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Uma análise da figura do artesão brasileiro, buscando sintetizar uma constatação empírica sobre suas experiências e contribuir para a discussão sobre uma certa tipologia de empreendedor brasileiro. A literatura especializada aborda o tema utilizando a terminologia 'artesão', mas nenhuma tipologia é suficientemente completa para cobrir todos os tipos de empreendedores. O texto explora a essência do empreendedorismo, sua importância em todos os ramos de atividade humana e a capacidade de assumir riscos como principal característica dos empreendedores.
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Tipologia: Exercícios
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ANAIS DO II EGEPE, p. 106-116, Londrina/PR, Novembro/2001 (ISSN 1518-4382)
Bezamat de Souza Neto (COPPE/UFRJ)
O presente trabalho busca sintetizar uma constatação empírica baseada nas experiências do dia-a-dia em trabalhos junto a uma parcela de pequenos produtores e prestadores de serviços localizados notadamente em periferias e favelas de cidades e no campo desse imenso Brasil pleno de diversidades. Nossos esforços de pesquisa têm se dedicado a decifrar, decodificar e interpretar esse tipo de “microempresário-de-si-próprio”. Ao definir e interpretar esse “empreendedor popular” buscaremos contribuir também para a discussão sobre uma certa tipologia de empreendedor brasileiro. A literatura especializada, notadamente estrangeira, aborda com freqüência e profundidade o tema utilizando a terminologia “artesão” como um entre os vários tipos de empreendedor. Tentaremos então contribuir com especificidades que contextualizem o artesão brasileiro que difere sócio-histórica e culturalmente do clássico artesão do hemisfério norte. Caminharemos no sentido de que nenhuma tipologia é suficientemente completa a ponto de cobrir todos os tipos de empreendedores. Cada caso pode ser considerado único. Entretanto, elas provêem uma base para a compreensão dos pontos de apoio, bem como dos valores e do pensamento dos empreendedores, e as linhas para a compreensão da consistência comportamental geral desses atores.
Introdução
Em inglês se utiliza o vocábulo francês “entrepreneur” para denominar os novos empresários e as pessoas que se estabelecem por conta própria, aos empreendedores. O uso mais antigo do termo entrepreneur se registra na história militar francesa, no século XVII. Fazia referência a pessoas que se comprometiam em conduzir expedições militares. Atribui-se a um irlandês do século XVIII chamado Richard Cantillon (1697 – 1734), o primeiro uso do termo entrepreneur no contexto empresarial, para referir-se a alguém que compra bens e serviços a certos preços com vistas de vendê-los a preços incertos no futuro. Em outras palavras, correndo um risco não assegurado. Uma década depois, Jean Baptiste Say (1768 – 1832), em 1803, descreveu a função do entrepreneur em termos mais amplos ao fazer a distinção entre empreendedores e capitalistas e entre os lucros de cada um. E ao fazê-lo, Say associou os empreendedores à inovação além de vê-los como os agentes da mudança e também considerava o desenvolvimento econômico como resultado da criação de novos
empreendimentos. Ele próprio era um empreendedor e foi o primeiro a definir as fronteiras do que é ser um empreendedor na concepção moderna do termo. Say foi o primeiro a lançar os alicerces desse campo de estudo e pode-se considerá-lo o “pai” do empreendedorismo (Schumpeter, 1997; Fillion, 1999a).
Entretanto e de forma sucinta, as principais concepções sobre o empreendedor foram desenvolvidas pelo economista Joseph Schumpeter (1883-1950), considerado na literatura como quem melhor analisa o empreendedor e sua inserção na economia capitalista. Para Filion (1999a), foi Schumpeter quem realmente lançou o campo do empreendedorismo, associando-o claramente à inovação:
A essência do empreendedorismo está na percepção e no aproveitamento das novas oportunidades no âmbito dos negócios (...) sempre tem a ver com criar uma nova forma de uso dos recursos nacionais, em que eles sejam deslocados de seu emprego tradicional e sujeitos a novas combinações (Schumpeter apud Filion,1999a: 7).
Para Schumpeter (1997), a trajetória econômica do capitalismo é descrita como um “fluxo circular” cuja tendência é o equilíbrio. Sendo assim, o desenvolvimento econômico só ocorre no momento em que há uma mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo, perturbação do equilíbrio que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente (Schumpeter, 1997: 72). O equilíbrio estacionário deve dar lugar ao desequilíbrio dinâmico provocado pelo empreendedor.
A contribuição dos empreendedores para o desenvolvimento da economia capitalista, segundo a teoria schumpeteriana, envolve a capacidade de promoção do que se denominou “destruição criativa”, um processo capaz de introduzir o novo e gerar riquezas para um país. Alguns espaços passíveis de inovação, considerados por Schumpeter, foram: o produto, a produção, a comercialização/distribuição, o mercado, os componentes/suprimentos e o espaço da gestão organizacional.
O primeiro refere-se à descoberta de um novo bem ou uma nova qualidade para um produto. Em relação à produção, fala-se, nesse caso, da introdução de um novo método capaz de revolucionar o processo produtivo; em relação à distribuição, de algo capaz de promover uma maior aproximação dos consumidores em relação aos produtos. Quanto ao mercado, o empreendedor deverá ser capaz de descobrir um novo nicho, bem como uma nova fonte de componente de fabricação de um produto ou serviço. E, em relação à gestão, cabe ao indivíduo empreendedor encontrar uma nova forma de organização do negócio, capaz de assegurar sua manutenção e crescimento.
Portanto, o empreendedor tem a função de realizar novas combinações nos canais de produção, tendo como resultado a constituição de um “novo” empreendimento. Para Schumpeter é essencialmente a capacidade de implementação das novas possibilidades de combinação que destaca o empreendedor enquanto uma categoria especial, que assegura o desenvolvimento econômico. Este difere do crescimento econômico, pautado no aumento populacional e/ou de riqueza sem que haja mudanças qualitativas no processo de produção.
Como não é fácil introduzir elementos de racionalidade dentro do complexo comportamento dos empreendedores e como também muitos pesquisadores e estudiosos, principalmente do ramo da economia, se recusam em aceitar modelos não-quantificáveis, isso acabou por levar o universo do empreendedorismo a voltar-se para os comportamentalistas -
buscar de informação e planejamento empresarial são, aos nossos olhos, as mais importantes. Todas estas competências podem ser adquiridas. Seja através da experiência do dia-a-dia profissional em empreendimentos vários, ou, através da capacitação.
Tal ação, na perspectiva de Filion (1991, 1993), deverá estar sustentada no que ele chama de “visão”, sendo esta entendida como uma projeção, uma imagem projetada no futuro, do lugar que o empreendedor deseja que seu produto venha a ocupar no mercado. É também, uma imagem do tipo da empresa necessária para alcançar esse objetivo. Portanto, o empreendedor é alguém que concebe, desenvolve e realiza visões (Filion, 1993: 52).
O Papel e a Importância Atribuídos aos Empreendedores
Na contemporaneidade, aos Empreendedores tem sido atribuído um papel e uma importância de certa relevância pois eles incrementam a dinâmica da função empresarial (e não necessariamente as relações capitalistas), seja em pequenos, médios ou grandes negócios/empreendimentos ou através do auto-emprego, proporcionando um crescimento e um desenvolvimento econômico nunca dantes visto.
Como exemplo da importância atribuída aos empreendedores, percebe-se hoje no Brasil algumas movimentações no sentido de inserir o artesão (e outros grupos populares) no mercado como variável estratégica de desenvolvimento social e econômico. Tais movimentações partem de setores tanto governamentais como não-governamentais e o cerne metodológico de tais ações, em sua maioria, é o treinamento e a capacitação do artesão para comportamentos mais empreendedores.
Podemos até chamar tudo isso de “ novidade ” pois até bem pouco tempo, aqui no Brasil, empreendedor era sinônimo de empresário e empresário jamais seria algo comparável a um artesão. Portanto artesão e empreendedor eram pares diametralmente opostos. Hoje é in falar de artesão empreendedor, aliás mais in ainda é trabalhar a vertente empreendedora do artesão. E é isso que hoje algumas das várias instituições que trabalham com o setor artesanal brasileiro têm feito (e muitas delas vivem disso, e muito bem).
Mas de onde elas trazem o referencial para essa “educação empreendedora”, quais as “características pessoais empreendedoras” com que elas trabalham por exemplo? De forma sucinta também, em sua grande maioria, podemos afirmar, vem da literatura especializada estrangeira filiada à linha comportamentalista de David McClelland (a motivação e a necessidade de realização, e a propensão ao risco como decorrência) que como já dito, foi o precursor e o ideólogo das sessões de treinamento e capacitação para comportamentos mais empreendedores. Tem também o Método CEFE ( C ompetência E conômica através da F ormação de E mpreendedores ), “pacote-pedagógico-fechado”, referenciado também naquela literatura clássica - especialmente em McClelland - e coordenado mundialmente pela GTZ ( Gesellschaft für Tecnische Zusammenarbeit ), a Sociedade para Cooperação Técnica, do Ministério de Cooperação Técnica da Alemanha e que atua hoje em mais de cem países, com sucesso, como ferramenta de intervenção na realidade social de populações marginalizadas ou carentes do básico, e não só para o público artesanal. Trata-se de um conjunto de instrumentos de treinamento para as áreas comportamental e gerencial. E que envolve para tanto a possibilidade de habilitar indivíduos com vistas a desenvolver posturas empreendedoras usando: desenvolvimento próprio através de auto-análise; desenvolvimento de capacidades
através de técnicas de negócio, conhecimento geral e administrativo; e o desenvolvimento do meio em que vivem, estruturando instituições e organizações. O Método CEFE, enquanto metodologia de aprendizagem, se baseia em três pilares: 1º- Aprendizagem pela Ação / Jogos de Empresa , sistemas de simulação de realidades, capazes de introduzir conceitos e posturas na busca de comportamentos mais eficazes; 2º- Andragogia , educação de adultos utilizando a experiência de cada indivíduo; e 3º- A Teoria do Empreendedor , a necessidade de realização (vide McClelland), a valorização e o resgate das características empreendedoras buscando melhor desempenho. (Manual CEFE, 1991)
Agora, o que se percebe também é que as instituições que trabalham o artesão brasileiro na vertente empreendedora, em sua maioria, confundem, na formulação de seus projetos e ações, nas “sessões de treinamento” (com relação a conteúdos e formas), o artesão com o auto-empregado ou com aquele desempregado, candidato a operador de pequenos negócios, via (re)cursos do FAT e quejandos , por exemplo. Seus técnicos e instrutores, com raras exceções, formados com base naqueles referenciais clássicos da literatura estrangeira e sem se preocupar com possíveis adaptações teóricas para a terra brasilis , não percebem tais diferenças. Artesão é Artesão. E artesão brasileiro são outras histórias!
Sobre Tipologias e o Tipo Artesão
Pode-se perceber através da literatura uma busca por distinguir o empreendedor entre os seus semelhantes. Não é a posse do capital e nem mesmo a simples gestão de uma organização que irá defini-lo. Variáveis como “inovação”, “risco” e “decisão” tendem a permear a ação do empreendedor, que também é reconhecido pelo resultado alcançado. Ter a posse dos melhores meios para alcançar os fins desejados e a consecução dos objetivos propostos tendem a delinear a imagem do empreendedor no seu sentido mais estrito.
Essa perspectiva impulsiona vários autores no sentido de conhecer, ressaltar e analisar as características comportamentais e as razões que levam o empreendedor a empreender.
Pesquisas realizadas nas últimas décadas buscam conhecer e/ou confirmar algumas características apresentadas pela literatura clássica, bem como criar tipologias de empreendedores. Elas são especialmente úteis e estimulantes quando usadas como parte de estudos de caso na área de empreendedorismo e possibilitam que as análises dos elementos de consistência sejam levadas bem mais adiante. Isso é extremamente valioso em um campo com tão grande variedade de casos.
Tais estudos e pesquisas, via de regra, privilegiam variáveis de análise, como: influências antecedentes (meio familiar, meio social, educação e experiência anterior), o tipo de organização “incubadora” (de onde veio o empreendedor) e percepção quanto à influência de fatores ambientais gerais para o sucesso do empreendimento, expectativas sobre o próprio trabalho, origens étnicas e sociais do empresário, crença religiosa, dentre outras. E no que tange aos traços psicológicos, tais estudos consideram os seguintes fatores: necessidade de realização, locus de controle, propensão ao risco, tolerância à ambigüidade, etc.
A partir das pesquisas acima citadas, em sua maioria elaboradas fora da ambiência sociocultural brasileira, algumas chamam a nossa atenção e nos convidam à reflexão pois, tais pesquisas, no nosso entendimento, além de aperfeiçoar o conhecimento de um aspecto da
cafuzos, mamelucos e mestiços em geral. A evangelização compulsória dos habitantes de Vera Cruz é o selo do processo civilizatório colonial.
Os missionários Jesuítas foram os responsáveis pelo primeiro projeto sistemático de formação de mão de obra por aqui, ainda que os colonizadores apoiando-se na escravidão, para a geração de riquezas na colônia tenham marcado a organização da cultura colonial com todo o arsenal de preconceitos senhoriais quanto aos ofícios mecânicos e a possibilidade de uma vida mais activa, dificultando que aqui aportasse por transplante ou por herança, uma tradição artesanal mais fecunda (Leite, 1953; Souza Neto, 1995; 2000; 2001).
Os caminhos do artesanato no Brasil foram dificultados por um contexto de depreciação do trabalho manual num regime de escravidão, num ambiente de constante instabilidade administrativa, hipertrofia da lavoura latifundiária e da monocultura, preponderância da indústria caseira que, somados a uma certa rotatividade nos trabalhos, não marcou por aqui, portanto, a prática comum (em cenários mais estáveis) de um mesmo indivíduo dedicar-se a vida inteira a um só ofício.
O pior é que ficou formatado em nossa cultura um conceito de que tais ofícios eram coisas de gentalha. Aqui, por exemplo, no tempo da Colônia e do Império nenhum homem livre queria exercer uma atividade que era “coisa de escravo”. Com isso, a aprendizagem de ofícios acabou sendo imposta a quem não tinha meios de resistir: os órfãos, os abandonados, os miseráveis. O que, por sua vez, reforçou aquele desvalor. Desvalor esse que ainda percebemos hoje de formas várias, e que, ao explicitar ou diagnosticar tal condição estaremos já criando meios e modos para debater nossas diferenças que, portanto, precisam de remédios outros e que, certamente, os “ventos do norte” não curam (ou curam, quando devidamente adaptados, quando deglutidos e regurgitados ).
Sérgio Buarque de Holanda, tido com toda justiça como um dos maiores pensadores brasileiros, é um caso típico daquele seguidor de Max Weber e sua “sociologia compreensiva” devidamente adaptada à terra brasilis. No seu “Raízes do Brasil” nossa tradição cultural é contraposta à herança nórdica protestante. Holanda introduz um eixo temático que a partir de então irá se tornar dominante no pensamento social local: a mentalidade vigente mostra-se avessa ao associativismo racional típico dos países protestantes, especialmente dos calvinistas (Holanda, 1988: 11). Nossa tradição cultural seria “individualista-amoral”, incapaz de superar o imediatismo emocional que caracteriza as relações sociais dos grupos primários como a família.
Uma vez que as instituições modernas mais importantes, como o Estado e o Mercado, teriam como pressupostos a superação do horizonte da solidariedade familiar, aí estaria a causa de nosso descompasso político e econômico. A falta de vínculo associativo horizontal, que possibilite as constelações de interesses de longo prazo, passa a ser percebida como a causa fundamental do nosso atraso social a partir de então (Souza, 1999: 33).
Aprofundando, Werneck Vianna (1999) aponta a herança do “patrimonialismo ibérico” cujas estruturas teriam sido reforçadas ainda mais, com o transplante, no começo do século XIX, do Estado português para o solo brasileiro.
Desse legado, continuamente reiterado ao longo do tempo, adviria a marca de uma certa forma de Estado duramente autônomo em relação à sociedade civil, que , ao
abafar o mundo dos interesses privados e inibir a livre iniciativa (grifo nosso) , teria comprometido a história das instituições com concepções organicistas da vida social, e levado à afirmação da racionalidade burocrática em detrimento da racional-legal (Vianna, 1999: 175).
Não é nossa intenção nos alongarmos em considerações de ordem sociológicas e culturais de filiação weberiana mas tais fatos associados a outros já citados anteriormente, marcará profundamente não só o segmento artesanal brasileiro, como toda e qualquer iniciativa de sobrevivência calcada em trabalho que dependa da habilidade manual como forma de auto-emprego. Formas de sobrevivência típicas de camadas mais populares. Hoje, trabalho manual “é coisa de peão” e, artesanato, invariavelmente, é tratado como manifestação folclórica, forma de ocupação para presidiários, idosos em geral e menores infratores ou coisa de hippies. Como decorrência, ou como causa, a instalação de uma enorme e histórica barreira preconceituosa da sociedade em geral e da Universidade em particular, para com tais setores produtivos que passam a ser denominados não-representativos ou informais e que, por serem assim preconcebidos, perdem seu caráter cognitivo e deixam de se constituir no que são: verdadeiros vetores de desenvolvimento sociocultural e econômico para comunidades menos favorecidas e, seu fomento, uma variável estratégica para um plano de desenvolvimento local, integrado e sustentável.
Mas o que percebemos como traço marcante no artesão brasileiro é uma certa baixa auto-estima cuja conseqüência é a enorme dificuldade que eles têm de enxergar seu ofício como um negócio, como um empreendimento. Além do que, a possibilidade de se associarem a outros artesãos, a clássica organização corporativa dos ofícios, e hoje, uma aliança estratégica frente às mazelas do mercado globalizado, também é dificultosa e problemática. A constatação desse fato fica muito clara através da imagem dos donos de lojas de produtos artesanais que estão ricos (alguns até muito ricos) e quanto aos artesãos produtores ... Fica também muito claro que aqueles trabalhos e aquelas pesquisas citados anteriormente, falam de um outro indivíduo, de um outro artesão. Elas não estão com os pés em terra brasilis.
As possibilidades para o setor artesanal brasileiro são muitas. Só o fato de, respeitosamente, colocar o artesão dentro da arena cognitiva e tratá-lo como um empresário em potencial já constitui uma grande inovação e até uma destruição criativa. Mas para inseri- lo, como dissemos, na arena cognitiva teremos primeiro de estudá-lo, pesquisá-lo, observá-lo, interpretá-lo e contextualizá-lo, além de levantar dados que subsidiem ações no sentido de efetivamente capacitá-lo para que se torne um empresário de fato.
Segundo dados do IBGE obtidos junto ao Programa do Artesanato Brasileiro-PAB do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior, 8,5 milhões de brasileiros vivem hoje do artesanato (87% mulheres) e movimentam por ano algo em torno de R$ 10 bilhões. Por outro lado, um recente estudo da Organização Mundial de Turismo, também obtido junto ao PAB, indica que enquanto a indústria automobilística nacional precisa de R$ 170 mil para gerar um emprego, com apenas R$ 50 se garante matéria-prima e trabalho para um artesão. Não precisamos acrescentar mais nada, esse é o cenário das possibilidades.
Majoritariamente, o popular brasileiro não é proletário. Não é um assalariado com contrato regular e definido de trabalho; é autônomo, artesão, assalariado sem carteira etc. O homem popular brasileiro tem que “se virar”. Pode ser operário em dado momento, ser artesão no seguinte, mais adiante trabalhar por conta própria ou ser “microempresário-de-si-próprio”. Pode trabalhar no lícito ou no ilícito. Para sobreviver, “se vira”, e nessa “viração” ele cria sem parar, a partir de qualquer possibilidade. O nosso popular é, sempre que possível, inovador, e por isso pratica a “antropofagia”. Mas ao mesmo tempo é também conservador: não pode se dar ao luxo de abrir mão de nada. Assimila, recombina criativamente tudo o que acessou ou que conhece. Sobreviveu aos bandeirantes paulistas, sobreviveu aos senhores escravagistas, sobreviveu à Primeira República, sobreviveu aos economistas e também sobreviverá à “fernandécada”. (...)
Este homem que descrevo, este personagem, é um criador de dificuldades analíticas para as ciências sociais. Aparentemente, é tudo e é nada. E torna irresistível a nossa tendência a classificá-lo como semiqualquer-coisa. Ele cria e reinventa na ponta do desenvolvimento tecnológico (Lessa, 2000: 61/62).
Concluindo, a formação de empreendedores populares será um processo de aprendizado com requisitos educacionais mais diferenciados ainda, para nós acadêmicos e principalmente para os técnicos e facilitadores envolvidos, se quisermos vislumbrar a hipótese estratégica do fomento às atividades artesanais, nosso caso, nesse brasil-sertões-gerais. É nela que por princípio a questão da auto-estima deverá ser trabalhada através da exposição de casos de sucesso, para que se quebrem barreiras preconceituosas já ditas e daí se crie um clima passível de se construir e conceber uma “visão” de um empreendimento que ajude o ofício a se transformar num negócio.
Este então o foco de nosso presente trabalho: a modesta contribuição com elementos e especificidades que subsidiem a contextualização do artesão brasileiro. Essa tem sido nossa busca constante, nossa travessia. Para uns, um tanto quanto quixotesca. Para outros, relevante e exeqüível.
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