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Nago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morte, Resumos de Religião

Nago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morteNago e a morte

Tipologia: Resumos

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OS NAGÔ E A MORTE
Pàde, Àsèsè e o Culto Égun na Bahia
Juana Elbein dos Santos
Tese de Doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbone traduzido pela Universidade Federal da Bahia
Agradecimentos
A Didi – meu companheiro, meu amigo, meu marido – que por seu senso do humano e sua sabedoria milenar me fez descobrir uma nova dimensão do homem.
A presente tese é fruto de muitos anos de trabalho de campo, trabalho que se tornou
possível graças à ajuda de diversas instituições e ao apoio pessoal de alguns peritos e
amigos. Gostaríamos de distingui-los, em particular, seguindo uma ordem mais ou menos
cronológica.
- O Research Institute for the Study of Man e sua Diretora Dra. Vera Rubin, que me
acolheu, no ínicio de minha pesquisa, com maior compreensão, e graças á sua intervenção
pude obter minha primeira bolsa de estudos no National Institute of Mental Health nos
Estados Unidos, que me permitiu trabalhar durante dois anos no Brasil (1964-1965),
particularmente no Recife e na Bahia;
- a união Pan-ameriacana em Washingtone o Dr. Dávalos Hurtado, através dos quais recebi
bolsa de estudos e me permitiu prosseguir em meus trabalhos no Brasil;
- a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência da Bahia o Prof. Thales de Azevedo que
contribuíram para minha primeira viagem de pesquisa comparada à Nigéria e ao
Daomé(1967);
- o Département dês Etudes dês Cultures da UNESCO e, especialmente, seus dirigentes os
Srs. M. Bammate e C. Fernandez Moreno (Secção da América Latina) que abriram novas
possibilidades por intermédio do programa sobre as contribuições africanas na América
Latina, permitindo-me trabalhar in loco na Nigéria e no Daomé (1967 e 1970);
- o Institute of African Studies da Universidade de Ibadan e seu Diretor prof. R.
Armstrong, que não mediu esforços, cooperando ao máximo com todos os projetos e
pesquisas comparadas que, várias vezes, me conduziram à Nigéria;
- o I.R.A.D (institute dês Recherches Africanes au Dahomey) e seus pesquisadores, Srs. Da
Cruz e Guillaume da Silva, nas diversas ocasiões de trabalhos realizados in loco (1967-
1969-1970);
- a S.A.C (Société Africaine de Culture) e, particularmente, o Sr. e a Sra. Alioune Diop, por
seus encorajamentos e, sobretudo, pelas muitas conversas esclarecedoras que me ajudaram
a melhor situar meu trabalho e minhas inquietudes no mais amplo contexto da problemática
negro-africana e por me terem convidado a colaborar no simpósio sobre valores de
civilização da religião tradicional africana, ocasião esta que me levou a elaborar um
trabalho consagrado, em parte, á transmissão oral (1970).
Quanto ao encorajamento dos colegas e amigos, ser-me-ia impossível silenciar sobre o
apoio e o interesse de Alan Lomax (com quem trabalhei, em Nova Iorque, na análise de
uma parte do material gravado sobre a música e os textos rituais afro-brasileiros). E não
agradecer ao Prof. Donald Warren, Prof. Frederico Edelweiss ao Prof. Robert F. Tompson,
ao Dr. W. Abimbola, ao Prof.Akinjogbin e ao Dr. Pierre Verger, infatigável companheiro
quando da nossa primeira estada na Nigéria e no Daomé. Quero expressar meu
reconhecimento para com o Prof. M. P. Monbeig, Diretor do Institut dês Hautes Etudes de l
´Amérique Latine, pela gentileza com que me recebeu nesse Instituto e apoiou meus
trabalhos.
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OS NAGÔ E A MORTE

Pàde, Àsèsè e o Culto Égun na Bahia Juana Elbein dos Santos Tese de Doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbone traduzido pela Universidade Federal da Bahia Agradecimentos A Didi – meu companheiro, meu amigo, meu marido – que por seu senso do humano e sua sabedoria milenar me fez descobrir uma nova dimensão do homem. A presente tese é fruto de muitos anos de trabalho de campo, trabalho que se tornou possível graças à ajuda de diversas instituições e ao apoio pessoal de alguns peritos e amigos. Gostaríamos de distingui-los, em particular, seguindo uma ordem mais ou menos cronológica.

  • O Research Institute for the Study of Man e sua Diretora Dra. Vera Rubin, que me acolheu, no ínicio de minha pesquisa, com maior compreensão, e graças á sua intervenção pude obter minha primeira bolsa de estudos no National Institute of Mental Health nos Estados Unidos, que me permitiu trabalhar durante dois anos no Brasil (1964-1965), particularmente no Recife e na Bahia;
  • a união Pan-ameriacana em Washingtone o Dr. Dávalos Hurtado, através dos quais recebi bolsa de estudos e me permitiu prosseguir em meus trabalhos no Brasil;
  • a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência da Bahia o Prof. Thales de Azevedo que contribuíram para minha primeira viagem de pesquisa comparada à Nigéria e ao Daomé(1967);
  • o Département dês Etudes dês Cultures da UNESCO e, especialmente, seus dirigentes os Srs. M. Bammate e C. Fernandez Moreno ( Secção da América Latina ) que abriram novas possibilidades por intermédio do programa sobre as contribuições africanas na América Latina, permitindo-me trabalhar in loco na Nigéria e no Daomé (1967 e 1970);
  • o Institute of African Studies da Universidade de Ibadan e seu Diretor prof. R. Armstrong, que não mediu esforços, cooperando ao máximo com todos os projetos e pesquisas comparadas que, várias vezes, me conduziram à Nigéria;
  • o I.R.A.D (institute dês Recherches Africanes au Dahomey) e seus pesquisadores, Srs. Da Cruz e Guillaume da Silva, nas diversas ocasiões de trabalhos realizados in loco (1967- 1969-1970);
  • a S.A.C (Société Africaine de Culture) e, particularmente, o Sr. e a Sra. Alioune Diop, por seus encorajamentos e, sobretudo, pelas muitas conversas esclarecedoras que me ajudaram a melhor situar meu trabalho e minhas inquietudes no mais amplo contexto da problemática negro-africana e por me terem convidado a colaborar no simpósio sobre valores de civilização da religião tradicional africana, ocasião esta que me levou a elaborar um trabalho consagrado, em parte, á transmissão oral (1970). Quanto ao encorajamento dos colegas e amigos, ser-me-ia impossível silenciar sobre o apoio e o interesse de Alan Lomax (com quem trabalhei, em Nova Iorque, na análise de uma parte do material gravado sobre a música e os textos rituais afro-brasileiros). E não agradecer ao Prof. Donald Warren, Prof. Frederico Edelweiss ao Prof. Robert F. Tompson, ao Dr. W. Abimbola, ao Prof.Akinjogbin e ao Dr. Pierre Verger, infatigável companheiro quando da nossa primeira estada na Nigéria e no Daomé. Quero expressar meu reconhecimento para com o Prof. M. P. Monbeig, Diretor do Institut dês Hautes Etudes de l ´Amérique Latine, pela gentileza com que me recebeu nesse Instituto e apoiou meus trabalhos.

Não posso deixar de mencionar, muito especialmente, meu mestre deixar de mencionar, muito especialmente meu mestre e amigo Dr. Emilio Rodrigué, reparador de lamas e grande mago, “ancestre espiritual”, a cujo ensino e confiança espero corresponder sempre. Expresso igualmente meu reconhecimento mais profundo ao meu outro mestre, Prof. R. Bastide, cujo entusiasmo comunicativo e apoio constante nos últimos anos permititam que este trabalho viesse à luz. SUMÁRIO Agradecimentos, 1 I. Introdução, Objeto da tese: delimitação do tema central. Área geográfica e humana. Pesquisa de campo e material de apoio. Organização do trabalho: distribuição dos capítulos. Método de pesquisa: nível fatual, revisão crítica e interpretação do símbolo. Breve análise da bibliografia e do estado atual dos estudos afro-brasileiros. II. O complexo Cultural Nagô, Origens étnicas. Estabelecimento no Brasil e áreas de influência. Comunidades Nàgô. Egbé e “terreiro”. Conteúdo do “terreiro”: espaço “mato” e espaço “urbano”; representações materiais e simbólicas do àiyé e do órun e dos elementos que os relacionam; àse, força dinâmica e propulsora do sistema. III. Sistema Dinâmico, O àse, princípio e poder de realização; os elementos materiais e simbólicos que os contêm; transmissão do áse e relação dinâmica; graus de absorção, desenvolvimento do áse e a estrutura do “terreiro”. A transmissão oral como parte componente da transmissão dinâmica, síntese e exteriorização de um processo de interação; o som e a individualização; a estrutura ternária e o movimento; a invocação; os mitos e os textos orais; a lígua ritual Nàgô no “terreiro”. IV. Sistema Religioso e Concepção do Mundo: Àiyé e Òrun, Os nove espaços do òrun e o òpó-òrun. Mitos genéticos: os elementos cósmicos e a protoforma: a criação do mundo. O universo: suas representações; ìgbá-odù e seus conteúdos simbólicos: os dois elementos genitores e o elemento procriado; os três termos e a unidade dinâmica. As Quatro partes do mundo: nascente e poente (ìyo-õrùn e ìwò-õrùn) , a direita e a esquerda (òtún àiy é e òsì àiyé). V. O Sistema Religioso e as Entidades Sobrenaturais: Olórun e os Irúnmalè , Os Irúnmalè e os ancestrais. Os Irúnmalè da direita e os da esquerda: Os òrisà e os ebora. Emprego extensivo da palavra òrisà. Os òrisà e os ebora, símbolos de elementos fundamentais, genitores masculinos e femininos e os que simbolizam os

OS NÀGÔ E A MORTE

Pàdè, Àsèsè e o Culto Égun na Bahia CAPÌTULO I Introdução Objeto da tese: delimitação do tema central. Área geográfica e humana. Pesquisa de campo e material de apoio. Organização do trabalho: distribuição dos capítulos. Método de pesquisa: nível fatual, revisão crítica e interpretação do símbolo. Breve análise da bibliografia e do estado atual dos estudos afro-brasileiros. Propomo-nos, no presente trabalho, examinar e desenvolver algumas interpretações sobe a concepção da morte, suas instituições e seus mecanismos rituais, tais quais são expressos e elaborados simbolicamente pelos descendentes de populações da África Ocidental no Brasil – Particularmente na Bahia –, nas comunidades, grupos ou associações que se qualificam a si mesmos de Nàgô e que a etnologia moderna chama de Yorùbá. Veremos, no capítulo seguinte, o que se entende no Brasil por Nàgô e todos os subgrupos compreendidos sob esse nome. Pesquisas comparativas feitas na África Ocidental, no S.O. da Nigéria, no sul e centro do Daomé e, especialmente, naqueles lugares onde a tradição oral indica no Brasil, relacionamento que ampliam e freqüentemente esclarecem os dados brasileiros e as interpretações deste estudo. Esses importantes materiais de apoio, que estão incorporados em nosso trabalho, foram levantados em colaboração com Deoscoredes M. dos Santos e são a origem de algumas monografias que em parte constituem, por assim dizes, os antecedentes parciais que nos permitiram elaborar a presente tese (Juana Elbein e Deoscoredes M. dos Santos, 1967 e 1971) É-nos difícil deixar de assinalar as dificuldades inerentes ao estudo, à localização e à seleção do material africano, dificuldades provenientes da existência de dois processos sócio-históricos diferentes. Enquanto no Brasil os grupos considerados puros, isto é, que se estruturaram com o máximo de fidelidade aos elementos e aos modelos específicos de sua cultura de origem – o que veremos de maneira mais minuciosa no capítulo seguinte – evoluíram para uma síntese, concentrando os valores essenciais de uma tradição que corresponde à época mais florescente da cultura Yorùbá – século XVIII e início do XIX – nos reinos então poderosos de Óyó e de Kátu , esta mesma cultura, na própria África Ocidental, sofreu consideravelmente o impacto da pressão colonial. A cultura Nàgô , tal qual é vivida pelos grupos tradicionais do Brasil, reencontra seus elementos de origem nos grupos mais afastados das grandes cidades africanas tais com Itakon, Ifón, Kátu, Màko, Ilárá e nas dezenas de pequenas vilas e vilarejos ao longo da fronteira da Nigéria com o centro e o sul do Daomé, na memória dos velhos sacerdotes de palácios e templos, e, sobretudo, na riquíssima tradição dos textos orais preservados e recitados pelos Babaláwo, sacerdotes de Ifá , hoje desaparecidos no Brasil. São fundamentalmente os textos oraculares de Ifá que esclarecem a maior parte da tradição e da liturgia Nàgô no Brasil. Examinaremos especificamente os textos e a tradição oral no capítulo III, Aqui, trata-se apenas de precisar que, ao longo deste trabalho visando particularmente os Nàgô brasileiros, incluímos numerosas referências e material de apoio colhidos em fontes africanas onde indicamos a origem em cada caso.

Não entra em nosso propósito tratar dos grupos aculturados; ao contrário, aos fins teóricos e práticos do presente trabalho, queremos limitar-nos aos grupos tradicionais bem representados pelas comunidades agrupadas nos três principais “terreiros”, lugares de culto Nàgô (ver p.? ), onde, até hoje, se continua a praticar a religião tradicional legada pelos fundadores. Esses “terreiros” são bem conhecidos na cidade Salvador – Bahia, centro da religião tradicional negro-africana no Brasil, cidade que mereceu a alcunha de Roma Negra, graças à grande sacerdotisa Nàgô , a célebre Ìyálôrìsà Aninha. Do “terreiro” mais antigo que se conhece – onde se instalou o primeiro culto público de Sàngô – situando na Barroquinha e, depois, transferido para o Engenho Velho onde existe até hoje, o Ilé Ìyá- Nàsó, derivaram o Ilé Òsôsì nas terras conhecidas com o nome de Gantois e enfim o Àse Òpó Àfònjá, em São Gonçalo do Retiro, onde foram efetuados os estudos de base do presente trabalho e que utilizarei a título de referência.(1) O presente ensaio tem por centro a descrição e a interpretação dos elementos e dos ritos associados à morte. Entretanto, o fato de que a cultura Nàgô constitui um sistema essencialmente dinâmico de inter-relações, a morte ou seus símbolos estão ligados direta ou indiretamente ao funcionamento do todo. O fato de que daremos pouco lugar aos panteões, por exemplo, e que nos estenderemos mais sobre os ancestrais e a significação de Èsú, não deve ser interpretado como uma supervalorização destes últimos em detrimento dos Òrisá, mas como uma conseqüência da necessidade de aprofundar em aspectos pouco conhecidos e naqueles que permitirão desenvolver melhor nossa tese central. Assim, os primeiros capítulos estão consagrados ao exame e à análise sucinta das características mais específicas do sistema Nàgô , destacando os elementos a que teremos necessidade de nos referir constantemente e deixando de lado os aspectos mais conhecidos e já tratados por outros autores. De maneira geral, o presente ensaio foi concebido em três partes: a) uma série de capítulos preliminares sobre a origem dos Nàgô brasileiros, sua instalação e reestruturação atual como unidade cultural diferenciada da sociedade global que contribuem a constituir e com a qual coexistem; seus pólos de concentração em associações organizadas e em comunidades onde se pratica a religião tradicional, seu sistema religioso, assim como os elementos e os valores que lhe são específicos; b) uma série de capítulos sobre as entidades sobrenaturais e os ritos diretamente e os ritos diretamente associados à morte em que descrevemos e analisamos a liturgia associada aos ancestrais masculinos e femininos, os Egún e as Iyámi; os ritos de Pàdé e de Àsèsè; c) dois capítulos, enfim, da morte nas comunidades Nàgô. (1) O Àse Òpó Àfònjá foi fundado por Eugênia Ana dos Santos, Oba Bíyí, a do Ìyálôrisá Aninha, que saiu Ilé Ìyá-Nàsó com um grupo de sacerdotisas. Com Bamgbosé Obitiko (Rodolfo Martins de Andrade) e Oba Sanya (Joaquim Vieira da Silva) ela Instalou-se no lugar chamado Camaron, para ir, em seguida, para a rua de Curriachito, para a Ladeira da Praça, para a Ladeira do Pelourinho, e, finalmente, em 1919, para uma fazenda situada em São Gonçalo do Retiro, dando prestígio e estimulo extraordinários à religião Nàgô e ao “terreiro”, onde se concentrou a flor da elite negra no Brasil. Por sua morte, em 1939, Maria Bibiana do Espírito Santo, Òsun Múiwá chamada mãe Senhora, devia sucedê-la, prosseguir em sua tarefa com brilhantismo e dedicação, e manter os fundamentos tradicionais da religião. A autora foi iniciada por Mãe Senhora em 1964. A bibliografia sobre o Àsé Òpó Àfônjá é abundante. Sobre este assunto enviamos o leitor às indicações que figuram nas obras do Sr. Édison Carneirro, Donald Pearson, Pierre Verger, Roger Bastide e Deoscoredes M dos Santos. Tratarei, igualmente, nesta introdução, de examinar e conceituar meu método de trabalho ou, melhor ainda, as linhas orientadoras que se me fora impondo á medida que avança nas minhas pesquisas. Se digo que elas se me foram impondo, é porque, como todo pesquisador, trazia comigo uma bagagem, uma forma cultural e universitária, uma história e uma ideologia. É evidente que todo pesquisador se propõe conscientemente ser objetivo ou neutro em matéria de ideologia, pelo menos no estágio da observação e da colheita de informação.

Insistirei mais adiante na fragilidade do conceito abstrato e universal do símbolo. Os elementos só podem ser visto e interpretados num contexto dinâmico, não com um significado constante intrínseco, mas essencialmente como fazendo parte de uma trama e de um processo. O significado de um elemento está em função de suas relações como outros elementos. O significado de um elemento é uma função e não uma qualidade. (2) (2) Esses conceitos foram analisados pormenorizadamente pelo Dr. E. Rodrigue (1966, cap IV) e, quanto à função do símbolo, remetemos particularmente à obra pioneira de Ogden e Richards, The Meaning of Meaning (1964). Para proceder pois à descrição de um ponto de vista etnológico não é suficiente isolar e destacar elementos ou objetos de uma cultura, mesmo que sejam, por exemplo, instituições, ritos ou entidades sobrenaturais, mas descrevê-las “fisiologicamente”. O etnólogo, com raras exceções, não tem desenvolvimento iniciático, não convive suficientemente com o grupo, suas observações são, na maioria da vezes, efetuadas “desde fora”, vistas através de seu próprio quadro de referências; raramente ele fala a língua de seus pesquisadores e freqüentemente recebe informações por intermédio de tradutores que, por sua vez, conhecem mal a língua do etnólogo. A observação parcial, a pouco convivência, não lhe permitem distinguir os fatos acidentais ou excepcionais, nem distinguir os ciclos ou seqüências, nem as relações entre objetos dispersos oi de ritos aparentemente diacrônicos. Mesmo a utilização de uma terminologia vinda de sua própria área cultural ou profissional o levam, às vezes, a deformar o material observado (a célebre interpretação dos fenômenos de possessão em crise de epilepsia, para citar apenas um exemplo). Isso leva a descrição fragmentárias – ou mesmo totalmente deturpadas, obscuras

  • que podem induzir a graves erros àqueles que utilizam esse material como base de construções teóricas. Os exemplos abundam. Estar “iniciado”, aprender os elementos e os valores de uma cultura “desde dentro”, mediante uma inter-relação dinâmica no seio do grupo, e ao mesmo tempo poder abstrair dessa realidade empírica os mecanismos do conjunto e seus significados dinâmicos, suas relações simbólicas, numa abstração consciente “desde fora”, eis uma aspiração ambiciosa e uma combinação pouco provável. Em todo caso, o presente estudo pretende ver e elaborar “desde dentro para fora”. Nossa pesquisa está orientada de maneira a focalizar três níveis: A) o nível fatual; B) o da revisão crítica C) o da interpretação A) O nível fatual inclui os componentes da realidade empírica, a que fizemos alusão. Isto é, a descrição mais exata possível do acontecer ritual, de seus aspectos e elementos constitutivos – passados e presentes – e daqueles que técnica e materialmente instrumentam sua existência; desde a descrição de cerimônias, públicas e privadas, da conduta observada pelos participantes, da conformação e morfologia do grupo com seu espectro hierárquico, de objetos e de locais onde se desenvolve a prática religiosa, dos aspectos, elementos e entidades sobrenaturais que participam simbolicamente da existência e do devir do grupo até um gesto ou mínimo pormenor do processo ritual. Entendemos por descrição fatual uma descrição dinâmica. Assim, por exemplo, os objetos e os emblemas, a que demos um lugar preponderante nas descrições, foram colocados no seu contexto ritual. Neste mesmo nível fatual, demos um lugar muito particular às cantigas e aos textos rituais. Sua importância, neste trabalho, decorre não só do papel do oral no sistema Nàgô em geral, mas também pelo fato de se tratar de materiais

originais que nunca foram compilados nem traduzidos – por exemplo, os textos de Pàdé e de Àsèsè e por serem elementos constitutivos fundamentais de ritos e de cerimônia. Não poderia ter-se uma descrição que se não se conhecem os textos que a integram como elemento dinâmico. Com efeito, veremos, mais adiante, que as palavras tem um poder de ação. Ignorar aquilo que é pronunciado no decorrer de um rito ce o mesmo que amputar um de seus elementos constitutivos mais importantes e provavelmente mais revelador. Vemos na coletânea e na transcrição dos textos orais uma tarefa das mais urgentes e apaixonantes da investigação fatual. Abreviando assinalemos que os textos são primeiramente registrados durante as cerimônias ou ritos, depois são regravados a “uma só voz” por sacerdotes ou por iniciados de capacidade reconhecida(3) ; são transcritos em sua forma oral, isto é, tais quais são pronunciados e, em seguida, em sua forma analítica , por meio da ortografia internacional do Yorùbá, principalmente aquela que é empregada pelos institutos especializados na Nigéria; depois, faz-se objeto de uma tradução justa linear, para chegar a uma versão quase literal; os arcaísmos ou as passagens mais obscuras são explicados por meio de notas e referencias esclarecedoras, para se proceder, diríamos, a uma análise semântica e filológica dos textos e poder chegar, então, a uma tradução compreesível. Os textos – e obviamente as cantigas – têm ritmo. Com todos os erros possíveis de um trabalho pioneiro nesse domínio, esta obra tem o mérito de tentar uma transcrição bilíngüe dos textos rituais, conservando, na medida do possível, o ritmo segundo o qual são recitados ou cantado.(5) (3) Este procedimento foi-nos imposto pela realidade, visto que, geralmente, os sacerdotes ou iniciados não se recordam da seqüências inteiras nem da ordem dos cânticos fora das cerimônias. As gravações in loco servem de referencia mnemotécnica. Em geral, dificilmente são utilizáveis, por causa da combinação de ruídos e vozes que tornam difícil a percepção do texto. (4) Os textos incluídos são o resultado de um trabalho frutuoso efetuado em colaboração com vários especialistas, quase todos formados por R. Armstrong no Institute of African Studies da Universidade de Ibadan. É interessante notar que, em quase todos os casos, um conhecimento auxiliar da cerimônia se mostra indispensável para ajudar a revelar o significado dos textos. (5) Sobre o ritmo e a estrutura dos textos orais como expressão de ordem social e cósmicas e como condição da memorização referimos a recente obra de Maurice Houis (1971, p? ) B) A revisão crítica foi uma das imposições prementes que se me apresentaram no decorrer da pesquisa. Ela conduz à revisão de alguns dos conceitos e descrições que uma pesquisa mais apurada permite hoje contestar. Trata-se, geralmente, diríamos, da desmistificação de ideologias importadas ou superpostas. É preciso pôr-se de sobreaviso e impor-se uma vigilância consciente a todos os instantes para não incorrer em concepções ou da falta de conhecimentos. A revisão crítica permite destacar os elementos de valores específicos Nàgô do Brasil, como próprios e diferenciados da cultura luso-européia e constituindo uma unidade dinâmica. É nesse sentido que insistimos tanto no enfoque “desde dentro”, isto é, a partir da realidade cultural do grupo. Gostaria de dar um exemplo preciso: Alguns autores atribuem a um mal-estar moral o fato de que algumas cerimônias sejam privadas, particularmente aquelas em que há sacrifícios. Chegarm mesmo a dizer que o caráter bárbaro dessas práticas faz com que os sacerdotes responsáveis não admitam a presença de visitantes, subentendendo-se a dos pesquisadores. É verdade que, insistindo, os pesquisadores, às vezes, conseguem assistir à cerimônia, transgredindo um dos princípios fundamentais do sistema. Com efeito, não há nada de bárbaro (projeção do sistema de valores do próprio pesquisador) no fato de que o acesso a alguns ritos seja restrito. Não se trata igualmente de uma atitude defensiva em face da polícia ou da curiosidade científica ou de outro caráter qualquer. Há uma proibição para certa categoria de indivíduos. De fato, pouquíssimas pessoas têm acesso a essas cerimônias. Já dissemos que a aquisição de conhecimento é uma experiência progressiva, iniciática, possibilitada pela absorção e pelo

Em primeiro lugar, porque há trabalhos relativamente recentes que incluem uma vasta complicação autores (6). Em segundo, levando em conta que o material bibliográfico referente ao tema proposto nesta tese é muito escasso, preferimos mencioná-lo e comentá- lo à medida que se forem desenvolvendo os diferentes capítulos. As referências bibliográficas reduzem-se ainda mais porque preferimos escolher os trabalhos escritos por pessoas que pertencem à cultura em questão, ou que foram “iniciados” ou que, ao menos, tiveram uma convivência prolongada em contato com esta cultura. Os autores clássicos que não entram nesta categoria foram utilizados unicamente a título de referência histórica ou para ilustrar andamentos progressivos de uma interpretação mais objetiva. (6) Roger Bastide (1961, p 359/370), Pierre Verger (1957, p 571/576), Gisele Cossard (1970 p 396/414) No que diz respeito ao desenvolvimento do estado atual dos estudos e da pesquisa afro-brasileira, mencionaremos especialmente o estudo preparado pelo Laboratorie de Sociologie de la Connaissance sob a direção de Roger Bastide, trabalho este recomendado pelo Colóquio que se realizou em Cuba, 1968, sob os aus C) Pode-se deduzir dos comentários acima o que entendemos por interpretação e o que a guia. É neste nível que se elabora a perspectiva “desde dentro para fora”; isto é, a análise da natureza e do significado do material fatual, recolocando os elementos num contexto dinâmico, descobrindo a simbologia subjacente, reconstituindo a trama dos signos em função de suas inter-relações internas e de suas relações com o mundo exterior. O símbolo, do grego symbolon, é um “signe de ralliement” (Larousse, 1933, Tomo 6: 546). “Cada movimento é, ao mesmo tempo, um gesto” (Suzanne Langer, 1951:51). Tem um sentido e um propósito. A interpretação do símbolo, uma vez descoberto seu nexo ontogenético, seu ou seus referentes, permite-nos tornar explícita a realidade fatual. Já dissemos que não entendemos o símbolo com um significado constante; sua interpretação está sempre em relação a um contexto. Sua mensagem está em função de outros elementos. A interpretação simbólica permite perceber as seqüências rituais a dar-lhes uma estrutura conseqüente. Porque compartilho de seu pondo de vista e por causa da clareza com que ele o exprime, permito-me transcrever uma longa citação de Victor Turner (1957:19): “Entendo por rito um comportamento formal prescrito para ocasiões não consagradas à rotina tecnológica, mas referidas à crença em seres ou poderes místicos. O símbolo é a menor unidade do rito que conserva, contudo, as propriedades particulares da conduta ritual... Segundo o Concise Oxford Dictionary, um “símbolo” é uma coisa considerada por consenso geral como caracterizando naturalmente ou representando ou relembrando algo por possuir qualidades análogas oi por associação de fato ou do pensamento. Os símbolos que pude observar no campo eram empiricamente objetos, atividades, relações, acontecimentos, gestos e unidades espaciais numa situação ritual... Os símbolos estão particularmente envolvidos no processo ritual... O símbolo associa-se a interesses, propósitos, fins e meios dos homens, quer eles sejam formulados explicitamente, quer devam ser deduzidos do comportamento observando. A estrutura e as propriedades de um símbolo transformam-se nos de uma entidade dinâmica, ao menos no quadro de seu contexto de ação própria.(7) Complementarei esta exposição tão clara com uma distinção: a do símbolo-signo, menor ou última unidade simbólica, do símbolo-complexo, totalmente de uma estrutura dada. Assim, por exemplo, o sásárá, emblema de Obalúaìyé, é um objeto com uma estrutura determinada, constituída por uma quantidade de símbolos-signos que se encontram aí incorporados – búzios, certas contas, ráfia, nervuras de palmeira, cores integrantes da totalidade do símbolo sásárá que contribuem para expressar.

Além desta distinção, parece-me importante introduzir uma outra como instrumento de trabalho: a assinada por Marion Milner e especialmente por H. Segal (1957:391) entre “equação simbólica” e “representação simbólica”. Enquanto a “equação simbólica” se caracteriza “pela completa equiparação ou fusão do símbolo com seu objeto”(8) – os dois se confundem, o símbolo é um doble do objeto que vela e revela –; na “representação simbólica” há um par de termos considerados como não-semelhantes, mas associados, de maneira que um dos dois (o símbolo) seja capaz de evocar ou de sugerir o ou os objetos aos quais se refere. Seria aquilo que Ferenezi (1950:244) distingue como “fanerosimbolismo” e como “criptosimbolismo”. Enquanto a “equação simbólica” é uma substituição primária, geralmente de interpretação fácil, a “representação simbólica” constitui o “criptosimbolismo”, isto é, uma elaboração complexa, madura, cuja naturezae função são essenciais para a compreesão do sistema. Toda a religião, sua morfologia, sua prática, todos os seus conteúdos se expressam por símbolos ou por estruturas simbólicas complexas. Ou, reciprocamente, desvendar as correspondências dos símbolos e os interpretar nos permite explicar os conteúdos do acontecer ritual. O nível da interpretação simbólica premitiu-me penetrar, abarcar e tornar inteligíveis certos aspectos dos dados fatuais que não poderia ter apreendido de outra forma. É particularmente frutuoso, quando aplicado a uma disciplina consagrada ao estudo das “ações não-poéticas”, de ritos, formalizações, dramatizações... artes não aplicadas” (Suzanne Langer, 1951:51). Em verdade, tentamos, ao longo deste trabalho, distinguir o que é fatual do que é interpretação. Mas é difícil deixarmos de assinalar que, à medida que avançamos na interpretação, novas porções da realidade ritual se nos foram revelando e numerosos elementos-signos foram se prefilando. Resumindo, deve-se insistir que, apesar de se procurar manter reslindados os três níveis mencionados, o nível fatual (ou a realidade empírica do acontecer ritual cada vez mais pormenorizada e exata), a revisão crítica (ou o significado funcional e dinâmico dos conteúdos desse sistema), os três níveis relacionam-se e constituem, por assim dizer, instrumentos impermutáveis de uma técnica que fora orientada fundamentalmente pela lenta e progressiva experiência de campo que qualificarei de “iniciática”. (7) “By ritual I mean prescribed formal behaviour for occasions not given over to technological routines having reference to belief in mystical beings or powers. The symbol is the smallest unit of ritual which still retains the special properties of ritual behaviour… Following the Concise Oxford Dictionary a “Simbol” is a thing regarded by general consent as naturally typifying or representing or recalling something by possession of analogous qualities or by association in fact or thought. The symbols I observed in the field were empirically objects, activities, relationship, involved in social process… the symbol becomes associated with human interests, inferred from the observed behaviour. The structure and properties of a symbol become those of a dynamic entity, at least within its appropriate context of action”. (8) Remetemos a obra de M. E. Rodrigué (1966:90) CAPÍTULO II O Complexo Cultural Nagô Origens étnicas. Estabelecimento no Brasil e áreas de influência. Comunidades Nagô(1). Egbé e “terreiro”. Conteúdo do “terreiro”: espaço “mato” e espaço “urbano”; representações materiais e simbólicas do àiyé e do órun e dos elementos que os relacionam; àse , força dinâmica e propulsora do sistema. O Brasil é um país afro-luso-americano. Americano, evidentemente, por sua situação geográfica e sua população indígena, lusitano, por ter sido colonizado pelos portugueses; e africano, não só porque a nação brasileira foi formada pelo trabalho dos

admitir que os Nàgô foram os últimos a se estabelecerem no Brasil, nos fins do século XVIII e início do século XIX. Os ataques contínuos dos daomeanos dirigidos contra seus vizinhos do Sul, do Norte e do Leste, e a pressão dos Fulani sobre Òyó , a capital do reino Yorùbá, impedindo seus exércitos de defenderem os territórios mais distantes do seu império, tiveram como resultado a captura e, em seguida, a venda de numerosos grupos Egba, Egbado e Sabe , particurlamente dos Kétu , embarcados em Huida (ajuda) e em Cotonu. A esses contingentes agregaram-se – depois da queda de Òyó e de desapiedadas lutas intestinas que culminaram com a revolta e a perda de Ilorin – grupos provenientes do próprio território de Òyó , grupos Ijesa e Ijebu. Os Kétu foram os mais profundamente atingidos pelos daomeanos de Abomey. A história de Kétu é preciosa com referência direta no que concerne à herança afro-baiana. Foram os Kétu que implantaram com maior intensidade sua cultura na Bahia, reconstituindo suas instituições e adaptando-as ao novo meio, com tão grande fidelidade aos valores mais específicos de sua cultura de origem, que ainda hoje elas constituem o baluarte dinâmico dos valores afro-brasileiros. Com todas as reservas possíveis, visto que não dispomos de documentos, parece provável que o primeiro contingente de Kétu vendido no Brasil proveio do ataque Kpengla (Adahoozom II), rei de Abomey , levou a cabo em 1789 durante o reinado de Akebioru, quadragésimo Alakétu , soberano dos Kétu. (6) (6) Descrição aparecida em 1793, na celebre obra de A. Dalzel, então governador de Huida (Whydah para os Ingleses). Várias são as razões que nos induzem a indicar esta data. Não se registraram ataques importantes sobre Kétu durante o reinado seguinte de Agonglo (1789: 97). As investidas efetuadas sob o reino de Gueso(1818:1858), morto poço depois em conseqüência de um ferimento recebido quando da retirada que se seguiu ao fracassado sítio de Kétu em 1858, tiveram lugar durante os últimos anos de seu reinado (./...) (Parrinder, 1956). Por outro lado, a tradição oral e os cálculos retrospectivos baseados na idade de personalidades conhecidas da elite Kétu da Bahia e de seus descendentes (particularmente da Ìyá Nàsó e da Asipa Obatosi, calculando-se vinte anos para cada geração de descendentes) fazem remontar ao começo do século XIX a implantação do primeiro terreiro Kétu na Barroquinha. Os Kétu do Brasil ignoravam tanto a destruição de Kétu como perda das portas de sua capital, acontecidas em 1850 durante o saque do rei Glele. Conservam, ao contrário, até o presente, a lembrança de um reino florescente. Todos esses diversos grupos provenientes do Sul e do Centro do Daomé e do Sudeste da Nigéria, de uma vasta região que se convenciona chamar Yoru baland , são conhecidos no Brasil sob nome genérico Nàgô , portadores de uma tradição cuja riqueza deriva das culturas individuais dos diferentes reinos de onde eles se originaram. Os Kétu , Sabe, Òyó, Ègbá, Ègbado, Ijesa, Ijebu importaram para o Brasil seus costumes, suas estruturas hierárquicas, seus conceitos filosóficos e estéticos, sua língua, sua música, sua literatura oral e mitológica. E, sobretudo, trouxeram para o Brasil sua religião. Da mesma forma que a palavra Yorùbá na Nigéria, ou a palavra Lucumí em Cuba, o termo Nàgô no Brasil acabou por ser aplicado coletivamente a todos esses grupos vinculados por uma língua comum – com variantes dialetais. Do mesmo que em suas regiões de origem todos se consideram descendentes de um único progenitor mitológico, Odùduwà , emigrantes de um mítico lugar de orugem, ilé Ifè. Parece ter acontecido com a designação Nàgô o mesmo que se passou com o uso extensivo do termo Yorùbá (7) na Nigéria. Abraham (1958: 55) diz que os Ànàgó constituem um tipo de Yorùbá saído da área de Ifé e tendo fundado em seguida diversos povoados na província de Abéòkúta , em Ìpòkùyá. Eles falam Yorùbá conhecido com Èyò , falado no antigo reino de Òyó. Ainda são conhecidos hoje em dia com o nome de Ànàgó e existem outros grupos em Ifónyìn e Ilaàró. Os Yorùbá do Daomé, de onde provém a maior parte dos Nàgô brasileiros, estão constituídos de população que se consideram descendentes de Ifè , irmanados por um

mesmo mito genético. São conhecidos com o nome genérico de Nàgô, Nagónu ou Ànàgónu, pessoa ou povo Ànàgó , nome constituído de Ànàgó + nu, sufixo que, em Fon , significa “pessoa”. Por extensão, chama-se Ànàgónu, no Daomé, todos os iniciados e os sacerdotes praticantes da religião que cultua as entidades sobrenaturais de origem Nàgô .(8) (7) O termo Yorùbá é de uso relativamente recente, no Brasil, sendo os eruditos que o descobriram nos textos estrangeiros e o fizeram conhecido. Não é utilizado pela população. Também não é utilizado em Cuba. Parece que mesmo na África Ocidental o termo Yorùbá em sua conotação coletiva, não é muito antigo. N.A. Fadipe (1970: 30) concluiu que “a etiqueta Yorùbá, designado um grupo étnico, não deve ter estado há muito tempo em voga antes de 1856” – (“ the label Yorùbá, as that of an ethnic group could not have been long in vogue prior to 1856”). “Até hoje, as pessoas tem tendência a distinguir seus próprios grupos locais daqueles que eles chamam coletivamente de Yorùbá”. (“To the present day people... tend to distinguish their own local groups from the one they collectively refer as Yorùbá”). Parece que, em sua origem, o nome Yorùbá era aplicado unicamente aos Yorùbá de Òyó , que ainda são chamados, hoje em dia, de Yorùbá propriamente ditos. Para uma discusão mais completa desta questão ver Claperton (1829), Rev. Koelle (1963: 5), Dos Santos (1967: 14 e nota 38), Fadipe (1970, cap. 2) (8) Esta designação é muito útil para ajudar na determinação, no Daomé da origem de alguns panteões e de suas entidades divinas. Assim, por exemplo, os daomeanos, que adoram Mawu, Lisa, Sapata, Gu, revelam as origens estrangeiras desses, por chamar suas sacerdotisas Nàgónu, gente Nàgô , independentemente, é claro, da origem étnica da própria sacerdotisa. O Ànàgógbé é a língua cujo nome é formado de Ànàgó e de gbé , que, em Fon , significa “língua” ou Linguagem. Segundo R.P Segurola (1963: 56) “é a língua Nàgô ou Yorùbá” (“la langue Nagô, la langue Yoruba”). Até nossos dias, no Daomé, todos os povos falantes de línguas derivadas de Yorùbá, classificadas por Westermann como pertencentes ao grupo KWA das línguas sudânicas, são chamados Nàgónu. O estabelecimento Yorùbá no Sul do Daomé parece que ocorreu durante o século XVI, enquanto ele parece ser mais antigo no centro do Daomé(9). O termo Nàgô veio a ser aplicado não só aos lugares habitados pelos Yorùbá, mas também a todos os povos Yorùbá que não pertenciam estritamente ao povo Nàgô. Todos os povos de origem Yorùbá do Daomé foram chamados de Nàgô pela administração francesa que tomou este termo dos Fon. Esses designavam habitualmente pelo termo Nàgô todos os Yorùbá dos reinos vizinhos, e todos os seus adversários do Leste e do Nordeste, sem fazer distinção entre os de Abéòkúta, de Egba, do Egbado, de Kétu ou de Sábè. Alguns pretendem que esta denominação vem da língua Fon e, nesse caso, significa “sujeira, lixo”, isto é, tratar-se-ia de um termo altamente pejorativo. Mercier (1950: 20-30) indica, contudo, que “...de fato são agrupamentos Yorùbá , no círculo daomeano do Porto Novo e de regiões adjacentes da colônia e da divisão de Illare , que se chamam eles mesmo de Ànágó e conhecem unicamente este nome. A palavra poderia portanto não ter sido forjada pelos Fon , sendo provável que eles tivessem explorado um jogo de palavras pejorativas ao mesmo tempo que estendiam, como é freqüente, um nome tribal ao conjunto de um povo”(10). Mercier documenta os estabelecimentos de origem Yorùbá no Daomé. Ele inclui aí o reino de Porto Novo que não é estritamente um reino Yorùbá, mas um lugar onde os Yorùbá exerceram influência considerável tanto no que concerne à sua constituição como à sua história. Entre os reinos Nàgô ele estuda os de Ìtákéte (Sákéte), Takon (Itakon), Ofónyìn, Jegu, o reino de Banigbe e os grupos Nàgô das margens do rio Ueme (Mercier,1950: 34). Outras implantações Yorùbá foram estudadas, tais como Hollidge ( Terreau e Huttel, 1960), o reino de Adja-Uere onde os Nàgô e os Adja se fundiram completamente ( Mercier, 1950), o reino de Kétu (Parinder, 1956), o de Sabe (R.P. Moulero, 1954), e pequenos agrupamentos Yorùbá tais como Itcha, Dasa, Manigri, Ife ou Ana, sob cujos nomes são conhecidos em Togo (Mercier, 1950). O nome Ànàgónu ou Nàgô que, originalmente, se referia unicamente a um ramo dos descendentes Yorùbá de Ifé e que foi aplicado em seguida de maneira extensiva pelos Fon e

povoado. Outra parte de seus integrantes mora mais ou menos distantes daí, mas vem com certa regularidade e passa períodos mais ou menos prolongados no “terreiro” onde eles dispõem às vezes de uma casa ou, na maioria dos casos, de um quarto numa construção que se pode comparar a um “compound”.(12) O vínculo que se estabelece entre os membros da comunidade não está em função de que eles habitem num espaço preciso: os limites da sociedade egbé não coincidem com os limites físicos do “terreiro”. O “terreiro” ultrapassa os limites materiais (por assim dizer pólo de irradiação) para se projetar e permear a sociedade global. Os membros do egbé circulam, deslocam-se, trabalham, tem vínculos com a sociedade global, mas constituem uma comunidade “flutuante”, que concentra e expressa sua própria estrutura nos “terreiros”. Na diáspora, o espaço geográfico da África genitora e seus conteúdos culturais foram transferidos e restituídos no “terreiro”. Fundamentalmente, a utilização do espaço e a estrutura social dos três “terreiros” tradicionais Nàgô mantiveram-se sem grandes mudanças. Por sua extensão, reputação e organização complexa, o Àse Òpó Afònjá da “roça” de São Gonçalo do Retiro constitui um modelo exemplar. O “terreiro” contém dois espaço com características e funções diferentes: a) um espaço que qualificaremos de “urbano” compreendendo as construções de uso publico e privado, b) um espaço virgem, que compreende as árvores e uma fonte, considerado como o “mato”, equivalendo à floresta africana, que Lydia Cabrera (1968, 1ª parte) chama de “monte” e tão exaustivamente o caracteriza. No espaço urbano elevam-se : as casas-templos, Ilé-òrìsá , consagrados a um òrìsá, entidades divinas(ver exemplo p.?) que comporta uma parte estritamente privada destinada à reclusão de noviças – as iyawo – uma cozinha ritual com sua ante-sala e uma sala semi pública (segundo as ocasiões); uma construção – o “barracão” – que abriga um grande salão destinado às festividades públicas, com espaços delimitados para os diferentes grupos e setores que constituem o egbé e os lugares reservados à assistência; um conjunto de habitações permanentes ou temporárias para os iniciados que fazem parte do “terreiro” e suas famílias. Entre as construções no limite do espaço urbano e debruçados sobre o “mato”, encontra-se o Ilé-Ibo-Aku, a casa onde são adorados os mortos e onde se encontram seus “assentos” – lugares consagrados – local onde ninguém se pode aproximar, guardado por sacerdotes preparados para estes mistérios e separado do resto do “terreiro” por uma cerca de arbustos rituais.(13) O espaço “mato” cobre quase dois terços do “terreiro”. É cortado por árvores, arbustos e toda sorte de ervas e constituí um reservatório natural onde são recolhidos os ingredientes vegetais indispensáveis a toda prática litúrgica. É um espaço perigoso, muito pouco freqüentado pela população urbana do “terreiro”. Os sacerdotes de Òsany ìn, òrìsa patrono da vegetação e, em geral, os sacerdotes pertencentes ao grupo dos òrìsa caçadores

  • Ògún e Òsòsì – realizam os ritos que devem ser executados no “mato”. De modo geral, o “mato” é sagrado. O espaço “urbano”, doméstico, planificado e controlado pelo ser humano, distingue- se do espaço “mato”, que ele deve pagar conseqüentemente. Há um intercâmbio, uma troca. (14) O “terreiro” por estar constituído pelos dois espaços, mais a água representada pela fonte, contém todos os elementos que simbolizam o àiyé , este mundo, o da vida. Mas nele estão plantado e consagrados os altares (os Peji ) com seus lugares de adoração (os ajobo e os ojubo ), onde são invocadas as forças patronas que regem o àiyé , os òrìsà e, separadamente, os ancestrais, ambos elementos do òrun , do além, dos espaços

sobrenaturais, que permitem por sua presença simbólica – nos “assentos e através do culto

  • estabelecer a relação harmoniosa àiyé-òrun. O “terreiro” concentra, num espaço geográfico limitado, os principais locais e as regiões onde se originaram e onde se praticam os cultos da religião tradicional africana. Os òrìsà cujos cultos estão disseminados nas diversas regiões da África Yorùbá , adorados em vilas e cidades separadas e às vezes bastante distante, são contidos no “terreiro” nas diversas casas-templos, os ilé- òrìsà. (12) “Compound” é um termo comumente aplicado, na Nigéria, a um lugar de residência que compreende um grupo de casas ou de apartamentos ocupados por famílias individuais relacionadas entre si por parentesco consangüíneo. Em Nàgô ele tem o nome de agbo-ilé, que quer dizer, literalmente, “conjunto de casas” (Abraham: 29). Consiste num ou mais quartos por família, separados um do outro por parede medianeira e numa longa galeria comum não dividida, abrindo-se para um espaço aberto. Pela galeria pode-se ir de um quarto a outro, e percorrer todo o “compound” (N.A Fadipe, 1970:97). Esse modelo é mantido numa das construções do Àse Òpó Afònjá. Os quartos estão ocupados individualmente pelas sacerdotisas, que os compartilham às vezes com sua família mais próxima. Eles são privados e contêm bens pessoais. A maioria dispões de um fogo para a preparação de alimentos. (13) Antigamente o Ilé-ibo foi construído numa clareira dentro do mato; razões de caráter prático motivaram seu traslado a um lugar de acesso mais fácil, mais separado e bem longe das outras construções. (14) Este mecanismo básico da devolução ou reparação é longamente tratado no capítulo consagrado às oferendas. Cada ilé-òrìsà reúne um grupo de iniciados, de praticantes e fiéis que constituem os diversos segmentos diferenciados da população urbana do “terreiro”. Cada grupo está vinculado a uma comum matéria de origem abstrata, simbolizada por seu òrìsà. Essa simbologia caracteriza cada grupo do “terreiro” pela utilização de cores determinadas, por certas proibições – principalmente de caráter alimentar – pela utilização de certos emblemas, de certas ervas, de certos dias para as reuniões e o culto, por festivais anuais etc. Um aspectos importante que define cada grupo de iniciados é o fato de trazer diante do nome de iniciação um nome genérico comum a todos os que pertencem a um determinado òrìsà. Veremos assim que todas as sacerdotisas de Òrìsàlá , por exemplo, trazem o nome de Iwin ( Iwin-tólá, Iwin-múìwá, Iwin-solá, Iwin-dùnsí etc. ); todas as de Odalúaiyé trazem o nome de Iji ( Iji-lánà, Iji-bùmi, Iji-dare etc ); as de Nana, o de Na ( Na-dógìyá, Na-jide etc ); os de Sangó , o nome de Oba ( Oba-térú, Oba-bìyì, Oba-tosi etc. ). Cada grupo está nitidamente identificado. Possui um lugar consagrado a seu òrisà patrono em volta do qual são colocadas as vasilhas – assentos individuais. Cada casa – ilé-òrìsà – contém o assento consagrado a seu òrìsàìdí - òrìsà – que é o objeto de adoração comum, chamado ájobo. A cada entidade sobrenatural correspondem assentos específicos e os elementos que os compõem expressam os diversos aspectos do òrìsà cuja natureza simbolizam. A análise desses elementos e a estrutura de cada assento fornecem materiais precisos para a pesquisa da natureza das entidades sobrenaturais. Descrevemos as vasilhas e o conteúdo de assentos quando tratarmos particularmente dos òrìsà e dos ancestrais (ver adiante, p. ?). os assentos individuais, com raras exceções, apresentam estruturas similar aquela do ájobo ìdí-òrìsà , sendo de dimensões mais reduzidas. Cada assentos está acompanhado de uma vasilha de cerâmica com tampa – quartinha – que contém água ( que não se deve deixar secar nunca) e de um assento de Èsù , òrìsà que acompanha indefectivelmente todas as entidades sobrenaturais (cf. cap. VII). Cada grupo ou segmento é organizado segundo uma certa hierarquia. Contudo essa hierarquia é, por sua vez, determinada pela do terreiro como unidade, como egbé. A cúpula do terreiro, representado a mais alta hierarquia dos diversos grupos, é formada pelas sacerdotisas mais antigas por ordem de iniciação. Cada uma tem uma função e um título especial, função determinada por sua antiguidade e freqüentemente por sua ascendência familiar, por sua capacidade pessoal e pela natureza do òrìsà a que pertence. Assim, por exemplo, ìyá-efún do terreiro, encarregada do manejo do efún , giz, cujo importante uso em

porteira principal o assento de Èsù l`ona cuja importância em toda a estrutura do terreiro provém da função simbólica de Èsù (cf. mais adiante cap. VII-VIII). Resumindo, o terreiro é um espaço onde se organiza uma comunidade – cujos integrantes podem ou não habitá-lo permanentemente – no qual são transferidos e recriados os conteúdos específicos que caracterizam a religião tradicional negro-africana. Nele encontram-se todas as representações materiais e simbólicas do àiyé e do órún e dos elementos que os relacionam. O àse impulsiona a prática litúrgica que, por sua vez, o realimenta, pondo todo o sistema em movimento. Através da iniciação e de sua experiência no seio da comunidade, os integrantes vivem e absorvem os princípios do sistema. A atividade ritual engendra uma série de outras atividades: música, dança, canto e recitação, arte e artesanato, cozinha etc., que integram o sistema de valores, a gestalt e a cosmo-visão africana do terreiro. Os membros da comunidade Nàgô estão unidos não apenas pela prática religiosa, mas, sobretudo, por uma estrutura sociocultural cujos conteúdos recriam a herança legada por seus ancestrais africanos.(16) (16) Nosso propósito aqui não é o de examinar a organização social do terreiro nem o de suas relações com a sociedade global. Assinalamos, apenas, os aspectos necessários ao desenvolvimento desta tese. Vários autores ocuparam-se com a organização social do terreiro (Nina Rodrigues, 1935; Manoel Querino, 1938; A. Ramos, 1940; Donald Pierson, 1945; E. Carneiro, 1961; R. Bastide, 1961). Contudo, poucos trabalhos tiveram o objetivo de comparar essa organização com aquela que caracterizava as etnias em seus lugares de origem. Até que ponto cada grupo de Olòrìsà , com seu ilé , seu nome genérico, sua própria graduação hierárquica compreendendo os Ògán (membros masculinos aos quais foram confiados funções administrativas), representam os ìdi-lé, clãs reconstituindo linhagens desaparecidas na diáspora. Até que ponto o terreiro reformula a organização da família extensiva através de seus complexos laços de parentesco simbólico, representado pelos títulos e status de seus integrantes. Parece igualmente ser muito plausível que a cúpula constituída pelas Ìyá do terreiro corresponda as mães do palácio (“mothers of the palace”) assinaladas por Morton Williams (1969:65) e cujas funções se assemelham tanto: “As Ayaba eram.... as mães do palácio, a mais alta dignidade, igualmente conhecidas sob o nome de ayaba ijoye , esposas do rei que possuem títulos.... A maior parte das Ìyá-Afin eram sacerdotisas encarregadas dos altares do palácio e mães das organizações de culto. De uma grande importância nas relações políticas do rei era a Ìyá Nàsó , mãe do culto de Sàngó ....” (the Ayaba were... the mothers of the palace, the highest rank who were also known as ayaba ijoye , titled king’s wives… Most of the Ìyá-Afin were priestesses, who were in charge of the shrines in the palace and were mothers of cult-organizations… of most importance in the king’s political relations were the ìyá-Nàsó , mother of the cult of Sàngó ”). O terreiro Àse Òpó Àfònjá dedicado principalmente ao culto de Sàngó pareceria ser o exemplo tipo de uma organização onde se encontra recriada, numa certa medida, aquela do palácio de Oyó com as Ìyá do terreiro responsável por cada Ilé-òrisà , Sàngó assumido diretamente o papel de Aláfin e a Ìyá-Nàsó ocupando o posto supremo de Ìyá-l’àse , concentrando o poder ritual e o poder político do terreiro. Essas semelhanças intensificaram-se o poder ritual e o poder político do terreiro de Sàngó , compreendendo doze dignitários, seis da direita e seis da esquerda que, no decorrer das cerimônias públicas, ficam à direita e à esquerda da Ìyálàse (Martiliano Eliseu do Bonfim, 1940). CAPÍTULO III Sistema Dinâmico O àse, princípio e poder de realização; os elementos materiais e simbólicos que os contêm; transmissão do áse e relação dinâmica; graus de absorção, desenvolvimento do áse e a estrutura do “terreiro”. A transmissão oral como parte componente da transmissão dinâmica, síntese e exteriorização de um processo de interação; o som e a individualização; a estrutura ternária e o movimento; a invocação; os mitos e os textos orais; a lígua ritual Nàgô no “terreiro”. Dizíamos no capítulo precedente que o conteúdo mais precioso do terreiro era o àse. É a força que assegura a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem àse a existência estaria paralisada, desprovida de toda possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital. Como toda força, o àse é transmissível; é conduzido por meios materiais e simbólicos e acumulável. É uma força que só pode ser adquirida pela introjeção ou por contato. Pode ser transmitida a objetos ou a seres humanos. Segundo Maupoli (1943: 334), este termo “designa, em Nàgô , a força invisível, a força mágico- sagrada de toda divindade, de todo ser animado, de toda coisa”.(1) Mas esta força não aparece espontaneamente: deve ser transmitida. Todo objeto, ser ou lugar consagrado só o é através da aquisição de àse , acumulá-lo, mantê-lo e desenvolve-lo.

Para que o terreiro possa ser e preencher suas funções, deve receber àse. O àse é plantado e em seguida transmitido a todos os elementos que integram o terreiro. (1) .... “designe em Nàgô la force invisible, la force mágico-sacrée de toute divinité de tout éter animé, de toute chose”. Sendo o àse princípio e força, é neutro. Pode transmitir-se e aplicar-se a diversas finalidades ou realizações. A combinação dos elementos materiais e simbólicos que contém e expressam o àse do terreiro varia mais do que caracteriza o de cada òrìsà ou o dos ancestrais. Por sua vez, a qualidade do àse varia segundo a combinação dos elementos que ele contém e veicula; cada um deles é portador de uma carga, de uma energia, de um poder que permite determinadas realizações. Uma vez plantado o àse do terreiro, ele se expande e se fortifica, combinando as qualidades e as significações de todos os elementos de que é composto. a) O àse de cada òrisà plantados nos Peji dos Ilé - òrìsà, realimentado através das oferendas e da ação ritual, transmitido a seus olórìsà por intermédio da iniciação e ativado pela conduta individual e ritual; b) O àse de cada membro do terreiro que soma ao de seu òrisà recebido no decorrer da iniciação, o de seu destino individual, o àse que ele acumulará em seu interior, o inú e que ele revitalizará particularmente através dos ritos do Bori – “dar comida à cabeça” – aos quais se adicionam ainda o àse herdado de seus próprios ancestrais; c) O àse dos antepassados do terreiro, de seus mortos ilustres, cujo poder é acumulado e mantido ritualmente nos assentos do ilé-ibo. O àse , como toda força, pode diminuir ou aumentar. Essas variações estão determinadas pela atividade e conduta rituais. A conduta está determinada pela escrupulosa observação dos deveres e das obrigações – regidos pela doutrina e prática litúrgica – de cada detentor de àse , para consigo mesmo, para com o grupo de olórìsà a que pertence e para com o terreiro. O desenvolvimento do àse individual e o de cada grupo impulsiona o àse do terreiro. Quanto mais um terreiro é antigo e ativo, quanto mais as sacerdotisas encarregadas das obrigações rituais apresentam um grau de iniciação elevada, tanto mais poderoso será o àse do terreiro. O conhecimento e o desenvolvimento iniciático estão em função da absorção e da elaboração de àse. Podemos, neste estágio, enunciar uma das características essenciais do sistema Nàgô : a cada elemento espiritual ou abstrato corresponde uma representação ou uma localização material ou corporal. A força do àse é contida e transmitida através de certos elementos materiais, de certas substâncias. O àse contido e transferido por essas substâncias aos seres e aos objetos mantém e renova neles os poderes de realização. O àse é contido numa grande variedade de elementos representativos do reino animal, vegetal e mineral quer sejam da água(doce ou salgada) quer da terra, da floresta, do mato ou do espaço urbano. O àse contido nas substâncias essenciais de cada um dos seres, animados ou não, simples ou complexos, que compõem o mundo. Os elementos portadores de àse podem ser agrupados em três categorias:

  1. “Sangue” – “Vermelho”;
  2. “Sangue” – “Branco”;
  3. “Sangue” – “Preto”.
  4. O “sangue” vermelho compreende: a) o do reino animal: corrimento menstrual, sangue humano ou animal,