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Este documento aborda a complexa evolução dos trabalhos compulsórios na antiguidade e idade média, enfatizando as dificuldades encontradas na análise dessas formas de trabalho, como a variedade de suas formas e tipos, as oscilações históricas, e a tendência geral de melhoria do estatuto do trabalhador. O texto explora as estruturas laborais na sociedade esclavagista e o processo de transformação da servidão da gleba e pessoal estrita em um sistema onde o trabalho compulsório assume um matiz diferente. Além disso, o autor discute os três parâmetros básicos aplicáveis aos principais tipos de trabalho compulsório desde a antiguidade até à época moderna.
Tipologia: Provas
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Universidade do Porto
A h1st6na, tomada nos vârios sentidos em que tem sido construfda, não traz pequena contribuição no sentido de trazer respostas àquela angustiante interroga- ção que formulava o escritor Saml-John Perse, quando perguntava: "Que sabemos nós do homem, o nosso espectro, oculto pela sua capa de lã e pelo seu grande chapéu de estrangeiro?" Para encontrarmos respostas radicalmente válidas temos naturalmente de ir até às rafzes da fenomenalidade que observamos. Ora, não hâ duvidas de que entre esses aspectos radicais se encontra pre- Cisamente a razão de ser, a natureza e o carãcter da evolução das relações so-
através das quais um sector da sociedade se pode sustentar em conseqüência do trabalho de produção de bens econômicos levada a cabo por outros grupos so- ciais.
sua etiologia como ainda nas conseqüências que exerce sobre a plasticidade hu- mano-social no seu conjunto, embora dela também sofra Influências. No esforço pessoal que tenho procurado trazer ao longo de vârias dezenas de anos às contribuições do conjunto dos investigadores, fui levado a assumir di- versas concepções de definição das vias possrveis de interpretação e de (re)construção dos processos históricos, não sendo possrvel transmitir os resulta- dos dessa pesquisa sem previamente esboçar os sentidos e estruturas principais
de, seja histónca seja da própria época do observador porque, antes de mais nada, o conhecimento constitui um processo de construção que elabo;a representações
dos processos sobre os quais 1nc1de esse trabalho de construção cognitiva, o que seria impensável se as representações empiristas ou positivistas oferecessem explicações válidas. No domfnio da h1stóna podemos assim encontrar as mais variadas aproxi- mações com os respectivos resultados consubstanciados em outros tantos pro- dutos historiográficos. Dentro da sua rndole, no interior das fronteiras em que se movem, tendo em conta os propósitos do esforço de que resultam tais elabora- ções, todas elas são válidas. Pode a um sector dos destinatários da mensagem historíográfica interessar saber de maneira directa e Imediata donde vêm os seus membros. como se desenrolou fenomenalmente a vida das gerações que os pre- cederam. E podem procurar responder a muitas outras interrograções inquietantes, até às que respeitam aos condicionalismos que presidem ao devir da sociedade, às relações que actuam nas grandes transformações da estrutura social, com al- gumas das pnnc1pars Implicações de tudo rsso. Desde que ·respeitem as regras respectivas da elaboração cognoscitiva, não há que minimizar umas em beneffcio de outras. Aquilo que é essencial é que haja consciência segura do tipo de produto conceptual-histónco com o qual se está a lidar. Podemos encontrar assim "leituras historiográficas" de carácter memorialfs- tiCO, biográfico ou outras centradas no objectivo de pôr de pé algo no gênero a que o sociólogo norte-americano Wright Mills chamou a "memória organizada da hu- manidade". Por outro lado, na dimensão do tipo das representações que se querem edi- ficar, o esforço pode voltar-se para os mais variados aspectos; daf que tenhamos histórias econômico-sociais, polfticas, culturais, das mentalidades, das ideologias, da estética e de seus diversos ramos, etc., etc .. Porém, podemos voltar-nos para outros gêneros de elaborações a que cha- mamos cientrfico-disciplinares; em nosso entender, podem ser de dois tipos fun- damentais, correspondendo a outras duas disciplinas diferenciadas, embora entre
"Teoria econômico-social das formações históricas" , de carãcter eminente- mente abstracto embora elaborada a partir das informações acumuladas e selec- cionadas acerca da 1mediatidade fenomenal histónca. A outra interpreta, armada desse conhecrmento teórico, uma dada realidade econômico-social: a esta discipli- na chamaremos História Econômica. E seja qual for o tipo, natureza e direcção do esforço histonográfico ele pode assumir uma dimensão local, monográfica mesmo, regional, nacional ou de âmbito mais vasto. A proposta que vamos adiantar assenta naqueles do1s últimos corpos de elaboração teónca. Utiliza as próprias categorias e relações abstractamente esta- belecidas acerca das relações sociais que se manifestam em diversos tipos de realização e reprodução de trabalho compulsório e, por outro lado procura enfra·
novas expressões respeitantes ao conjunto da realidade não coberto pelos enun- ciados precedentes. Julga-se que, além de seus aspectos epistemológicos decisivos, este gêne- ro de linha de orientação permite não só fugir ao doce letargo do descrítivismo ime- diatizante e crit1camente paralisante, como ainda alargar e aprofundar as dimen- sões da perspectiva problematizante da hiStória. O estudo das formas de trabalho compulsório na Antigüidade e na Idade Mé- dia levanta uma série de dificuldades nada desprezrve1s. Em primeiro lugar, pela circunstância de ter assumtdo numerosas formas e tipos de concretização, com linhas de clivagem entre a intensidade das imposições coercitivas e o grau de liberdade de trabalho. Em segundo lugar. dev1do ao facto de historicamente. encontrannos situa-
Depois, se olharmos com atenção sobretudo para a sociedade neo-goda pe- mnsular, cuja luta pela reocupação territorial se desenha por meados do século VIII
trita. O s1stema vai-se porém dissolvendo aos poucos, sobretudo desde o século IX em diante. Os processos de transformação da servidão da gleba e pessoal estrita num sistema em que o trabalho compulsóno assume um matiz algo diverso, combinan- do-se os estatutos da grande massa dos trabalhadores em diversos tipos, ao
lho de adscrição forçada na Europa central e oriental, traduz um movimento que está longe de ser linear e mecânico. Realidade históri ca tão complexa que, se não é fácil estabelecer uma taxto- nomia dos princ1pais tipos de trabalho compulsivo, talvez possamos usar de uns três parâmetros básicos aplicáveis aos principais tipos de trabalho compulsório
até bem próx1mo de nossos dias. Para ter em conta aquilo em que consiste uma classificação, de uma manei- ra geral poder-nos-ramos socorrer do conce1to breve, avançado há anos pelo co- nhecido filósofo das ciênc1as francês Gilles Gaston-Granger, quando escreveu que "classificar cons1ste em estruturar segundo uma relação de ordem". Qual é - ou quais são - os e1xos principais dessa ou dessas relações de ordem neste caso concreto? Julgamos que se podem reduz1r a três parâmetros fundamentais:
soa do trabalhador; ':tJ - Nrvel de combinação da coerção material externa com formas mdirec- tas e mediattzadas de pressão, independentemente das que são en- dogenamente originadas pela auto-estrutura espontânea do sistema em que o trabalhador se 1ntegra e que, por brevidade, poderramos de- signar pelas suas lets ax1a1s, deftmndo um "modo de produção": 3º - Nfvel do montante absoluto - e sobretudo relat1vo - do excedente so- bre o auto-consumo histórico mrnimo do trabalhador como elemento do
A verdade é que pela Europa fora, e observando em particular a sociedade ibérica e, dentro dela, a portuguesa, podemos distinguir dois grandes tipos de mo- vimento e de estruturação históricas do trabalho compulsivo; eles distinguem-se pelo que se passou, dum lado, na Europa Occidental e na Escandinávia e, do ou· tro, nas sociedades do centro-oriente do continente, que podemos. ainda que algo grosseiramente, dividir pela linha do Rio Reno e sobretudo para Leste do Rio Elba. Concentraremos a atenção n~ssa primeira zona, tanto mais que na trans-re- nana, aquém do século XV, ressurgiram formas mais ou menos nrtidas de adscri-
gleba ou pessoal. Certamente que existem, nos longos séculos que se costumam designar pela expressão Idade Média, situações muito variáveis nas diversas partes do mundo, ainda que tipifiquemos o exame através da Europa Occidental, posto o ca- so do Japão também tenha sido extremamente representativo. Seja como for, no occidente europeu, pode dizer-se que no quase milênio que vai o século V ou VI até fina1s do século XV. não só encontramos, sob uma
imensa variabilidade regional e local, uma certa tendência mais geral profunda co- mo ainda naturalmente discrepâncias de ritmos evolutivos subjacentes a essa uni- dade. É assim que o trabalho escravo não desapareceu totalmente. Hã. no entan-
subsidiário em comparação com as formas principais do estatuto do trabalho. A obtenção de escravos não era aliás fácil, excepto no Occidente da França e na
fronto entre as sociedades cnstã e muçulmana. Mas, mesmo nestas condições, não dispunha dum condicionalismo favorável à sua persistência significativa. Em Portugal, a chamada "Guerra da Reconquista Cristã" estendeu-se até meados do século XIII, enquanto em Castela se prolongou mais uns dois séculos e meio. Ora, o facto de os sarracenos, reduzidos à escravidão, irem obtendo progressivamente a sua alforna, ainda que submetidos a discriminações econômicas, sociais e polfti- cas nrtldas, comprova essa ausência de uma base estável para a escravidão co- mo tipo importante da vida colectiva. Da Alta Idade Média para os séculos fina1s desta época histórica, digamos do século V aos séculos X e XI, predominou uma combinação do estatuto servil, mais ou menos estrito, com zonas alodiais, zonas em que os ocupantes das terras trabalhavam livres de injunções dos poderosos.
contravam obrigatoriamente adscritos à gleba ou a uma entidade pessoalmente assinalada, "homens de outro homem ou homem de outro homem através da ads- crição à gleba" culbvada, predominou nesse perfodo. O trabalhador servil nestas condições era materialmente compelido a man- ter-se nas terras que laborava ou sob o poder pessoal do senhor, segundo um estatuto que se transmitia de geração para geração. Embora numa subordinação já mais ligeira que a do escravo, v1sto a entidade dominante não poder dispor de sua vida e haver de reconhecer a ex1stência pessoal de alguns bens do servo, esta contrição material ffsica directa em ordem a obter o excedente do auto-consumo
poucos. Sobretudo entre os séculos IX e XII apareceram assim, pela várias regiões da Europa, situações variadas que têm de resto na Penfnsula Ibérica, e particular- mente no território da Marca Portucalense, algumas das suas manifestações típi-
fala nos três tipos de servidores que esta el)tidade senhorial possufa - libertos (in- gênuos), servos fiscais e ingenuatizados. E freqüente a menção de "homens de criação" e de servos fiscais ( .. homines fiscalia facientes"), aproveitando já de uma situação servil atenuada. Encontramos inclusive homens livres aos quais eram entregues, a Htulo perpétuo, leiras para agricultar, como sucedeu em forais desde
tingUindo pelo facto de os processos de ingenuação em massa, que se verificam desde o século IX em diante, se verem reforçados pela progressiva generalização, desde o século XI, da "drztma eclesiástica" (10% da produção bruta entregue à en- tidade religiosa local} e de prestações complementares como as primfcias. De resto, a atenuação da servidão estrita verificou-se nas regiões mais di- versas como, por exemplo, nas do Império de B1zãncio. O emaranhado do processo das relações de trabalho compulsório foi, na sua concrettdade e na sua evolução, tanto no sentido de aligeiramento da constrição material como do seu reforço, extremamente variado. Esta realidade não pode ser resumida em algumas centenas de palavras. Em vez disso, registremos apenas que, na Penfnsula Ibérica, por exemplo, a ritmos diversos - mais aceleradamente em Portugal, Castela, Leão e Astúrias, e
efeitO, em Portugal, com as prestações ditas gaiosas , que tinham de ser pagas ao senhor quando um indivfduo do sexo masculino casava ou mudava de residência, ou as osas, pagas pela viúva que passava a segundas núpcias, funcionando por- tanto como contrapartida que o senhor do domfnio recebia pela perda daquela mão-
dava o espólio do morador do seu domfnio que falecia sem filhos. também se fo dissolvendo aos poucos. Mas nada disto nega haver manifestações indirectas da pnmtiva marca servil num ou noutro ponto. Em 1452, por exemplo, o mosteiro de Castro de Avelãs ainda exigia "man~nhâdego" em seus ·domfnios e admite-se até que tenho s1do dissolvido em 1545 por persistir em cobrar este encargo já conside- rado odioso ... Houve porém formas de sobrevivência servil transformada que se institucio- nalizaram, mostrando que historicamente não se pode estabelecer uma dicotomia total entre o estatuto servil tfpico e uma liberdade de trabalho mais ou menos gene· ralizada. É o caso da lutuosa, que se v1ria a generalizar na época medieval e per· sistina pelos séculos fora, através da qual o senhor cobrava dado montante quan- do falecia algum dos titulares da exploração agricultada- marido ou mulher- ou
rava e que revertia para o senhor.
ceram totalmente, sobretudo nos domínios de instituições relig1osas pois, se as re- servas senhoriais directas se foram contraindo, nos mosteiros mantiveram-se com certa estabilidade; ora, essas reservas, as "granjas", como se designavam em Portugal, exig1am um cultivo em que se pedia aos "trabalhadores-melados" algu- mas, ainda que poucas, jornadas gratuitas de trabalho por ano. Para encerrar a análise importa ainda recordar um tipo muito particular de trabalho compulsório que se vai alargar no terntóno português, sobretudo aquém de meados do século XIV. Trata-se do trabalha assalariado coercitivamente Im- posto e de que se beneficiavam sobretudo os agricultores mais desafogados, am- da que, submetidos a encargos feudais, posto que relativamente ligeiros. E óbvio o seu particularismo estrutural, visto tratar-se de um trabalho com-
vem obrigado a servir como "assoldadado" só era compelido a manter-se nesta situação por uns do1s anos consecutivos, regressando depois ao casal familiar donde tinha sido arrancado para ir servir contra um salário pré-estabelecido. A combinação das necessidades das explorações mais vastas e o facto de não existir um mercado espontâneo de mão-de-obra, pois era extremamente redu- zido o número de indivfduos totalmente desligados de meios de vida (quer artesa- nal, quer integrados numa exploração agrfcola ou agro-pecuária), explica este es· tatuto de trabalho compulsório temporário. Para concluir, resta esboçar as estruturas internas fundamentais que estão na ongem desta constelação de situações e que explicam a evolução do estatuto servil estrito para uma situação em que o trabalhador já dispunha de liberdade pessoal embora condicionada e os processos de transição de um gênero de tra- balho compulsório a outro. Aliás, as bases da explicação têm igualmente de ser vâlidas para os fenômenos de regresso a estatutos servis, sobretudo na Europa Oriental, bem como à circunstância de o trabalho escravo ter sido residual na ida· de Média, ao contrário do que sucedeu na Antigüidade.
Se nos limitássemos a um levantamento fenomenal dos diversos tipos de trabalho compulsivo que se encontram nas variadas sociedades, na Antigüidade e na Idade Média, não sa1rfamos de um emaranhado Imensamente variado e variável
de situações com tipologias diversas. Nessa rede extremamente complexa de si- tuações freqüentemente coexistentes e que, além dtsso, mesmo na perspectiva que lograsse destacar as predominantes em cada caso histórico, se defrontavam dtnâmicas que em numerosas sociedades concretas evorurram tanto de formas mais pesadas para mais ligeiras de contrição material, como de mais ligeiras para ttpos de pressão mais forte, o investigador sem faróis de interpretação teórica per- der-se-ta seguramente, podendo mesmo cair numa perspectiva conceptual dum empinsmo aconflitual. · Há que reconhecer antes de mats nada que a existêncta, caracteres e transformações históricas dos tipos de trabalho compulsório expnmem relações sociats medulares da existência social histórica. Traduzem natu ralmente estrutu- ras que moldam as relações entre os produtores de um excedente sobre o auto- consumo histórico mrnimo e a classe ou classes sociais que assentavam a sua subsistência material no aproveitamento desse excedente. Além disso, ao perscrutarmos este fenômeno histórico de alcance imediato, há que reconhecer, por outro lado, que, emlx>ra defina eixos centrais da vida co- lectiva nessas épocas históricas, não constitui o ponto de partida da explicação dos parâmetros do viver das respectivas colectividades. Se naturalmente tem im- plicações centrais no conjunto do viver social, por outro lado não representa o ponto de partida da teorização histórica. Desta maneira, se a compreensão das suas repercussões a jusante é essencial, não é menos indispensável captar suas
sequer as inter-relações entre os dois tipos de macro-processos históricos. A nossa proposta vai no sentido da indispensabilidade de uma teonzação ascendente. A teorização exige, em primeiro lugar, que, equipados com as armas fornecidas pela teoria econômico-social abstracta das colect1vidades históricas, apliquemos às grandes questões do trabalho compulsório esse núcleo duro de tal teorização. Porém, se ele é indispensável, o certo é que não basta, uma vez que, no afeiçoamento dtnâmico das relações sociais, que se materializavam no grau de sujeição pessoal do trabalhador, intervêm muitas outras circunstâncias que contri- buem para a sua definição, num grau crescente de apropriação teórica de uma realidade extremamente viva e movente, além de variar de uma soc1eda de con· creta para outra. Tem, por exemplo, de ir encontrando explicações para a circuns- tância da dominância na Antigüidade - pelo menos nas sociedades mais repre- sentativas como a grega e a romana clássicas - da mão-de-obra escrava, passar para a servil estrita e, depois, a diversas combinações em que a situação de parte das populações se encontrava adscrita estritamente à gleba, ao lado de outras mais atenuadas. Mas isto não basta Há-de ainda encontrar as principais razões explicativas tanto do facto de, em numerosas sociedades, do trabalho compulsório imposto por coerção material exógena ao funcionamento espontâneo do sistema econômico se passar a um trabalho compelido muito mas largamente condicionado (e o qual, por exemplo, os próprios intérpretes da vida social apelidavam em Portu- gal da maladia ), como a circunstância aparentemente misteriosa de tal adoça- menta do estatuto compulsório se ter efectuado numas regiões da Europa muito mais rapidamente do que noutras. T erâ ainda de descortinar os principais condi· cionalismos dum fenômeno tão irrecusável como outro aparente mistério de em vá- rias regiões se reconstitu(rem tipos de trabalho servil mais ou menos estrito. Ainda mais, a explicação conceptual há-de poder descortinar o que estâ para além da relativa autonomia de parcelas do todo social, como o polrtico, o administrativo, o organizacional, o cultural e o ideológico, com as razões das interinfluências recr- procas dos diversos planos da vida social que constiturram; como constituem sempre uma totalidade autcrregulada que somente as imposições das elaborações teóricas levam a tratamentos autônomos inultrapassáveis. Dando mais um passo, a problemática complexiza-se ainda mais pela circunstância de, mesmo nas so-
Para essas sociedades há um conjunto de leis que simpliticadamente recor- daremos dizendo que uma delas regula as condições sociais, que se exprimem na correlação mútua entre a natureza e estrutura dos meios de trabalho e as condi- ções sociais do seu aproveitamento e da repartição do seu produto. No sistema feudal tfpico, a situação histórica decorrente deste cimento da vida econômico-so- cial exprime-se num nrvel tecnológico-social de tal rndole que a produtividade do trabalho, por um lado, Já não exigia a propriedade pessoal total do senhor e, por outro, tornava possrvel de1xar ao controle pessoal do produtor grande parte dos meios de produção. No processo de concretização histórica destas relações mais gerais houve mesmo uma certa evolução que permitiu passar da servidão estrita a uma liberdade pessoal limitada e, portanto, para um trabalho compulsivo menos estrito. Sua concretização variava, como sempre, em função de circunstâncias concretas diversas. Já recordei noutra intervenção que as sobrevivências trans- formadas das formas servis nas sociedades que conheceram esse .. adoçamento relativo da coerção material externa" também, sob essa caracterlstica geral, varia- va de caso para caso - e é isto que a interpretação histórica, jâ a um nfvel mais complexo de estudo, tem de explicar - como a chévage, a malnmorte, a fonna- rtage em França, as osas ou as gaiosas em Portugal, a Bede na Alemanha,
Consideramos nesta perspectiva - diferentemente de outros estudiosos - que não é a servidão tfpica que tipifica o sistema feudal mas, com base nessas e noutras leis gerais na base do funcionamento do sistema, a existência desses condicionalismos gerais, que admitem formas de coerção mais tênues, desde que assentadas nas exigências resultantes da propriedade pessoal dos meios de tra- balho mais importantes pela entidade senhorial, como a terra e suas forças natu- rais (entre as quais as energéticas e as instalações fixas, moinhos, prensas, laga- res, etc.), acompanhada da propriedade do trabalhador directo sobre utensnios agrlcolas, artesanais e outros {incluindo mesmo o gado de trabalho). Tal situação exigia sempre um certo grau de contrição material (Hsica mas também ideológica, polrtica e mesmo cultural).
social do controle dos meios de trabalho e o outro na existência de formas de con- trição material (exteriores à espontaneidade de funcionamento do sistema) sobre o trabalhador, podendo assumir graus variáveis - da servidão estrita à liberdade pessoal condicionada - que resulta a existência do excedente do trabalhador compulsório entregue ao seu senhor e que, aliâs, tendia a crescer a renda feudal. Existem depois circunstancialismos que fazem variar as tendências ima- nentes do sistema e que naturalmente se plasmam de muitas maneiras. Existem
lise. Eles abrangem as formas de combinação - mesmo quando o sistema feudal foi claramente dominante - de sistemas produtivos diferentes, desde as expres- sões residuais de esclavagismo às relações de tipo capitalista (nesta época histó- rica essencialmente de carácter mercantil e subsidiariamente financeiro), passan- do por outros como a pequena produção artesanal para o mercado. Se a tudo isto adicionarmos a necessidade de avançar no sentido de produ- zir elaborações com conteúdo intra-teórico crescente, pela combinação das di- mensões econômica, poll'tica, cultural, Ideológica, das mentalidades e outras, então antevemos o gigantesco programa de pesquisas que o historiador que queira se- guir esta orientação epistêmica tem de en.frentar. Ê que, 1nclus1ve, a "compulsoriedade" do trabalho não é só dada por condi- cionaJismos econômicos, polft1cos e sociaJs de fndole trsica Operavam mesmo forças compulsivas Ideológicas. Recordo-me - para encerrar esta intervenção com um sorriso - que mesmo nos finais da época medieval se tornara quase que uma fórmula tabeleônic~ nos tnulos em que se regulamentavam entre um senhor e
uma famnia camponesa as condições de exploração de uma unidade agro-pecuâ· ria (um .. casar), nomeadamente nos casos mais generalizados de emprazamento durando em regra ..três vidas", a do marido, da mulher e de um dos filhos, e quan-
como isto: uos cuttivadores obrigavam-se a trabalhar bem a terra, romper bravios, podar Arvores e entregar ao senhor um terço (por exemplo) "de tudo o que Deus ar der."