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Este documento discute a importância do período kamakura (1185-1333) no processo de renovação e formação de um budismo com características genuinamente japonesas. O autor argumenta que a modernização do budismo japonês resultou da combinação de três fatores: o impacto da civilização ocidental, críticas internas e externas, e novas perspectivas abertas com o fim da segunda guerra. O texto aborda a história, características e inovações do budismo japonês, sua influência na cultura japonesa, e sua difusão além-mar.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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sua história, modernização e transnacionalização Ronan Alves Pereira – professor da Universidade de Brasília e pesquisador-visitante da Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia
RESUMO: O Budismo nipônico desenvolveu características particulares, por um lado, devido a fatores históricos e sócio-culturais, por outro, a combinações religiosas bastante específicas, especialmente sua relação de interdependência com o Xintoísmo e as crenças populares. Este artigo apresenta uma breve história do Budismo no Japão como base para se entender suas características fundamentais, sua modernização e sua transnacionalização no último século. O Período histórico Kamakura (1185-1333) recebe atenção especial por sua importância no processo de renovação e formação de um Budismo com feições genuinamente japonesas, bem como por servir de fonte de inspiração para novos movimentos religiosos. No entanto, o autor sustenta que a modernização do Budismo japonês resultou da combinação de três fatores mais recentes: o impacto da civilização ocidental e o contexto político-religioso do Período Meiji (1868-
ABSTRACT: Japanese Buddhism has developed particular features due to historic and socio-cultural factors as well as to specific religious combinations, particularly its interdependent relationship with Shinto and the folk religions. This article presents a brief history of Japan’s Buddhism as a basis to understand its main characteristics, its modernization and transnationalization in the last century. The historic Period of Kamakura (1185-1333) is highlighted here because of its importance in the process of
renewal and formation of a Buddhism with a genuinely Japanese flavor, and for serving as a source for new religious movements. However, the author maintains that the modernization of Japanese Buddhism resulted from a combination of three more recent factors such as the impact of Western civilization and the political-religious context of the Meiji era (1868-1912) up to WW II; internal and external criticism to Buddhism; and the new perspectives that opened to this tradition after the WW II. With a history of almost fourteen centuries, Japan’s Buddhism has surpassed the borders of Japan and its diaspora. Nowadays, this Buddhism (particularly its version of Zen and some new movements which sprang from the Nichiren tradition) is certainly one of the most active and propagated forms of Buddhism in the West. In the last part of this article, there are some explanations for the global expansion of Japan’s Buddhism. KEYWORDS : Buddhism, Japan, modernization, religious transnacionalization
1 - Budismo no Japão
O Budismo originou-se na Índia no século V a.C. a partir dos ensinamentos do Buda histórico, Siddharta Gautama. Nos séculos seguintes, a doutrina e a prática budista propagaram-se por outros países através de duas correntes principais – Mahayana e Theravada–, que se distinguiam pela ênfase em diferentes escrituras e práticas. A corrente Mahayana (―O Grande Veículo ou Ensinamento‖) se espalhou na direção norte, por países como Tibete, China, Vietnã, Coréia e Japão. A corrente Theravada (―Escola dos Anciãos ou Monges‖; também conhecida como ―Hinayana‖ ou ―O Pequeno Veículo ou Ensinamento‖), pelo Sri-Lanka (ex-Ceilão), Mianmar (ex-Birmânia), Tailândia e outros países da Ásia do Sul. O Budismo no Japão é basicamente Mahayana, com raras exceções. Ao longo de sua história milenar, porém, esse Budismo nunca conformou uma expressão religiosa monolítica. Ainda hoje, encontram-se diversas ―escolas‖ ou ―ramos‖ budistas, com centenas de subdivisões. Como notara um dos estudiosos pioneiros da história das religiões japonesas, Masaharu Anesaki, a prática budista no Japão vai de tranqüilas meditações Zen a batidas
Durante os quinze séculos desde sua introdução no arquipélago japonês, o Budismo contribuiu enormemente para a cultura japonesa assim como também sofreu profundas transformações no seu processo de aclimatação à sociedade japonesa (Tamaru 1987: 64-67). De fato, ele serviu, por vários séculos, como canal de transmissão de elementos culturais chineses para o Japão. A escrita chinesa, por exemplo, foi introduzida concomitantemente com o Budismo. Os templos foram, até a época moderna, centros religiosos, artísticos e educacionais. Até o governo Meiji (1868-1912) instituir um sistema público de ensino, a maioria das escolas primárias estava associada aos templos budistas ( terakoya ). Agências e agentes do Budismo disseminaram no país técnicas de impressão e artísticas (pintura, cerâmica, escultura, jardinagem, etc.), estilos arquitetônicos, uso de almanaques, rudimentos de medicina chinesa, costume de beber chá… e a lista poderia se estender ainda mais. Devido ao sistema paroquial budista ( danka seidô ) instituído no período Tokugawa (1600-1868), praticamente todo vilarejo possuía pelo menos um templo budista e cada família estava compulsoriamente afiliada a um templo, ao longo de várias gerações. Tal sistema é um dos principais responsáveis pelo fato dos japoneses serem majoritariamente budistas ―por tradição‖. Relaciono sinteticamente no quadro abaixo as principais escolas budistas, de acordo com o período histórico em que foram introduzidas ou fundadas no Japão, com notas sobre as características de cada período.
Quadro 1: SINOPSE HISTÓRICA DO BUDISMO JAPONÊS
Período histórico
Seitas budistas estabelecidas
Características religiosas do período
Nara (710-794)
Jôjitsu, Kusha, Ritsu, Sanron, Hossô, Kegon
Grande aceitação do Budismo na corte (sobretudo por alegado poder mágico e protetor) e patrocínio estatal. Príncipe-regente Shôtoku (574-622), venerado como ‗patrono‘ do Budismo japonês. As seis escolas representam as principais correntes budistas da época. Sistema de templos provinciais, tendo o Tôdai-ji (em Nara) como templo-matriz. Heian (794-1185)
Shingon, Tendai
Corrupção e interferência política dos monges como uma das razões para mudança da capital para Heian (Quioto). Esoterismo/ritualismo da Shingon e autoridade eclesiástica da Tendai usados para proteger o Estado. O Budismo se aproxima da cultura japonesa (sincretismo) e se propaga
paulatinamente no interior do país. Kamakura (1185-1333); Muromachi (1333-1568); Momoyama (1568-1600)
Jôdo-shû, Rinzai Zen, Sôtô Zen, (Jôdo) Shinshû, Nichiren
Surgem novas seitas como reação ao crescente elitismo, ritualismo e envolvimento político da Shingon e da Tendai. O Budismo simplifica a salvação e começa a se popularizar: as seitas Jôdo , com idéia de salvação via fé no Buda Amida; a Zen , via meditação; e a Nichiren , via fé no Sutra de Lótus. O clima de crise populariza a idéia de fim do ensino budista ( mappô ). Shinran inicia o costume de liberdade de casamento para os monges. Criação do Budismo tipicamente japonês de Nichiren. Monastérios com grupos de defesa próprios. Tokugawa (1600-1868)
Ôbaku Zen O Budismo se torna religião oficial do xogunato, sob controle absoluto da família Tokugawa, adepta da Jôdo-shû. Instituição de sistema paroquial ( danka-seidô ) para controle da população: cada família era obrigada a receber certificado de filiação ao templo do lugarejo, independentemente da seita. Popularização das peregrinações e da prática devocional Nembutsu. No final do período, surgem as primeiras ―novas religiões‖ ( shinshûkyô ). Meiji (1868-1912); Taishô (1912-1926); Shôwa (1926-1989; pré-II Guerra)
Reiyûkai, Risshô Kôsei-kai, Sôka Gakkai.
Governo Meiji favorece o Xintoísmo e, temporariamente, o Budismo é perseguido. Aliança de certos ramos do Budismo Nichiren com o nacionalismo. Proliferação de novas religiões. Apoio de quase todos os ramos budistas ao militarismo japonês.
Shôwa (1926-1989; pós-II Guerra); Heisei (1989-presente)
Shinnyô-en, Agonshû, Aum-Shinrikyô * (*atualmente, Aleph )
A liberdade religiosa do pós-guerra faz explodir o número de novas religiões, ao mesmo tempo em que crescem o secularismo e a desconfiança relativa às religiões. A Sôka Gakkai cria o Partido Kômeitô (1964). Recorrentes visitas de políticos do alto escalão ao santuário Yasukuni Jinja atraem protestos veementes de países asiáticos vizinhos. O incidente da Aum-Shinrikyô com gás sarin (Tóquio,
que vivem reclusos em lugares sagrados ( hijiri ). Esses líderes traziam uma nova perspectiva para a prática budista de sua época e/ou meios soteriológicos eficazes.
A história da expansão do Budismo no Japão pode ser vista como um processo crescente de niponização e de popularização de idéias religiosas e filosóficas importadas. De fato, uma das preocupações centrais de grandes líderes religiosos budistas, ao longo dos séculos, era a de tornar a salvação acessível a todos (e não somente à elite política e econômica) e adaptar a metafísica budista à mentalidade japonesa. Essa popularização do ensino e democratização dos meios de salvação ficaram bastante evidentes na passagem do Período Heian (794-1185) para o Kamakura (1185-1333):
Se a contribuição do período Heian foi um autêntico Budismo japonês [com a introdução e desenvolvimento das seitas Shingon e Tendai ], a contribuição de Kamakura foi então um Budismo para o povo japonês. Os desenvolvimentos de Kamakura marcaram a primeira vez na história japonesa em que o Budismo capturou a atenção de um amplo contingente do povo comum, e são estas mesmas seitas que hoje afirmam ter a maioria dos templos e adeptos budistas. Nos tempos de Kamakura, o Budismo enfatizava menos a noção formal da iluminação ou salvação ( nirvana ) que metas religiosas mais simples, como o renascimento na terra pura de Amida (Earhart 1982: 92).
O Período de Kamakura produziu os mais importantes movimentos reformistas budistas, tais como as escolas Zen , Terra Pura ( Jôdo-shû e Jôdo Shinshû ) e Nichiren. Cada uma dessas novas seitas ou subseitas apregoavam sua excelência e superioridade em relação às outras nos Últimos Dias da Lei ( Mappô )^2. As seitas tradicionais reagiam de duas formas diferentes diante da crítica e da grande expansão dos novos movimentos: por um lado, contando ainda com o apoio da elite governante, instigavam a perseguição aos novos movimentos; por outro, tentavam implementar reformas em suas próprias instituições, em certos casos no que tange a doutrina, em outros, no que diz respeito a obras sociais. As novas seitas não significaram apenas um movimento histórico, mas chegaram a conformar sociologicamente uma categoria separada. i) Através de um ensino e uma prática simplificados, elas tiveram um grande apelo popular. ii) Constituíram e ainda constituem fonte de muitas novas religiões que surgiram posteriormente e que mantiveram a tendência de popularização. iii) As seitas de Kamakura e os movimentos derivados delas são atualmente os maiores do Japão. iv) No geral, estimularam a participação leiga ou deram origem a movimentos de leigos. Um dos tópicos notáveis do debate doutrinal do Budismo Kamakura era se o adepto deveria e poderia obter a salvação (iluminação) através do próprio esforço, seguindo o modelo dos bodhisattvas ( jiriki ), ou através da intercessão de uma força externa benevolente ( tariki ). Enquanto o monge Nichiren sustentou a opção jiriki (confiando unilateralmente no objeto sagrado por ele inscrito), Hônen ensinou a impossibilidade humana de obter a iluminação pelo esforço individual de cada pessoa e a conseqüente inevitabilidade de se confiar no poder absoluto e na compaixão misericordiosa do Buda Amida. Por outro lado, enquanto o movimento de Hônen (Terra Pura) pregou a fé exclusiva no Buda Amida e a ênfase na prática da recitação sagrada nembutsu ( Namu Amida Butsu ), Nichiren prescreveu, de modo similar, a fé absoluta no Sutra de Lótus e a prática da recitação do daimoku ( Namu Myôhô Rengekyô ). A grande
(^2) Mappô significa literalmente ―Fim da Lei‖. De acordo com a tradição budista, Shakyamuni teria predito que, após sua morte, a influência de seu ensinamento e a sorte do próprio Budismo, seguiriam uma trajetória decadente, dividida em três períodos ( shôbô, zôhô e mappô ). Em alguns períodos de crise na história japonesa, certos praticantes budistas acreditaram estar vivendo nos ―Últimos Dias da Lei Budista‖.
sacerdote, provavelmente não entenderia o significado, pois estava em chinês clássico e era recitado com uma pronúncia chinesa ajaponesada (Kubo 1992: 15).
A apropriação e controle estatal do Xintoísmo e do Budismo, e a associação destas religiões com a elite político-econômica, mantendo o status quo e os interesses recíprocos, conduziram à inevitável estagnação dessa ―religiões estabelecidas‖ ( kisei shûkyô ). Apesar disso, surgiram alguns canais específicos de manutenção do dinamismo da religiosidade popular. Sobretudo na era Tokugawa, quando o governo ―engessou‖ o Budismo como religião estatal ( kokkyô taisei ),^3 a vitalidade e energia da religiosidade popular se manifestava por meio de expressões religiosas tão diversas quanto os cultos a montanhas ( sangaku shûkyô ), as associações de leigos ( zaike-kô ) das escolas budistas Jodô Shinshû e Nichiren^4 , ou o movimento eclético de educação moral Shingaku , que combinava Confucionismo, Xintoísmo e Budismo. O professor da Universidade de Tóquio, Susumu Shimazono (1990: 9) sustenta que esta diversificada religiosidade popular veio a contribuir posteriormente como fonte basilar para as novas religiões ( shin- shûkyô ) e certas expressões de pensamento social.
3. A modernização do Budismo japonês
(^3) O xogunato Tokugawa manipulou abusivamente o Budismo às vezes por meio da força, às vezes com a
conivência de lideranças religiosas no intuito de controlar as poderosas e ameaçadoras organizações budistas (algumas chegaram a manter exércitos próprios e detinham extensas porções territoriais), implementar a proibição legal do Cristianismo e ter a população sob domínio rigoroso. Essa estratégia significou a criação de um sistema paroquial budista ( danka seidô ), a inibição de se construir novos templos, a manutenção de certos privilégios de alguns poucos centros budistas, a proibição do estabelecimento de novas religiões, entre outras coisas. (^4) Algumas dessas associações do Budismo Nichiren se modernizaram e se desenvolveram na forma de novos movimentos religiosos. Três grandes exemplos ilustrativos de novos grupos surgidos no Budismo Nichiren são: Honmon Butsuryûshû, Reiyûkai e Sôka Gakkai. As duas primeiras seitas deram origem a vários movimentos, compondo verdadeiros sub-grupos dentro do Budismo Nichiren. A Reiyûkai deu origem a aproximadamente trinta grupos religiosos diferentes, que, juntos, possuem alguns milhões de adeptos.
A modernização do Budismo japonês no último século deve ser entendida no contexto do quadro descrito acima de popularização do Budismo e democratização de suas práticas. Mas, ela é sobretudo fruto da combinação de três fatores: 1) a implementação de um projeto modernizante no Japão e o conseqüente impacto da cultura ocidental no país; 2) as críticas internas e externas ao Budismo (sobretudo da mídia e dos líderes das novas religiões); e 3) o contexto do pós-II Guerra (simultaneamente, de descrença com relação às religiões estabelecidas e de profusão de novos movimentos religiosos). A Restauração Meiji (1868) pôs fim ao auto-recluso regime feudal e deslanchou um projeto ambicioso de modernização do país. Nesse período, o Budismo era uma religião em crise (cf. Saunders 1980: 255-60). Primeiramente, porque havia perdido sua vitalidade e apelo ao se tornar uma religião estatal durante o período Tokugawa (1600- 1868). Em segundo lugar, porque o novo governo (Meiji) buscou implementar a meta quase impossível de expurgar as influências budista e confucionista do universo xintoísta, para que o Xintoísmo fosse declarado, em 1870, a religião nacional, sob a denominação Daikyô ou ―A Grande Doutrina‖ (também conhecido como Kokka Shintô , ―Xintoísmo Estatal‖). A atitude do governo incitou uma onda de violência contra as organizações budistas, em que imagens e emblemas budistas foram destruídos, alguns templos foram transformados em santuários xintoístas, etc. A reação anti-budista culminou no movimento chamado haibutsu kishaku (―exterminar os budas e abandonar as escrituras‖). Em terceiro lugar, porque, ademais da predominância política do Xintoísmo, o Budismo ainda era confrontado pelo crescente interesse japonês em todos os aspectos da cultura ocidental, incluindo o Cristianismo (este havia sido reintroduzido no país, depois de dois séculos de proibição). Para aprofundar ainda mais a crise budista, a partir de meados do século XIX, houve uma onda de novos movimentos de renovação budista, que sacudiu e questionou as estruturas das instituições tradicionais. Diante de um contexto que se poderia descrever como abusivo e alienante (no sentido de visar a vida pós-morte e criar laços de dependência e exploração econômica), certos monges e líderes religiosos buscavam simplificar os rituais, enfatizar o confronto com a realidade e os problemas decorrentes
doutrina e a prática budistas com idéias modernas relativas à ciência, aos direitos humanos e à sexualidade. Outros atacavam o Cristianismo como uma doutrina incompatível com a tradição religiosa e cultural do país, embora tomassem o Protestantismo como modelo para atuação social e educacional. Diversos reformistas adotaram técnicas da hermenêutica ocidental para a interpretação, tradução e compreensão de textos budistas antigos. Esse movimento renovador de tendências diversas ficou conhecido como ―Novo Budismo‖ ( shin bukkyô ). Entre os mais ativos e pioneiros ramos na modernização budista estão os grupos ―Leste‖ e ―Oeste‖ da Verdadeira Escola da Terra Pura ( Nishi e Higashi Honganji ).^6
A seita Shin [Verdadeira Escola da Terra Pura] foi tão longe a ponto de declarar que suas doutrinas não eram inconsistentes com as do Cristianismo, embora superiores a estas. O Buda Amida era explicado como sendo monoteístico por natureza, uma vez que seu papel não se distinguia do de Jesus no Cristianismo. Além do mais, numa era de crescente interesse tecnológico, afirmava-se que o Budismo estava mais próximo que o Cristianismo do espírito da ciência, porque não reivindicava para suas divindades o poder de mudar as intricadas relações de causa e efeito que constituíam a natureza; assim como a ciência, o Budismo reconhecia a ampla interdependência de todas as coisas (Saunders 1980: 258).
O processo de implantação de um projeto modernizante no Japão implicou, entre outras coisas, na criação de universidades nos moldes ocidentais. Assim, professores estrangeiros eram convidados para criar e ensinar novas disciplinas acadêmicas nas recém-criadas universidades japonesas, ao passo que estudantes japoneses eram enviados para se especializarem nas principais potências ocidentais. Essa estratégia ocasionou um duplo impacto sobre o Budismo. Por um lado, várias seitas budistas acabaram fundando suas próprias escolas e universidades. Por outro lado, diversos estudantes do Budismo clérigos e leigos sofreram influência de pensadores, filósofos e acadêmicos ocidentais, como Hegel, Schopenhauer, F. Max
(^6) Na Higashi Honganji, destaca-se o trabalho do monge, estudioso, educador e reformista Kiyozawa Manshi (1863-1903), que procurou revitalizar o Budismo como prática de fé e de ―iluminação‖ pessoais, bem como uma espécie de ―fraternidade‖ baseada em pequenos grupos de seguidores (cf. Bloom, s.d.; Earhart 1982: 162-63).
Müller, T. W. e Caroline Rhys Davids, Hermann Oldenberg, Sir Charles Eliot, Louis de La Vallée Poussin e outros. Em 1873, a Nishi Honganji enviou Mokurai Shimaji e outros estudantes para estudarem religiões ocidentais e visitarem o Oriente Médio e a Índia. Em 1876, a Higashi Honganji enviou Bunyû Nanjô e Kasahara Kenju a Oxford para estudarem sânscrito com A. A. Macdonnell e F. Max Müller (considerado o fundador da ―ciência da religião‖ na Europa). Em 1881, a Nishi Honganji despachou Dôryû Kitabatake para a França e, no ano seguinte, foi a vez de Ryôon Fujishima, que publicou posteriormente o livro ―O Budismo Japonês‖ (no idioma francês). O resultado desse contato com o estudo europeu do Budismo não foi apenas em termos de perspectivas metodológicas, como também levou diversos líderes budistas japoneses a se interessarem mais pelas tradições da Índia, Sul e Sudeste-asiático, e Tibete (Kitagawa 1987: 303-4). 7 O quadro abaixo mostra algumas universidades budistas fundadas no final do século 19 e começo do século 20.
Quadro 2: ALGUMAS UNIVERSIDADES ASSOCIADAS A GRUPOS BUDISTAS NO JAPÃO Ano de fundação
Organização religiosa
Instituição acadêmica Localização
1872 Nichirenshû Escola de religião, posteriormente Universidade Risshô.
Tóquio 1875 Sôtô Zen Sôtôshû Daigakurin , inicialmente uma escola vocacional/ profissional. A partir de 1925, Universidade Komazawa.
Tóquio
1876 Sôtô Zen Escola vocacional/ profissional (filial), a nível primário. Atualmente, Universidade Aichi Gakuin.
Nagoya
1886 Jôdoshû Instituto para o Estudo Budista, posteriormente Universidade Bukkyô.
Quioto
(^7) Leigos também partiram para a Europa com propósitos acadêmicos. Em 1900, Masaharu Anesaki (1873-
trabalhos sociais; etc. (Dumoulin 1976: 223-39). Não menos importante para a renovação atual do Budismo japonês é a pressão exercida pela crítica externa, seja na mídia seja na academia. Depois da II Guerra Mundial também tornaram-se relativamente comuns as autocríticas no interior das escolas budistas. Um desses movimentos atuais de reforma e autocrítica, de grande relevância, é o chamado ―Budismo Crítico‖ ou Hihan Bukkyô , iniciado na década de 1980, na seita Sôtô do Budismo Zen. O Budismo Crítico se posiciona, por exemplo, contra a discriminação social ( sabetsu mondai ) no Budismo e na sociedade japonesa como um todo, o envolvimento budista com a causa imperialista e nacionalista no entre-guerras, a associação com teorias nativistas ( Nihonjinron ), etc. (veja, por exemplo, Heine 2001).
4. Budismo japonês no Ocidente
A história milenar do Budismo japonês não ficou circunscrita às fronteiras nipônicas. Hoje em dia, esse Budismo é um dos mais atuantes e atrativos para milhares de pessoas dos quatro cantos do planeta. Neste tópico, apresento algumas razões para a expansão além-mar dessa tradição budista. Na primeira fase da expansão, que vai da Era Meiji (1868-1912) à Segunda Guerra Mundial, alguns fatores foram bastante significativos, como: a imigração japonesa (sobretudo no Havaí e nas Américas) e a formação do Império Japonês; a atuação de certos budistas favoráveis à modernização do Budismo e a sua difusão no Ocidente; e a participação de monges budistas no Parlamento Mundial das Religiões de 1893, em Chicago. No pós-guerra, reforçando a ação de proselitistas budistas da estatura de D.T. Suzuki, fatores mais diretamente ligados à globalização e à situação dos países receptores foram responsáveis pela difusão do Budismo japonês em culturas estrangeiras. Entre esses fatores, saliento o avanço da globalização, os movimentos da ―geração beat ‖ e da Contra-cultura, e a crescente democratização religiosa em vários países.
Inicialmente, a imigração japonesa foi um dos maiores fatores causais da prática do Budismo japonês em terras estrangeiras^8. No ano da Restauração Meiji, 1868, trabalhadores japoneses dirigiram-se para os canaviais havaianos e os arrozais da Ilha de Guam com contratos temporários. Nas décadas seguintes, outros trabalhadores seguiram para lugares tão distintos quanto Austrália, Filipinas, Estados Unidos, Canadá e América Latina. É de se esperar que, inicialmente, a prática budista desses trabalhadores tenha sido bastante esporádica e informal. Entretanto, em 1889, o monge Sôryû Kagahi, da seita Nishi Honganji , chegou no Havaí e lá estabeleceu o primeiro templo budista. Esta iniciativa foi seguida pela seita da Terra Pura ou Jôdoshû (1893), Nichiren-shû (1901), Sôtô-Zen (1904) e Shingon-shû (1914). Esse padrão de difusão religiosa através do (e para o) imigrante japonês repetiu-se em diversos países. Por exemplo, um monge da Sôtô-Zen (Taian Ueno) e dois da Jôdoshû (Kakunen Matsumoto e Senryu Kinoshita) provavelmente se tornaram os primeiros missionários budistas na América do Sul, ao se transferirem para o Peru em 1903 (Ota, s.d.). Na primeira leva de imigrantes para o Brasil, em 1908, encontrava-se Tomojirô Ibaragi (1886-1971), que se tornou depois o Arcebispo Nissui Ibaragi, responsável pela difusão da Honmon Butsuryûshû nesse país. 9 Ainda sobre a propagação budista japonesa, ela também ocorreu paralela e/ou vinculada à expansão militar e à colonização japonesa na Ásia. No período em que o governo recorreu à coação para cooptar todos os segmentos da sociedade e garantir apoio interno em seu esforço de ampliar os limites do império japonês, o Budismo retomou sua reputação milenar de ―protetor da nação‖. Assim, muito freqüentemente, monges budistas
(^8) Faz-se necessário notar que, paralelamente a essa imigração japonesa, outros povos asiáticos também migraram e levaram consigo suas práticas budistas. Assim, nas décadas de 1860 e 1870, milhares de chineses foram trabalhar nas minas de ouro e na construção de ferrovias na costa oeste dos Estados Unidos e no Canadá. A partir de então, novas levas de migrantes chineses também foram para o Havaí, Austrália, Nova Zelândia e outros lugares. Imigrantes cingaleses também podem ser associados à prática budista na Austrália, na Tanzânia, em Gana e no Congo (Harvey 1991: 304-6). (^9) Sobre o início do movimento emigratório japonês, consultar Tajiri & Yamashiro (1992); sobre a expansão ultramarina das religiões japonesas, ver Shimazono (1991), Mori (1992) Clarke (2000) e Pereira & Matsuoka (2006).
A grande dificuldade desses delegados, no entanto, era que os budologistas ocidentais do século XIX dividiam o Budismo em Norte, Sul e Leste, sendo que o do Sul (Hinayana ou Theravada) era considerado o ―Budismo original‖ e autêntico. Os demais (Mahayana) seriam dissidências sincréticas, degeneradas, corruptas, impuras e, portanto, menos dígnas de serem estudadas. O Budismo japonês era ainda mais desdenhado por sua ―horrível heresia‖ de ter-se associado com o Xintoísmo (Ketelaar 1993: 160-61). E, para complicar este cenário, os japoneses não eram os únicos representantes do Budismo no Parlamento. Havia também representantes de Sri-Lanka e da Tailândia, além do que a grande ―sensação oriental‖ do Parlamento era o Swami hindu Vivekânanda (1863-1902), fundador da Ramakrishna Vedanta Society. Sendo assim, os membros da delegação budista japonesa – embora aclamados no Japão como ―pioneiros do trabalho missionário budista‖ ( bukkyô kaigai sekkyô no kôshisha )— não causaram um grande impacto nem despertaram interesse nos budologistas ocidentais, comprometidos que estavam com o estudo de materiais em línguas clássicas como pali e sânscrito (eram pouquíssimos os que se dedicavam às escrituras em língua tibetana). No entanto, em comparação com outros budistas e líderes religiosos asiáticos, a participação japonesa rendeu frutos muito mais duradouros ao longo do tempo. Limitemo-nos apenas ao representante do (Rinzai) Zen , Sôen Shaku (1858-1919). Robert Sharf (1995: 112-14) descreve esse primeiro monge zen a viajar para os Estados Unidos como participante ativo do movimento reformista ―Novo Budismo‖ ( shin bukkyô ). Ele se tornara noviço zen com apenas doze anos e recebeu, precocemente, o certificado de transmissão do dharma ( inka shômei ) aos vinte e quatro. Depois de estudar ―cultura ocidental‖ na prestigiosa Universidade Keiô, viajou para a Índia e Sri-Lanka para estudar as línguas clássicas do Budismo. Ao retornar ao Japão, sucedeu seu mestre na direção ( kanchô ) do templo-mor Engakuji. Embora tenha feito um discurso bastante ecumênico durante o Parlamento de 1893, descrevendo o Budismo como uma religião universal, sem conflitos com outros credos, com a ciência ou a filosofia modernas, Sôen parece ter alimentado simpatia pelos sentimentos nacionalistas e xenofóbicos da época, expressos nas típicas discussões contrastantes do Oriente (Japão) com o Ocidente (i.e., as nihonjiron , que abordarei logo adiante). Ainda segundo Sharf, Sôen teria feito várias
viagens pelos territórios conquistados no continente asiático, sendo inclusive ―capelão‖ do exército japonês na Manchúria no começo da guerra russo-japonesa (1904-5). A palestra de Sôen causou imensa impressão num casal abastado de São Francisco, Alexander Russell e sua esposa. Em 1905, eles foram ao Japão para receber orientações daquele monge zen, que retornou com os mesmos para os Estados Unidos. Sua estada de nove meses na Califórnia o convenceu de que era chegada a hora de enviar dois de seus estudantes para lá: Nyogen Senzaki, que partiu em 1905, e Sokatsu Shaku, no ano seguinte. Sokatsu fundou em São Francisco o primeiro centro de meditação zen no Ocidente, apesar de não ter causado grande impacto em sua propagação. Nyogen fundou centros de meditação em São Francisco (1927) e Los Angeles (1931). Entre os seus vários discípulos está Robert Aitken Roshi, fundador do Diamond Sangha no Havaí e influente mestre zen na América do Norte, na Europa e até mesmo na Austrália (Reat 1994: 285). Entretanto, pode-se afirmar, sem dúvida, que o discípulo de Sôen de maior influência no Ocidente foi o renomado Daisetsu Teitarô Suzuki (1870-1966). Suzuki praticou meditação no monastério Engakuji , em Kamakura, mas nunca se ordenou monge. Com uma apresentação de seu mentor, Suzuki foi para os Estados Unidos em 1897 para trabalhar com o filósofo e escritor Paul Carus (1852-1919), dono da editora Open Court , que ficara impressionado com a palestra de Sôen no Parlamento das Religiões. Suzuki trabalhou e morou na casa de Carus até 1909. Dois anos depois, casou- se com Beatrice Erskine Lane (1878-1938), uma participante ativa da Sociedade Teosófica. Ao retornar ao Japão, Suzuki passou a dar aulas na Universidade Ôtani, em Quioto, onde fundou com sua esposa o jornal Eastern Buddhist , em língua inglesa. De volta aos Estados Unidos na década de 1950, ele deu inúmeras palestras em universidades americanas, entre as quais Columbia e Harvard. Escritor prolífico, Suzuki influenciou o músico John Cage, os escritores beat Jack Kerouac e Allen Ginsberg, o monge católico Thomas Merton, o psicólogo Erich Fromm, o budista inglês Christmas Humphreys e outros. Sua influência sobre Alan Watts foi providencial, já que este escritor e filósofo foi um grande popularizador do Zen. Na verdade, através de seus escritos e palestras, D.T. Suzuki influenciou direta ou indiretamente a maioria dos ocidentais interessados no Zen. Porém, sua obra e militância