Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Música Eletrônica e Xamanismo: técnicas contemporâneas do ..., Notas de aula de Música

musical, o único tipo de música que não está pres[o] a regras ... naquela linearidade, fica uma coisa gostosa, mas quando muda é que você sente: Putz!

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Havaianas81
Havaianas81 🇧🇷

4.6

(34)

219 documentos

1 / 495

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Pedro Peixoto Ferreira
Música Eletrônica e Xamanismo:
técnicas contemporâneas do êxtase
Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao
Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas, sob orientação do Prof. Dr. Laymert Garcia
dos Santos.
Este exemplar corresponde à versão final da Tese
defendida pelo autor e aprovada pela Banca
Examinadora em 2 de outubro de 2006.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Laymert Garcia dos Santos (IFCH-UNICAMP; orientador)
Prof. Dr. Eduardo B. Viveiros de Castro (PPGAS-UFRJ)
Prof. Dr. Márcio Goldman (PPGAS-UFRJ)
Prof. Dr. Mauro W. Barbosa de Almeida (IFCH-UNICAMP)
Prof. Dr. Vanessa R. Lea (IFCH-UNICAMP)
Prof Dr. Luiz B.L. Orlandi (IFCH-UNICAMP; suplente)
Prof Dr. José Miguel Wisnik (USP; suplente)
Prof Dr. Hermano P. Vianna Jr. (suplente)
Outubro
2006
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Música Eletrônica e Xamanismo: técnicas contemporâneas do ... e outras Notas de aula em PDF para Música, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Pedro Peixoto Ferreira

Música Eletrônica e Xamanismo:

técnicas contemporâneas do êxtase

Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob orientação do Prof. Dr. Laymert Garcia dos Santos.

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pelo autor e aprovada pela Banca Examinadora em 2 de outubro de 2006.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Laymert Garcia dos Santos (IFCH-UNICAMP; orientador)

Prof. Dr. Eduardo B. Viveiros de Castro (PPGAS-UFRJ)

Prof. Dr. Márcio Goldman (PPGAS-UFRJ)

Prof. Dr. Mauro W. Barbosa de Almeida (IFCH-UNICAMP)

Prof. Dr. Vanessa R. Lea (IFCH-UNICAMP)

Prof Dr. Luiz B.L. Orlandi (IFCH-UNICAMP; suplente) Prof Dr. José Miguel Wisnik (USP; suplente) Prof Dr. Hermano P. Vianna Jr. (suplente)

Outubro

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Ferreira, Pedro Peixoto

F413m Música eletrônica e xamanismo: técnicas contemporâneas do

êxtase / Pedro Peixoto Ferreira. - - Campinas, SP : [s. n.], 2006.

Orientador: Laymert Garcia dos Santos.

Tese (doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas,

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Música eletrônica. 2. Xamanismo. 3. Tecnologia. 4. Ritual.

5. Dança. I. Santos, Laymert Garcia dos. II. Universidade

Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

III.Título.

(cc/ifch)

Título em inglês: Electronic music and shamanism: contemporary techniques

of ecstasy

Palavras – chave em inglês (Keywords): Electronic music

Shamanism

Technology

Ritual

Dance

Área de concentração : Ciências Sociais

Titulação : Doutor em Ciências Sociais

Banca examinadora : Laymert Garcia dos Santos, Eduardo B. Viveiros de

Castro, Márcio Goldman, Mauro W. Barbosa de

Almeida, Vanessa R. Lea

Data da defesa : 02-10-

Programa de Pós-Graduação :- Ciências Sociais

ii

iv

Para Larissa,

por tudo.

v

Sumário

Agradecimentos ............................................................................................................................................................ ix Lista dos Quadros ......................................................................................................................................................... xi

  • Introdução Nota Sobre as Referências xi
    • A definição do tema desta pesquisa
    • Apresentação da tese
  • Parte I – O Discurso Nativo
    • Capítulo 1: Cosmologias
      • A cosmologia matemática do DJ Mantrix
      • Mr. Lemon e o poder energético da mente
    • Capítulo 2: Ritologias
      • As dinâmicas rituais do DJ Arlequim
      • Cláudio Manoel e "o sentido tribal de dançar" .................................................................................
    • Capítulo 3: Micropolíticas do Underground
      • O underground , o mainstream e o overground
      • Estratégias do underground
  • Parte II – As Técnicas do Êxtase
    • Capítulo 4: Técnicas "arcaicas" do êxtase
      • Xamanismo como técnica do êxtase
      • Axis mundi , tempo mítico e criação
    • Capítulo 5: Tempo mítico hoje
      • Mito e tecnologia
      • O mundo fora dos eixos
    • Capítulo 6: Técnicas contemporâneas do êxtase
      • Os xamãs e as máquinas
      • Um novo axis mundi?
  • Parte III – Música Eletrônica e Xamanismo
    • Capítulo 7: Devires
      • O devir-xamanismo da música eletrônica
      • O devir-máquina do xamã
    • Capítulo 8: O som de uma máquina
      • Estética maquínica
      • Transe maquínico
    • Capítulo 9: Como funciona?
      • O break e o pulso constante
      • Intensidades, freqüências e velocidades
  • Considerações Finais
    • A máquina ressonante da música eletrônica
  • Post-Scriptum : O que pode uma máquina?
  • Imagens
  • Anexo: CD de Exemplos Sonoros
  • Referências
    • Publicações de caráter acadêmico e científico.....................................................................................................
    • Outras publicações (*)
    • Vídeos (v)
    • Áudio (a)
    • Entrevistas realizadas

viii

x

Lista dos Quadros

1 – Quadro sintético das características distintivas da música eletrônica de pista frente à música popular tradicional segundo Fry............................................................................................................................................ 4 2 – Quadro sintético da cosmologia do DJ Mantrix................................................................................................. 46 3 – Quadro sintético da cosmologia de Mr. Lemon................................................................................................. 54 4 – Quadro sintético dos "dois passos" rituais do DJ Arlequim............................................................................... 68 5 – Quadro sintético das contingências do ritual segundo DJ Arlequim.................................................................. 68 6 – Quadro sintético de temas do discurso nativo relativos a rituais indígenas....................................................... 81 7 – Quadro sintético das idéias nativas sobre o underground e o mainstream ........................................................ 97 8 – Intensidade sonora (dB) ..................................................................................................................................... 318 9 – Faixas de freqüência do espectro sonoro, suas características e efeitos............................................................. 323 10 – Faixas de velocidade da música eletrônica de pista e suas características....................................................... 330

Nota Sobre as Referências

Consideramos adequado expor previamente ao texto desta tese as convenções nele adotadas para a

organização de suas referências bibliográficas, videográficas e fonográficas. A lista de referências ao final

da tese está assim dividida e obedece às seguintes convenções:

  • PARTE 1 – Publicações de caráter acadêmico e científico: estão listadas aqui as publicações

em qualquer suporte consideradas fruto direto ou indireto de uma pesquisa acadêmica e/ou

científica. Referências a publicações pertencentes a esta parte serão feitas pelo sobrenome do

autor (na ausência dessa informação outros nomes ligados ao documento serão usados), seguido

do ano de publicação (obras cujo ano de publicação é desconhecido receberão a indicação "[s.d.]";

obras diferentes de um mesmo autor com o mesmo ano de publicação serão distinguidas pelo

acréscimo de letras após o ano, em ordem alfabética; quando o ano da primeira publicação da obra

diferir do ano de publicação da edição consultada, aquele pode vir entre colchetes logo após este)

e, quando necessário, pela(s) página(s) referida(s) após dois pontos ( e.g. Benjamin 1994:95).

  • PARTE 2 – Outras publicações: estão listadas aqui todas as demais publicações (geralmente

relatos, depoimentos, manifestos, textos de opinião ou reportagens jornalísticas) a que faremos

referência ao longo da tese. Referências a publicações pertencentes a esta parte serão identificadas

pelo acréscimo de um asterisco logo antes do ano de publicação, todo o resto obedecendo às

mesmas convenções da Parte 1 ( e.g. Rushkoff *1994:118).

  • PARTE 3 – Vídeos: estão listados aqui todos os documentos videográficos ou cinematográficos a

que faremos referência ao longo da tese. Referências a esses documentos serão feitas pelo

sobrenome do diretor e/ou produtor (na ausência dessa informação outros nomes ligados ao

documento serão usados), seguido do ano de lançamento marcado pela letra "vê" ( e.g. Telles

v2004).

  • PARTE 4 – Áudio: estão listados aqui todos os documentos fonográficos a que faremos

referência ao longo da tese. Referências a esses documentos serão feitas pelo nome artístico

completo do autor (na ausência dessa informação outros nomes ligados ao documento serão

usados), seguido do ano de lançamento marcado pela letra "a", pelo volume da unidade entre

colchetes quando necessário e, quando houver, pela(s) faixa(s) – ou música(s) – referida(s) após

dois pontos ( e.g. Kraftwerk a2005[vol.2]:7).

A divisão das referências bibliográficas entre as Partes 1 e 2 a partir de uma avaliação de sua base

acadêmica e/ou científica é, certamente, uma entre outras possíveis e ela mesma passível de outras

interpretações (outras distribuições dos títulos seriam possíveis e diversos títulos poderiam figurar em

ambas as partes). Nossa única intenção foi facilitar a avaliação do estatuto das referências empregadas. As

referências serão indicadas sempre em notas de rodapé e legendas, nunca no texto principal.

xi

Introdução

interessou pois levantava questões extremamente relevantes para uma sociologia da música

contemporânea como as rupturas com o modelo narrativo tradicional, com o individualismo

modernista e com o princípio publicitário da identificação personalista, além de propor um

curioso conceito transcultural de "mundo da eletrônica".

5

Poderíamos sintetizar essa oposição

entre a música eletrônica de pista e a música popular tradicional no Quadro 1 :

MÚSICA ELETRÔNICA DE PISTA MÚSICA POPULAR TRADICIONAL

repetição (corporal) modelo narrativo (mental) "sem ego", sem centralização no artista centrado na personalidade do artista público ativo público passivo transcultural culturalmente específica Quadro 1 – Quadro sintético das características distintivas da música eletrônica de pista frente à música popular tradicional segundo Fry (1999a)*

O fato de que uma oposição dessas pôde ser traçada em um curto texto jornalístico em uma

revista de ampla circulação no meio da produção musical sugere que as especificidades da

música eletrônica de pista já podiam ser consideradas senso comum em 1999. Mas o grande

diferencial do texto, que marcou o início da definição do tema desta pesquisa, foi a seguinte

passagem:

apresentado na revista como autor de um livro "recente" chamado " The Rave Culture ") sugerem que ambos, James Fry e Jimi Fritz, são a mesma pessoa. (^5) A idéia de que a música eletrônica seria mais "transcultural" (para não dizer "universal") do que qualquer outra é

muito comum no discurso nativo e encontra fundamento na efetiva disseminação global de sua estética repetitiva e artificial. Segundo vozes nativas: a música eletrônica é "a única portadora da liberdade universal da língua musical", "o único tipo de música que não está pres[o] a regras culturais" (Croppo *2002); "uma das linguagens mais universais que existem", "a música que fala a todos e une todos, porque é uma linguagem absolutamente polissêmica – possibilita trocentas [sic] interpretações", "[u]m som livre" (Pinheiro *2002); "a música menos preconceituosa do planeta" (Bia Abramo, in: Palomino 1999:124); nela "não existe atitude", "[é] a música por si só [...] [e não] como o hip hop ou como o rock, em que a idéia é mais forte do que a música", "[n]ão tem letra, não tem mensagem política, não tem ideologia [...] [e] talvez por isso seja uma música tão universal" (DJ Renato Cohen, in: Ney *2004); "um dos códigos musicais mais facilmente traduzidos atualmente", "[v]ocê coloca a agulha em uma batida e as pessoas respondem, estejam elas em Buenos Aires, Tel Aviv ou São Petersburgo" (DJ Spooky, in: Reighley 2000:17). Em seu estudo sobre o Techno, Dan Sicko afirma que o estilo substituiu a velha e "frouxa" definição de World Music com "um som universal, adaptado e modificado para provocar emoções íntimas em qualquer ambiente ou local" (Sicko 1999:172). Segundo o pesquisador Ansgar Jerrentrup, a música eletrônica "não pode ser considerada representativa de um povo ou de uma cultura, mas sim um exemplo de des-etnicização da música e de uma cultura cujo limite é a civilização" (Jerrentrup 2000:71). Depoimentos de ravers sobre a "universalidade" e a "transculturalidade" da música eletrônica podem ser encontrados em Fritz (1999:252-4). A contrapartida dessa des-etnicização seria a sobreposição de elementos musicais locais de cada cultura à "matriz neutra da música eletrônica [...] que pode ser entendida em qualquer cultura ou idioma" (Richard e Kruger 1998:165). Ralf Hütter, membro fundador do grupo pioneiro de música eletrônica Kraftwerk, apesar de reiterar a "natureza internacional" da música eletrônica, que ele define como "industrial folk music" (cf. Miller 1999:188) ou mesmo simplesmente como "world music" (cf. Savage 1993), freqüentemente aponta suas raízes "étnicas" na sua Alemanha natal – "gostamos de pensar [na música eletrônica] como música étnica da área industrial da Alemanha" (Hütter, in: Dery *1991) – e em sua história – "Qual é a nossa cultura étnica?... Ela foi bombardeada? [...] Qual é o nosso som? Qual é nosso ambiente? Eu sou mudo?" (Hütter, in: Toop 1995:206).

A natureza repetitiva da música eletrônica de pista é apenas aparentemente simples. Como o tambor do xamã, ela representa simbolicamente o batimento do coração, primeiro som que escutamos de dentro do útero. A batida contínua nos força a nos sintonizar com nosso próprio ritmo e humor, agindo como uma ponte que nos conecta a nós mesmos e a cada um de nós. Em alto volume, a música exige nossa total atenção, tornando-se um ambiente sonoro que sobrepuja todos os outros estímulos. Ela providencia o contexto para uma jornada pessoal. 6

Mais adiante no mesmo caderno, em uma mesa-redonda com cinco DJs e produtores de

destaque,

7

o mesmo jornalista comentou com o DJ Paul Oakenfold:

8

"Alguns vêem o DJ como

uma espécie de xamã ou guia espiritual que conduz os ouvintes de um nível de consciência para

outro". Oakenfold respondeu: "Com certeza. Esse é o meu objetivo: te levar em uma jornada

espiritual".

9

"Tambor do xamã"? "Jornada espiritual"? Eu já havia lido coisas sobre xamanismo e

imaginava que poderiam haver paralelos entre suas atividades tradicionais e as experiências

rituais de jovens urbanos do final do século XX, como a participação em pequenos grupos

sociais, em festas, eventos musicais amplificados, consumo coletivo de drogas etc. No entanto,

minha cautela em estabelecer relações tão diretas entre meios socioculturais tão diversos ainda

não me havia permitido levar essa idéia adiante. Mas agora era diferente. Não era eu quem estava

fazendo as relações, mas sim pessoas diretamente envolvidas na produção e divulgação de

música eletrônica de pista. As perguntas eram inevitáveis: Seria a música eletrônica realmente

(^6) "The repetitive nature of electronic dance music is deceptively simple. Like the shaman's drum, it represents a

symbolic beating heart, the first sound we hear from inside the womb. The continual beat forces us to attune to our own rhythm and mood, acting as a bridge that connects us to ourselves and to each other. At high volumes, the music demands our whole attention, becoming an audio environment that overwhelms other stimuli. It provides a context for a personal journey." (Fry *1999a:A6). Para uma versão ligeiramente diferente da mesma passagem, cf. Fritz (1999:78). (^7) O título da matéria ("Meet five star DJs and producers in this dance-musician summit") permitia um trocadilho

entre o número de DJs entrevistados ( five ) e sua suposta excelência ( five star ). Eram eles: James Lumb, Chris Cowie, John Digweed, Paul Oakenfold e Dave Ralph. (^8) DJ Paul Oakenfold (também conhecido como "Oakie") é um dos principais personagens de uma das mais

consolidadas narrativas – logo adiante veremos que se trata de uma narrativa que chamaremos de cultural – sobre o início da "cena" eletrônica contemporânea na Inglaterra. A narrativa conta que, em 1988 e junto com outros DJs (Johnny Walker, Danny Rampling e Nicky Holloway), Oakenfold decidiu repetir em Londres a experiência que teve no verão anterior na ilha espanhola de Ibiza, composta basicamente por música eletrônica eclética (o que se convencionou chamar de Balearic Sound) e uma droga ainda nova para eles: o ecstasy (cf. Reynolds 1999:58; Brewster e Broughton 2000:366-67, Reighley 2000:13-6). E se ele foi um dos responsáveis pela explosão da "cena eletrônica" em Londres ("cena" que ele mesmo afirma ter "começado"; cf. Reighley 2000:16), esta por sua vez foi a responsável pela projeção mundial de sua carreira, tornando-o um dos DJs mais populares e bem pagos do mundo (cf. Reynolds 1999:275-6; Brewster e Broughton 2000:381 e 384-5). Ele toca periodicamente para milhares de pessoas e foi, em 1999, eleito "o DJ mais bem sucedido do mundo" pelo The Guinness Book of Records e "o melhor DJ do mundo" pela revista inglesa DJ (Kasparian 2004). (^9) DJ Paul Oakenfold, in: Fry (1999b:A10).

baile", pois sabe "controlar a intensidade da festa, aumentando ou diminuindo a animação dos

dançarinos".^16 Mas, central para o tema desta pesquisa que se esboçava naquele momento, foi a

sua afirmação de que os próprios DJs "se consideram uma espécie de terapeutas da massa".^17

Vianna não falou explicitamente em xamanismo, mas usando o conceito durkheimiano de

"efervescência" para descrever a experiência do baile Funk carioca, insistindo no papel dos DJs

como "maestros" desse ritual e revelando que eles mesmos se consideravam "terapeutas da

massa", faltou pouco para que o fizesse.

18

O terceiro momento que contribuiu para a consolidação do tema desta pesquisa foi um belo livro

em que o artista e pensador David Toop apresenta uma pesquisa rica e fascinante sobre a

experiência sonora de imersão.^19 Trata-se, como veremos, de uma experiência importantíssima na

música eletrônica, que Toop mostrou ir muito além do mundo humano, sendo antes aquilo que a

música humana tem em comum com todas as outras "músicas não-humanas" – sons naturais e

sobrenaturais que nos envolvem, sustentam e, quando percebidos, nos encantam. A certa altura

do livro, o autor relata uma viagem sua à Amazônia, quando teve a oportunidade de conhecer

xamãs Yanomami e visitar diferentes aldeias.

20

Apesar de nada antropológico (no sentido

acadêmico do termo), é impossível não considerar o relato dessa experiência quando, nas últimas

páginas do livro, ele retoma o tema do xamanismo relacionando-o às tentativas de vinculá-lo à

música eletrônica de pista:

Desde que o tecnopaganismo pós-Acid House se tornou uma opção de vida, o xamanismo tem sido evocado de maneira rotineira, como se consumir ecstasy e dançar Techno a noite inteira, quando não fazer um curso de xamanismo de fim-de-semana, pudesse produzir no corpo urbano profano e limitado, do dia para a noite, um estado xamânico.^21

(^15) Vianna (1988:22). (^16) Vianna (1988:80). Segundo Edmilton (dono de equipe e ex-DJ): "O discotecário é responsável [...] pelo clima do

baile. Ele tanto anima, provoca um clima de euforia, como ele pode desanimar, esfriar o pessoal" (Vianna 1988:45). (^17) Vianna (1988:45 nota 2). (^18) De fato, quase 10 anos depois do livro, Vianna (*1997) retoma o tema da "energia 'durkheimiana'", relacionando-a

então àquilo que ele chamou de "tecnologia do transe/êxtase" (mas dessa vez com relação à música eletrônica em geral, e não apenas o Funk carioca) e fazendo referência explícita à definição de Eliade (1998) do xamanismo como "técnica do êxtase". (^19) Cf. Toop (1995). (^20) Cf. Toop (1995:225-38). (^21) "Ever since post-acid-house techno-paganism took hold as a lifestyle option, shamanism has been invoked in a

routine way, as if swallowing Ecstasy and dancing all night to techno records, let alone taking a weekend course in shamanic journeying, can transform the beleaguered, profane urban body into a shamanic state overnight." (Toop 1995:277)

É perceptível a ironia com que Toop trata a idéia de que DJs e festas de música eletrônica

pudessem ter algo a ver com xamanismo. Em outro momento, Toop já havia sugerido que,

segundo os "ciborgues transcendentalistas [ cyborgian transcendentalists ]" do final do século XX,

"o xamanismo psicodélico se tornou um santo graal, não apenas na busca por novas identidades

em um mundo fragmentado, mas também na busca pela derradeira máquina-droga-parque-

temático-comercial".

22

Percebe-se como essa relação já era banalizada na "cena eletrônica", a

ponto de figurar dessa forma em um livro que, por toda a sua valorização das experiências

musicais extraordinárias – quase metade dos 13 capítulos do livro têm, no título, a expressão

"estados alterados [ altered states ]" – e também do xamanismo tradicional, teria tudo para apoiá-

la. Reforçando ainda mais essa imagem, ele conta como o DJ norte-americano Derrick May

23

ridicularizou essa relação DJ-xamã quando Fraser Clark (definido por Toop como um "guru pró-

psicodélico auto-proclamado do movimento zippie"^24 ) disse que "dançar ao ar livre a noite inteira

é xamânico".

25

Toop então conclui (o assunto e o livro) dizendo que, sem querer entrar no

"campo de batalha" dos debates acadêmicos sobre o tema, ele tem "sérias dúvidas sobre

presunções automáticas de que os tipos de estados extáticos induzidos por drogas, dança e

provável desidratação [sejam] idênticos às jornadas espirituais cosmologicamente centradas do

xamanismo" e façam jus aos altos riscos e desprazeres intrínsecos a elas.

26

(^22) "In their view, psychedelic shamanism has become a metaphorical holy grail, not only in the quest for new

identities in a fragmented world, but in the search for the ultimate commercial, theme park, drug machine." (Toop 1995:51) (^23) Junto com Juan Atkins e Kevin Saunderson, Derrick May integrava aquilo que ficou conhecido como "o trio de

Belleville [ the Belleville three ]", que figura nas narrativas dominantes como o grupo de DJs que, na segunda metade da década de 80, deu origem ao gênero que depois seria conhecido como Techno. (^24) A formulação original é: "self-proclaimed pro-psychedelic guru of the zippie (Zen-inspired professional pagan)

movement" (Toop 1995:277). Declarações de Clark sobre xamanismo e música eletrônica podem ser encontradas em Schneider et al. (*1993). (^25) Toop (1995:277-8). (^26) Vale citar a formulação original: "Without wishing to join the bootcamp of fundamentalist animal-skin shamanic

academics, I have serious doubts about automatic assumptions that the kind of free-floating ecstatic states induced by drugs, dancing and probable dehydratation are identical to shamanism's cosmologically centered spirit journeys. [...] Shamans, as portrayed by Oliver Stone, may gaze serenely into the middle distance as rock stars commune with the Dionysian mysteries of beer, but archive photographs and films of shamans from Siberia, Mongolia and Amazonas show grizzled, haunted characters, lined with knowledge after travelling to hell and back." (Toop 1995:278-9)