do motivo determinante; an tes ao contrário, para que se dê a instigação, é necessária uma participação subjetiva do aceitante. Mesmo na hipó tese que o instigado diga: "mato-me somente porque tu me pedes", há uma resolução livre do instigado. Os autores portenhos, como se vê, englobam num único conceito as figuras de induzimento e instigação. O eminente jurista José Peco, autor do projeto do Código Penal argentino, apresentado à Câmara em 1941, salien ta em sua "Exposição de Motivos" que o conceito de insti gação "compreende todo o ato endereçado ao evento sui cídio, seja engendrando a idéia, seja dissuadindo de abandoná-la, ora proporcionando conselhos, ora robuste cendo a idéia suicida, já que não é incompatível a idéia da instigação com a preexistência do desígnio suicida do instigado. A instigação equivale, pois, à determinação ou refôrço, do propósito alheio" Cp. 232). Prestar auxílio ao suicida é outra forma de participa ção prevista em nosso Código. Auxiliar, significa dar aju da, favorecer, facilitar, em suma, é assistência física ou forma de concurso material, como seja o fornecimento de arma, o propiciamento de veneno para o suicídio, ou ain da, impedir a ação de outrem que pretende obstar o sui cídio de terceiro.

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o auxílio pode ser comissivo, ocorrendo esta última hipótese quando há o dever jurídico de impedir o suicí dio. Magalhães Noronha entende que diante da teoria da equivalência dos antecedentes abraçada pelo nosso Códi go, no art. 11, é inadmissível outra opinião: desde que ocorram o dever jurídico de obstar o resultado e o ele mento subjetivo, a omissão é causal, pouco importando que a ela se junte outra causa" (ob. cit, p. 45). O mesmo ponto de vista é perfilhado por Vanini e Nelson Hungria, citando o primeiro os seguintes exem plos: Ticio se encontra casualmente com um indivíduo que tenta suicidar-se; poderia intervir e fàcilmente im pedir o suicídio, mas prefere deixar que o infortunado se mate. Dois agentes policiais transportam um detento, verificando, em dado momento, que êle está tentando suicidar-se (por ex. está tentando pular o parapeito de uma ponte para o rio) e deixam que êle se suicide. Existirá nesses dois casos alguma diferença? pergun ta. Sim, responde, no primeiro há uma omissão de socor ro. No segundo os agentes policiais foram a causa indire ta do suicídio, porquanto, por injunção legal tinham a tu tela da incolumidade do detido (e não do cidadão em ge ral); a omissão aqui não é de socorro, pois estavam na obrigação legal de impedir o sinistro. Responderiam. as sim, por "auxílio ao suicídio".

Vejamos outros exemplos, dados por Hungria e ou tros: o pai deixa propositadamente que o filho menor, acusado de um fato desonroso, ponha têrmo à vida; o in divíduo que seduziu uma jovem e a abandonou em estado de gravidez assiste, impassível, ao seu suicídio; o diretor da prisão, deliberadamente, não impede que o sentencia do morra pela "greve da fome"; o enfermeiro que, perce bendo o desespêro do doente e o seu propósito de suicídio, não lhe toma a arma ofensiva de que está munido e com