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Primeira
Parte
Nelson Hungria
EILH PAJUDA (E NTICS= VOLTAS SIT NÉLSON HUNGRIA Membro da Comiaão Revisora do Anteprojeto do Código Penal. Memiro da Comissão Elaboradors dos Anteprojetos da Lei das Contravenções Penais e do Código de Processo Peusl, Ministro do Supremo Tribunal Feders), HELENO CLÁUDIO FRAGOSO Professor titulgr da Faculdade de Direito Cândido Mendes, Livra-Dacento da Faculdade de Direito da UFRJ. Membro da Comissão Internacional de Juristas. Secretário-Geral Adjunto da Associação Internaclons) de Direito Fenel. Advogado. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PENAL Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 VOLUME 1 Tomo II Arts. 1) a 27 5% edição FORENSE Rio de Janeiro 1978 ELLH PAJUDA (E NTI(S= VOLTAS EST 1% edição —— 1944 2º edição — 1853 3º edição — 1955 44 edição —- 1958 5” edição -. 1478 (C» + Nelson Hungria Heleno Cláudio Fragoso (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-tonte do SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ) Hungria, Néison, 1891-1589. H$lgc Comentários ao Código Penal, volume 1, tomo II: arts. 11 ao 27 /por/ Nélson Hungria /e/ Heleno Cláudio Fragoso. 5.ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998. P. 23em Apêndice Bibliografia 1. Direito penal — Legislação — Brasil I, Fragoso, Heleno Cláudio IL. Brasil. Leis, decretos, etc. Código Penal TI. Titulo CDU — 343(8L) (094.46) 78-0573 1341.5! Reservados os direitos de propriedade desta edição pela COMPANHIA EDITORA FORENSE Avenida Erasmo Braga, 289 - 1º € 2º andares - Rio de Janeiro - RJ Largo de São Francisco, 20 - Loja - São Paulo - SP Impresso no Brasil Printed in Brazil [SAIR JIMPRIVIR ID SU) O INDICE |U SEGUES PLANO GERAL DA COLEÇÃO Vol. T — Min, NELSON HUNGRIA Tomo 1:"Arts. 14 10 Arts, 21 27 4 ed. — 1958 Tol, I — Arts. 28 0 74 Pror. ROBERTO LYRA 2º ed. — 1968 (22 tiragem) Prof. ANÍBAL BRUNO 19 ed. — 1969 Vol, IE — Min. NÉLSON HUNGRIA drta, 15 1 Sta E Mosa Vol. IV — Prof. ALOYSIO DE CARVALHO FILHO Arte, 102 6 120 4% ed, — 1958 Vol. V — Mia, NELSON HUNGRIA Arts. 191 6 139 4º em. — 1659 Vol, VI — Min, NELSON HUNGRIA Arts, 137 8 154 9% ed. — 1958 Vol. VIH — Min. NELSON HUNGRIA Arts, 155 0 198 De ed, — 1658 Vol. VI — Min. NELSON HUNGRIA e Des. ROMÃO CORTES DE LACERDA Arts, 197 8 249 As ed. — 1958 Vol. IX — Arte, 250 a 361 Frot, 3. DE MAGALHAES DRUMMOND 19 ed. — 1944 Nin, NELÉON HUNGRIA lted — > ed 195 [SAIR IMPRIMIR | SU] INDICE | TSEGUE | Primeira Parte Nelson Hungria [SAIR | E NIUN INDICE | (57 | SEGUE) TITULO II DO CRIME BIBLIOGRAFIA (especial), BELING (Ernst), Die Lehre vom Verbrerhen (A doutrina do crime), 1906; Die Lehre vom Tatbestand, 1530 (traduzido em castelhano por Sesastian SoLer, sob o título La docirina del delito-tipo, 1944); Esquema de dereçho penal, trad. cast. de Sorrr, lbd4, SoLER (S.), Anulisis de la figura delictina, 1948; La teiz de la culpabilidad, 1045; Cuusos suprelegales de justificación, extr. de La Revista de derecho, jurisprudencia y administracion, vol. 39; Asia (Jiménez), Docirina técnica del delito, tn Probiemas de derecho penal 1944; La ley y el delito, 1945; La no exigibilidad de otra conducia, in El criminalista, vol. 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Zur Lehre vem Tatbestand, m Strafrechilische Abhandiungen, fasc. 237, ANTOLISEI (F.), L'azione e Vevento nel reato, 1928; L'ofjesa ed H danno nei rento, 1930; Reati jormai, reail materiali, reati di peri- colo e di danno, in Riv. Penale, 1922; Problem! penal odterni, 1940; BAUMGARTEN, Der Aufbou des Verbrechenslenre (4 construção de teoria do crime), 1913; MAnassERO, Il delitto colieitino, 1914; Van- minI (O), Riscostruzione sintetica della dottrina del reato, 1997; 7 reati commissivi mediante amissione, 1916; BETTIOL, Lo dotirina dei EUM EST INDICE | [5 | SEGUE 8 NÉLSON Huncais Tatbestand nelte sua última jormiulaztone, in Rip. itai. di dir, e proc penale, 1992; Gmspront (F.), L'evento come elemento costitutivo del reoto, in Annati dt dir. e proc. penale, 1934; I'omissione nel diritto penale, in Riv. ital. di dir. e proc. penale, 1934; BixoING (K.), Die Normen und ihre tbertretung (As normas e sua transgressão), 1890; Czcm (0.), Vevento nel reato, 1932; H renato formale, im Annali di dir. e proc. penale, 1933; Bovia (C.), GH elomenti del recto, 1933; Delitti moteriali e delitti formal, in Annali di dir. e proc. pense, 1994; DELITALA (CH), ZE “fato” nella teoria generate del regata, 1934; SantORO (4.), Teoria delle circostanze del reato, 1933; CARNELUTII, Lezione di Diritto Penule. 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GOLDECHMIDT e RicarDO NUGEZ, 1943; Das Verwaltungsstrajrecht, 1902: Was ist Verwaltungssirafrecht?, in Strajrechiliche Zeitung, 1, 1914, Rocco (4), EVoggeito del reato, in Opere giuridiche, I, 1932; PerecLA (U.), fi reato, 1930; Romano pi FALGo, Le doitrine general dei diritto pe- naie e la tecriu penerale dei reato nella letteratura recentissima, in Annali di dir. e proc. penale, 1938; Tesauro (A.), L'omisstone neila teoria del reato, in Scritii giuridici “In memoriam” de EDUARDO MAs- sam, 1938; Moro (Aldo), La antijuricidad penal, trad. esp. de Sam- TILLAN, 1999; Unitã e plurelitá di remtt, 1951; Sui reati cost detit dt mero sospetto, in Scuoia Positiva, 1, 1932; KOLMANN, Die Stellung des Handiungsbegrijjes im Strajrechtesystem, in Straf. 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Abhandiungen, fasc. 50; ANGIONI (M.), Le cause che esciu- dono Villeceita obiettiva pencle, 1930; Sul conceito di pericolo, in Scuola Positiva, 1913; La volontarietã del fatto nel regti, 1927; FINZI (M), Le condizioni obiettive di puníbilitá del reato, in Giustizia Pe- nale, L, 1931; RATIGLIA (G.), 1H recto di pericolo nella dotírina e nela legistuzione, 1932; OprENHEIM, Dig Objekte des Verbrechens, 1804; BELLAVISTA, | reati senza azione, 1937; LEONE (G.), Il reato aberrante. 1940; Del reaio abifuale, continunto e permanente, 1933; PIsaPIA, Regio continuato, 1838; PaLitv, Il reaio continuato, 1936; Azimena (P), EUM EST INDICE | [5 | SEGUE 10 Néisos HUNGRIA dica do crime é ponto culminante ! e, ao mesmo tempo, um dos mais controversos e desconcertantes da moderna doutrina penal.* No esforço para uma requintada construção dogmá- tica (a chamada “teoria jurídica do crime”), multiplicam- se, notadamente a partir de BELING* lucubrações de lógica meticulosa, que, por vezes, se apresentam tão grávidas de sutilezas, de atomizações analíticas, que acabam abastar- dando a ciência jurídico-penal num abstracienismo difuso, confuso e iniecundo. Para encontrar-se caminho transitável por entre o nevoeiro formado por um exasperado teenicismo jurídico, o roteiro traçado acima parece-nos o mais aconselhá- vel. Como a seguir veremos, não há nele indicações supérfluas. 50, Fato tipico. O crime é, antes de tudo, um fato. entendendo-se por tal não só a expressão da vontade me- diante ação (voluntário movimento corpóreo) ou omissão (voluntária abstenção de movimento corpóreo), como tam- bém o resultado (effectus sceleris), isto é, a consequente lesão ou periclitação de um bem ou interesse jurídico penalmente tutelado* Não há crime sem uma vontade objetivada, sem a t A análise da “figura do crime” não é apenas uma injuncão de técnica jurídica: há a inspirá-la o princípio nullum crimer, nulla pena sine leçe, que é um dos redutos da liberdade individual. Este ponto de vista foi o adotado numa das conclusões da 1.º Conferência Pan-Americana de Criminologia, reunida no Rio, em julho de 1837. 2 Asa val ao extremo de afirmar que o tema, de tão árduo, não é pera ser estudado “en los umbrales de la vejez” (La ley y el delito, pág. 254). Realmente, se o quisermos rastrear através do infatigável copilartsmo das construções de lógica abstrata, que já hoje entrou em decadência tv. ANTOLISEY, Problemi penali adierni, 1940), iremos lidar com alguma cuisa que deixa de ser aquela diá- fena ciênciy do direito penal ensinada por CARnARA e voN Liszr, para constituir um capítulo do tratado das... complicações. Veja-se, no “Apêndice”, nossa dissertação sobre “Os pandectistas do direito penal”. 8 Die Lehre vom Verbrechen, 1906. 4 Bem é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade da exis- tência humana (existência do homem individualmente considerado e existência do homem em estado de sociedade), e interesse é a ava- [SAIR | ESJU ST INDICE |) | SEGUE Comentários AG CópicO PENAL — TÍTULO IL 14 voluntária conduta de um homem. produtiva ou não impe- ditiva de uma alteração no mundo externo. É uma vontade que se realiza. Pensamentos ou desejos que se exaurem no foro intimo não interessam ao direito secular (gue é relatin hominis ad hominem). Cogitationis poenam nemo patitur. Só se pode transgredir a norma penal com um facere ou um non facere (non jacere quod debet facere), isto é, fazendo-se o que ela proibe ou deixando-se de fazer o que ela manda (de modo que o nor facere, em tal hipótese, não equivale ao nihil agere: importa um aliud agere, uma exteriorização de vontade, no sentido de uma conduta diversa da reclamada pela ordem jurídica). Daí, a primeira divisão dos crimes em comissivos e omissivos, subdividindo-se estes em próprios e impróprios (comissivos por omissão), conforme a omissão seja, em si mesma, o crime (ex.: a omissão de socorro), ou scja o meio ou ensejo a um evento ulterior, condicionante do crime (ex.: a mãe deixa, intencional ou negligentemente, de alimentar o filho recém-nascido, ocasionando-lhe a morte). Tem-se pretendido que há uma classe de crimes que não são comissivos, nem omissivos: os chamados crimes de mera 5 Somente a pessoa física ou natural pode praticar crime. Re- dunda num contra-senso o admitir-se que também as pessoas juri- dicas on entes morais possam delinguir e incidir sub pona: faltam- -lhes inteligência e vontade e, portanto, capacidade de direito penal. Nem lhes seria ajustável a sanção penal expigtória, mesmo a pena pecuniária, pois esta iria atingir, não ao ente moral, mas às pessoas fisicas que o compõem, culpades ou inocentes. Não se pode rejeitar a velho princípio de que societos delinquere non potest. O critério da responsevitidade coletivo, adotado pelo macabro Tribunal de Nurenberg, foi um triste retorno aos tempos primitivos, em que se confundia q “individuo” com o “grupo”. liação ou representação subjetiva do bem como tal (Rocco, Ioggetto tel recto). Bem ou interesse jurídico é o que incide sob a proteção do direito & genere. Bem ou interesse jurídico penalmente protegido é o que dispõe da reforçada tutela penal (vida, integridade corporal, patrimônio, bonra, liberdade, moralidade pública, fé pública, orga- nização familiar, segurança do Estado, paz internaciana! etc). [SAIR | E NIUN INDICE | (57 | SEGUE) Comentários AO Cópico Pemsr — TíruLo IL i3 o reconhecimento da infração, confirmando-se, portanto, a regra de que não hã crime (ou contravenção) sem ação (ou omissão) . Igualmente, não existe crime sem resultado. A toda ação ou omissão penalmente relevante corresponde um eventus damni ou um eventus periculi, embora, às vezes, não seja perceptível pelos sentidos (como, por exemplo, à “ofensa a honra”, no crime de injúria). É de se enjeitar a distinção entre crimes de resultado (Erfolgsdelikte) e crimes de simples atividade (Reinetátigkeitsdelikte). Todo crime produz um dano (real, eletivo) ou um perigo de dano (relevante possibi- lidade de dano, dano potencial), isto é, cria uma alteração do inundo externo que afeta à existência ou à segurança do bem ou interesse. que a lei protege com a ultima ratio da san- ção penal. É inegável que o perigo de dano também repre- senta um resultado, isto é, um evento no mundo objetivo? Segundo a impecável definição de Rocco, “perigo é a modi- “ ficação do mundo exterior (resultado) voluntariamente cau- “sada ou não impedida (ação ou omissão), contendo a poten- “cialidade (idoneidade, capacidade) de produzir a perda ou “a diminuição de um bem, o sacrificio ou à restrição de um “ interesse (dano)”. Assim disserta o ministro Cameos, na sua Exposição de motivos sobre o projeto definitivo do vigente Código Penal: “OQ projeto acolhe o conceito de que não há 7 Leszr-Scommr (Lehrbuch des devischen Strajrechts, 1927, pág. 155): “Aus den Gesagten ergibi sich, dass zu jedem Verbrechen ein Erfolg erforderlich ist. Es ist also unrichtig, innerhalb des kri- minellen Unrechts zwischen “Erjolgsdelikien' und reinen, einen Erfolg nicht vorqussetesenden “Tatigkcitsdelikten” cu unteracheiden” C'Do que fica dita, conclui-se que nara todo crime é necessário um “resultado. Erróneo, portanto, será distinguir, em matéria de ilícito “ penal, entre crimes de resultado e crimes de mera atividade ou “sem o pressuposto de um resultado”). s Rocco (Vogpeito del reaio, pág. 39): “O perigo, do mesmo “modo que o dano, tem uma causa, e causa não pode ser senão * matéria, como força e energia Perigo é. então, a possibilidade de “vm dano (condição, situação, estado de perigo)”. [SAIR | E NIU N INDICE | (57 | SEGUE 14 Néison HUNGRIA “crime sem resultado. Não existe crime sem que ocorra, pelo “menos, um perigo de dano, e sendo o perigo um “trecho da “ realidade” (um estado de fato que contém as condições de superveniência de um efeito lesivo), não pode deixar de ser “ considerado, objetivamente, como resultado, pouco impor- * tando que, em tal caso, o resultado coincida ou se confunda, “ crenolôgicamente, com a ação ou omissão".* Exposto a pe- rigo, o bem ou interesse jurídico não é substancialmente le- sado, mas sofre uma turbação no seu estado de segurança: * Eis A lição de M. E. MAavyEn (Strafrecht, aligemeiner Teil, 1923, pás. 119): “De númich vei manchen Delkten Willensbetátigung und Erjolg 2eitlich nicht merkbar verschieden sind, entsteht der sehein, ais ob ein Erjolg nicht vorhanden sei, Die zeitliche Einhoit darf aber niemais úiber die Invische Zwelheit tiuschen; die logische Ane- lyse ergibt, dass das Delikt aus Willensbetátigung und Brfolg desteht, auch wenn beide zeitlich zusammenfallen' (“Como em muitos crimes “a conduta voluntária e o resultado não diferem perceptivelmente “no tempo, faz isso supor & inexistência do resultado. A unidade “cronológica, porém, não pode iludir-nos a respeito da unidade lô- “pica. A análise lógica demonstra que o crime consiste em conduta “ voluntária e resultado, ainda quando uma e outra coincidam no “ tempo". A êste raciocínio não atende Von HrereL (Deutscher Strajrecht, W, 1930, pág. 132), segundo o qual falha o resultado “nos chamados crimes de simpl"s ação ou mera atividade e nos crimes omissivos puros” (bet den sog. reinen Hondiungs — (oder schlichten Tãtigkeits) und bei den reinen Unierlassungs (Omissis —) Deltkteni, pais que. “nos primeiros, hi uma atividade e, nos últimos, uma omissão que “ incidem, como tetis, sob a pena, abstraida qualquer ulterior mudança “do mundo externo, pois o legislador considera já nesse ato ou inércia “ma ofensa ou periclitação do bem juridico” (bei ersten ist eine Tã- tigkeit, bei leizteren eine Unterlassung als solche ohne Ricksicht auf weilere Verânderung der áussenwelt unter Strofe gestelli, weil der Gesetzgeder bereits in diesen Tun oder Unteriassung selhst eine Ver- Tetzung oder Gefâhrdung von Rechisgiitirn erblicki"). Sutil e inútil parece-nos a distin: que vON HIPPEL foz entre resultado em sentido estrito (alteração juridicamente relevante do mundo externo) e re- sultada em sentido lato, isto é, realização do conteúdo típico do erime (“Verwirkiichung eines konkreten Delikstatbestandis”), para dizer que somente em vista do último, é que se pode acolher o princípio de que não há crime sem resultado EUM EST INDICE | [5 | SEGUE 16 MéLSON HuNGaIa Diverso é o ponto de vista da teoria objetiva (voN ERES, Brspinc, MERKEL, OPPENHEIM, HÁLSCHNER, VON LISZT, ROCCO, JANNETTI DI GUYARGA, RATIGLIA, FLORAN) : O perigo é um trecho ga realidade. Existe uma possibilidade ou probabilidade obje- tive (segundo um cálculo estatístico ou observação sistemá- tica dos fatos) e, portanto, um perigo objetivo. Se, em certas circunstâncias, um fenômeno pode ocorrer ou falhar, signi- fica isto que o fenômeno existe n& ordem externa das coisas, na possibilidade ou probabilidade objetiva do mundo cósmico, ou, seja. que o fenômeno possível ou provável tem uma exis- tência objetiva. O que impede o advento do fenômeno são, &n concreto, condições ulteriores às que tendiam necessaria- mente a produzilo; mas a superveniência dessas condições impeditivas não exclui que o perigo tenha existido.” Perigo é, portanto, segundo os objetivistas, um estado de fato que contém as condições (incompletamente determinadas) de um evento lesivo (von KEIES) . Uma terceira feoria que, pode dizer-se, remonta a OrrEnHEIM, defende um critério misto ou integrativo: perigo é um conceito ao mesmo tempo objetivo e subjetivo. Eis O raciocínio do citado autor: “Podemos apenas conhecer, me- “diante a experiência, a possibilidade próxima ou probabi- “lidade (condições necessárias ao necessário dano) pela sua “presença. Se essa possibilidade ou probabilidade é sempre “ alguma coisa de subjetivo, todavia a situação na qual um u Se,a seguir, o dano julgado possível ou provável deixa de sobrevir, não importa isso uma negação do cálculo de possibilidade ou probabilidade. pols esta ou aquela stgnifica sertficabilidade, e não verificação. Diz Rocco (ob. nãgs. 301-302): “Altro é veriieabilitã. o effettuabulta, o realizzabilitã di un fenomeno, atiro la sua verifica- 2ione, o effetlnazione, o realizzazione; altro tr causabilitã, aliro ia causazione: guelia ê la causalitã in petenza, questa é la causalitã in atto. Pre la necessaria veriticazione e la necessaria nan verifica- =ione di un fenom no, vi é dunque posto per la verificabilitã (eflet- tuabilttã, realizzabilltã, causabilitã) cio? per lx possibilitã — e quindi enche per la grobabilitá — del fenomeno stesso. La possivilitã, come wa probatilitã, ha una esistenza obbisttiva. ê un eng reale, un jatto, una realitã conereta, non un ens imaginationis, cioê un non ens”. SAIR | PAJUDA (ENTI= EVOLTAS ESSA ComENTÁRIOS AO Cónico PENAL — TÍTULO II 1 “objeto é posto mediante o perigo é alguma coisa de obje- “tivo. Perigo, como possibilidade de dano, é uma situação objetiva; mas a possibilidade, embora tenha uma existên- cia objetiva, não sc revcla por si mesma: tem de ser reconhe- cida, isto é, julgada. É preciso um juizo avaliativo, uma pre- visão, um cálculo (Urteilsgefahr). O juízo ou cálculo sobre a possibilidade de um fenômeno é o resultado de um racio- cínio silogístico, de que a premissa menor é o conhecimento da presença de determinadas circurstâncias e a prerzissa maior é a lição da experiência em torna a circunstâncias aná- Jogas. Um fenômeno existente dispõe de potência causal quanto a outro fenômeno, ainda não ocorrido, quando a ex- periência (fundada na observação de casos idênticos) nos ensina que ao primeiro fenômeno costuma seguir-se o segun- do, em relação de causa a eleito. Exemplo: a um ferimento no abdômen costuma seguir-sc a peritonite (premissa maior); alguém foi atingido no abdômen por uma bala: logo, pode sobrevir-lhe peritonite. Em suma: a possibilidade não é ape- nas objetiva, nem somente subjetiva, mas, a um só tempo, objetiva e subjetiva. Esta última teoria é que é a verdadeira. Se é certo que se pade conceber objetivamente o perigo, não é menos certo que tal conzepção não podcrá jamais excluir uma avaliação subjetiva, isto é, uma apreciação sintética das circunstâncias. > O perigo não é, por conseguinte, um elemento arbitrário. Se se tratasse de uma simples impressão, com ele não poderia 2 Die Objekte des Verbrechens, 1, 1894, pág. 208. 1% Deve notar-se cue o dissídio entre as teorias subjetiva e chje- tiva É apenas filosófico. Praticamente se equivalem, pois se uma (a subjetiva), encarando os fatos q posteriori, declara o perigo imagi- nado, enquanto a outra, apreciando os fatos q priori, reconhece a objetividade da nerigo, o certo é que ambas são acordes em admitir que c perigo pode ser elemento do crime. Além disso, a própria teoria subjetiva admite a relativa objetividade de perigo, dada a deliciência do espirito i'imano, que não pod prefixar, no seu desdobramento, o jogo do todas as forças processantes de um fenômeno (FINSER, Leky- buch des deutschen Strajrechts, 1. 1904, 8 52). [SAIR | ESJU ST INDICE |) | SEGUE COMENTÁRIOS AQ CÓDIGO PENAL — TíruLO IL 19 jurídico-penal, não pode ser uma abstrata possibilidade ou uma eventualidade anormal ou incomum. Para o seu reco- nhecimento, é necessário ter-se em conta id quod sepius accidit. Como diz LôrrLEs, O direito penal deve desinteres- sar-se dos perigos minimos ou de escassa possibilidade, pois, de outro modo, cessaria toda a liberdade de movimentos. Se estivéssemos obrigados a prevenir a infinita variedade dos possíveis acontecimentos lesivos, teríamos de evitar as ações ou omissões mais comezinhas da vida cotidiana. No curso desta, há certa normalidade de riscos. O homem só deve abs- ter-se daquilo que, segundo a lição da experiência comum, iundada no curso normal dos fatos, pode acarretar danos an- tijurídicos. O advento do dano será mais ou menos provável (segundo a maior ou menor preponderância das condições favoráveis sobre as contrárias), mas cumpre que seja sem- pre demonstrável lógica e praticamente, em cotejo com os casos análogos. O perigo, no campo jurídico-penal, pode ser presumido ou concreto, coletivo (ou comum) ou individual, atual (ou iminente) ou futuro (mediato). Perigo presumido (ou que deve ser reconhecido in abs- tracto) é o que a lei presume, juris et de jure, inserto em de- terminada ação ou omissão. Perigo concreto, ao contrário, é o que deve ser averiguado ou demonstrado de caso em caso na sua efetividade, ou é presumido juris tantum, admitida prova em sentido oposto, E bem de ver que a lei não deixa a apreciação do perigo ao juízo do agente: no caso de perigo presumido cu ir abstracto, funda-se na experiência geral (Urteil der Geselschajt) para, a priori, considerar perigosa esta ou aquela ação ou omissão; no caso de perigo ir concreto, dependendo este de um juizo q posteriori, não é ainda a opi- nião do agente que se deve ter em conta, mas o juízo comum, o entendimento vulgar. “ psicolôgicamente, o temor de um evento normalmente não é sus- “eitado senão quando se reconhece relevante possibllidade de sua “ verificação” (La pericolositô, in Seuola Positiva, 1920, pág. 104). EUM ES ST INDICE | (Uh) | SEGUE 20 NiLson HUNGRIA Perigo coletivo ou comum é aquele que afeta indetermi- nado número de pessoas, constituindo 0 evento típico dos cri- mes e contravenções contra a incolumidade pública.'* Perigo individual é o que afeta o interesse de uma só pessoa ou de um exíguo e determinado grupo de pessoas, e constitui o evento específico de certos crimes formais e dos crimes de perigo, que podiam ser chamados crimes contra a incolumi- dade individual. Perigo atual ou iminente significa a possibilidade pre- sente ou efetiva do dano, pouco importando a maior ou menor persistência ou permanência dessa possibilidade, Perigo fu- turo ou mediato é aquele que, embora não existindo na atua- lidade, pode advir em tempo sucessivo. E a probabilidade de Ferigo ou o perigo de perigo. É o evento genérico das con- travenções e das tentativas dos crimes de perigo. Há crimes cuja consumação depende da efetiva lesão do bem jurídico protegido, e são chamados crimes de dano ou materiais (ex.: homicídio, furto, estelionato, estupro, erimes culposos em geral); outros há, entretanto, que se consideram perfeitos com a só probabilidade de dano: são os crimes de- nominados formais (ex.: os crimes de falsidade), ou de con- sumação antecipada, e os crimes de perigo (ex.: os definidos no capítulo II do tít. I da “parte especial” do Código), de- vendo notar-se que a diferença entre uns e cutros está apenas no elemento subjetivo, como adiante veremos. Entre a ação (ou omissão) e o resultado deve existir uma relação de causa a efeito (relação de causalidade). Esta é indispensável à imputação física do effectus sceleris: para atribuir a alguém um crime, tem-se de averiguar, prelimi- narmente, se o evento de dano ou de perigo pode ser referido à sua ação ou omissão (veja-se n.º 58). O fato elementar do crime deve corresponder fielmente à descrição contida no preceito legal incriminador (conside- 16 Tit. VIII da “parte especiai” do Código Penal e cap. III da “parte especial” da Lel das Contravenções Penais.