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NOTAS SOBRE A SOCIOANTROPOLOGIA DO ..., Notas de estudo de Etnologia

NOTAS SOBRE A SOCIOANTROPOLOGIA. DO DESENvOLvIMENTO. Marcelo Sampaio Carneiro. A combinação de heranças da etnologia e da sociologia da escola de Chica-.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
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PRÁTICAS, DISCURSOS E ARENAS:
NOTAS SOBRE A SOCIOANTROPOLOGIA
DO DESENvOLvIMENTO
Marcelo Sampaio Carneiro
A combinação de heranças da etnologia e da sociologia da escola de Chica-
go caracteriza uma das mais profícuas e atuais abordagens teóricas para o
estudo dos processos de desenvolvimento. Trata-se da socioantropologia do
desenvolvimento,1 que se contrapõe à sociologia quantitativista, à etnologia
patrimonialista focalizada no informante privilegiado e às sociologia e an-
tropologia ensaísticas, privilegiando o estudo empírico multidimensional dos
grupos sociais, através da análise de suas práticas e representações (ver Olivier
de Sardan, 1995, 2008; Bierschenck, 2007).
Este artigo pretende discutir a contribuição e os limites desse tipo de
análise2 a partir da abordagem elaborada por Olivier de Sardan e seus colegas
da Associação Euro-Africana para a Antropologia da Mudança Social e o Desen-
volvimento (APAD),3 que propõe uma ferramenta de investigação não-normativa
sobre os processos de desenvolvimento e apresenta diversas inovações meto-
dológicas para o estudo desses processos, combinando rigor analítico com um
diálogo respeitoso com os grupos que são objeto da intervenção dos dispositivos
de desenvolvimento.
O texto vai articular dois veis de reflexão. Em um primeiro momento,
a ênfase se dará sobre a trajetória recente dos estudos sobre processos de
desenvolvimento, que, partindo de uma crítica à sociologia do desenvolvimen-
to e à antropologia para o desenvolvimento, enunciam o surgimento de novas
abordagens. Nesse momento daremos ênfase ao surgimento da crítica à antro-
pologia do desenvolvimento realizada por autores pós-estruturalistas (Escobar,
1991; Viola, 2000) e ao surgimento da socioantropologia do desenvolvimento
(Olivier de Sardan, 1995, 2001; Bierschenck, 2008).
Em um segundo momento, o foco será direcionado para a discussão da
socioantropologia do desenvolvimento, destacando a metodologia dessa pro-
posta de investigação. Os pontos fortes e fracos dessa abordagem serão objeto
de análise, com destaque para as virtudes associadas a uma proposta de in-
vestigação centrada na pesquisa qualitativa, e para os problemas relacionados
a certo ecletismo teórico e à utilização de conceitos oriundos de tradições
intelectuais diferentes.
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PRÁTICAS, DISCURSOS E ARENAS:

NOTAS SOBRE A SOCIOANTROPOLOGIA

DO DESENvOLvIMENTO

Marcelo Sampaio Carneiro

A combinação de heranças da etnologia e da sociologia da escola de Chica- go caracteriza uma das mais profícuas e atuais abordagens teóricas para o estudo dos processos de desenvolvimento. Trata-se da socioantropologia do desenvolvimento, 1 que se contrapõe à sociologia quantitativista, à etnologia patrimonialista focalizada no informante privilegiado e às sociologia e an- tropologia ensaísticas, privilegiando o estudo empírico multidimensional dos grupos sociais, através da análise de suas práticas e representações (ver Olivier de Sardan, 1995, 2008; Bierschenck, 2007). Este artigo pretende discutir a contribuição e os limites desse tipo de análise 2 a partir da abordagem elaborada por Olivier de Sardan e seus colegas da Associação Euro-Africana para a Antropologia da Mudança Social e o Desen- volvimento (APAD), 3 que propõe uma ferramenta de investigação não-normativa sobre os processos de desenvolvimento e apresenta diversas inovações meto- dológicas para o estudo desses processos, combinando rigor analítico com um diálogo respeitoso com os grupos que são objeto da intervenção dos dispositivos de desenvolvimento. O texto vai articular dois níveis de reflexão. Em um primeiro momento, a ênfase se dará sobre a trajetória recente dos estudos sobre processos de desenvolvimento, que, partindo de uma crítica à sociologia do desenvolvimen- to e à antropologia para o desenvolvimento, enunciam o surgimento de novas abordagens. Nesse momento daremos ênfase ao surgimento da crítica à antro- pologia do desenvolvimento realizada por autores pós-estruturalistas (Escobar, 1991; Viola, 2000) e ao surgimento da socioantropologia do desenvolvimento (Olivier de Sardan, 1995, 2001; Bierschenck, 2008). Em um segundo momento, o foco será direcionado para a discussão da socioantropologia do desenvolvimento, destacando a metodologia dessa pro - posta de investigação. Os pontos fortes e fracos dessa abordagem serão objeto de análise, com destaque para as virtudes associadas a uma proposta de in- vestigação centrada na pesquisa qualitativa, e para os problemas relacionados a certo ecletismo teórico e à utilização de conceitos oriundos de tradições sociologia&antropologia | v.02.04: 129intelectuais diferentes.

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Neste segundo momento apresento os principais elementos que os auto - res da socioantropologia do desenvolvimento destacam como constitutivos de sua abordagem, procurando, ao mesmo tempo, estabelecer uma separação com crítica discursiva do desenvolvimento 4 (Escobar, 1991) e uma identificação com a sociologia do desenvolvimento centrada nos atores de Norman Long e seus colegas da Universidade de Wageningen 5 (Long, 1994; 2007; Arce & Long, 2007). Ao longo desta segunda parte destaco também as principais críticas le- vantadas por autores da escola de Wageningen (Arce & Long, 2007) à tentativa de Olivier de Sardan e seus colegas de fundar uma socioantropologia do desen- volvimento baseada no conceito do entrelaçamento das lógicas sociais (Olivier de Sardan, 2001; Bierschenck, 2007) e sustento a necessidade de diferenciar a utilização dos conceitos de campo e arena para dar conta das relações de poder presentes nas situações analisadas pela socioantropologia do desenvolvimento.

  1. A SOCIOANTROPOLOGIA E AS NOvAS ANTROPOLOGIAS DO DESENvOLvIMENTO

A trajetória dos estudos sobre o desenvolvimento pode ser associada, pelo me- nos nas duas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, aos destinos da sociologia e da economia do desenvolvimento. Como sublinhou Raymond Bou - don, num artigo que examina as causas do declínio desse tipo de abordagem: [...] quando fazemos a lista de trabalhos sociológicos, de ciência política ou de economia que chamaram a atenção, ou dos grandes nomes associados à noção de desenvolvimento, podemos assinalar sem dificuldade que esses trabalhos datam, em sua maioria, dos anos cinquenta e sessenta, com seu declínio iniciando nos anos setenta (Boudon, 2000, p. 253).

Esse período de apogeu da sociologia e da economia do desenvolvimen - to foi também a idade de ouro das explicações macrossociológicas sobre os fatores do atraso, do tradicionalismo, do subdesenvolvimento e dos mecanis- mos (teorias) necessários para superá-los. Para Long (1994, 2007), o predomínio desse tipo de abordagem estrutural, somado às fragilidades das análises dos processos de desenvolvimento que tomavam a perspectiva do ator como um elemento central, acabou por contribuir para o declínio dos estudos sobre o desenvolvimento. No caso específico dos Estados Unidos, a trajetória de inserção de pro- fissionais da antropologia nas instituições responsáveis pelo assessoramento das ações de desenvolvimento percorreu, ao longo do século XX, pelo menos três fases importantes. 6 De acordo com Ranc (1988), um primeiro momento de força ocorreu no período posterior à Segunda Guerra Mundial, trabalhando em organismos internos ( Bureau of Indian Affairs ) e na divisão de desenvolvimen- to comunitário da ICA ( International Cooperation Administration ), passando por

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cracia”, cujos trabalhos mais importantes serão produzidos por autores como Cernea e Horowitz. Nos anos 1990, outra vertente da antropologia norte-americana se inte - ressará pelo estudo dos processos e práticas do desenvolvimento (Viola, 2000; Faugère, 2000), assumindo o rótulo de antropologia do desenvolvimento e con- trapondo-se frontalmente à antropologia para o desenvolvimento (Escobar, 1997). Rompendo de forma decidida com a própria noção de desenvolvimento, essa corrente questionará os pressupostos impensados da utilização dessa no- ção, acentuando as relações de poder subjacentes à prática desenvolvimentista e ao papel performativo do seu discurso. A antropologia do desenvolvimento começa colocando em questão a noção mesma de desenvolvimento, fazendo valer, segundo uma perspectiva pós-estruturalista, que se nós desejamos compreender o desenvolvimento, devemos examinar como ele foi compreendido historicamente, segundo quais perspectivas, quais princípios de autoridade e com que tipo de consequências para determinados grupos de pessoas (Escobar, 1997: 546). Essa análise pós-estruturalista do desenvolvimento desloca seu foco da relação entre agentes do desenvolvimento e a população objeto de suas ações, tematizando a gênese e o estabelecimento da noção de desenvolvimento (como domínio do discurso e da ação), colocando em relevo três elementos: a) as formas de conhecimento subjacentes ao discurso do desenvolvimento; b) os sistemas de poder que regulam a prática do desenvolvimento; e, c) as formas de subjetividade mantidas por esse discurso e que estruturam a diferença de- senvolvidos/subdesenvolvidos (Escobar, 1996: 31; Lebrecque, 2000: 15). Para essa abordagem, o sistema de ajuda ao desenvolvimento é visto como uma máquina que despolitiza os temas que deve enfrentar (redução da pobreza, combate ao desmatamento, redução do aquecimento global etc.), que inventa problemas com os quais sua expertise pode lidar e que desconsidera ou- tros que seriam politicamente espinhosos (Escobar, 1991: 667; Faugère, 2000: 11). Em entrevista na qual realiza um balanço da sua abordagem, Arturo Escobar destaca um conceito como central – o de regularidade discursiva (Fou - cault) – para os estudos inspirados na antropologia do desenvolvimento. Este conceito ele utilizará para criticar o que seria a principal marca do campo de atuação das agências e dos profissionais do desenvolvimento, como aparece nesse excerto de entrevista concedida por ele a Andreu V. Recasens. Creio que as críticas feitas a esse trabalho sobre desenvolvimento (tanto o meu como os de outras pessoas em uma linha muito próxima, porém, centrando-me neste caso em meu livro) em geral são muito pertinentes. [...] Contudo, penso que o argumento geral, nos marcos do que faz a análise do discurso, o que Foucault chama de as regularidades discursivas, em termos da posição do sujeito desde a qual se pode falar sobre o desenvolvimento, creio que o argumento continua sendo válido, no sentido de que para falar de desenvolvimento – seja uma pequena ONG

artigo | marcelo sampaio carneiro

ou o Banco Mundial – essa posição tem que estar no mesmo espaço discursivo. [...] Ou seja, se alguém iria falar de desenvolvimento – pelo menos até o final dos anos 1980 – teria que repetir o discurso, e assim foi, com muitas variações, porque o discurso do Banco Mundial sem dúvida é muito distinto do discurso de muitas ONGs, porém, num dado nível, no plano das regularidades discursivas, me parece que todos os agentes que ocuparam ou que continuam ocupando esse grande espaço discursivo do desenvolvimento teriam que se envolver com esse discurso (Recasens, 2000: 149). Essa ruptura com o discurso do desenvolvimento levará Escobar (1997:

  1. a propugnar uma nova forma de pensar a relação com a ideia de que as sociedades devem ser modificadas por algo definido como o desenvolvimento, dando origem ao termo vagamente definido de pós-desenvolvimento, 9 termo com o qual pretende reunir experiências realizadas por grupos sociais autôno- mos, a partir de situações locais isoladas da lógica do capital e da ação estatal. De forma semelhante, num artigo em que critica o conceito de desenvol- vimento sustentável, ele propõe uma nova linguagem para tratar das relações entre sociedade e natureza que permita “às comunidades e nações do terceiro mundo reposicionarem-se nos espaços das conversações e processos globais que estão (re)configurando o mundo” (Escobar, 1995: 21). Outra vertente de renovação da antropologia do desenvolvimento será estabelecida por pesquisadores europeus no âmbito da Associação Euro-Afri- cana pela Antropologia da Mudança Social e do Desenvolvimento (APAD). Se- gundo Bierschenk (2008), essa antropologia do desenvolvimento tipicamente europeia tem suas raízes nos trabalhos de Norman Long, na Universidade de Wageningen, e de J-P. Olivier de Sardan, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) de Marselha. Para Olivier de Sardan (2001) o ponto comum dessas duas tradições que confluíram para a antropologia do desenvolvimento da APAD é a atenção conferida à dinâmica das lógicas sociais presentes nas situações de interação em que desenrolam as ações de desenvolvimento.

Essa perspectiva da diversidade de lógicas sociais em imbricação e em interação foi desenvolvida, no que concerne à antropologia do desenvolvimento, por dois polos, de maneira independente: um polo principalmente anglófono, em torno de Norman Long, na Holanda; um polo mais francófono, configurado pela APAD (Olivier de Sardan, 2001: 743). Apesar da crítica às práticas e aos discursos das agências de desenvolvi- mento, os trabalhos desses pesquisadores tomam certa distância da abordagem pós-estruturalista do desenvolvimento, 10 estabelecendo como programa de in- vestigação o exame aprofundado dos processos de mudança socioeconômica e política, procurando tornar exótico o conceito de desenvolvimento, analisando-o como uma situação específica. Para esses autores o desenvolvimento pode ser concebido como:

artigo | marcelo sampaio carneiro

constrangimentos que envolvem qualquer ação, destaca os atores como capazes de interferir nas ações e nas políticas que lhes são direcionadas. Entretanto, no processo de valorização do ator, essa socioantropologia do desenvolvimento faz questão de se dissociar da abordagem que classifica como “populismo ideológico”, cujo principal defeito consiste na valorização de forma acrítica da capacidade de ação dos grupos sociais marginalizados, identificando nas populações rurais ou no campesinato somente qualidades positivas (Olivier de Sardan, 1995: 105). Contra esse tipo de populismo 13 a so- cioantropologia do desenvolvimento vai defender o populismo metodológico, que “considera que os grupos ou atores de baixo possuem conhecimentos e estratégias que precisam ser investigadas, mas, sem se pronunciar sobre seu valor ou sua validade” (Olivier de Sardan, 2001: 738). Essa nova forma de analisar implica tomar os processos de desenvolvi- mento em seus diversos níveis, articulando diferentes escalas de análise, “desde os grupos focais dos projetos, a burocracia desses projetos, as categorias que orientam as práticas dos agentes do desenvolvimento, os aparatos do Estado e seu pessoal, as organizações do desenvolvimento (governamentais ou não), burocracias nacionais e multilaterais do desenvolvimento” (Bierschenck, 2007). Como indica essa breve revisão de literatura, a reflexão antropológica sobre a prática e o discurso das ações de desenvolvimento ganhou impulso nas últimas décadas do século XX, permitindo, por um lado, a forte crítica das ações de desenvolvimento e, por outro, a constituição de uma disputa teórica entre (pelo menos) duas formas de apresentar o que seria uma renovada antropologia do desenvolvimento. Este debate pode ser apresentado como o confronto entre a corrente centrada na desconstrução do discurso do desenvolvimento e a versão crítica da ação desenvolvimentista centrada na abordagem do entrelaçamento das lógicas sociais (APAD). 14 Entretanto, apesar dessas divergências, vale destacar a existência de pontos comuns reclamados por essas duas abordagens. Dois deles nos parecem mais estimulantes, caso da abertura de novos campos de investigação 15 e da necessidade de renovação dos estudos sobre o desenvolvimento pelo conjunto das ciências sociais, uma vez que ela exige a construção de novos conceitos, a elaboração de novas estratégias de investigação e de novos dispositivos meto - dológicos, questões que exploraremos na próxima seção deste artigo.

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  1. SOBRE OS MéRITOS DA SOCIOANTROPOLOGIA DO DESENvOLvIMENTO

A abordagem da socioantropologia do desenvolvimento possui diversos méritos, dentre os quais considero como os mais importantes a sua ênfase na produção de estudos sobre processos de desenvolvimento com forte ancoragem empírica e a procura de uma abordagem teórica consistente, recusando o discurso fácil do desconstrutivismo e do chamado populismo ideológico. A preocupação com a dimensão teórica está relacionada com a neces- sidade de dissociar a antropologia do desenvolvimento de uma simples apli- cação de conhecimentos antropológicos, procurando conferir legitimidade a essa subdisciplina, de forma que ela possa ser considerada como um campo de estudos tão nobre quanto os objetos mais clássicos da antropologia (parentesco e religião) (Olivier de Sardan, 2004; Bierschenck, 2008). Outra característica importante da socioantropologia do desenvolvi- mento é a recusa da separação 16 ( grand partage ) de objetos de estudo entre a sociologia e a antropologia. Nesse sentido, ela procura combinar as tradições da sociologia da Escola de Chicago com a pesquisa etnográfica (Olivier de Sardan, 1995: 10). Vale dizer que essa aproximação de objetos de estudo e de métodos de investigação deu origem a um conjunto importante de trabalhos nas ciências sociais francesas que reivindica, de forma explícita ou implícita, a etiqueta de socioantropologia, cuja singularidade seria, segundo Juan (2005), o desenvolvimento de uma técnica de pesquisa específica, unindo entrevista e observação de campo. A reivindicação da herança metodológica da etnologia (não culturalista) e da sociologia da Escola de Chicago leva a socioantropologia do desenvolvi- mento a destacar a necessidade do “rigor do qualitativo”, colocando a pesquisa de campo em suas diferentes perspectivas como o método de investigação por excelência (Olivier de Sardan, 2008a), ao mesmo tempo em que propugna a recusa de uma posição normativa e a utilização reflexiva das principais aqui- sições dos métodos de pesquisa centrados no trabalho de campo. Com efeito, em um domínio – o desenvolvimento – saturado de pontos de vista morais e normativos [...] – essa antropologia do desenvolvimento, [...], dá primazia à enquete, recusa tanto quanto possível os a priori morais e ideológicos e utiliza vários métodos da pesquisa de campo habituais da etnologia, para estudar, simultaneamente, as instituições do desenvolvimento e as populações que com elas se relacionam, as in- terações entre “développeurs et développés” e as estratégias de atores pertencentes a mundos sociais diferentes que são colocados em contato pela prática e pelas políticas do desenvolvimento (Olivier de Sardan, 2007: 547). O estado de alerta quanto à intromissão de aspectos morais e norma- tivos nas análises da socioantropologia do desenvolvimento não implica uma postura naïf ou positivista quanto à relação entre interesses sociais e ciência,

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atuação prática dos organismos financiadores, enquanto o quarto e último nível de coerência está relacionado com a lógica de funcionamento da organização que realiza o projeto. A observação desses diferentes níveis de coerência que devem perpassar uma ação de desenvolvimento aponta para a complexidade inscrita na opera- cionalização de um projeto, cuja execução “envolve um conjunto diferenciado de atores sociais, oriundos de mundos diferentes e cujos comportamentos são orientados por lógicas múltiplas” (Olivier de Sardan, 1995: 125). Para exemplificar a pertinência dessas orientações indicadas pela so- cioantropologia do desenvolvimento apresento a seguir alguns exemplos de contradições entre os níveis de coerência de ações (projetos) de desenvolvi - mento que estudei nos últimos anos. O primeiro caso refere-se à proposta de desenvolvimento regional in- tegrado apresentada pelo governo federal quando da execução do Programa Grande Carajás, na Amazônia Oriental brasileira (Pinto, 1982), cujos resultados mostraram que a ideia de desenvolvimento regional integrado, articulando as diferentes regiões e setores econômicos da região atravessada pela principal infraestrutura do Programa (a Estrada de Ferro Carajás), ficaram apenas no papel. Tomando o argumento da necessária coerência entre os diferentes ní- veis de coerência de um projeto desenvolvimento, podemos nos perguntar se a conjuntura econômica na qual esse Programa foi elaborado não continha de antemão os fundamentos de seu fracasso enquanto ação de desenvolvimento regional integrado, uma vez que sua apresentação ocorreu num momento em que o Estado brasileiro passava a enfrentar dificuldades de financiamento e com a redução de sua capacidade operacional na região Amazônica (Carneiro, 1994). Da mesma forma, poderíamos indagar o que poderia ser esperado das ações de apoio a pequenos projetos de desenvolvimento sustentável dirigidos por organizações indígenas e camponesas na Amazônia brasileira pelo Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais (PPG-7), 19 quando todo um conjunto de políticas (fundiária, agrícola, creditícia, fiscal etc.) operava em sentido contrário ao desenvolvimento da produção agroextrativista? Outro aspecto destacado pela socioantropologia do desenvolvimento refere-se às diferentes formas pelas quais um projeto de desenvolvimento é recebido por seu público-alvo. Segundo essa abordagem, dois princípios operam nessas situações: um princípio de seleção e um princípio de contorno do projeto (Olivier de Sardan, 1995). Tanto em um caso como em outro o que prevalece é a ideia que o público da ação desenvolvimentista não é passivo, atuando, pelo contrário, através de mecanismos de seleção e de recusa do que lhe é proposto pelo dispositivo da ação de desenvolvimento.

artigo | marcelo sampaio carneiro

Esses princípios são operados de forma diferenciada segundo o contexto e as lógicas que presidem a ação do público-alvo, que, segundo Olivier de Sar - dan (1995: 134-137) pode funcionar numa perspectiva de obter segurança, de ampliar o tempo ou o escopo dos benefícios recebidos, ou simplesmente de se apropriar do que lhe é oferecido pela ação de desenvolvimento. Um exemplo dessas estratégias (de seleção e de contorno) operando num projeto de desenvolvimento pode ser vista no caso da proposta de inclusão de assentados de reforma agrária no abastecimento de matéria-prima para a indústria madeireira na Amazônia, denominada de florestas familiares (Lima et al., 2003). Elaborada com o intuito de viabilizar a exploração da reserva legal dos assentamentos e de favorecer economicamente os assentados, a proposta acabou sendo instrumentalizada por agentes da indústria madeireira, que viram nela a possibilidade de obter o recurso florestal necessário, sem se compro- meter com as exigências de logo prazo que a exploração através do manejo florestal exige (Carneiro, 2012).

2.2. Representações e estereótipos do mundo a ser “ajudado” Um último aspecto que pode ser destacado dessa abordagem é a constatação de que a ação desenvolvimentista é organizada a partir de “um conjunto de representações que estruturam a percepção que os atores da configuração desenvolvimentista possuem do mundo desejado e do mundo real” (Olivier de Sardan, 1995: 59). Essas representações do senso comum douto, chamadas pelo autor de infraideologias do desenvolvimento, que são partilhadas pelos atores presentes na configuração desenvolvimentista, qualquer que seja sua filiação política, são normalmente produzidas a partir de teorizações acadêmicas e possuem como principal defeito o fato de procurar generalizar explicações que são necessariamente parciais. Outra forma de apresentar esse descompasso entre realidade (real de referência) e a interpretação científica 20 aparece para os autores da socioantro- pologia do desenvolvimento como o produto das diferentes formas que levam ao que eles denominam dos equívocos da superinterpretação, isto é, relacionado com a projeção de um excesso de sentido sobre a análise dos dados (Olivier de Sardan, 2008a: 259). Esse excesso interpretativo é visto como o resultado de duas tendências, como o fruto de “uma projeção excessiva de preconcep- ções e/ou de uma preguiça metodológica”, cujo resultado se manifesta de for - mas diversas (redução da explicação a um único fator, obsessão da coerência, generalização abusiva etc.), quando da elaboração de interpretações sobre a realidade estudada. Essa preponderância do estereótipo sobre a realidade é um aspecto comumente observável em ações (políticas públicas) que têm o campesi- nato como público-alvo. No caso brasileiro ele aparece geralmente com a identificação dos camponeses como um grupo social avesso aos estímulos

artigo | marcelo sampaio carneiro

O uso eclético de contribuições oriundas de diferentes corpos teóricos aparecem para Olivier de Sardan (1995: 91) como uma necessidade de romper com o espírito de escola 22 e a compreensão de que as disputas de paradigmas nas ciências sociais implica uma espécie de lei, segundo a qual “cada novo ponto de vista se constitui através da oposição ao ponto de vista anterior”, contribuindo, dessa forma, para a formação de ortodoxias e não para o diálogo entre diferentes pontos de vista. Todavia, justamente o uso eclético de abordagens diferentes 23 quanto ao papel do ator e da estrutura nos estudos sobre desenvolvimento será obje- to de uma crítica dirigida a Olivier de Sardan por autores da chamada Escola de Wageningen. Como apresento em seguida, Arce & Long (2007) defendem a utilização de uma perspectiva centrada nos atores como o caminho mais in- teressante da análise de processos de desenvolvimento, destacando, por outro lado, os problemas relacionados com a utilização do conceito de entrelaçamento das lógicas sociais. O uso eclético de dois conceitos – campo e arena – também nos parece um elemento discutível da perspectiva teórica defendida pela socioantropo- logia do desenvolvimento, uma vez que eles remetem a corpos teóricos (pelo menos o conceito de campo) bastante fechados, motivo pelo qual sustento que a utilização de um e de outro não pode ser feita de forma tão livre como propugna Olivier de Sardan.

3.1. Interacionismo metodógico ou teoria centrada nos atores? Após criticar a disputa entre individualismo e holismo metodológico, procu- rando situar-se a meio caminho dessas abordagens, Olivier de Sardan defende, em outro momento, uma abordagem classificada como interacionista meto- dológica, 24 o que lhe permite apresentar a perspectiva da antropologia do de- senvolvimento da APAD e da Escola de Wageningen como centradas na análise do “entrelaçamento das lógicas sociais” dos diferentes atores presentes nas arenas em quem se desenrolam os processos de desenvolvimento (Olivier de Sardan, 2001). Como sugerem os autores da socioantropologia do desenvolvimento, tomar a ideia do entrelaçamento das lógicas sociais como chave para a análi- se dos processos de desenvolvimento implica considerar as múltiplas lógicas que funcionam nesses processos, observando como elas se combinam ou se rejeitam, dando origem a um fenômeno novo, que é o resultado da ação de- senvolvimentista, produto este diferente do que foi projetado pelos agentes do desenvolvimento ou dos interesses do público-alvo da ação desenvolvimentista.

A noção de entrelaçamento implica uma ideia de mescla, de mistura, de interpen- etração de estratégias e lógicas sociais que dão origem a um produto final dotado de qualidades próprias, no qual não é possível reconhecer a marca dos seus com- ponentes iniciais (Bierschenck, 2007: 33).

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Contudo, em artigo apresentado na obra comemorativa dos trabalhos de Olivier de Sardan (Bierschenck et al., 2007), Alberto Arce e Norman Long – re- presentantes da Escola de Wageningen – recusam a ideia de que seus trabalhos possam ser considerados como baseados no entrelaçamento de lógicas sociais, defendendo a perspectiva de análise centrada nos atores. A maior vantagem da análise centrada no ator é que ela permite explorar um amplo leque de capacidades que os atores possuem para intervir no mundo material e social, conferindo especial atenção aos tipos de conflitos e negociações relaciona- das com as formas de interface social e a emergência de práticas que modificam modos de vida e identidades existentes e que não podem ser facilmente assimi- ladas nas rotinas estabelecidas cotidianamente. Tais relações sociais e interfaces enriquecem as experiências de vida dos atores por meios que afetam suas liga- ções e sentimentos individuais. Esses últimos não podem ser reduzidos de forma simples à noção de entrelaçamento de lógicas sociais (Arce & Long, 2007: 108-109). Arce & Long (2007: 109) também criticam a ideia de que sua abordagem possa ser reduzida ou enquadrada em uma análise que tem como elemento central o conceito de lógicas sociais. Para esses autores, pensar o desenvol- vimento a partir do cruzamento de diferentes lógicas elaboradas por grupos sociais acaba por conferir um aspecto esquemático e fixo às dimensões mais importantes que caracterizam uma interação, ou seja, os elementos contin- gentes, ambivalentes e heterogêneos que marcam as ações sociais. Por este motivo eles preferem utilizar a noção de interface, a partir da qual procuram apreender o movimento dos atores nas situações analisadas. Podemos compreender melhor essa opção desses autores pelo concei- to de interface vis-à-vis o de entrelaçamento das lógicas sociais pelo foco do primeiro na interação dos indivíduos em relação – os “elos e redes que se de- senvolvem entre indivíduos ou partes” (Long, 2007: 142) –, o que pode permitir aos autores da escola de Wageningen um certo desleixo com os componentes mais estruturais que marcam as situações de desenvolvimento ou a fazer com que eles propugnem a necessidade da reconstrução do conceito de estrutura (Long & Van Der Ploeg, 1994) em termos que, segundo nossa interpretação, o conceito de estrutura acaba perdendo sua substância, uma vez que ele é pensado como produto da “contínua interação e transformação recíproca dos projetos dos atores” (Long, 2007: 130). Esse viés interacionista do conceito de estrutura de Long e seus colegas talvez possa ser justificado pelo tipo de objeto de estudo abordado (transmissão de conhecimentos, interação camponeses x técnicos, relação dos camponeses com o mercado), mas é de difícil sustentação quando pensamos em situações de desenvolvimento que envolvem o deslocamento forçado de pessoas para a construção de hidrelétricas (Castro, 1989; Magalhães, 1991), para bases milita- res (Souza Filho, 2009) ou outros tipos de grandes projetos industriais (Vainer & Araújo, 1992).

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Aqui aparece uma vez mais o “ecletismo impenitente” dos autores da so- cioantropologia do desenvolvimento, ao proporem o uso de conceitos oriundos de abordagens teóricas opostas para o estudo de situações de desenvolvimento. Entretanto, é possível questionar sobre a pertinência da comple mentaridade entre uma análise micro (arena) e uma perspectiva macro (campo), uma vez que o estudo de situações sociais em termos da teoria dos campos implica considerar os agentes (com suas disposições e habitus ) de uma forma bastante diferente da que normalmente é utilizada numa abordagem que pensa os atores em interação (arena) com uma forte capacidade de agência, de manipulação dos recursos e da própria situação. 28 A esse respeito podemos citar a crítica de Bourdieu ao interacionismo (metodológico) da abordagem dos fenômenos econômicos em termos de redes sociais, solução que, segundo esse autor, tem por consequência “fazer desapa - recer todos os efeitos da estrutura social e todas as relações objetivas de poder”, representando uma falsa alternativa ao debate entre holismo e individualismo metodológico (Bourdieu, 2000: 242). Além dessa crítica, outra dificuldade em conciliar estudos sobre proces- sos de desenvolvimento com a teoria dos campos diz respeito ao tipo de inves- timento investigativo que essa teoria exige, com a análise do tipo de capital específico do campo em questão, das disposições e do posicionamento dos agentes nesse campo, 29 das relações estabelecidas com outros campos (campo político, campo intelectual), o que faz com que, na maior parte das vezes, a menção à teoria dos campos realizada por estudiosos do desenvolvimento seja de natureza apenas metafórica. 30 De forma semelhante, mas em sentido contrário, outros utilizadores do conceito de arena na socioantropologia francesa, como Daniel Céfai (1996), pro- curam sublinhar as diferenças desse conceito em relação ao de campo, recusa- ndo a ideia de que os atores se orientem na arena buscando acumular diferentes espécies de capitais e que a publicidade (que marca o conceito de arena pública) seja uma espécie de illusio que caberia à análise sociológica desconstruir. Creio que não por outro motivo as posições mais recentes dos defen- sores da socioantropologia do desenvolvimento (Olivier de Sardan, 2005; 2007) são marcadas pelo privilegiamento de uma abordagem centrada na interação e pela utilização do conceito de arena, 31 deixando de lado os componentes mais estruturais (ou “dominocêntricos”) que normalmente estão associados à abordagem de Bourdieu. 32

artigo | marcelo sampaio carneiro

CONCLUSÃO

Um dos principais méritos da socioantropologia do desenvolvimento é o de procurar estabelecer uma base consistente aos estudos sobre os processos de desenvolvimento, conferindo a esse campo de investigação um estatuto teórico respeitável em consonância com o debate contemporâneo das Ciências Sociais. Nesse movimento, seus defensores foram levados a refinar sua argumen- tação, detalhando suas escolhas teóricas ao mesmo tempo em que se posicio- naram face às abordagens concorrentes, escolhendo o populismo metodológico e a antropologia do desenvolvimento pós-estruturalista como adversários, 33 ao mesmo tempo em que procuram estabelecer uma aliança com os trabalhos de Norman Long e seus colegas da Universidade de Wageningen. 34 Se no campo dos estudos sobre desenvolvimento a posição da socioan- tropologia do desenvolvimento é clara e facilmente sustentável, com sua recusa aos excessos do populismo ideológico e da abordagem desconstrutivista, suas escolhas no debate mais amplo das Ciências Sociais nem sempre se mostraram coerentes, necessitando de retificações a posteriori. A tentativa de conciliar conceitos oriundos de escolas teóricas diferentes (campo e arena), bem como o esforço em unificar um conjunto de trabalhos sobre o desenvolvimento em torno da ideia do entrelaçamento de lógicas sociais mostram as dificuldades enfrentadas por uma abordagem que, situando-se num campo disciplinar específico (da socioantropologia desenvolvimento), tem de enfrentar o desafio de produzir explicações que lidam com os principais termos do debate contemporâneo das Ciências Sociais. Afinal de contas, que tema mais espinhoso para enfrentar o debate sobre a articulação entre ação e estrutura, acerca das relações entre dimensões macro e micro da vida social (Olivier de Sardan, 2008a: 246-252) 35 que o das operações de desenvolvimento? Como pensar, por exemplo, a relação entre comunidades ou grupos sociais atingidos por obras de grande envergadura – vide a literatura sobre a implantação de grandes projetos de investimento (Ribeiro, 1991; Vainer & Araújo, 1992) – sem entrar no debate sobre dominação e resistência? A crítica polida de Arce & Long (2007) à tentativa de resolver parte desse debate com o recurso ao conceito de entrelaçamento das lógicas sociais mos- tra que o esforço da socioantropologia do desenvolvimento em pôr um fim às querelas entre escolas de pensamento (Olivier de Sardan, 2008a: 256) está longe de ser alcançado, exigindo um esforço maior na apresentação dos seus argumentos interpretativos. O anúncio da ampliação do campo de estudos dessa abordagem, designa- da agora como uma socioantropologia dos espaços públicos africanos 36 (Olivier de Sardan, 2007), apenas amplia os desafios dessa proposta de investigação, que estende seus horizontes para um leque maior de objetos de investigação.

Recebido para publicação em junho de 2011.

artigo | marcelo sampaio carneiro

NOTAS

1 Também identificada como antropologia do desenvolvi- mento da APAD, rede de pesquisadores que foi criada no início dos anos 1990 e, como o próprio nome sugere, reúne pesquisadores e praticantes europeus e africanos que têm no estudo de processos de desenvolvimento seu objetivo comum (Bierschenck, 2008).

2 Essa reflexão nasceu nas discussões realizadas no âm- bito do projeto de pesquisa “Amazônia e os Paradigmas do Desenvolvimento”, que foi desenvolvido com recursos do Programa de Cooperação Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (PROCAD) e que contou com a participação de professo- res do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (PPGCSOC/UFMA), do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (PPGCS/UFPA).

3 A APAD possui um boletim disponível na internet no qual podem ser encontradas contribuições sobre os principais temas estudados por seus pesquisadores. Ver <http://apad. revues.org/>. O manifesto de lançamento da associação está disponível no seu primeiro boletim: <http://apad.re- vues.org/327>.

4 Olivier de Sardan (2001) critica também a vertente de análise que denomina de populismo ideológico, exempli- ficada pelo trabalho de M. Hobbart, a partir da distinção que faz entre um populismo de boa qualidade (metodológi- co), que procura levar em conta as capacidades dos atores, contra um tipo de populismo (ideológico) que entrava a capacidade de conhecimento, ao valorizar de forma acrítica o saber e as competências desses atores.

5 Os estudos sobre desenvolvimento realizados pela denomi- nada escola de Wageningen (Holanda) referem-se aos trab- alhos impulsionados, a partir de 1981, por Norman Long e que serão identificados pela etiqueta da “análise orientada para os atores” (Guivant, 1997; De La Pena, 2007).

6 Para Bierschenk (2008: 6-7) o antecedente histórico dessa utilização da antropologia por instituições de desenvolvim-

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entos é a antropologia aplicada, tal como esta foi elaborada por antropólogos americanos desde os anos 1930, em tra- balhos sobre reservas indígenas, organizações industriais e estudos de comunidades rurais, no âmbito do New Deal da administração Roosevelt. 7 A evolução do número de antropólogos no âmbito da US- AID é destacada por Viola (2000: 26), que passam de 1, em 1974, para 22, em 1977, e 50, em 1980. Escobar (1991: 666) chama a atenção para o fato que essa expansão ocorrerá também em organizações privadas que passam a se apre- sentar como portadoras da expertise necessária para reali- zar estudos que incorporam a perspectiva da antropologia associada ao desenvolvimento. 8 A. Hirschman argumenta que o declínio da prática e da teoria do desenvolvimento está referida à sua fragilidade teórica e à “sucessão de desastres políticos que se produzi- ram em numerosos países do terceiro mundo a partir dos anos 60 – desastres ligados evidentemente, de um modo ou de outro, às tensões produzidas pelo desenvolvimento e pela modernização” (Hirschman, 1985: 74). 9 O termo pós-desenvolvimento recobre um conjunto de ini- ciativas que vêm sendo desenvolvidas de forma autônoma por grupos sociais em diversas partes do mundo. Segundo a interpretação proposta por Rist (2007), a principal caracte- rística dessas iniciativas é sua autonomia face ao mercado e ao Estado. 10 Como destaca Bierschenck, a fragilidade desse tipo de abordagem tem como marco o fato de que “o discurso é confundido com a prática e os efeitos anunciados com a realidade” e pelo tratamento da “máquina desenvolvimen- tista como uma caixa-preta, pois não sabemos como e por quem o discurso (do desenvolvimento) é produzido e, ain- da menos, como ele é recebido e pode ser desconstruído” (Bierschenck, 2008: 13). 11 Como no caso dos conceitos de populismo, individualismo e holismo, Olivier de Sardan também distingue um bom e um mau uso do conceito de interação. O mau uso do conceito de interação seria aquele que o confina às “situações de intera- ção e na busca de uma gramática formal dessas interações (os trabalhos de orientação etnometodológica ilustram bem essas armadilhas)” (Olivier de Sardan, 2001: 742).