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Neste documento, apresentamos uma descrição dos principais feixes extrínsecos do cerebelo, incluindo os pedúnculos cerebelares (inferior, médio, superior), as vias cortico-ponto-cerebelares (arnold e türck), as projeções dos núcleos cerebelares profundos e aqueles relacionados aos núcleos vermelho e olivar inferior. O recurso técnico da tomografia por emissão de coimadas por ressonância magnética (mri) com tenor de difusão (tdm) permite estudar detalhadamente os feixes relacionados ao cerebelo, em condições normais e patológicas. Essa pesquisa pode contribuir significativamente para um melhor entendimento das funções cerebelares motores, cognitivas e afetivas, além de obter correlações anatomoclinicas mais detalhadas.
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Tipologia: Notas de aula
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Revista Brasileira de Neurologia » Volume 45 » No^3 » jul - ago - set, 2009 » 17
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(**)
Resumo
O cerebelo representa cerca de um décimo do volume encefálico, possuindo, entretanto, cerca da metade dos seus neurônios e amplas conexões de feixes de fibras nervosas, intrínsecas e extrínsecas. As fibras extrínsecas são componentes essenciais de redes neurais subjacentes às variadas funções cerebrais. Estudos anatômicos clássicos (dissecção de cérebros humanos pós-morte, técnicas de rastreio de fibras pós-lesão cerebral ou de utilização de rastreadores isotópicos ou virais em primatas não humanos) permitiram identificar e obter detalhes sobre essas conexões. Técnicas novas permitiram o mapeamento da substância branca de modo detalhado através de imagem com tensor de difusão (DTI) e suas derivadas, a anisotropia fracionada direcional e a tratografia. É apresentada uma descrição dos principais feixes extrínsecos cerebelares, compreendendo os pedúnculos cerebelares (inferior, médio, superior), os feixes córtico-ponto-cerebelares (Arnold e Türck), as projeções dos núcleos cerebelares profundos e as relacionadas aos núcleos vermelho e olivar inferior, acompanhada por imagens representativas de mapas direcionais e tratogramas. O recurso técnico representado pela DTI permite estudar de modo detalhado in vivo os feixes relacionados ao cerebelo, em condições normais e patológicas, com a possibilidade de contribuir de modo importante para um entendimento melhor das funções cerebelares motoras, cognitivas e afetivas, assim como para obter correlações anátomo-clínicas mais detalhadas. palavras-chave: cerebelo, conexões, tensor de difusão, tratografia
Abstract
The cerebellum represents about a tenth of the encephalic volume, containing about a half of its neurons, and wide connections of intrinsic and extrinsic nervous fiber tracts. The extrinsic fibers are essential components of the neural nets that underlie varied brain functions. Classical anatomic studies (dissection of post-mortem human brains, tracing of fibers techniques post brain lesions or use of isotopic or viral tracers in non-human primates) permitted to identify and to obtain details about these connections. New techniques permitted mapping the white matter in a detailed way with the use of diffusion tensor imaging (DTI) and its derivatives, directional fractional anisotropy and tractography. A description of the main extrinsic cerebellar tracts is presented, including the cerebellar peduncles (inferior, middle, superior), the cortico- ponto-cerebellar tracts (Arnold and Türck), the projections from the deep cerebellar nuclei and those related to red and inferior olivary nuclei, accompanied by representative images of directional maps and tractograms. The technical resource represented by DTI has made possible to perform in vivo detailed studies of the cerebellum-related white matter tracts, in normal and pathological conditions, with the possibility to contribute in an important way for a better understanding of the motor, cognitive and affective cerebellar functions, as well as for obtaining more detailed anatomical-clinical correlations. keywords: cerebellum, connections, diffusion tensor, tractography
()Setor de Neurologia Cognitiva e do Comportamento-INDC/UFRJ; Centro para Doença de Alzheimer-CDA-IPUB/UFRJ (*)Setor de NeuroRadiologia-INDC/UFRJ; Serviço de Radiologia do Hospital PróCardíaco-Rio de Janeiro-RJ
» Rev Bras Neurol, 45 (3): 17-27, 2009
18 »^ Revista Brasileira de Neurologia » Volume 45 » No^3 »jul - ago - set, 2009
Introdução O cerebelo é uma estrutura encefálica que ocupa grande parte da fossa craniana posterior. Credita-se geralmente a Haerophilus (338-280 aC) o reconhecimento do cerebelo humano como uma divisão distinta do cérebro. Estudos de numerosos pesquisadores, como Galeno, Willis, Vesalius, seguidos por muitos outros, aos poucos construiram o conhecimento da sua anatomia, já bastante bem estabelecida no início do século XIX. Os estudos prosseguiram com aspectos histológicos e comparados. O interesse por sua função também surgiu nesse século. Inicialmente foram consideradas funções relacionadas ao controle motor. Atribui-se a Flourens (1823) o conceito de o cerebelo ser funcionalmente ligado à coordenação de movimentos, enquanto Magendie (1824) ofereceu a primeira evidência do seu papel no equilíbrio. Mais tarde Bolk (1906) propos uma localização somatotópica (Barlow, 2002; Chudler, 2009; Glickstein e Voogd, 1995). Mais recentemente, surgiram estudos, sobretudo na área da neuroimagem funcional, sobre a participação do cerebelo em funções não motoras, cognitivas e afetivas (Bueti et al., 2008; Ivry e Keele, 1989; Habas et al., 2009; Krienen et al., 2009; Leiner et al., 1986; Ramnani, 2006a, 2006b; Schmahmann e Pandya, 1997). Assim, o cerebelo, tradicionalmente considerado como estrutura relacionada ao controle do equilíbrio e do movimento, com um papel específico na aquisição de habilidades motoras, mostra-se envolvido em funções não motoras, de controle cognitivo, emocional e motivacional, propostas há mais de tres décadas (Watson, 1973). Estudos neuroanatômicos, em primatas não humanos e em seres humanos, mostraram de modo convincente a presença de conexões cerebelares com áreas associativas do córtex cerebral envolvidas em funções cognitivas superiores. Adicionalmente, pesquisas clínicas e neurofisiológicas sistemáticas realizadas em pacientes com lesões cerebelares e/ou de suas vias e o desenvolvimento de testes neuropsicológicos mais sensíveis, permitiram aos clínicos identificar transtornos cognitivos e afetivos significativos seguidos a lesões cerebelares. A anatomia também mostrou um grande avanço com o desenvolvimento da imagem com tensor de difusão (DTI) e principalmente uma das suas derivadas, a tratografia, possibilitando a dissecção virtual de feixes da substância branca de cérebros humanos in vivo, incluindo os cerebelares (Engelhardt e Moreira, 2008b; Salamon et al., 2007). A esse grupo de conhecimentos vieram se juntar técnicas de neuroimagem funcional que ofereceram evidência de
ativação cerebelar durante variadas tarefas cognitivas e outras através de estudos de conectividade funcional no estado de repouso. Estudos recentes, com o acoplamento dessas duas técnicas, permitiram novos dados estruturais e funcionais sobre atividades neurais complexas (Greicius et al., 2003, 2009). O sistema córtico-ponto-cerebelar, conforme sugerido, é formado por um conjunto de circuitos fechados, vias em paralelo, onde o córtex cerebral projeta para o cerebelo via o pedúnculo cerebral e os núcleos pontinos e o cerebelo, por outro lado, retorna projeções para o córtex cerebral via o tálamo (Middleton e Strick, 2000). Entre os circuitos, dois foram particularmente bem caracterizados em primatas não humanos. O “circuito motor”, formado por projeções do córtex motor primário e pré-motor, com fibras destinadas à porção dorsal do núcleo denteado, constituindo em primatas não humanos a principal projeção ao sistema ponto-cerebelar, com papel importante no controle do movimento (Glickstein, 1992; Brodal e Bjaalie, 1997). O “circuito pré-frontal” é menos proeminente nos primatas não humanos, compreendendo as projeções pré-frontais para o cerebelo (Schmahmann e Pandya, 1995; Kelly e Strick, 2003), destinadas à porção ventral do núcleo denteado (Middleton e Strick, 1994, 1997, 2001) e com presumido papel importante em funções não motoras. Essa via específica parece ser muito maior em cérebros humanos, o que pode ser verificado analisando a extensão das fibras pré-frontais córtico-pontinas no pedúnculo cerebral em primatas não humanos e em seres humanos, conforme verificado pela DTI-TR. Essa técnica tornou possível conduzir pesquisa in vivo das vias cerebelares, permitindo a definição e os trajetos de fibras, da origem ao término, com boa concordância com os métodos anatômicos convencionais (Johansen-Berg et al., 2004, 2005; Ramnani et al., 2006a, 2006b). Recentemente, estudos funcionais vieram a aprofundar esses conhecimentos, demonstrando que o cerebelo está relacionado a áreas diferentes do córtex frontal, constituindo circuitos fronto-cerebelares múltiplos. Essas áreas do córtex pré- frontal têm como alvo o cerebelo através de quatro circuitos, um motor e três não motores (pré-frontal dorsolateral, pré-frontal medial e pré-frontal anterior) (Krienen et al., 2009). Os circuitos não motores têm a participação do neocerebelo (cerebrocerebelo), provavelmente implicados em funções cognitivas superiores, como controle executivo (inclusive memória de trabalho), detecção de saliência de estímulo e memória episódica (Habas et al., 2009).
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Divisões córtico-nucleares e filogenéticas. Considerando a conectividade córtico-nuclear (projeções córtico-nucleares, distribuição de fibras musgosas e trepadoras) são reconhecidas faixas ou zonas longitudinais - mediana, intermediária e lateral. A zona mediana corresponde ao núcleo fastigial, interconectado com o vermis, bilateralmente. A zona intermediária pertence ao conjunto nuclear globoso-emboliforme (interposito) relacionado à região paravermiana correspondente. A zona lateral é constituída pelo núcleo denteado relacionada ao hemisfério cerebelar correspondente. Considerando o ponto de vista filogenético é descrito o arquicerebelo (vestibulocerebelo), o paleocerebelo (espinocerebelo) e o neocerebelo (cerebrocerebelo). Além das características de desenvolvimento e hodológicas na definição dessas zonas, existe também um zoneamento histoquímico (Crosby et al., 1962; Gray, 1918; Ito, 1984, 2006; Martin, 1996; Ramnani et al., 2006a, 2006b; Schmahmann et al., 2004; Voogd, 2004) (Figura 1A).
Aspectos funcionais O cerebelo, através de suas três divisões, encontra- se relacionado a diversas funções de complexidade variada, motora, autônoma, cognitiva, afetiva e comportamental, algumas há muito conhecidas e outras apenas mais recentemente.
O vestibulocerebelo (lobo flóculo-nodular) se relaciona à integração do equilíbrio e controle oculomotor. Recebe aferentes vestibulares das cristas dos canais semicirculares e dos órgãos otolíticos, assim como dos núcleos vestibulares, e envia fibras para os núcleos vestibulares medial e lateral, e possivelmente também para o fastigial (Crosby et al., 1962; Ito, 1984; Martin, 1996; Nieuwenhuys et al., 1980).
O espinocerebelo (zonas mediana [vermis] e intermediária [hemisférica medial]) encontra-se relacionado com o controle de movimentos do tronco e dos membros. Recebe aferentes proprioceptivos, assim como visuais e auditivos. O vermis encontra-se relacionado com o tronco e porções proximais dos membros, enquanto a parte intermediária com as porções distais dos membros. A partir do córtex saem fibras para os núcleos cerebelares (fastigial, interposito e denteado), que por sua vez constituem projeções para o tronco cerebral (NR entre outros) e para o córtex
cerebral via o tálamo (Crosby et al., 1962; Ito, 1984; Martin, 1996; Nieuwenhuys et al., 1980; Voogd, 2004) (Figura 1B).
O cerebrocerebelo (zona [hemisférica] lateral) se relaciona com programação motora, funções cognitivas e afetivas. Recebe aferências de diversas regiões do córtex cerebral através dos núcleos pontinos (via córtico- ponto-cerebelar) e envia fibras para o NR e o tálamo (e daí para o córtex cerebral, áreas motoras, pré-motoras e pré-frontais), a partir dos núcleos cerebelares (denteado) (Crosby et al., 1962; Ito, 1984; Martin, 1996; Nieuwenhuys et al., 1980; Schmahmann e Caplan, 2006; Voogd, 2004). O cerebrocerebelo é um sistema que merece considerações adicionais. A proposta do envolvimento do cerebelo em funções não motoras, de controle cognitivo, emocional e motivacional já é histórica (Watson, 1973). Tal proposta foi reforçada mais tarde com base em aspectos evolutivos dos hemisférios cerebelares, acompanhando a expansão do córtex cerebral associativo, surgindo então a sugestão que estruturas cerebelares filogeneticamente mais novas pudessem participar na integração de funções mentais do modo semelhante ao das mais antigas em relação às motoras, com envio de projeções do núcleo denteado para o córtex frontal via núcleos do tálamo (Leiner et al., 1986). Essa maneira de ver têm recebido ampla fundamentação anatômica experimental, clínica e de neuroimagem (Dum et al., 2002; Dum e Strick, 2003; Ramnani, 2006b). Numerosos relatos também sugeriram uma associação entre patologia cerebelar e transtornos de funções neurais superiores, que não eram facilmente explicáveis por comprometimento do controle motor apenas (Ramnani, 2006a). Circuitos cerebrocerebelares fechados são também encontrados relacionado ao córtex pré-frontal, sustentando a hipótese da participação do cerebelo em funções cognitivas, em analogia às interações do cerebelo com o córtex motor na elaboração de um movimento (Ito, 2006). Assim, a visão tradicional do cerebelo como estrutura ligada ao controle motor apenas não mais tem parecido válida. Áreas associativas subjacentes a funções complexas, cognitivas e comportamentais, encontram-se conectadas de modo recíproco com os hemisférios cerebelares (vias córtico-ponto-cerebelar e cerebelo-tálamo-cortical). Essas vias fundamentam a participação do cerebelo nos circuitos neurais que coordenam também funções cognitivas e afetivas (Schamahmann, 1991; Schmahmann e Caplan, 2006; Schmahmann et al., 2007).
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O tensor de difusão e seus derivados
A imagem com tensor de difusão (DTI) permite visualizar a substância branca através de duas de suas derivadas obtidas por pós-processamento das aquisições brutas – a anisotropia fracionada direcional (DTI-FA) e a tratografia (DTI-TR). Através da DTI-FA são obtidos mapas direcionais codificados em cores e através da DTI-TR pode-se rastrear feixes de modo individual. Ambas permitem identificar os feixes da substância branca, sendo que com a DTI-TR, estes podem ser identificados e seguidos de modo mais preciso, à semelhança do obtido por dissecção real. Esse rastreamento de feixes da substância branca, a tratografia, corresponde a uma “dissecção virtual”, com boa demonstração de coerência com estudos anatômicos conhecidos. Embora esses feixes “virtuais” e as conexões sejam definidos por meio de algoritmos matemáticos, não implicando necessariamente em vias axonais verdadeiras, a técnica tem sido usada, inclusive em cérebros humanos, com bastante sucesso, oferecendo uma importante ferramenta para estudar a hodologia do cérebro in vivo, em condições normais e patológicas (Assaf e Pasternak, 2008; Basser et al., 2000; Catani et al., 2002; Conturo et al., 1999; Engelhardt e Moreira, 2008a, 2008b; Ffytche e Catani, 2005; Jellison et al., 2004; Jones, 2008; Nucifora et al., 2007; Rose et al., 2000). A reconstrução de feixes utilizando o método de rastreamento tem início com a localização de uma “ROI inicial” (ou “ponto- semente”) em determinada região e a partir dessa a obtenção de um “tratograma” produzido pelo aplicativo. A “dissecção virtual” é realizada na dependência das características do feixe de interesse. Feixes com limites claramente delineados nos mapas de DTI-FA podem ser rastreados com abordagem de “ROI único”, enquanto situações menos simples podem ser contornadas com uma abordagem de “ROIs múltiplos” (Conturo et al., 1999). O posicionamento adequado de “pontos-semente” é feito com auxílio de conhecimentos neuroanatômicos clássicos dos trajetos dos feixes (Crosby et al., 1962; Dejerine, 1901; Ludwig e Klingler, 1956; Nieuwenhuys et al., 1980), como utilizado nos estudos iniciais (Catani et al., 2002; Wakana et al., 2004) e os que se seguiram. A DTI-TR não rastreia fibras do mesmo modo que os traçadores marcados (isotópicos, virais). A tratografia mostra a via de menor resistência à difusão das moléculas de água. Assim, um tratograma pode corresponder a vias de fibras reais ou não, conforme o contexto. Além disso, o método tem um desempenho inferior em
regiões de cruzamento de complexidade variável de fibras, ou em relação a vias curtas e tortuosas (Basser et al., 2000; Catani et al., 2002; Conturo et al., 1999; Ffytche e Catani, 2005; Jellison et al., 2004; Nucifora et al., 2007; Rose et al., 2000). A técnica não permite diferenciar conexões anterógradas e retrógradas, assim como muitas vezes de detectar a presença de sinapses (fibras que atravessam núcleos), ou mesmo de determinar se uma via é funcional (real) (Habas e Cabanis, 2007; Johansen-Berg e Rushworth, 2009). Esses aspectos correspondem a limitações da técnica, o que significa que resultados falso-positivos e falso-negativos poderão ocorrer e a presença ou ausência de uma determinadas via na tratografia deve ser sempre interpretada com cuidado, levando em conta a coerência anatômica do tratograma obtido. Entretanto, pode se tomar partido de algumas dessas característica no que diz respeito à escolha da localização de uma determinada ROI. A maior parte dos estudos focou principalmente os grandes feixes da substância branca cerebral e alguns desses incluíram também dados sobre as vias cerebelares e suas conexões com o tronco cerebral (Catani et al., 2002; Catani e de Schotten, 2008; Hagmann et al. 2003; Wakana et al., 2004). Especificamente e de modo mais detalhado, foram descritas os pedúnculos cerebelares, inferior, médio e superior com seus trajetos no tronco cerebral (Salamon et al., 2007), as projeções cerebelares para os córtices pré-frontal e parietal posterior (Jissendi et al.,
O cerebelo e suas principais conexões: estudo com tensor de difusão.
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Os principais feixes de substância branca do cerebelo
Grande parte das informações existentes sobre a conectividade do cerebelo provêm das descrições clássicas, obtidas de escassos estudos em cérebros humanos pós-morte (Beck, 1950; Dejerine, 1901; Nieuwenhuys et al., 1980; Gebbink, 1967 [citado por Voogd, 2004]; Marin, 1962; Martin, 1996; Probst, 1901 [citado por Voogd, 2004]). Estudos em primatas não humanos, utilizando técnicas de laboratório (lesões com estudo de degeneração de fibras, injeção de traçadores isotópicos ou virais e seu rastreamento) (Amino et al., 2001; Brodal, 1978, 1979; Burman et al., 2000; Clower et al., 2001; Dum , e Strick, 2003; Glickstein et al., 1980, 1985, 1994; Hopkins e Lawrence, 1975; Kalil, 1981; Kelly e Strick, 2003; Kuypers e Lawrence, 1967; Middleton e Strick,
1994, 2001; Miller e Strominger, 1977; Schmahmann e Pandya, 1989, 1991, 1995, 1997; Stanton , 1980; Voogd, 2004) permitiram detalhar com maior precisão essas conexões e aprofundar tais conhecimentos, embora com o viés de prováveis diferenças entre as espécies. As vias aferentes e eferentes do cerebelo, estabelecendo suas conexões com as outras estruturas encefálicas, passam pelos pedúnculos cerebelares - com o bulbo (pedúnculo inferior), a ponte (pedúnculo médio) e o cérebro (pedúnculo superior) (Figura 1B). O pedúnculo cerebelar inferior ( corpus restiforme e justarestiforme ) é formado por fibras aferentes e eferentes ao cerebelo (cerca de meio milhão de fibras) relacionadas principalmente com vias proprioceptivas, provenientes
Figura 3 [A+B]. DTI-FA direcional. (A) cortes axiais e (B) cortes sagitais. O quadro inferior à esquerda mostra os tres pedúnculos em um corte coronal. (a) pcsup=pedúnculo cerebelar superior, (b) pcmed = pedúnculo cerebelar médio, (c) pcinf=pedúnculo cerebelar inferior
O cerebelo e suas principais conexões: estudo com tensor de difusão.
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dos feixes espinocerebelar posterior e cuneocerebelar (com terminação em grande parte homolateral), projeções olivo-cerebelares (predominantemente cruzadas) e recíprocas, projeções vestíbulo-cerebelares e recíprocas (incluindo fibras relacionados com o núcleo fastigial), retículo-cerebelares e recíprocas, entre outras (Crosby et al., 1962; Martin, 1996; Nieuwenhuys et al., 1980; Tomasch, 1969) (Figuras 2A, 3A e 3B, 4).
O pedúnculo cerebelar médio ( brachium pontis ) é o maior dos três pedúnculos, especialmente desenvolvido em seres humanos. É composto inteiramente por numerosas fibras aferentes (cerca de 20 milhões) originadas dos núcleos pontinos (dorsolateral, lateral, medial, paramediano, peduncular e ventral) que constituem as projeções ponto-cerebelares,
em grande parte cruzadas. Os núcleos pontinos recebem fibras do córtex cerebral (córtico-pontinas princi- palmente, além de colaterais de fibras córtico-nucleares- espinhais [centro-pontinas]) homolaterais e seus axônios projetam para o vermis (bilateralmente) e para o hemisfério cerebelar contralateral, aparentemente não havendo projeções para o lobo flóculo-nodular. Parece que existe uma padrão específico na distribuição das fibras ponto-cerebelares. As fibras do segmento córtico- ponto-cerebelar são provenientes de diversas áreas do córtex cerebral (frontais, parietais, occipitais e temporais) e convergem no pé (base) do pedúnculo cerebral homolateral. Assim, essa região do mesencéfalo representa um alvo de estudo especialmente importante. As fibras córtico-(pé do pedúnculo)-pontinas ocupam aí localizações topográficas definidas no ser humano,
Figura 4. Tratogramas dos pedúnculos cerebelares (vista lateral). (a) pcsup=pedúnculo cerebelar superior, (b) pcmed = pedúnculo cerebelar médio, (c) pcsup=pedúnculo cerebelar inferior e (d) sobreposição dos tres pedúnculos (setas)
Figura 5. Tratogramas das vias córtico-ponto- cerebelares (vista lateral)(a, b, c) e (d) sobreposição dos tres tratos. O quadro inferior à esquerda mostra corte axial (DTI-FA) com a localização do pedúnculo cerebral (seta).
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colaterais de fibras pré-cerebelares e do córtex cerebelar e enviam projeções para estruturas diversas do encéfalo. O núcleo fastigial projeta para o tronco cerebral (núcleos vestibulares e formação reticular). O núcleo interposito (globoso e emboliforme) projeta para o núcleo vermelho (rubro - NR) e outros núcleos do tronco cerebral, assim como para núcleos talâmicos. O núcleo denteado projeta para o NR e outros núcleos do tronco cerebral, e ainda para núcleos talâmicos. Adicionalmente, os núcleos especialmente importantes nas vias cerebelares, o núcleo vermelho (NR), os núcleos pontinos e o complexo olivar inferior (oliva inferior - OI), devem ser destacados. O NR recebe fibras através do pedúnculo cerebelar superior e
apresenta projeções descendentes, rubro-olivares e rubro-espinhais. Os núcleos pontinos recebem extenso contingente de fibras córtico-pontinas e projetam para o cerebelo (segmento ponto-cerebelar), constituindo o pedúnculo cerebelar médio. O complexo olivar inferior recebe fibras do NR e projeta para o cerebelo através do pedúnculo cerebelar inferior (Crosby et al., 1962; Gray, 1918; Nieuwenhuys et al., 1980; Ito, 1984, 2006; Martin, 1996; Voogd, 2003, 2004) (Figura 6B).
Comentários Foi possível, no presente estudo, evidenciar e identificar por meio da DTI-FA e DTI-TR (tratografia, dissecção virtual), as principais conexões do cerebelo –
Figura 6 [A+B]. Tratogramas das projeções nucleares (vista lateral). A posição dos núcleos é indicada pelas setas menores e as projeções pelas seta maiores. (A) projeções dos núcleos cerebelares profundos: (a+b+c)=núcleos individuali-zados e (d)=projeções sobrepostas dos tres grupos nucleares. (B) (a) projeções do complexo olivar inferior e (b1+b2) do núcleo vermelho.
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os pedúnculos cerebelares inferior, médio e superior, as vias córtico-ponto-cerebelares, que passam pelo pé do pedúnculo cerebral (feixes de Arnold e de Türck, e também o córtico-[nuclear]-espinhal [piramidal]). Foram ainda identificadas as fibras relacionadas com os três núcleos do cerebelo, com o núcleo vermelho e o complexo da oliva inferior. Os presentes achados são comparáveis, em grande parte, com os da bibliografia internacional (Habas e Cabanis, 2007; Jissendi et al., 2008; Ramnani et al., 2006b; Salamon et al., 2005, 2007). Os presentes achados foram recentemente reafirmados por uma outra técnica de estudo in vivo, a imagem com espectro de difusão (DSI) (Granziera et al., 2009). Essas variadas conexões pertencem às divisões funcionais do cerebelo, motoras e não motoras. As motoras já são amplamente conhecidas. Já a divisão não motora, o sistema cerebrocerebelar, vem sendo focado de modo intensivo ultimamente, inclusive no presente trabalho. O sistema cerebrocerebelar compreende a via córtico-ponto-cerebelar, um dos maiores sistemas de projeção no cérebro dos primatas, principalmente nos humanos. Informações do córtex cerebral são levadas ao cerebelo através de fibras topograficamente dispostas no pé dos pedúnculos cerebrais, importante sistema de fibras onde as projeções corticais convergem espacialmente no seu trajeto para o cerebelo via os núcleos pontinos. Pouco é conhecido sobre sua organização anatômica no cérebro humano. Entretanto, as técnicas de neuroimagem com DTI-TR in vivo vieram oferecer um meio que permite visualizar os tratos que passam pelos pedúnculos cerebrais de modo detalhado. Esse método foi utilizado para comparar sua organização em primatas não humanos e humanos. Foi confirmando a contribuição importante das áreas corticais motoras no pedúnculo cerebral. Adicionalmente foi mostrada uma contribuição pré-frontal relativamente grande para o sistema córtico-ponto-cerebelar humano no pedúnculo cerebral, assim como de projeções córtico- pontinas a partir de áreas posteriores (Ramnani et al., 2006b). Esses aspectos foram também demonstrados no presente trabalho com uma estratégia de estudo modificada. Os diversos estudos comentados e o presente trabalho contêm contribuições para melhor compreender as vias cerebelares e, principalmente, o sistema cerebrocerebelar. Tal conhecimento permite uma melhor compreensão das funções tradicionais,
motoras, assim como as que mais recentemente vem merecendo atenção crescente, as não motoras, isto é, cognitivas e afetivas, em condições nor mais e patológicas (Baillieux et al., 2008; Ciccarelli et al., 2008; Johansen-Berg e Behrens, 2006; Schmahmann e Caplan, 2006; Schmahmann et al., 2008).
Referências
O cerebelo e suas principais conexões: estudo com tensor de difusão.
Revista Brasileira de Neurologia » Volume 45 » No^3 » jul - ago - set, 2009 » 29
O cerebelo e suas principais conexões: estudo com tensor de difusão.