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Guias e Dicas
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Robert Dahl: Democracia, Realismo Político e Participação Política, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Neste texto, robert dahl discute a relação entre democracia e realismo político, destacando a importância da participação política na legitimação e avaliação das democracias. Ele aborda as objeções empíricas a sua concepção democrática populista e apresenta a teoria da democracia como poliarquia, uma substituição mais adequada para teorias madisonianas e populistas. Dahl também discute as características democráticas de sistemas políticos modernos e a relação entre igualdade política e democracia.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
ANTONIO KEVAN BRANDÃO PEREIRA
TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA: O CONCEITO DE
POLIARQUIA NA OBRA DE ROBERT DAHL
FORTALEZA
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Baixe Robert Dahl: Democracia, Realismo Político e Participação Política e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

ANTONIO KEVAN BRANDÃO PEREIRA

TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA: O CONCEITO DE

POLIARQUIA NA OBRA DE ROBERT DAHL

FORTALEZA

ANTONIO KEVAN BRANDÃO PEREIRA

TEORIA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA: O CONCEITO DE

POLIARQUIA NA OBRA DE ROBERT DAHL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Sociologia. Orientador: Prof. Dr. Jawdat Abu-El-Haj

FORTALEZA

Dedico aos meus irmãos, Karla, Karine e Kelsey.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Professor Dr. Jawdat Abu-El-Haj, que acolheu a minha proposta de trabalho, e que me ajudou nos momentos em que tive mais dificuldades durante o mestrado. Aos professores da banca examinadora, Dr. Jakson Aquino e Dr. Clesio Arruda, pela disposição em avaliar e acompanhar a defesa desta dissertação. Aos professores Dr. Eduardo Diatahy, Dr. Leonardo Sá, e Dr. Valmir Lopes, e também às professoras Dra. Alba Carvalho, Dra. Irlys Barreira, e Dra. Geísa Mattos. Sem dúvida alguma, todos eles contribuíram de maneira decisiva para a minha formação acadêmica durante o período em que estudei no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC. A todos os meus colegas da turma de 2011, em especial ao Alisson, Camila, Diogo, Emmanuelle, Helloana, Larissa, Letícia e Willams, pelos bons momentos que tivemos dentro e fora da sala de aula. Aos meus pais, Antonio e Janilda, por me dedicarem tanto amor, carinho e confiança. Aos meus irmãos, Karla, Karine e Kelsey, por todo apoio e incentivo. À minha namorada, Pammela, que não me deixou desistir de concluir esse trabalho, e que entendeu a minha ausência em vários momentos ao longo desses dois anos e meio. Ao meu amigo Ruben Maciel, por sua valiosa ajuda e orientação quando eu ainda estava me preparando para fazer a seleção do mestrado. Aos meus velhos e bons amigos Daniel, Elias, Rafael, e ao meu primo Carlos Filho, pela força de sempre. Ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – pela bolsa de estudos que me foi concedida durante dois anos, o que tornou possível a minha dedicação integral para a realização da pesquisa. Finalmente, e mais importante, agradeço a Deus. Sem Ele, eu certamente não chegaria até aqui.

RESUMO

Este trabalho analisa o conceito de poliarquia na obra de Robert Dahl. O autor faz uma distinção entre “democracia ideal” e “democracia real”. Para ele, a palavra “democracia” evoca o cenário grego original de participação direta, não sendo mais adequada para classificar os regimes representativos contemporâneos. Tais regimes são pobres aproximações dos ideais democráticos, e que por isso devem ser classificados como “poliarquias”. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, o trabalho objetiva evidenciar e analisar, mais especificamente, a investigação que o autor realizou no seu clássico livro “Poliarquia: Participação e Oposição”, no qual ele abordou o tema da transição de regimes, procurando compreender quais as condições que favorecem ou impedem a transição de um regime não poliárquico para um regime poliárquico.

Palavras-chave: Robert Dahl; Teoria Democrática; Democracia; Poliarquia.

ABSTRACT

This paper analyzes the concept of polyarchy in the work of Robert Dahl. The author makes a distinction between "ideal democracy" and "real democracy". For him, the word "democracy" evokes the original Greek scenario of direct participation, no longer appropriate to classify regimes representative contemporaries. Such schemes are poor approximations of democratic ideals, and therefore should be classified as "polyarchies". Through a literature search, this work aims at identifying and analyzing more specifically, the research that the author conducted in his classic book "Polyarchy: Participation and Opposition," in which he addressed the issue of regime transition, trying to understand what conditions that favor or hinder the transition from a regime not polyarchical to a polyachical regime.

Keywords: Robert Dahl; Democracy Theory; Democracy; Polyarchy.

INTRODUÇÃO

Robert Alan Dahl nasceu no ano de 1915 em Inwood, uma pequena cidade do estado norte-americano de Iowa. Fez toda a sua carreira acadêmica na Universidade de Yale, onde se tornou professor de Teoria Política logo após obter seu doutorado em 1940. Autor de vasta obra, Dahl configurou-se como um dos principais pensadores da teoria democrática no século XX. Ao longo de quase seis décadas, publicou vários livros e artigos, dentre os quais podemos destacar os seguintes: “Politics, Economics, and Welfare”, em coautoria com Charles E. Lindblom (1953), “A Preface to Democratic Theory” (1956), “The Concept of Power (1957), “A Critique of the Ruling Elite Model (1958), “Who Governs?” (1961), “Modern Political Analysis” (1963), “Pluralist Democracy in the United States” (1968), “After the Revolution?: Authority in a Good Society” (1970), “Polyarchy: Participation and Opposition” (1971), “Size and Democracy”, juntamente com Edward R. Tufte (1973), “Dilemmas of Pluralist Democracy: Autonomy vs. Control” (1982), “A Preface to Economic Democracy” (1985), “Democracy and Its Critics” (1989), “On Democracy” (1998), “How Democratic Is the American Constitution?” (2002), “On Political Equality” (2006). Como reconhecimento por toda a sua contribuição, Robert Dahl recebeu muitos prêmios e títulos na área da ciência política. Atualmente, é professor emérito de ciência política da Universidade de Yale, membro da Associação Americana de Ciência Política – tendo sido presidente da mesma em 1967 – membro eleito da Academia Americana de Artes e Ciências, da Sociedade Americana de Filosofia, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e da Academia Britânica. Durante a sua longa e profícua trajetória como professor e pesquisador, Dahl tratou essencialmente do tema da democracia. Em seus escritos, ele investigou a teoria democrática clássica e moderna, dialogou com diferentes correntes da ciência política, questionou os pressupostos de várias teorias e, principalmente, reforçou a importância da pesquisa empírica. Preocupado em investigar o funcionamento, os limites, as dificuldades, e as possibilidades da democracia nos Estados nacionais, Dahl utilizou um importante conceito que passou a influenciar muitos estudos no âmbito da teoria democrática, qual seja, o conceito de “Poliarquia”. Segundo o autor, a palavra “democracia” evoca o cenário grego original, de participação direta. As democracias contemporâneas são pobres aproximações dos ideais democráticos, e que por isso devem ser classificadas como “poliarquias”. Mais especificamente, ele desenvolveu uma teoria que procura

compreender quais as condições que favorecem ou desfavorecem a transição de um regime não poliárquico para um regime poliárquico. Foi a partir da utilização de novos conceitos, e também de novos métodos de análise, que sua produção intelectual ganhou destaque na segunda metade do século XX, influenciando diversos estudiosos em várias partes do mundo. É por isso que François Chantal afirma que a “trajetória intelectual de Dahl conferiu a ele o título de um dos grandes teóricos da democracia no século XX, ao lado de Joseph Schumpeter e Giovanni Sartori”. (CHANTAL, 2001, p.155). Renato Lessa ressalta que “quem lida com a teoria democrática não pode desconsiderar o trabalho de Dahl; sua obra é uma das mais importantes da ciência política na metade final do século XX”. (LESSA, 1997, p.10). Fernando Limongi enfatizou ainda mais a relevância do pensamento dahlsiano, pois para ele, “é possível afirmar, sem risco de exagero, que Dahl contribuiu decisivamente para definir os contornos do que hoje se entende por democracia”. (LIMONGI, 1997, p.11). A importância da obra de Robert Dahl justifica a nossa escolha em analisar nesta dissertação os principais pontos de sua teoria. Como bem colocou Terence Ball, “o pensamento e a teorização política é uma atividade importante e necessária”. (BALL, 2004, p.11). Através de uma pesquisa bibliográfica, pretendemos responder a seguinte pergunta: como Robert Dahl desenvolve o conceito de poliarquia, e como ele analisa as condições que favorecem ou impedem a transição de um regime não poliárquico para um regime poliárquico? Para apresentar a resposta dessa questão, dividimos este trabalho em quatro capítulos. No primeiro, abordaremos o aspecto pluralista da teoria dahlsiana. Isto será importante na medida em que nos possibilitará entender como o autor analisa e concebe a democracia. Verificaremos ainda nesse momento inicial a crítica que ele realizou em relação a dois eixos teóricos da democracia moderna. No segundo capítulo, observaremos os pressupostos da “democracia ideal”. Nessa ocasião, falaremos sobre alguns critérios que segundo Dahl são indispensáveis para um processo democrático. Consideraremos também o ponto de vista do autor sobre um aspecto extremamente relevante no tocante à democracia: a igualdade política. No terceiro capítulo, investigaremos as origens da poliarquia através de uma breve pesquisa histórica que destaca as transformações que aconteceram no processo democrático ao longo do tempo. Apresentaremos as características da poliarquia, e demonstraremos por que esse sistema de governo se diferencia de todos os outros, sejam sistemas antigos ou contemporâneos. Isto nos levará diretamente ao importante tema da “democratização das poliarquias”.

1 – Robert Dahl e o Pluralismo

Ao longo dos anos, a teoria dahlsiana tem sido analisada por vários estudiosos da política. Existe praticamente um consenso entre eles de que a contribuição de Robert Dahl ao tema da democracia parte das inovações apresentadas pelo o pensamento de Joseph Schumpeter. Ao questionar a teoria clássica da democracia, segundo a qual este sistema de governo consiste na realização do bem comum através da vontade geral do povo, Schumpeter estabeleceu no seu clássico livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, as bases de uma nova concepção para o sistema democrático. Em um dos trechos mais importantes dessa obra, ele nos diz que:

A democracia é um método político, isto é, um certo tipo de arranjo institucional para chegar a uma decisão política (legislativa ou administrativa) e, por isso mesmo, incapaz de ser um fim em si mesmo, sem relação com as decisões que produzirá em determinadas condições históricas. E justamente este deve ser o ponto de partida para qualquer tentativa de definição. (SCHUMPETER, 1961, p.295-6). Nesse sentido, a definição de Schumpeter estabelece a democracia como um método, ou seja, “como um sistema institucional, para a tomada de decisões políticas, no qual o indivíduo adquire o poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor ”. (SCHUMPETER, 1961, p.327-8). Aqui, a democracia nada mais é do que um mecanismo para escolher e autorizar governos – e não uma meta moral – através da competição entre elites por votos em eleições periódicas. Contudo, é interessante ressaltar que existem diferenças consideráveis entre as abordagens de Joseph Schumpeter e Robert Dahl. O grande mérito de Schumpeter foi demonstrar que não há incompatibilidade de princípio entre realismo político e democracia

  • e isto foi apropriado por Dahl –, entretanto, é necessário colocar que a “concepção dahlsiana da democracia evitou tanto o utopismo de definições substantivas e dedutivas da democracia quanto o congelamento da definição schumpeteriana”. (LESSA, 1997, p.10). Reforçando também as diferenças entre os dois, Giovanni Sartori nos fala que “embora Dahl defenda a teoria competitiva, sua ênfase é muito diferente da de Schumpeter; Dahl começa onde Schumpeter para, isto é, Dahl procura uma difusão e um reforço pluralistas, na sociedade como um todo, da competição entre elites”. (SARTORI, 1994, p.211). Ainda sobre este ponto, o cientista político italiano nos diz que enquanto Schumpeter que apenas entender como o sistema democrático funciona, Dahl pretende, além de entender esse funcionamento, promover a democracia.

Esse pluralismo destacado por Sartori é sem dúvida alguma um dos principais aspectos do pensamento de Dahl. Ao inserir a ideia de pluralismo na esfera democrática, a teoria dahlsiana se diferencia cada vez mais das análises meramente elitistas da democracia. Criticando a Teoria das Elites^1 , Dahl afirmou que esta não pode ser comprovada cientificamente. No texto “A critique of the ruling elite model”^2 , o autor questionou os pressupostos dessa teoria, na ocasião em que estabeleceu a seguinte hipótese:

A hipótese da existência de uma elite dirigente pode ser estritamente testada somente se: 1) A elite dirigente hipotética é um grupo bem definido. 2) Há uma quantidade razoável de casos envolvendo decisões políticas fundamentais nos quais as preferências da elite dirigente hipotética se chocam com as preferências de qualquer outro grupo provável que possa ser sugerido. 3) Em tais casos, as preferências da elite regularmente prevalecem. (DAHL, 1970, p.96).

Ele refutou essa teoria por ela ser incapaz de comprovar empiricamente a existência de uma única elite – minoria – governante e dominante que se constitui como um grupo bem definido dentro de um sistema democrático^3. A crítica se direciona também para o fato de que não é possível demonstrar, a partir de uma observação direta da realidade, que as preferências políticas dessa elite sempre prevalecem. Para o autor, as democracias modernas são formadas por várias minorias concorrentes entre si, e no mínimo, cada uma dessas minorias tem alguma influência sobre as questões que lhe interessam. Esta ideia de que numa democracia existem minorias que concorrem entre si evidencia fortemente o pluralismo da teoria dahlsiana. Outros autores também destacaram o aspecto pluralista na obra de Robert Dahl. C. B. Macpherson, por exemplo, afirma que Dahl é pluralista,

Porque parte da pressuposição de que a sociedade a que se deve ajustar um sistema político democrático é uma sociedade plural, isto é, uma sociedade consistindo de indivíduos, cada um dos quais é impelido a muitas direções por seus muitos interesses, ora associado com um grupo de companheiros, ora com outros. (MACPHERSON, 1978, p.81).

(^1) Por Teoria das Elites ou elitista se entende, de maneira geral, “a teoria segundo a qual em toda a sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora do poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada”. 2 (BOBBIO, 2007, p.385). DAHL, Robert. A Critique of the Ruling Elite Model. The American Political Science Review Vol. 52, No. 2, 1958. Neste trabalho utilizamos a versão brasileira: DAHL, Robert. Uma Critica do Modelo de Elite Dirigente 3. In: Amorim, Maria Estella. Sociologia Política II, Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1970. É nesse sentido que Robert Dahl critica a tese de C. Wright Mills. De acordo com Mills (1962), o Estado norte-americano era dominado por uma “elite do poder”: uma esteira aliança militar-industrial entre as grandes fortunas, os dirigentes das grandes corporações, chefes militares, e um pequeno grupo de políticos “chave”. Para Dahl, a tese de Mills no que tange aos Estados Unidos não se sustenta, pois teria que comprovar empiricamente a existência de uma única classe de poder. Segundo ele, Mills não demonstrou, dentre outras coisas, que as preferências políticas dessa elite sempre prevaleciam.

decisões deve subscrever as normas de uma cultura política democrática, ou seja, aceitar a alternância de poder, o direito de outros grupos à existência e os limites dos métodos de competição política. (HIRST, 1996, p.575).

Maior diferenciação fez Leonardo Avritzer. Segundo este autor, Robert Dahl rompe e supera a teoria de Schumpeter a partir de dois pontos principais: o primeiro diz respeito ao fato de que ao introduzir o princípio de “maximização” – princípio este que consiste no entendimento de que não basta apenas descrever as democracias, mas que é preciso também aperfeiçoar as suas condições – Dahl superou o dualismo entre realismo e idealismo; o segundo ponto trata da reintrodução do elemento da “participação política” como uma fonte de legitimação e avaliação das democracias. Sobre esta característica da teoria dahlsiana, Avritzer nos fala que:

Desse modo, Dahl sustenta que não apenas a participação democrática é afim ao desenvolvimento moral, recolocando na teoria democrática um elemento ausente desde Schumpeter, como deduz desse princípio uma crítica ao elitismo. Para ele, o princípio da autonomia moral traz, enquanto decorrência, a constatação de que todos os indivíduos são suficientemente qualificados para participar das decisões coletivas de uma associação que afete significativamente os seus interesses. O princípio da autonomia moral implica, portanto, o rompimento com a visão schumpeteriana. (AVRITZER, 2012, p.117).

Em Dahl, a justificação da democracia passa, portanto, pelo princípio da autonomia, entendendo-a como um processo que, mediante a participação, desenvolve a capacidade moral e social dos cidadãos. Cremos que a partir da opinião de todos esses autores citados, ficou bastante claro os aspectos do pluralismo na teoria dahlsiana. É importante ter em mente essa relação entre democracia e pluralismo no pensamento de Robert Dahl para entender a maneira como ele analisa os sistemas democráticos reais. Veremos mais adiante que o seu interesse não é apenas compreender a forma como os sistemas democráticos funcionam, mas também promover a democracia, isto é, encontrar uma maneira de maximizar os potenciais da mesma. Antes, porém, é importante observarmos que o autor desenvolveu uma interessante investigação sobre dois eixos teóricos da democracia moderna. É a partir da análise crítica desses dois tipos representativos de democracia que Dahl começa a esboçar a sua teoria democrática.

1.1 – A discussão sobre a teoria democrática moderna

Uma das principais análises realizadas por Robert Dahl em torno da teoria democrática moderna encontra-se em um de seus primeiros e mais importantes livros, “A

Preface to Democratic Theory”^4 , de 1956. Nesta obra, o objetivo de Dahl foi examinar três tipos representativos de teoria democrática, a saber, a “Democracia Madisoniana”, que coincide com o Estado limitado pela Lei, a “Democracia Populista”, que tem como princípios fundamentais a soberania popular e a igualdade política, e a “Democracia Poliárquica”, na qual as condições da ordem democrática derivam de pré-requisitos sociais. De acordo com o autor, estes três tipos representativos servem para o estudo das vantagens e deficiências de dois métodos a partir dos quais seria possível construir uma teoria democrática: o da maximização e o descritivo. A partir do método da maximização nós podemos tomar, como valor, um estado de coisas, por exemplo, a igualdade política, e elaborar a seguinte questão: que condições são necessárias para atingir a máxima concretização dessa meta? Nesse sentido, pode-se definir a democracia em termos de processos governamentais específicos e necessários à maximização da meta escolhida. Para Robert Dahl, as duas primeiras teorias, a madisoniana e a populista, estão relacionadas a esse método. “A madisoniana postula uma república não-tirânica como objetivo a ser maximizado; a teoria populista indica a soberania popular e a igualdade política”. (DAHL, 1989, p.67). Vejamos então as características mais importantes de cada uma dessas concepções e, principalmente, o ponto de vista do autor sobre as mesmas. No que tange à “democracia madisoniana”, Dahl nos apresenta uma ideia geral sobre essa teoria logo no início da sua discussão:

O que vou chamar de teoria “madisoniana” de democracia constitui um esforço para se chegar a uma acomodação entre o poder das maiorias e o das minorias, entre a igualdade política de todos os cidadãos adultos, por um lado, e o desejo de lhes limitar a soberania, pelo o outro. Como sistema político, a transigência mútua, exceto em um interlúdio importante, provou se duradoura. E o que é mais, parece que os americanos o apreciam. (DAHL, 1989, p.13).

De acordo com Dahl, James Madison, acreditava que a realização de uma democracia direta seria praticamente impossível no contexto da modernidade. Para Madison, a democracia direta no seu sentido mais amplo, qual seja, o de governo exercido diretamente pelo o povo, se degeneraria inevitavelmente em despotismo. Dessa forma, a solução seria reduzir o sistema democrático de governo à proteção da liberdade individual no contexto de uma república não tirânica. A concepção madisoniana assenta-se sobre duas ideias básicas: “tirania” e “facção”. De uma forma geral, podemos apreender a ideia de tirania a partir de algumas

(^4) DAHL, Robert. A Preface to Democratic Theory. Chicago: University of Chicago Press, 1956. As citações são retiradas da tradução brasileira. DAHL, Robert. Um Prefácio à Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.

madisoniana. Para a realização do princípio da soberania popular, as políticas governamentais deveriam ser tomadas com base numa decisão majoritária. Para alcançar os objetivos do princípio da igualdade política, seria necessário atribuir um valor igual à preferência de cada cidadão. Com isso, tem-se que a única regra compatível com esses dois princípios seria a da “maioria”. Após apresentar estes fundamentos da teoria populista, Dahl argumenta que é possível fazer três tipos de objeções a essa teoria: objeções técnicas, objeções éticas e objeções empíricas. As objeções técnicas podem ser expressas da seguinte forma: I) supõe-se que a decisão mais democrática é aquela preferida pela maioria, mas pode ocorrer que muitos eleitores não tenham preferência alguma; II) no caso de empate entre duas preferências não existe nenhuma solução prevista; III) mesmo que não ocorra um empate, quanto menos a diferença de votos entre as alternativas, menor a legitimidade da decisão; IV) a inação do governo pode ser mais apropriada a um grupo específico, não sendo, portanto, uma solução; V) mesmo que haja uma maioria ampla é sempre difícil determinar um método inequívoco que expresse a preferência da maioria. No que diz respeito às objeções éticas, Dahl nos fala que estas se referem às dificuldades de determinar empiricamente que os princípios da soberania absoluta e da igualdade política são mais desejáveis, por exemplo, do que a soberania limitada defendida por Madison. Segundo o autor, não faz sentido tomar esses dois princípios como bens absolutos, preferíveis independentemente dos seus custos, ou em detrimento de outros bens. Uma outra falha da democracia populista é que esta ignora o problema da “intensidade de preferências”; sobre isso, Dahl nos fornece o seguinte exemplo: se uma maioria prefere fracamente a alternativa “A” no lugar da alternativa “B”, esta preferida intensamente por uma minoria, por que é mais justo optar pela primeira? Por fim, as objeções empíricas a essa concepção da democracia populista nos levam a considerar que: I) não há uma demarcação de quais indivíduos devem ter direito de manifestar sua preferência pelo voto, uma vez que não é possível que todos o façam; II) a simples aplicação da regra da maioria legitima o poder ilimitado dos representantes políticos; III) um sistema desse tipo pode resultar na sua autodestruição, sendo necessário um mecanismo de veto de minoria. Foi a partir desses três tipos de objeções que Dahl chegou à conclusão de que a teoria populista permanece em um nível formal e axiomático, carecendo de informações sobre o mundo real. Para ele, a união dos princípios da soberania popular com a igualdade política é compatível com o princípio da maioria, entretanto, esse enunciado não é suficiente. “Pois o que queremos desesperadamente saber (se nos preocupamos

com a igualdade política) é o que podemos fazer para maximizá-la em alguma situação real, dadas as condições existentes”. (DAHL, 1989, p.84). Dessa forma, é através da crítica desses dois eixos teóricos da democracia moderna que se chega ao segundo método proposto para a construção de uma teoria democrática, qual seja, o método descritivo. Com este, é possível analisar as democracias reais na medida em que se considera a existência de um conjunto de organizações sociais com determinadas características em comum. De acordo com o autor, tal método:

Implica considerar como uma única classe de fenômenos todas essas Nações- Estado e organizações sociais que são geralmente classificas como democráticas pelos cientistas políticos e, em analisar os membros dessa classe com o objetivo de descobrir, em primeiro lugar, as características distintivas que tem em comum e, em segundo, as condições necessárias e suficientes às organizações sociais que as possuem. (DAHL, 1989, p.67).

Apesar das diferenças entre o método de maximização e o método descritivo, Dahl ressalta que estes não são mutuamente incompatíveis, pois “se começarmos empregando o primeiro, logo depois tornar-se-á necessário algo parecido com o segundo, também”. (DAHL, 1989, p.67). Com isso, e a partir desses dois métodos, o autor se pergunta: será possível combinar em uma única concepção teórica tanto os aspectos normativos como os empíricos da democracia? É através desse questionamento que surge o terceiro tipo representativo de teoria democrática exposto na obra de 1956, a “Democracia Poliárquica”. Dahl constrói essa alternativa e parte do pressuposto de que as condições da ordem democrática derivam de pré-requisitos sociais. Com esta teoria, o interesse do autor passa a ser compreender “quais são as condições necessárias e suficientes para que existam poliarquias?” (DAHL, 1989, p.76). A principal vantagem da teoria poliárquica é que esta pode ser aplicada à investigação das democracias reais^5. Através do método descritivo, ao invés de simplesmente estabelecer metas a serem maximizadas (às vezes, em detrimento da realidade), esta teoria permite descobrir quais são as características dos regimes democráticos existentes, descrever essas características, e assim tomá-las como condições necessárias e suficientes para a maximização da própria democracia. O método descritivo nos serve como um instrumento para reconhecer um sistema político democrático na medida em que em tal sistema estão afastadas ou contidas características típicas de uma ordem despótica. Com ele, é possível perceber que alguns

(^5) Sobre isto, Carole Pateman nos diz que: Dahl encara as teorias “madisoniana” e “populista” como inadequadas para os dias atuais; e sua teoria da democracia como poliarquia – o governo de múltiplas minorias – é apresentada à guisa de uma substituição mais adequada para aquelas, enquanto uma teoria da democracia moderna e explicativa. (PATEMAN, 1992, p.18).