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O AMOR É UMA FALÁCIA, Exercícios de Lógica

O AMOR É UMA FALÁCIA. “Max Shulman”. Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto — era tudo isso. Tinha.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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O AMOR É UMA FALÁCIA
Max Shulman”
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto — era tudo isso. Tinha
o cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um
bisturi. E tinha — imaginem — só 18 anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por
exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Escobar. Mesma idade, mesma
formação, mas burro como uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do
tipo emocional. Instável, impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a
própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma
idiotice só porque os outros a seguem, isso, para mim, é o cúmulo da insensatez. Escobar, no entanto,
não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto
que o meu diagnóstico foi imediato: Apendicite!
— Não se mexa. Não tome laxativos. Vou chamar o médico.
— Marmota... – balbuciou ele.
— Marmota? – disse eu interrompendo minha leitura.
— Quero um casaco de pele de marmota – gemeu ele.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
— Por que você quer um casaco de pele de marmota?
Eu devia ter adivinhado – gritou ele, dando tapas nas próprias têmporas. — Devia
ter adivinhado que eles voltariam com o a moda boca-de-sino.
— Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não
posso comprar um casaco de pele de marmota!
— Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão mesmo usando casacos de pele de
marmota outra vez?
— Todas as pessoas importantes da Universidade estão. Aonde você tem andado?
— Na biblioteca – respondi, citando um lugar não freqüentado pelas pessoas
importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
— Preciso conseguir um casaco de pele de marmota. — Preciso!
— Por quê, Escobar? Veja a coisa racionalmente. Casacos de pele de marmota são
anti-higiênicos. Soltam pelos. Cheiram mal. São pesados, são feios, são...
— Você não compreende – interrompeu ele com impaciência. — É o que todos estão
usando. Você não quer andar na moda?
— Não – respondi sinceramente.
— Pois eu, sim! – declarou ele. — Daria tudo para ter um casaco de pele de marmota.
Tudo!
Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
— Tudo? – perguntei, examinando seu rosto com os olhos semicerrados.
— Tudo! – confirmou ele, em tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar um casaco de pele de
marmota. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um baú, no sótão
de nossa casa. E, também, por acaso, Escobar tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente,
mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua garota, Capitu.
Eu há muito desejava Capitu. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de
natureza emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se
deixam dominar pelo coração. Desejava Capitu para fins engenhosamente calculados e inteiramente
cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de Direito. Dali a algum tempo estaria me iniciando na
profissão. Sabia muito bem do papel da esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados
de sucesso, segundo minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas,
graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Capitu preenchia perfeitamente a todos esses
requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o
tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá. Graciosa também era.
Por graciosa, quero dizer, cheia de graças sociais. Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a
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O AMOR É UMA FALÁCIA

Max Shulman”

Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto — era tudo isso. Tinha o cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha — imaginem — só 18 anos. Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Escobar. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma vaca. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar-se a alguma idiotice só porque os outros a seguem, isso, para mim, é o cúmulo da insensatez. Escobar , no entanto, não pensava assim. Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: Apendicite! — Não se mexa. Não tome laxativos. Vou chamar o médico. — Marmota... – balbuciou ele. — Marmota? – disse eu interrompendo minha leitura. — Quero um casaco de pele de marmota – gemeu ele. Percebi que o seu problema não era físico, mas mental. — Por que você quer um casaco de pele de marmota? — Eu devia ter adivinhado – gritou ele, dando tapas nas próprias têmporas. — Devia ter adivinhado que eles voltariam com o a moda boca-de-sino. — Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar um casaco de pele de marmota! — Quer dizer – perguntei incrédulo – que estão mesmo usando casacos de pele de marmota outra vez? — Todas as pessoas importantes da Universidade estão. Aonde você tem andado? — Na biblioteca – respondi, citando um lugar não freqüentado pelas pessoas importantes da Universidade. Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto. — Preciso conseguir um casaco de pele de marmota. — Preciso! — Por quê, Escobar? Veja a coisa racionalmente. Casacos de pele de marmota são anti-higiênicos. Soltam pelos. Cheiram mal. São pesados, são feios, são... — Você não compreende – interrompeu ele com impaciência. — É o que todos estão usando. Você não quer andar na moda? — Não – respondi sinceramente. — Pois eu, sim! – declarou ele. — Daria tudo para ter um casaco de pele de marmota. Tudo! Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor. — Tudo? – perguntei, examinando seu rosto com os olhos semicerrados. — Tudo! – confirmou ele, em tom dramático. Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar um casaco de pele de marmota. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um baú, no sótão de nossa casa. E, também, por acaso, Escobar tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua garota, Capitu. Eu há muito desejava Capitu. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvidas, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Capitu para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais. Cursava eu o primeiro ano de Direito. Dali a algum tempo estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem do papel da esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Capitu preenchia perfeitamente a todos esses requisitos. Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá. Graciosa também era. Por graciosa, quero dizer, cheia de graças sociais. Tinha o porte ereto, a naturalidade no andar e a

elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. À mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Capitu na cantina da Faculdade comendo a especialidade da casa – um sanduíche que continha pedaços de carne assada, óleo, castanhas e repolho – sem nem sequer umedecer os dedos. Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o lado oposto. Mas eu confiava em que, sob minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos, valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita. — Escobar – perguntei — Você ama Capitu? — Acho-a uma boa garota – respondeu – mas não sei se chamaria isso de amor. — Por quê? — Você – continuei – tem alguma espécie de arranjo formal com ela? — Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro? — Não. Nos vemos seguidamente, mas saímos os dois com outros também. — Por quê? — Existe alguém – perguntei – algum outro homem de quem ela goste de maneira especial? — Que eu saiba não. — Por quê? Fiz que sim, com a cabeça, satisfeito. — Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso? — Acho que sim, bolas. — Aonde quer chegar? — Nada, nada. – respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário. — Onde é que você vai? – quis saber Escobar. — Passar o fim de semana em casa. Atirei algumas roupas dentro da mala. — Escute. – disse Escobar , apegando-se com força ao meu braço – em casa, será que você poderia pedir dinheiro ao seu pai e me emprestar para comprar um casaco de pele de marmota? — Posso até fazer mais do que isso. – respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí. — Olhe – disse a Escobar , ao voltar na segunda-feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante do seu Maverick em 1975. — Santo Pai! –exclamou Escobar , com reverência. Mergulhou as mãos no pêlo do casaco, e depois o rosto. — Santo Pai! – repetiu umas quinze ou vinte vezes. — Você gostaria de ficar com ele? – perguntei. — Sim! – gritou ele, apertando a coisa sebosa contra o peito. Em seguida, seus olhos tomaram um ar precavido. — O que você quer em troca? — A sua garota – disse eu, não desperdiçando as palavras. — Capitu? – sussurrou Escobar , horrorizado. — Você quer a Capitu? — Isso mesmo... Ele jogou o casaco para longe. — Nunca! – declarou resoluto. Dei de ombros. — OK. Se você não quer andar na moda, o problema é seu... Sentei numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Escobar , com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para o casaco, com a expressão de uma criança desamparada à vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois, voltava a olhar para o casaco, com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois, virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente não se virou mais; ficou olhando para o casaco com pura lascívia. — Não é como se eu estivesse apaixonado por Capitu – balbuciou. – ou mesmo a namorando, ou coisa parecida. — Isso mesmo – murmurei. — Afinal, Capitu significa o que para mim, ou eu para ela? — Nada. – respondi. — Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco, só isso... — Experimente o casaco – disse eu. Ele obedeceu. O casaco cobria as orelhas e caía até os sapatos. Ele parecia um monte de marmotas mortas. — Serve perfeitamente. – disse ele contente.

— A seguir, vem o Post-Hoc. Ouça: Não levemos o Tiririca conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto começa a chover. — Eu conheço uma pessoa exatamente assim. – exclamou Capitu — Uma moça da minha cidade: Carla Perez. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique... — Capitu – interrompi com energia. — É uma falácia. Não é Carla Perez que causa a chuva. Ela não tem nenhuma relação com a chuva. Você está incorrendo em Post-Hoc se puser a culpa na Carla Perez. — Nunca mais farei isso – prometeu ela contrita. — Você está bravo comigo? Não Capitu – suspirei – não estou bravo. — Então conte outra falácia. — Muito bem. Vamos experimentar as Premissas Contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que Ele mesmo não conseguirá levantar? — É claro – respondeu ela imediatamente. — Mas se Ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra. — É mesmo – disse ela pensativa. — Bem, então, acho que Ele não pode fazer a tal pedra. — Mas ele pode fazer tudo – lembrei-lhe. Ela coçou a sua cabeça linda e vazia. — Estou confusa – admitiu. — É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu? — Conte outra destas histórias bacanas – disse Capitu entusiasmada. Consultei o relógio. — Acho melhor pararmos por aqui. Levarei você para casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã à noite. Depositei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente bacana, e voltei desanimadamente para meu quarto. Escobar roncava sobre sua cama com o casaco de pele de marmota encolhido a seus pés como um enorme animal cabeludo. Por alguns segundos brinquei com a idéia de acordá-lo e dizer que podia ter a sua garota de volta. Era evidente que meu projeto estava condenado ao fracasso. A moça tinha simplesmente uma cabeça à prova de lógica. Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Capitu algumas brasas ainda estivessem vivas? Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejassem... As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez. Sentado sob o carvalho, na noite seguinte disse: — Nossa primeira falácia dessa noite se chama Ad Misericordiam. Ela estremeceu de emoção. — Ouça com atenção – comecei. — Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e seis filhos em casa, que a mulher é aleijada, que as crianças não têm o que comer, não tem o que vestir e nem o que calçar, que a casa não tem camas, que não há carvão no porão e que o inverno se aproxima. Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Capitu. — Isso é horrível, horrível! – soluçou. — É horrível – concordei – mas não é argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Em vez disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia do Ad Misericordiam. Compreendeu? — Você tem um lenço? – pediu ela, entre soluços. Dei-lhe o lenço e fiz o possível para não gritar, enquanto ela enxugava os olhos. — A seguir – disse controlando o tom da voz – discutiremos a Falsa Analogia. Eis um exemplo: Deviam permitir aos estudantes consultarem seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por quê, então, não deixar que os alunos recorram aos seus livros durante uma prova? — Pois olhe – disse ela entusiasmada – essa é a idéia mais bacana que já ouvi por muito tempo!

Capitu – disse eu com impaciência – O argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo testes para verem o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas. — Continuo achando a idéia bacana – disse Capitu. — Bolas! – murmurei. E prossegui, persistente (fazendo meia careta). — A seguir tentaremos a falácia Hipótese Contrária ao Fato. — Essa parece ser boa – foi a reação de Capitu. — Ouça: Se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda , nós hoje não saberíamos da existência do composto químico que é o Rádio (Ra). — É mesmo, é mesmo – concordou Capitu , sacudindo vigorosamente a cabeça. — Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! — Ele me fez vibrar! — Se conseguir esquecer o Sr. Pidegeon por alguns minutos – disse eu friamente – gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie poderia ter descoberto o Rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa poderia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável. — Eles deveriam botar o Walter Pidgeon em mais filmes – disse Capitu. — Eu quase não o vejo no cinema. — Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite ao que o homem pode suportar. — A próxima falácia é chamada Envenenar o Poço. — Que bonitinho! Deliciou-se Capitu. — Dois homens vão começar um debate. O primeiro de levanta e diz: “meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só palavra do que ele disser.” Agora, Capitu , pense bem. O que está errado? Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência – o primeiro que eu vira – surgiu em seus olhos. — Não é justo! Disse ela com indignação — Não é nada justo. Que chance tem o segundo homem se o primeiro diz que é um mentiroso, antes mesmo dele começar a falar? — Exato! – gritei exultante – Cem por cento exato! Não é justo. O primeiro homem envenenou o poço antes que os outros pudessem beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar. Capitu , estou orgulhoso de você. — Ora – murmurou ela, ruborizando de prazer. — Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo que aprendemos até agora. — Vamos lá – disse ela, com um abano distraído de mão. Animado com a descoberta de que Capitu não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar, citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar tréguas. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho, suor e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz, ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, perfurei até com as unhas, e finalmente fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo. Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Capitu em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Estava apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões, uma mãe adequada para meus filhos privilegiados. Não se deve deduzir que eu não sentisse amor pela moça. Muito pelo contrário. Assim como Pigmalião amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe dos meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar nossas relações, de acadêmicas para românticas. — Capitu – disse eu – hoje não falaremos de falácias. — Puxa! – disse ela, desapontada. — Minha querida – prossegui, favorecendo-a com um sorriso – hoje é a sexta noite em que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par. — Generalização Apressada – exclamou alegremente. — Perdão – disse eu. — Generalização Apressada – repetiu ela – Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?