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Este documento discute sobre a importância da avaliação neuropsicológica na detecção e avaliação de concussões cerebrais em atletas de alto desempenho. O texto aponta estudos que utilizaram diferentes métodos de avaliação, como baterias digitais, controle postural e autorrelato de sintomas, para identificar prejuízos e avaliar a recuperação. Além disso, o documento destaca a importância de biomarcadores para o diagnóstico de concussões, a iniciativas da american academy of clinical neuropsychology (aacn) para a conscientização sobre a concussão esportiva e a necessidade de avaliações anuais para avaliar efeitos a longo prazo.
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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) Presidente Deborah Amaral de Azambuja Vice-presidente Rochelle Paz Fonseca Tesoureira Geral Andressa Moreira Antunes Tesoureira Executiva Beatriz Bittencourt Ganjo Secretária Geral Katie Almondes Secretária Executiva Luciana Siqueira Conselho delibetarivo Annelise Júlio Costa Leandro Malloy-Diniz José Neader Abreu Paulo Mattos Conselho Fiscal Fernando Costa Pinto Lucia Iracema Mendonça Marina Nery SBNp Jovem Presidente Victor Polignano Godoy Vice-presidente Thais Dell’Oro de Oliveira Secretário Geral Lucas Matias Felix Membros da SBNp Jovem Alberto Timóteo (MG) Alexandre Marcelino (MG) Ana Luiza Costa Alves (MG) André Ponsoni (RS) Emanuelle Oliveira (MG) Érika Pelegrino (RJ) Giulia Moreira Paiva (MG) Luciano Amorim (PA) Maila Holz (RS) Marcelo Leonel (RJ) Mariana Cabral (MG) Mariuche Gomides (MG) Patrícia Ferreira da Silva (RS) Priscila Corção (RJ) Waleska Sakib (GO) 02 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/
Sumário REVISÃO HISTÓRICA Concussão cerebral esportiva: aspectos psicométricos dos intrumentos de avaliação REVISÃO ATUAL Esporte em contexto escolar: quais as evidências para efeitos cognitivos da prática esportiva? RELATO DE PESQUISA Origens das pesquisas em neuropsicologia do esporte: a con- cussão no futebol americano e no boxe de alto rendimento ENTREVISTA
04 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ Concussão Cerebral Esportiva: Aspectos Psicométricos dos Intrumentos de Avaliação
A neuropsicologia do esporte é definida como uma especialidade da neuropsicologia clínica que estuda a relação cérebro-comportamento, intervindo no tratamento de lesões cerebrais decorrentes da prática esportiva (Maerlender, 2018). Segundo a Sports Neuropsychology So- ciety (2018), o maior foco da neuropsicologia do esporte é a avaliação e acompanhamento da evolução das lesões, em casos de concussão cerebral esportiva. Com isso, o conhecimento psicométrico dos instru- mentos de avaliação é considerado base específica de especialização para os profissionais que pretendem trabalhar com a neuropsicologia do esporte. As concussões cerebrais podem ser consideradas agudas, quando relacionadas a um evento traumático, ou crônicas, proveniente de um evento traumático com consequencias em longo prazo ou devido à recorrência de vários eventos traumáticos, de diferentes magnitudes. Os principais sintomas, em curto prazo, das concussões cerebrais são: perda da consciência, diminuição do equilíbrio, convulsões, sonolência, náuseas, dores de cabeça, hipersensibilidade a luz, irritabilidade, con- fusão mental, hipersensibilidade ao som. Os principais sintomas de lon- go prazo incluem: perda progressiva de memória, perda progressiva no tempo de reação e velocidade de processamento, desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, dificuldade de planejamento e raciocínio lógi- co (Ianof et al., 2014). Talita Rocha Santos e Marcela Mansur-Alves
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ a NFL contava com uma bateria de avaliação com duração aproximada de 30 minutos (Pellman et al., 2004). Faziam parte da bateria o teste de aprendizagem e memória verbal Hopkins Verbal Learning Test (Brandt, 1991). Outro teste utilizado era o Brief Visuospatial Memory Test (Be- nedict, 1997), com a finalidade de avaliar a memória visual. Para avalia- ção da velocidade de processamento e planejamento utilizava-se o Trail Making Test (Reitan & Wolfson, 1985). Faziam parte da bateria, ainda, o teste de fluência verbal Controlled Oral Word Association Test (Benton & Hamsher, 1989) e três subtestes da WAIS III (Wechsler, 1997), Pro- curar Símbolos, Código e Dígitos, que avaliam velocidade de processa- mento, organização perceptual, memória de curto prazo e memória de trabalho. Apesar de essa bateria ter sido amplamente utilizada pelos times da NFL no início do século XXI, e ainda hoje servirem para avaliação de linha de base em alguns times (Maerlender, 2018), a avaliação no for- mato digital tem ganhado espaço, por apresentar vantagens. Segundo Brittany e Jefferey (2010), a avaliação digital possibilita maior precisão da marcação do tempo de reação e da velocidade de processamento, facilidade no armazenamento de dados e facilidade de apresentação de itens aleatórios que minimizam o efeito de prática. Esse último ponto é especialmente relevante, uma vez que a American Academy of Clini- cal Neuropsychology (AACN) exige avaliação anual de todos os atletas de esporte de contato, para avaliar efeitos da concussão a longo prazo (Echemendia et al., 2012). Atualmente 9 baterias digitais apresentam validade preditiva e con- corrente para concussão esportiva (Maerlender, 2018). Bleiberg et al., (2000) avaliaram 122 atletas escolares por meio da bateria digital Auto- mated Neuropsychological Assessment Metric (Kane & Reeves, 1997), que avalia tempo de reação simples, memória de curto prazo, proces- samento matemático e processamento espacial, por meio de 5 tarefas. Os autores compararam o desempenho dos atletas com medidas tra- dicionais utilizadas na NFL, encontrando concordância entre as medi- das neuropsicológicas, o que fornece apoio à validade de construto da ANAM. Resultados similares foram encontrados por Collie et al. (2003), que compararam os resultados de 240 atletas de elite australianos por meio da bateria digital CogSport, com os testes tradicionais Trail Making Test (Reitan & Wolfson, 1985) e o Subteste Dígitos (Wechsler, 1997). Outra bateria comumente utilizada no contexto esportivo é a Concus-
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ sion Resolution Index (CRI), aplicada em plataforma online. A bateria foi construída especificamente para a avaliação de concussões cerebrais esportivas, sendo composta por seis subtestes que avaliam tempo de reação, organização perceptual e velocidade de processamento. O CRI apresenta evidências de validade concorrente, apresentando correla- ções estatisticamente significativas com o subteste Procurar Símbo- los da Escala Wechsler de inteligência para adultos (WAIS- III) e Trail Making Testing (Erlanger et al., 2003). Schatz e Sandel (2013) avaliaram 81 atletas três dias após sofrerem concussão esportiva, divididos em dois grupos: atletas que relataram sintomas e um grupo assintomático. Nesse estudo foi utilizado a bateria digital ImPACT (Maroon et al., 2000) que avalia memória verbal e visual, velocidade de processamento, tempo de reação e controle inibitório. O instrumento apresentou 91,4% de sensibilidade e 69,1 % de especifici- dade. Para o grupo de atletas suspeitos de esconderem sua lesão, na avaliação de autorrelato, o teste apresentou 94,6 % de sensibilidade e 97,3% de especificidade. Um ponto de interesse no estudo e avaliação das concussões cerebrais esportivas são os seus efeitos em longo prazo, principalmente no que se refere à recorrência das lesões. Hume et al. (2017) verificaram a valida- de preditiva da bateria digital CNS Vital Signs, composta por sete sub- testes que avaliam tempo de reação motor, velocidade de processa- mento funções executivas, atenção simples, memória verbal e atenção concentrada. Os pesquisadores avaliaram 366 ex-jogadores de Rugby, (média de idade 43,3 ± 8,2 anos), divididos em grupo com histórico de concussão e sem histórico de concussão. O grupo com histórico de concussão apresentou pior desempenho em testes de atenção com- plexa, velocidade de processamento e funções executivas. Além disso, todos os grupos apresentaram resultados piores em tempo de reação e memória verbal quando comparado com as normas estadunidenses. No contexto brasileiro não existe regulamentação para a avaliação de concussões cerebrais esportivas. A Confederação Brasileira de Fute- bol (CBF), por orientação da FIFA (Federação Internacional de Futebol) apresentou em 2014 a Concussion Recognition Tool (CRT), uma ferra- menta para auxílio no diagnóstico de concussão cerebral, baseada em sintomas clínicos e de autorrelato, observados quando ocorre algum acidente durante as partidas de futebol. A avaliação médica é funda- mental para a remoção do atleta da partida e encaminhamento imediato
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ (2012). The utility of post-concussion neuropsychological data in identifying cognitive change following sports-related MTBI in the absence of baseline data. The Clinical Neuropsychologist, 26(7), 1077-1091. https://doi.org/10.1080/13854046.2012. 006 Erlanger, D., Feldman, D., Kutner, K., Kaushik, T., Kroger, H., Festa, J., & Broshek, D. (2003). Development and validation of a web-based neuropsychological test protocol for sports-related return-to-play decision-making. Archives of Clinical Neuropsycho- logy, 18(3), 293-316. https://doi.org/10.1093/arclin/18.3. Hume, P. A., Theadom, A., Lewis, G. N., Quarrie, K. L., Brown, S. R., Hill, R., & Marshall, S. W. A. (2017). A comparison of cognitive function in former rugby union players com- pared with former non-contact-sport players and the impact of concussion history. Sports Medicine, 47, 1209–1220. Ianof, J. N., Freire, F. R., Calado, V. T. G., Lacerda, J. R., Coelho, F., Veitzman, S., & Basile, L. F. H. (2014). Sport-related concussions. Dementia & neuropsychologia, 8(1), 14-19. http://dx.doi.org/10.1590/S1980-57642014DN81000003. Kane, R. L., & Kay, G. G. (1997). Computer applications in neuropsychological asses- sment. In Contemporary approaches to neuropsychological assessment (pp. 359- 392). Springer, Boston, MA. Maerlender, A. (2019). The validity of neuropsychological tests in sports-related con- cussions. In P. A. Arnett (Ed.), Neuropsychology of sports-related concussion (pp. 225-265). Washington, DC, US: American Psychological Association. http://dx.doi. org/10.1037/0000114- McCrea, M., Guskiewicz, K., Randolph, C., Barr, W. B., Hammeke, T. A., Marshall, S. W, Kelly, J. P. (2013). Incidence, clinical course, and predictors of prolonged recovery time following sport-related concussion in high school and college athletes. Journal of the International Neuropsychological Society, 19, 22–33. http://dx.doi.org/10.1017/ S Pellman, E. J., Lovell, M. R., Viano, D. C., Casson, I. R., & Tucker, A. M. (2004) Concus- sion in professional football: Neuropsychological testing—Part 6. Neurosurgery, Prichep, L. S., McCrea, M., Barr, W., Powell, M., & Chabot, R. J. (2013). Time course of clinical and electrophysiological recovery after sport-related concussion. The Journal of Head Trauma Rehabilitation, 28, 266–273. http://dx.doi.org/10.1097/HTR.0b013e- 318247b54e Schatz, P., & Sandel, N. (2013). Sensitivity and specificity of the online version of Im- PACT in high school and collegiate athletes. The American Journal of Sports Medicine, 41, 321–326. http://dx.doi.org/10.1177/ Zhu, D. C., Covassin, T., Nogle, S., Doyle, S., Russell, D., Pearson, R. L., Kaufman, D. I. (2015). A potential biomarker in sports-related concussion: Brain functional con- nectivity alteration of the default-mode network measured with longitudinal restin- g-state fMRI over thirty days. Journal of Neurotrauma, 32, 327–341. http://dx.doi. org/10.1089/neu.2014.
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ Esporte em Contexto Escolar: quais as evidências para efeitos cognitivos da prática esportiva?
A prática regular de atividades físicas tem mostrado benefícios signifi- cativos, tanto na saúde física quanto na saúde mental. Além do o melhor controle do peso corporal, regulação da alimentação, a prática regular de atividade física colabora para diminuição da possibilidade de des- fechos negativos em saúde, melhoria da autoestima, do bem-estar e do autoconceito (Hills, Dengel & Lubans, 2015; Liu, Wu, & Ming, 2015). Quando se trata de crianças em idade escolar, os efeitos da prática de atividades físicas são ainda mais importantes, pois dão suporte a um desenvolvimento físico saudável, além do desenvolvimento social, uma vez que o esporte constitui-se como uma ferramenta de interação en- tre a criança e seus pares. Consoante a isto, as escolas brasileiras, de acordo com o 3º parágrafo do artigo 26 da lei 9.394/96, que institui a Educação Física como componente curricular obrigatório da educa- ção básica, constituem-se como espaço adequado para a promoção do desenvolvimento integral dos estudantes, incluindo o desenvolvimento físico e motor (Stein, Guimarães, Cardoso & Machado, 2015). Atualmente, alguns autores, como De Greff, Bosker, Oosterlaan, Viss- cher & Hartman (2018), têm apontado o impacto significativo e positivo de atividades físicas para crianças e adolescentes em idade escolar em Luciano da Silva Amorim e Talita Rocha Santos
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ 2016; Janssen et al., 2014; Ma, Le Mare, & Gurd, 2015). Em relação ao desempenho acadêmico, por outro lado, foram encontradas melhorias, principalmente a partir de um ano de intervenções. As medidas utiliza- das para avaliação do desempenho, no entanto, variam de estudo para estudo. Muito provavelmente, os resultados, que são inconsistentes com o esperado na literatura, segundo os próprios autores, podem ser explicados pelo fato dos estudos utilizarem exercícios físicos com bai- xos níveis de engajamento cognitivo. Sugere-se, portanto, que a prática de exercícios físicos combinada a demandas cognitivas, como interva- los com atividades acadêmicas, poderia gerar os resultados de efeito apontados na literatura. Por sua vez, De Greeff et al. (2018) avaliaram 31 estudos de interven- ção, entre 2000 e 2017, que buscavam apontar a existência ou não de impactos de atividades físicas em funções executivas, considerando os componentes de memória de trabalho, controle inibitório, flexibilidade cognitiva e planejamento) e em outros domínios cognitivos. Apesar de não fazer um recorte específico para o contexto de aulas de educação física, os estudos revisados apontaram que os efeitos signifi- cativos apenas apareceram em amostras que tiveram práticas regulares de atividades físicas - o que poderia ser adaptado às práticas sema- nais realizadas em disciplinas de educação física. A prática intensa, mas sem regularidade, não apresentou resultados significativos, apenas um efeito pequeno a moderado no componente de controle inibitório. Da mesma forma, no que diz respeito ao desempenho acadêmico, apenas os estudos com práticas crônicas de atividades físicas tiveram efeitos significativos no componente geral de desempenho acadêmico. Quan- do analisados separadamente, os subcomponentes de desempenho em matemática, leitura e escrita não apresentaram melhorias signifi- cativas. Um efeito positivo moderado foi encontrado em alguns artigos que descreveram atividades aeróbicas (De Greeff et al., 2018). Os mecanismos que possibilitariam os efeitos citados anteriormente, como a melhora no desempenho em funções cognitivas, desempenho acadêmico, ou em subdomínios da atenção e da memória, permane- cem ainda pouco explorados. Segundo Merege et al. (2017), o mais provável, quando se considera os tipos de exercício agudo e regular, é que, no caso da prática aguda, os efeitos seriam causados pelo au- mento do fluxo sanguíneo cerebral ou aumento na atividade de neuro- transmissores. Por outro lado, no caso da prática regular, a hipótese é de
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ que as atividades físicas poderiam possibilitar adaptações estruturais no cérebro[trs5] , e os resultados dessa mudança seriam responsáveis pelas melhorias cognitivas. Segundo o autor, ainda no caso da prática de exercícios aeróbicos regulares, no entanto, as melhorias apontadas seriam causadas pelo alto nível de atividade nas regiões corticais pré- -frontal e parietal. Num nível molecular, os eventos geradores dessa mudança seriam a proliferação de novos capilares cerebrais, a neuro- gênese e o surgimento de novas conexões sinápticas, devido a ação de hormônios, como o cortisol. Ainda que as evidências apontem para efeitos positivos relacionados à prática de atividades físicas, quer seja no ambiente escolar ou fora dele, a ampla variabilidade de estilos de intervenção também dificulta a compreensão dos mecanismos subjacentes às melhorias no desem- penho acadêmico e domínios cognitivos. O mais adequado, portanto, de acordo com Álvarez-Bueno et al. (2017) é que as pesquisas futuras busquem construir protocolos dirigidos às metas de desenvolvimento físico, social e cognitivo a fim de guiar as práticas de educação física nas escolas. A importância desses protocolos se torna ainda mais evidente se con- siderarmos o contexto de escolas públicas brasileiras as quais, em sua grande maioria, não dispõem de recursos suficientes para a compra de equipamentos ou mesmo não têm o espaço adequado para as aulas de educação física. Uma saída possível também para esse cenário, como apontado nos estudos citados e fortemente recomendado por Merege et al. (2017), é a prática de exercícios aeróbicos que utilizam o próprio corpo da criança, como correr ou pular. Conclusão Os estudos apresentados apontam para evidências de efeitos positivos e significativos da prática esportiva no desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes, além dos amplamente corroborados benefí- cios físicos e sociais. A compreensão dos mecanismos fisiológicos que apoiam tais benefícios é de suma importância para uma prática adequa- da e direcionada ao objetivo de influenciar, de fato, aspectos cognitivos. A escola se constitui como espaço adequado para essas práticas, uma vez que, por meio da disciplina de educação física, possibilita o acesso desses indivíduos ao esporte. No entanto, as principais limitações ainda
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ cologia das Funções Executivas e da Atenção. In: D. Fuentes , L. F. Malloy-Diniz, C. H. P. Camargo, & R. M. Cosenza (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática (2a. ed.). Porto Alegre: Artmed. Merege Filho, C. A. A., Alves, C. R. R., Sepúlveda, C. A., Costa, A. S., Lancha Junior, A. H., & Gualano, B. (2017). Influence of physical exercise on cognition: an update on physiological mechanisms. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 20(3), 237-
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ Origens das Pesquisas em Neuropsicologia do Esporte: a concussão no futebol americano e no boxe de alto rendimento
Em meados dos anos 2000, um médico legista nigeriano, radicado na Pensilvânia, nos Estados Unidos, estava de plantão no Instituto Médico Legal da cidade de Pittsburgh quando o corpo de um sujeito forte, com pouco mais de 50 anos de idade, chegou para perícia. O paciente so- freu uma parada cardíaca advinda de uma patologia coronariana. Seria apenas mais uma das dezenas de perícias realizadas naquele dia pelo Dr. Bennet Omalu, se não fosse por um detalhe: o histórico de vida do paciente. O De cujus apresentava, em vida, quadros de transtorno do humor (i.e., ansiedade e depressão), tremores e descontrole motor—tí- picos da Doença de Parkinson ou Doença de Alzheimer (DA)—e com- prometimento cognitivo global. A probabilidade de que a DA poderia explicar o quadro sintomático era grande; a patologia coronariana pa- recia associada a algum mau funcionamento do sistema nervoso, o que corroborava ainda mais com a suspeita de DA. O exame post-mortem, no entanto, revelou que os emaranhados neuro- fibrilares, o aumento e inflamação das células gliais e a perda neuronal não estavam presentes; logo, a hipótese de DA foi rejeitada. Para des- cartá-la totalmente, a genotipagem da apolipoproteína E foi conduzida. Alberto Filgueiras
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ anteriores (datam da década de 1960), o esporte possui, em si, a ideia atrelada de saúde; atletas são indivíduos saudáveis e felizes, segundo o estereótipo. Parece estar tudo bem falar de concussão quando alguém cai da escada e bate a cabeça, ou quando alguém sofre um acidente de carro, até mesmo quando um policial derruba um bandido qualquer; mas dizer que há concussão quando um pugilista acerta seu adversário na cabeça, ou que há lesão quando um jogador de futebol bate com a cabeça na bola, aí é demais. Os resultados do exame pericial desse atleta da NFL dizia o contrário sobre o que se pensa de maneira hegemônica no esporte: o sofrimento e a saúde mental eram uma questão grave, mas que o mundo esporti- vo não estava disposto a aceitar. Foi Dr. Bennet Omalu quem carregou essa bandeira para os corredores de donos de times e de organizações esportivas ligadas ao futebol americano. Ao levantar essa bandeira, vie- ram juntas as ameaças à sua vida e de sua família. No final, ficou tudo bem. O médico continua a trabalhar e pesquisar a relação da concussão com o esporte, e as associações de jogadores passaram a cuidar de seus profissionais, financiando pesquisas que ajudem a prevenir e inter- vir em jogadores que sofreram concussões (Omalu et al., 2010). Esse plot hollywoodiano poderia ser apenas uma invenção da cabeça genial de um escritor, se não fosse verdade. De fato, a história de Dr. Omalu parou nas telas de cinema em 2015 na película Concussion (no Brasil, o filme foi batizado como: Um homem entre gigantes)estrelado por ninguém menos que Will Smith na pele do médico legista. Fica a recomendação. Mas não é sobre a incrível história do homem que desafiou a noção de que atletas são seres superiores e supersaudáveis que trata este capí- tulo. Aqui, vamos estudar de que maneira a concussão está relacionada às modalidades de lutas e artes marciais, quais as evidências que temos atualmente na literatura e como os estudos inaugurais sobre TCEs, saú- de mental e esporte podem delinear um futuro promissor nas pesquisas da psicologia e das demais ciências do desporto. Mesmo assim, conhe- cer o percurso histórico e a recência da temática é contextualizador. Boxeadores sofrem concussões? Abertura das Olimpíadas de 1992 em Barcelona, um dos maiores pugi-
Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.2, n.9, p 1-27, setembro/ listas de todo mundo, Mohammed Ali, estende as mãos trêmulas para acender a flecha que iria ser lançada à pira olímpica. Pessoas do mun- do todo constataram atônitas os sintomas da Doença de Parkinson que pareciam acometer o boxeador; os tremores, a dificuldade de locomo- ção e o olhar melancólico daquele que é um dos maiores ícones do es- porte mundial. Naquela época, pouco se sabia da concussão no esporte e muito menos da sua cronicidade. Em meados da década de 1990, o boxe vivia a era de ouro dos pesos pesados, com Mike Tyson, Evander Hollyfield e James Buster Douglas entre os atletas mais bem pagos do mundo. Não se podia—ou não se queria—admitir que esses indivíduos, ídolos globais do esporte, poderiam estar sob o risco de terem com- prometidas suas funções cognitivas, emocionais, motoras e sociais por conta do excesso de socos diretos na cabeça. Foi somente em 1999 que pesquisadores da Universidade de Colúmbia publicaram a consolidação dos achados, ainda recentes, sobre a rela- ção de repetidas concussões em boxeadores e sintomas semelhantes à DA e à Doença de Parkinson, mas que não poderiam ser assim con- siderados, dada a etiologia distinta dos comprometimentos cognitivos, emocionais e motores (Erlanger et al., 1999). A neuropatologia passou a ser conhecida como Demência Pugilística (DP) e seu tratamento difere em muitos sentidos dos tratamentos dados às demências tradicionais. A DP é, portanto, uma neuropatologia crônica associada a milhares de acelerações e desacelerações sofridas pela cabeça de um lutador que gera impacto do cérebro contra a caixa craniana. Esse fenômeno ciné- tico e mecânico pode acarretar lesões traumáticas de consequências crônicas, permanentes, no cérebro do lutador. A DP também recebe o nome de encefalopatia traumática crônica (ETC), nome mais técnico e mais encontrado na literatura científica (Mayer et al., 2017). Se houve consolidação do conhecimento sabido até então, evidente- mente que outras pesquisas a antecederam, mas ainda eram incipien- tes em termos de resultado. Uma das primeiras pesquisas conduzidas com pugilistas foi feita por cientistas do Centro de Serviços de Reabili- tação da Califórnia (Drew et al., 1986). Um estudo do tipo quase-expe- rimental comparou 19 atletas de boxe profissionais com 10 nadadores controle. Os pesquisadores fizeram questão de tomar muito cuidado com a coleta dos dados, considerando participantes do grupo controle com as mesmas características sociodemográficas e escolares que os pugilistas. Os resultados mostraram que o comprometimento cogniti- vo dos boxeadores era significativamente maior que o encontrado nos