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Teoria Pura do Direito: Normas Jurídicas e Fatos Jurídicos, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este texto discute a teoria pura do direito de h. Kelsen, onde o fato da ordem é suficiente para caracterizar o direito, mas seu fundamento deriva do próprio ordenamento jurídico. O direito é definido como o conjunto de normas que conferem significado objetivo aos fatos externos, tornando-os fatos jurídicos e estabelecendo um sistema capaz de regular a conduta dos humanos em sociedade. O texto também aborda a relação entre normas jurídicas, dever jurídico e atos jurídicos.

O que você vai aprender

  • Como o fato da ordem é suficiente para caracterizar o direito?
  • Qual é a relação entre normas jurídicas e fatos jurídicos?
  • Qual é a Teoria Pura do Direito de H. Kelsen?
  • Quais são os fatos jurídicos (lato sensu) e os atos jurídicos (lato sensu)?
  • Como o direito estabelece um sistema para regular a conduta dos humanos em sociedade?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Maracana85
Maracana85 🇧🇷

4.2

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CARLOS ORLANDI CHAGAS
NOVOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
TESE DE DOUTORADO
TITULAR CARLOS ALBERTO DABUS MALUF
FACULDADE DE DIREITO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2014
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CARLOS ORLANDI CHAGAS

NOVOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

TESE DE DOUTORADO

TITULAR CARLOS ALBERTO DABUS MALUF

FACULDADE DE DIREITO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

CARLOS ORLANDI CHAGAS

NOVOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Tese apresentada à Banca de Doutorado na

Faculdade de Direito da Universidade de

São Paulo como exigência para aprovação

no Programa de Pós-Graduação na Área de

Concentração Direito Civil.

FACULDADE DE DIREITO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

SÃO PAULO

INDICE

Introdução

Capítulo I - Aspectos Gerais do Negócio Jurídico

1. O Fato Jurídico

a) Direito

b) Classificação

2. O Negócio Jurídico

a) As Teorias

  • Subjetiva
  • Objetiva

b) Definição

c) Os Planos da Existência, Validade e Eficácia

d) A Interpretação

Capítulo II - O Negócio Jurídico no Direito Romano

Capítulo III - O Negócio Jurídico no Direito Brasileiro

Capítulo IV - Os Defeitos do Negócio Jurídico

INTRODUÇÃO

O tema pertinente à disciplina do negócio jurídico , tratado no velho Código

Bevilaqua tão somente como ato jurídico - em clara adesão à corrente unitarista,

atualmente superada pela posição dualista -, especialmente no que concerne aos seus

defeitos ou vícios, já foi sobejamente estudado pela doutrina clássica brasileira e

estrangeira, bem como fartamente enfrentado pela jurisprudência dos tribunais pátrios.

A despeito dessa evidência, o assunto ainda merece maior reflexão e

aprofundamento em razão das alterações - mesmo que pontuais em relação a certos

institutos - trazidas a lume pelo Código Civil de 2002. Além do mais, com a edição do

novo Estatuto do Homem Comum, aos conhecidos defeitos do ato jurídico, foram

agregados os novos defeitos do negócio jurídico , hipóteses jurídicas antes não previstas,

pelo menos, no âmbito normativo.

São esses "novos" institutos do direito civil, o estado de perigo e a lesão que se

pretende investigar as origens e a disciplina a eles conferida pelo doutrina civilista

clássica, assim como apurar o tratamento que receberam na jurisprudência nacional

mesmo ainda sob a vigência do velho Código Civil de 1916, mas sobretudo após a

edição do Código Civil de 2002.

Não se pretende, por óbvio, esgotar toda a problemática ligada ao tema, sendo

bem certo que cada um dos novéis institutos mereceria um estudo autônomo. O que se

busca, porém, é exclusivamente aprofundar os principais contrastes e inovações, dentro

da "nova" sistemática fixada pelo novo Código Civil, quando confrontada com os

paradigmas do velho Código Bevilaqua.

Especial destaque se procura conferir ao enfrentamento dos termas pertinentes

aos novos defeitos do negócio jurídico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e

do Superior Tribunal de Justiça, de modo a se poder constatar que grau de evolução a

entrada em vigor do novo diploma do direito civil conferiu à práxis desses "jovens"

institutos jurídicos.

jurídicos ostentam dois fatores constitutivos: o fato, da ordem do ser, e a sua prescrição

pela ordem do dever ser como sendo ele capaz de interferir na órbita jurídica^4 , tudo

conformando um silogismo lógico.

Preponderando a repercussão na órbita do direito que o fato jurídico tem o

condão de ocasionar, ele se diferencia do que a doutrina convencionou nominar de fatos

materiais , consistentes naqueles acontecimentos naturais e derivados da conduta

humana que não repercutem na seara jurídica, ou seja, independente do seu conteúdo,

deles não pulula nenhum efeito jurídico, porque do ordenamento não lhes incide

nenhuma prescrição normativa^5.

a) Direito

Acerca do conceito de direito, costuma-se estabelecer a dicotomia entre o direito

objetivo e o direito subjetivo , designando o primeiro o conjunto de normas postas

enquanto regras para prescrever como deve ser o comportamento humano ( norma

agendi ), e o segundo, a faculdade que deriva da norma objetiva para determinados

sujeitos recobrarem determinado comportamento prescrito ( facultas agendi ), de

conformidade com a sua vontade e os seus interesses, ambos sempre assegurados pelo

ordenamento

6

sensorialmente, um acontecimento exterior, sendo na maior parte comportamento humano; o outro, é, um ato ou acontecimento (fato) igualmente inerente ou ligado a um sentido, a um significado específico". (^4) Caio Mário da SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil - Introdução ao Direito Civil - Teoria

Geral do Direito Civil, vol. I, 23ª ed. atual. por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 392: "Ontologicamente considerado, o fato jurídico se biparte em dois fatores constitutivos: de um lado, um fato , ou seja, uma eventualidade de qualquer espécie, que se erige em causa atuante sobre o direito subjetivo, quer gerando-o, quer modificando-o, quer extinguindo-o; de outro lado, uma declaração do ordenamento jurídico , atributiva de efeito àquele acontecimento. Sem esta última, o fato não gera o direito subjetivo; sem o acontecimento, a declaração da lei permanece em estado de mera potencialidade. A conjugação de ambos, eventualidade e preceito legal , é que compõe o fato jurídico (Oertmann)". (^5) José ABREU, O Negócio Jurídico e a sua Teoria Geral , 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1988, p. 4:

"(...) Distingue, contudo, a doutrina, preliminarmente, os fatos jurídicos de uma outra categoria de eventos que se convencionou chamar de fatos materiais. Nesta indagação não importaria, absolutamente, a natureza intrínseca do fato, nem sua origem. Assim, um mesmo acontecimento poderia ser jurídico ou material , diferenciando-se um do outro pela produtividade de efeitos jurídicos, peculiar ao primeiro e inexistente no segundo. A natureza do fato, sua procedência, será irrelevante. Indaga-se, tão-somente, se repercute ou não juridicamente. Na hipótese afirmativa, será fato jurídico; fato material será na segunda hipótese". (^6) Washington de BARROS MONTEIRO - Ana Cristina de Barros Monteiro FRANÇA PINTO, Curso de

Direito Civil - Parte Geral , vol. 1, 42ª ed., São Paulo, Saraiva, 2010, pp. 4 e 5:

H. KELSEN, porém, ao fixar a sua Teoria Pura do Direito, propondo-se a libertar

a ciência jurídica de tudo quanto fosse estranho ao seu objeto: o direito^7 , define este

como sendo o conjunto das normas jurídicas que atribuem a determinados fatos

externos e sensorialmente perceptíveis - porque realizados no espaço e no tempo - o

caráter de fatos jurídicos , na medida em que coincidem o objeto dos primeiros - a

conduta humana - com o conteúdo prescrito pela norma jurídica correspondente. Tal

conclusão se atinge porque, para a teoria pura, a norma funciona como esquema de

interpretação por meio do qual se empresta à conduta humana, além do sentido

subjetivo que lhe impregna o seu agente (intenção ligada ao fato externo pelo sujeito),

também um sentido objetivo , ou seja, o significado do ato externo do ponto de vista do

direito posto ou a significação jurídica do seu conteúdo, porque coincidente com a

prescrição normativa válida^8.

"Direito objetivo é a regra de direito, a regra imposta ao proceder humano, a norma de comportamento a que o indivíduo deve se submeter, o preceito que deve inspirar sua atuação. À respectiva observância pode ser compelido mediante coação. O direito objetivo designa o direito enquanto regra ( jus est norma agendi ). Direito subjetivo é poder. São as prerrogativas de que uma pessoa é titular, no sentido de obter certo efeito jurídico, em virtude da regra de direito. A expressão designa apenas uma faculdade reconhecida à pessoa pela lei e que lhe permite realizar determinados atos. É a faculdade que, para o particular, deriva da norma ( jus est facultas agendi ). Por outras palavras, direito objetivo é o conjunto das regras jurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer interesses humanos ( hominum causa omne jus constitutum est ). O segundo deriva do primeiro ". Negritou-se. (^7) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 1: "A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo - do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação. Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ele ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito. Quando a si própria se designa como 'pura' teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental". Negritou-se. (^8) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 4: "O fato externo que, de conformidade com o seu significado objetivo, constitui um ato jurídico (lícito ou ilícito), processando-se no espaço e no tempo, é, por isso mesmo, um evento sensorialmente perceptível, uma parcela da natureza, determinada, como tal, pela lei da causalidade. Simplesmente, este evento como tal, como elemento do sistema da natureza, não constitui objeto de um conhecimento especificamente jurídico - não é, pura e simplesmente, algo jurídico. O que transforma este fato num ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua facticidade, não é o seu ser natural, isto é, o seu ser tal como determinado pela lei da causalidade e encerrado no sistema da natureza, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, a significação que ele possui. O sentido jurídico específico, a sua particular significação jurídica, recebe-a o fato em questão por intermédio de uma norma que a ele se refere com o

comportamentos no âmbito do convívio social, porém sem o condão de impingir aos

seus transgressores por meio de uma autoridade estatal a sua fiel observância ou a

sujeição a outra disposição normativa equivalente^11.

A produção normativa, retomando a visão de KELSEN, constitui-se de um ato de

vontade de determinado indivíduo, quem expressa um dever ser com escopo de fixar

regra sobre determinada conduta humana, mas para que esse dever ser em sentido

subjetivo (ato de vontade) adquira a validade de uma nova norma jurídica é necessário

que outra norma jurídica superior e preexistente lhe confira essa significação, ou seja,

conceda ao mesmo dever ser o seu sentido objetivo ou normativo. Desse modo, a

validade da norma produzida deriva tão somente do sentido objetivo conferido ao dever

ser pela norma superior, a qual conferiu ao ato de vontade (dever ser em sentido

subjetivo) significado jurídico (dever ser em sentido objetivo), o que também explica

que desaparecendo a intenção subjetiva, a vontade expressa ou até mesmo o próprio

agente do fato externo, permanece hígida a norma produzida

12

. Da mesma forma que o

(^11) Francisco Clementino de SAN TIAGO DANTAS, Programa de Direito Civil - Aulas proferidas na

Faculdade Nacional de Direito [1942-1945] - Parte Geral , 2ª ed., Rio de Janeiro, Rio, 1979, p. 39: "Esta noção de uma positividade do direito envolve numerosas doutrinas de que se precisa, apesar da índole da nossa cadeira, tomar consciência. Por exemplo, Jhering, já conhecido bem e que foi realmente um dos grandes espíritos do mundo jurídico no século XIX, definiu as características do direito de um modo preciso com estas duas palavras: o direito se caracteriza pela exterioridade e pela coercibilidade e que constituem o que chamamos a positividade do direito. Que é a exterioridade? A exterioridade significa que o comando jurídico refere-se sempre a uma ação externa do homem; não pode se referir a um ato de consciência; não pode se referir a um propósito mental. O propositum in mente retentum , de que falava tanto o direito eclesiástico na Idade Média, não constitui objeto de ação das normas jurídicas. As normas de direito só se referem à conduta externa do homem e isto é um importante elemento de diferenciação entre o direito e a moral. Enquanto a moral se refere à conduta externa e à conduta interna, o direito só se refere à conduta externa, para ele é irrelevante o domínio da consciência. A outra característica é a coercibilidade. Tem-se numerosas normas que regulam a vida da sociedade mas que não fazem parte do tecido da ordem jurídica. São comandos que se dirigem a todos os cidadãos, mas, ou fazem parte da ordem moral, ou fazem parte mesmo dos simples bons costumes; não entram na ordem jurídica. Cumprimentar os conhecidos, felicitá-los no dia do seu aniversário, por exemplo, são normas universais, mas não são normas jurídicas, (...) ao passo que a norma jurídica, essa tem como sua característica mesmo a coercibilidade, o que quer dizer que, se alguém quiser se furtar à ação da norma jurídica, há uma autoridade capaz de impor ou o cumprimento da norma, ou o cumprimento de uma norma equivalente; ou é a própria norma que se cumpre ou então desaparece esta e surge uma outra que o Estado está em condições de impor". (^12) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, pp. 8 e 9: "A circunstância de o 'dever-ser' constituir também o sentido objetivo do ato exprime que a conduta a que o ato intencionalmente se dirige é considerada como obrigatória (devida), não apenas do ponto de vista do indivíduo que põe o ato, mas também do ponto de vista de um terceiro desinteressado - e isso muito embora o querer, cujo sentido subjetivo é o dever-ser, tenha deixado faticamente de existir, uma vez que, com a vontade, não desaparece também o sentido, o dever-ser;

ato de vontade, também o costume perpetrado na sociedade pode em sentido subjetivo

fixar condutas obrigatórias (dever ser), desde que norma superior lhe confira em sentido

objetivo significação jurídica e assim nessa norma jurídica preexistente a nova regra

consuetudinária buscará a sua validade, sem perdê-la mesmo que mais tarde o costume

que a caracterizou tão somente paire no consciente coletivo

13

É exatamente desse processo produtivo que também deriva o conceito de

vigência como sendo a existência específica da norma jurídica, portanto independente

do ato de vontade ou da conduta costumeira que inicialmente lhe conferiu sentido fático

subjetivo. A norma jurídica encontra-se na órbita do dever ser , donde também subtrai

sua validade e vigência, ou seja, de outra norma que lhe confere significado jurídico

objetivo

14

uma vez que o dever-se 'vale' mesmo depois de a vontade ter cessado, sim, uma vez que ele vale ainda que o indivíduo cuja conduta, de acordo com o sentido subjetivo do ato de vontade, é obrigatória (devida) nada saiba desse ato e do seu sentido, desde que tal indivíduo é havi do como tendo o dever ou o direito de se conduzir de conformidade com aquele dever-ser. Então, e só então, o dever-ser, como dever-ser 'objetivo', é uma 'norma válida' ('vigente'), vinculando os destinatários. É sempre este o caso quando ao ato de vontade, cujo sentido subjetivo é um dever- ser, é emprestado esse sentido objetivo por uma norma, que por isso vale como norma 'superior' , atribui a alguém competência, (ou poder) para esse ato. (...) Portanto, não é do ser fático de um ato de vontade dirigido à conduta de outrem, mas é ainda e apenas de uma norma de dever-ser que de flui a validade - (...) - da norma segundo a qual esse outrem se deve conduzir em harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade". (^13) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 10: "As normas através das quais uma conduta é determinada como obrigatória (como devendo ser) podem também ser estabelecidas por atos que constituem o fato do costume. (...) Porém, o sentido subjetivo dos atos constitutivos do costume apenas pode ser interpretado como norma objetivamente válida se o costume é assumido como fato produtor de normas por uma norma superior. Visto o fato do costume ser constituído por atos de conduta humana, também as normas produzidas pelo costume são estabelecidas por atos de conduta humana e, portanto, normas postas, isto é, normas positivas, tal como as normas que são o sentido subjetivo de atos legislativos. Através do costume tanto podem ser produzidas normas morais como normas jurídicas. As normas jurídicas são normas produzidas pelo costume se a Constituição da comunidade assume o costume - um costume qualificado - como fato criador de Direito ". Negritou-se. (^14) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 11: "Com a palavra 'vigência' designamos a existência específica de uma norma. Quando descrevemos o sentido ou o significado de um ato normativo dizemos que, com o ato em questão, uma qualquer conduta humana é preceituada, ordenada, prescrita, exigida, proibida; ou então consentida, permitida ou facultada. Se, como acima propusemos, empregarmos a palavra 'dever-ser' num sentido que abranja todas estas significações, podemos exprimir a vigência (validade) de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser feita. Se designarmos a existência especifica da norma como a sua 'vigência' , damos desta forma expressão à maneira particular pela qual a norma - diferentemente do ser dos fatos naturais - nos é dada ou se nos apresenta. A 'existência' de uma norma positiva, a sua vigência, é diferente da existência do ato de vontade de que ela é o sentido objetivo. A norma pode valer (ser vigente) quando o ato de vontade de que ela constitui o sentido já não existe. Sim, ela só entra mesmo em vigor depois de o ato de vontade,

são aqueles acontecimentos do mundo do ser derivados da conduta humana ou de

eventos da natureza, mas estes quando capazes de interferir na órbita do direito, porque

consoantes ao conteúdo objetivo de uma norma jurídica que lhes prescreva

consequências para a comunidade jurídica.

Necessariamente atrelado ao esquema de interpretação conferido às normas

jurídicas, figura o conceito de sanção , o que caracteriza o ordenamento jurídico como

ordem coativa

19

, significando que à comunidade jurídica é atribuído o poder de impingir

àquele agente cuja conduta indesejável prescrita foi verificada ou àquele agente

acometido de um evento natural alheio ao seu interesse subjetivo, um mal contra a sua

vontade, podendo empregar nesse sentido até mesmo a força física. E nesse ponto, o

direito se distancia das demais ordens sociais

20

, na medida que estas também

prescrevem condutas de dever ser, mas não dispõem do poder de impor males àqueles

agentes que incorrem na conduta oposta à prescrita^21. Essa assertiva também deságua na

(^19) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, pp. 35 e 36: "Uma outra característica comum às ordens sociais a que chamamos Direito é que elas são ordens coativas, no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas - particularmente contra condutas humanas indesejáveis - com um ato de coação, isto é, com um mal - como a privação da vida, da saúde, da liberdade, de bens econômicos e outros -, um mal que é aplicado ao destinatário mesmo contra sua vontade, se necessário empregando até a força física - coativamente, portanto. Dizer-se que, com o ato coativo que funciona como sanção, se aplica um mal ao destinatário, significa que este ato é normalmente recebido pelo destinatário como um mal. (...)". (^20) Com outras palavras, Goffredo TELLES JUNIOR define a norma jurídica como imperativo

autorizante , visto que permite que se exija dos seus violadores a observância do seu imperativo, a reparação dos males causados ou a imposição de penas. "Jurídicas são as normas que autorizam a reação correspondente à ação violadora da norma. Essa reação é a que se acha devidamente autorizada por norma jurídica, e tanto pode ser o ato de 'fazer justiça com as próprias mãos ' (ato este permitido pelo Direito, em casos estritos: Código Penal, arts. 23 e 24), como pode ser o pedido formal, feito em juízo. Somente são jurídicas as normas aptas a ser invocadas como fundamento válido de uma pretensão submetida ao Poder incumbido de 'distribuir justiça' numa sociedade. Isto significa que somente são jurídicas as normas que autorizam alguém a submeter sua pretensão ao referido Poder" ( A Norma Jurídica , in Estudos , São Paulo, Juarez de Oliveira, 2005, pp. 11 e 12). Distancia-se, contudo, da Teoria Pura do Direito na medida em que afirma que a norma jurídica não é atributiva , porque a faculdade de exercer coação é imanente à natureza humana e a norma tão somente autoriza o exercício dessa mesma faculdade imanente. "Depreende-se, do que se acaba de demonstrar, que a norma jurídica não atribui faculdade nenhuma. O que lhe é próprio é exprimir uma autorização dada pela sociedade. A norma jurídica é o instrumento pelo qual o lesado, para os fins legais, fica autorizado a exercer sua faculdade de exigir e de coagir. A norma jurídica não é atributiva. Ela é autorizante " ( A Norma Jurídica , in Estudos , São Paulo, Juarez de Oliveira, 2005, p. 16). (^21) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 37: "Como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato

conclusão de que diferente do que normalmente assegura a communis opinio , a conduta

humana positiva ou negativa ou até mesmo o evento que dá azo à imputação do ato

coercitivo, particularmente da sanção, não se caracterizam como contrários ao direito ou

fora da órbita do direito

22

, mas, pelo contrário, são seus pressupostos, ou seja, são as

condutas nominadas ilícitos ou delitos que dão azo à aplicação do direito, porque na

medida em que se verificam, devem ser executados os atos coativos fixados pela norma

jurídica pertinente.

O sistema se fecha, na visão de KELSEN, com a chamada norma fundamental

23

que é pressuposta e prescreve em seu conteúdo que uma determinada comunidade

jurídica deve se comportar conforme as normas postas sob determinados sentidos

objetivos e que são capazes de impor aos indivíduos daquele grupo determinado atos

coercitivos caso incorram nas condutas opostas àquelas prescritas como dever ser^24.

considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e - em caso de resistência - mediante o emprego da força física, é o critério decisivo". (^22) Caio Mário da SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil - Introdução ao Direito Civil - Teoria

Geral do Direito Civil, vol. I, 23ª ed. atual. por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 4: "O fenômeno jurídico é perceptível, e mais patentemente ainda a idéia de direito em contraposição à sua negação: diante da ofensa, da contrariedade ou da distorção, aparece viva a idéia de direito. Não seria, porém, de todo razoável que o jurista se julgasse habilitado a conceituar o direito apenas em face da idéia contrária, como se dissesse que a idéia de ser fosse tão-somente a antinomia do não-ser ". (^23) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1934, trad. port. de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, Teoria Pura do

Direito - Introdução à Problemática Científica do Direito - Versão Condensada pelo Próprio Autor , 4ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 96: "A norma fundamental de um ordenamento jurídico positivo não é, em compensação, nada mais que uma regra fundamental, conforme a qual são produzidas as normas do ordenamento jurídico, a criação da estabilidade fundamental da produção jurídica. Ela é o ponto de partida de um procedimento; possui um caráter eminentemente dinâmico-formal. Desta norma fundamental não se pode deduzir logicamente as normas do sistema jurídico. Devem ser produzidas por um ato institucional especial - que não é ato racional - mas volitivo. A instituição de normas jurídicas se desenvolve de diversas maneiras: por meio de costumes ou pelo processo legislativo, enquanto se tratar de normas gerais; por atos de jurisdição e por atos negociais nas normas individuais". (^24) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 56: "Se se concebe o Direito como uma ordem de coerção, a fórmula com a qual traduzimos a norma fundamental de uma ordem jurídica estadual significa: a coação de um indivíduo por outro deve ser praticada pela forma e sob os pressupostos fixados pela primeira Constituição histórica. A norma fundamental delega na primeira Constituição histórica a determinação do processo pelo qual se devem estabelecer as normas estatuidoras de atos de coação. Uma norma, para ser interpretada objetivamente como norma jurídica, tem de ser o sentido subjetivo de um ato posto por este processo - pelo processo conforme à norma fundamental - e tem de estatuir um ato de coação ou estar em essencial ligação com uma norma que o estatua. Com a norma fundamental, portanto, pressupõe-se a definição nela contida do Direito como norma coercitiva. A definição do Direito pressuposta na norma fundamental tem como conseqüência que apenas se deve considerar como juridicamente prescrita - ou, o que é o mesmo, como conteúdo de um dever jurídico - uma certa conduta, quando a conduta oposta seja normada como pressuposto de um ato coercitivo que é dirigido contra os indivíduos que por tal forma se conduzam (ou

sanção e caso não verificados, porque a conduta humana do agente lhe foi oposta,

evitam ou afastam a incidência da mesma sanção prescrita pelo ordenamento jurídico^27.

Nesse sentido, KELSEN fulmina a ideia recorrente de que sobre o direito posto

existe uma órbita de preceitos ideal, universal e eterna que lhe inspira, ditando ao

ordenamento jurídico valores - até mesmo porque os valores não são absolutos e em sua

relatividade variam no tempo e no espaço. Higieniza o direito da possibilidade de se

subordinar a regras e preceitos que lhes sejam estranhos e ostentem caráter nitidamente

ideológico, para impor ao ordenamento a realização de um equívoco e polissêmico ideal

de justiça^28.

Destarte, o conceito de norma jurídica se equipara ao de dever jurídico , porque

sendo este a conduta humana conforme a prescrição da ordem jurídica, é também o

conteúdo da norma posta suficiente a afastar a incidência do ato de coação (sanção). Na

hipótese de cumprimento do dever jurídico, verifica-se a observância da norma,

enquanto na situação em que se tem a conduta humana oposta ao dever jurídico,

(^27) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 127: "Se uma ordem normativa prescreve uma determinada conduta apenas pelo fato de ligar uma sanção à conduta oposta, o essencial da situação de fato é perfeitamente descrito através de um juízo hipotético que afirme que, se existe uma determinada conduta, deve ser efetivado um determinado ato de coação. Nesta proposição, o ilícito aparece como um pressuposto (condição) e não como uma negação do Direito; e, então, mostra-se que o ilícito não é um fato que esteja fora do Direito e contra o Direito, mas é um fato que está dentro do Direito e é por este determinado, que o Direito, pela sua própria natureza, se refere precisa e particularmente a ele. Como tudo o mais, também o ilícito (não-Direito) juridicamente apenas pode ser concebido como Direito. Quando se fala de conduta 'contrária'-ao-Direito, o elemento condicionante é o ato de coação; quando se fala de conduta 'conforme'-ao-Direito, significa-se a conduta oposta, a conduta que evita o ato de coação". (^28) Caio Mário da SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil - Introdução ao Direito Civil - Teoria

Geral do Direito Civil, vol. I, 23ª ed. atual. por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 6: "Fixando-se, porém, o jurista na órbita do direito em si, é forçado a reconhecer que acima do direito positivo, e sobre este influindo no propósito de realizar o ideal de justiça, ditado por uma concepção de superlegalidade, o direito natural sobrepaira à norma legislativa, e, com este sentido, é universal e é eterno, integrando a norrnação ética da vida humana, em todos os tempos e em todos os lugares. Se alguma vez, sob o império de forças antijurídicas, declina o sentimento do justo, a humanidade supera a crise e retoma o seu caminho, procurando sempre o ideal da justiça, que se radica indefectivelmente na consciência humana. Costuma-se dizer que o direito positivo se opõe ao direito natural , aquele representando o regime de vida social corrente, este o conjunto de princípios ideais preexistentes e dominantes. Enquanto o direito positivo é nacional e contingente, o direito natural é universal e eterno. Não se poderá, entretanto e em verdade, falar em contraposição ou antinomia, pois que, se um é a fonte de inspiração do outro, não exprimem idéias antagônicas, mas, ao revés, tendem a uma convergência ideológica, ou, ao menos, devem procurá-la, o direito positivo amparando-se na sujeição ao direito natural para que a regra realize o ideal, e o direito natural inspirando o direito positivo para que este se aproxime da perfeição".

verifica-se a aplicação da mesma norma jurídica por meio da imputação do ato

coercitivo prescrito. Importa ressaltar que ambas as situações (condutas) estão conforme

o direito e denotam a sua eficácia^29.

Essa construção teórica afasta em definitivo a concepção do direito natural

como parâmetro para a ordem jurídica pressupondo elementos estranhos ao

ordenamento a lhe inspirar e concebendo como normas aquelas regras harmônicas com

o direito ideal e eterno derivado da consciência e da razão humana

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(^29) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 130: "Com isto fica determinado o conceito de dever jurídico. Este encontra-se numa relação essencial com a sanção. Juridicamente obrigado está o indivíduo que, através da sua conduta, pode cometer o ilícito, isto é, o delito, e, assim, pode provocar a sanção, a conseqüência do ilícito - o delinqüente potencial; ou o que pode evitar a sanção pela conduta oposta. No primeiro caso, fala-se da violação do dever, no segundo, em cumprimento do dever. O indivíduo que cumpre o dever que lhe é imposto por uma norma jurídica, observa a norma jurídica; o indivíduo que, em caso de violação do Direito, efetiva a sanção estatuída na norma jurídica, aplica a norma. Tanto a observância da norma jurídica como a sua aplicação representam uma conduta conforme a norma. Se, por eficácia de uma ordem jurídica, se entende o fato de os indivíduos - cuja conduta ela regula enquanto liga a uma conduta por ela determinada um ato coercitivo, igualmente por ela determinado, a título de sanção - se conduzirem em conformidade com as suas normas, então essa eficácia manifesta-se tanto na efetiva observância das normas jurídicas, isto é, no cumprimento dos deveres jurídicos por elas estatuídos, como na aplicação das normas jurídicas, isto é, na efetivação das sanções por elas estatuídas". Negritou-se. (^30) Caio Mário da SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil - Introdução ao Direito Civil - Teoria

Geral do Direito Civil, vol. I, 23ª ed. atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 7: "Hugo Grócio, no século XVI, sustentando que em oposição ao direito positivo, imperfeito e transitório, há um direito ideal e eterno, impregnado na consciência e gerado pela razão humana, criou a chamada escola de direito natural , que se estendeu por toda a Europa, conquistando a todos os filósofos e pensadores, para a qual o direito natural é o paradigma da lei mutável e humana e, por isto, as leis não têm base na vontade do legislador, que é apenas o intérprete ou o veículo da lei natural". Como se denota, Caio Mário da SILVA PEREIRA, com inequívoco desacerto, rejeita a posição de KELSEN insistindo na opinião segundo a qual o direito positivo deve ser sempre balizado por "ideais de justiça" de inspiração elevada. "Vê-se, então, que em mais de dois mil anos de civilização ocidental sempre se admitiu e ainda se afirma que nenhum sistema de direito positivo pode libertar-se das inspirações mais abstratas e mais elevadas. Não é possível situar o fenômeno ius no campo da pura elaboração legislativa, sendo forçoso reconhecer a existência de uma ordem superior e dominante, de uma justiça absoluta e ideal, que o direito positivo realiza dentro do contingente da norma legislada, e sem o qual esta dificilmente se distinguiria do capricho estatal. Se se indagar por que a formulação da regra de conduta segue um determinado rumo, e não outro; se se investigar a razão de os sistemas jurídicos de nações diferentes coincidirem na obtenção de finalidades análogas e às mais das vezes idênticas; se se pesquisar o motivo de não se apresentar o direito positivo como a expressão caprichosa e desenfreada do legislador eventual, encontrar-se-á como uma constante irrefugível a contenção nos limites da realização de padrões abstratos e não formulados. Cumpre, entretanto, assinalar, como faz Enneccerus, que no caso de insubordinação do direito positivo ao direito ideal ou à justiça absoluta, caberá ao legislador corrigir a falha pela derrogação da lei má, mas não ao juiz recusar-lhe a aplicação em nome da justiça ideal. O anseio superior pela realização do justo abstrato deve sobrepairar ao ordenamento positivo, pois que, no dizer de Del Vecchio, é uma exigência fundamental da consciência humana conceber a idéia do justo como absoluta e admitir

conteúdo da norma jurídica pode ostentar vários matizes, porém a sua investigação

afasta-se do âmbito de interesse da ciência jurídica^34.

Importante, todavia, é o conceito de dever jurídico , como exposto na Teoria

Pura do Direito , que ganha relevância na medida em que tradicionalmente é

contraposto ao de direito subjetivo , significando este o poder conferido ao indivíduo

destinatário do dever de exigir ou reclamar a conduta a que outro indivíduo está

obrigado pelo ordenamento jurídico. KELSEN, contudo, demonstra que a apontada

distinção, embora possa até ser útil para representar esquematicamente as situações

jurídicas, é supérflua para a sua descrição científica. Explica que na contraposição entre

dever jurídico e direito subjetivo , por meio da qual o segundo conceito traduz o

"direito" ou "pretensão" do indivíduo perante o qual outro indivíduo está obrigado a

uma conduta positiva ou negativa ou a um dever de tolerância, na realidade subsume-se

tão somente ao conceito do dever jurídico do indivíduo obrigado, quem por sua conduta

pode observar a prescrição normativa ou optar pela conduta oposta igualmente prescrita

e se expor à imputação de uma sanção. O indivíduo destinatário do dever jurídico

funciona como mero objeto da conduta prescrita, porque a sua dita "pretensão" é mero

reflexo do dever a que o outro indivíduo está obrigado pela ordem normativa a

observar

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lei: 1º) a parte dispositiva , ou a expressão da vontade do legislador; 2º) a sanção , isto é, a pena imposta ao transgressor. Quando em alguma lei civil a sanção não é explícita, sempre se subentende ou a nulidade do ato, ou a ação judicial, que compete ao interessado na observância da lei contra o transgressor". (^34) Francisco Clementino de SAN TIAGO DANTAS, Programa de Direito Civil - Aulas proferidas na

Faculdade Nacional de Direito [1942-1945] - Parte Geral , 2ª ed., Rio de Janeiro, Rio, 1979, p. 59: "E quanto ao conteúdo material? O conteúdo material da norma é geralmente uma regra econômica, ética, política, religiosa ou simplesmente moral, que o legislador adotou, que ele incorporou na norma e que poderia mudar sem que a norma deixasse por isso de ser , norma, de ser norma jurídica". (^35) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, pp. 142 e 143: " Esta situação, designada como 'direito' ou 'pretensão' de um indivíduo, não é porém, outra coisa senão o dever do outro ou dos outros. Se, neste caso, se fala de um direito subjetivo ou de uma pretensão de um indivíduo, como se este direito ou esta pretensão fosse algo de diverso do dever do outro (ou dos outros), cria-se a aparência de duas situações juridicamente relevantes onde só uma existe. A situação em questão é esgotantemente descrita com o dever jurídico do indivíduo (ou dos indivíduos) de se conduzir por determinada maneira em face de um outro indivíduo. Dizer que um indivíduo é obrigado a uma determinada conduta significa que, no caso da conduta oposta, se deve verificar uma sanção; o seu dever é a norma que prescreve esta conduta enquanto liga uma sanção à conduta oposta. Quando um indivíduo é obrigado em face de outro a uma determinada prestação, é a prestação a receber pelo outro que forma o conteúdo do dever; apenas se

Sendo dessa forma o conceito de direito equivalente ao de dever jurídico -

conduta humana prescrita pelo ordenamento jurídico - fulmina-se a tradicional

dicotomia fixada entre direito objetivo e direito subjetivo , uma vez que o segundo é

mero reflexo do primeiro e anódino para ciência do direito, além de encontrar suas

raízes também no direito natural , que insistia em asseverar a preexistência de direitos

inatos ao homem^36 e anteriores a qualquer norma posta^37.

Em outras palavras, KELSEN nega a existência do direito subjetivo como

categoria apartada da norma objetiva posta pela comunidade jurídica, assegurando que

se trata tão somente de corolário do dever jurídico imposto, cuja inobservância dará azo

à imputação do ato coercitivo prescrito^38. Essa posição, porém, não é agasalhada de

pode prestar a outrem algo que esse outrem receba. E, quando um indivíduo está obrigado em face de outrem a suportar uma determinada conduta deste, é a tolerância desta mesma conduta que constitui o conteúdo do dever. Quer dizer: a conduta do indivíduo em face do qual o dever existe, correlativa da conduta devida, está já conotada na conduta que forma o conteúdo do dever. Se se designa a relação do indivíduo, em face do qual uma determinada conduta é devida, com o indivíduo obrigado a essa conduta como 'direito', este direito é apenas um reflexo daquele dever. A propósito, importa notar que 'sujeito' nesta relação é apenas o obrigado, isto é, aquele indivíduo que pela sua conduta pode violar ou cumprir o dever. O indivíduo que tem direito, isto é, aquele em face do qual esta conduta há de ter lugar, é apenas objeto da conduta que, como correspondente à conduta devida, está já conotada nesta. Este conceito de um direito subjetivo que apenas é o simples reflexo de um dever jurídico, isto é, o conceito de um direito reflexo, pode, como conceito auxiliar, facilitar a representação da situação jurídica. É, no entanto, supérfluo do ponto de vista de uma descrição cientificamente exata da situação jurídica. (...) ". Negritou-se. (^36) Definindo o direito subjetivo como sendo " permissões dadas por meio de normas jurídicas ",

Goffredo TELLES JUNIOR assevera tratar-se de direitos imanentes à natureza humana, para os quais a ordem jurídica tão somente assegura ao homem a possibilidade usar dessa faculdade que já lhe é intrínseca. O Direito Subjetivo , in Estudos , São Paulo, Juarez de Oliveira, 2005, p. 121: "O Direito Subjetivo é subjetivo porque as permissões, que o constituem, são próprias das pessoas que as possuem; são permissões que lhes pertencem , podendo ser usadas, ou não usadas, por elas; permissões, portanto, que a elas se sujeitam , e que, de certa maneira, estão dentro delas. (...) Os Direitos Subjetivos não se acham fora das pessoas que os detém; não se colocam diante delas. Pelo contrário, as permissões constitutivas de tais Direitos, após serem concedidas e assumidas, se incorporam a seus titulares, como qualidades próprias deles". (^37) H. KELSEN, Reine Rechtslehre , 1960, trad. port. de João Baptista Machado, Teoria Pura do

Direito , 6ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, pp. 144 e 145: "A concepção tradicional de que o direito é um objeto do conhecimento jurídico diferente do dever, de que àquele caberia mesmo a prioridade em relação a este, é sem dúvida devida à doutrina do Direito natural. Esta parte da suposição de direitos naturais, de direitos inatos ao homem, que existem antes de toda e qualquer ordem jurídica positiva. (...). Se se afasta a hipótese dos direitos naturais e se reconhecem apenas os direitos estatuídos por uma ordem jurídica positiva, então verifica-se que um direito subjetivo, no sentido aqui considerado, pressupõe um correspondente dever jurídico, é mesmo este dever jurídico". (^38) Caio Mário da SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil - Introdução ao Direito Civil - Teoria

Geral do Direito Civil, vol. I, 23ª ed. atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Forense, 2010, p. 26: