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A Literatura de Cordel, antiga tradição brasileira de origem européia, foi, ... inclusive forneceu-me dados importantes sobre as cordelistas, como vivem, ...
Tipologia: Notas de estudo
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Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Letras – Estudos Literários, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Literatura Brasileira. Linha de Pesquisa: Literatura,História e Memória Cultural. Orientadora: Profa. Sônia Queiroz
Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2006
Três mulheres e a lua Xilogravura de Samico
A Sônia Queiroz, professora, orientadora e amiga, meu especial agradecimento pelo precioso e fecundo aconselhamento em todas as etapas da realização deste trabalho. A os professores Eduardo e Constância Duarte, incentivadores e primeiras luzes na minha caminhada em direção ao mestrado. A os familiares e amigos, principalmente Neuza e Rosângela, que souberam entender as minhas ausências durante a escrita da dissertação. A Vânia Moragas e Terezinha Pereira, pela atenção e estímulo. A Fanka, Salete Maria, Maria Godelivie, Bastinha, pela colaboração. A UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, que me acolheu desde o início da minha vida acadêmica.
Opoupava dia terminavafadigas àse criaturassua luz, terrenas,esmaecida, ao tempo em que me aprestava para enfrentar a guerra do caminho, que minha memória com exatidão vai retratar. Ó Musas, ó gênio, auxiliai-me neste intento! Ómente que, fiel, gravaste quanto vi, mostra agora toda fidelidade! Dante , Divina Comédia Primeira Parte – Inferno, canto II, 1–9.
Leitor Amigo: Nestes escritos o que for do povo, guarde, porque é sábio; o que for dos eruditos, considereindulgente com quem escreveu. com prudência; e seja sempre Renato Almeida, Inteligência do Folclore.
The so-called Literatura de Cordel (string literature), an ancient Brazilian tradition of European origin, has been considered, for a long time, an eminently male production. Although some scholars of Brazilian popular culture have identified women as the main archive of oral traditions, one can notice, in anthologies of the genre, the absence of booklets written by them. This may reveal, among other facets, a feature of prejudice against women and their participation in a patriarchal society. The field research realized in various points of sale in northeastern cities and the survey made in the main patrimony of Campina Grande, João Pessoa, Salvador, Rio de Janeiro and São Paulo detected the presence of 70 women writers of string literature, with more than 170 titles. After the woman known as the first cordel author, who published in 1938 under a male pseudonym, it is only from 1970 that one can verify manifestations of assumed female authorship. Nowadays women, through cordel writing, denounce a social reality and also announce perspectives of life. They are teachers, psychologists, lawyers, playwrights, housewives who, using this form of manifestation of the Brazilian culture, allow their poetry to flow and so demonstrate their feelings, aspirations and world visions, consolidating an authorial identity and a female space in the cordel literature.
Desde tempos bem longínquos Diz Zumthor pesquisador Que as mulheres faziam Percurso de cantador Levando de um canto a outro Notícias de grande valor A Jograleza era chamada A mulher que percorria Cantando as belas notícias^ De cidade em cidade Que de outras terras trazia Quase nada delas fala^ A história entretanto São poucos os que escutam O silêncio que deixaram Entretanto, em Campina Aqui elas aportaram
Elas tentam esclarecer^ Hoje como cordelistas Que o saber que é de todos Parece só pertencer Ao mundo que é dos homens Machista é só querer ver.
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G aston Bachelard escreve na obra A poética do Devaneio : "O ser do devaneio atravessa sem envelhecer todas as idades humanas, da infância à velhice. Eis porque, no outono da vida, experimentamos uma espécie de recrudescimento do devaneio quando tentamos fazer reviver os devaneios da infância".^1 Imagens da infância povoam o imaginário adulto e conduzem aos arquivos da memória, em que, além dos fatos, houve uma valoração. Inconscientemente a imaginação busca no espaço mágico da memória os matizes para pintar os quadros de seu deleite. Justificativa inicial para que eu desenvolva este trabalho buscando na cultura popular imagens simbólicas e representativas de minha vida. As primeiras lembranças que tenho de leituras, ainda na tenra idade, remetem-me ao folheto de cordel e à imagem do meu pai. Procedente do Nordeste, trouxe em sua bagagem alguns folhetos que lia em voz alta nos fins de tarde. Assim, no deslumbramento da minha infância, chegavam-me as estórias de Bertholdo, Bertholdinho e Cacasseno, dos Doze Pares de França, de princípes e princesas de reinos longínquos e das aventuras de Pedro Malazartes. Radicados no sul da Bahia, aos poucos fomos perdendo o contato com os folhetos por falta de fornecedores e as leituras nos serões vespertinos passaram a ser feitas com livros, tanto prosa quanto poesia. O meu retorno à literatura de cordel se deu nas aulas de graduação do Curso de Letras da UFMG, quando um dos professores de literatura mencionou Patativa de Assaré, um dos grandes poetas da Literatura de cordel. Voltaram-me à memória os tempos de criança e procurei adquirir um volume das obras do citado cordelista. Chegou-me às mãos uma coletânea, em forma de livro, diferente do tradicional folheto, mas que continha os elementos essenciais para as minhas reminiscências. A partir de então passei a buscar insistentemente os folhetos e cada vez mais me sentia à vontade e via com familiaridade os temas tratados, a métrica comumente adotada na construção dos poemas, o mistério e a magia que povoavam a minha imaginação infantil.
(^1) BACHELARD. A poética do devaneio , p. 96.
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instituição era representada por negras velhas que transmitiam suas estórias às outras pretas, amas dos meninos brancos e aos seus filhos. O mundo das mulheres foi, tradicionalmente, um mundo relativamente fechado, e as qualidades atribuídas a elas, como honestidade, beleza, virtudes, foram quase sempre cantadas sob o ponto de vista masculino. Esses estereótipos femininos são descritos na literatura com um caráter pedagógico, ditando normas de conduta que devem ser adotados pelas mulheres, sob pena de duros castigos. Durante muito tempo, os sentimentos, as visões do mundo, as aspirações femininas foram recalcados na escrita, e, salvo algumas exceções, foi talvez na oralidade e no âmbito doméstico que a voz feminina pôde dar sua contribuição artística e poética. A ausência feminina na autoria dos folhetos impressos deve-se em parte às funções que deveriam ser exercidas pela mulher numa sociedade patriarcal de passado colonial, em que se evidencia o silêncio e a reclusão tanto no cenário público da vida cultural quanto no registro das histórias da nossa literatura. No artigo “Mulheres do sertão nordestino”, Miridan Knox Falci^4 , traça o perfil da mulher sertaneja: “Mulheres ricas, mulheres pobres; cultas ou analfabetas; mulheres livres ou escravasdo sertão. Não importa a categoria social: o feminino ultrapassa a barreira das classes. Ao nascerem, são chamadas ‘mininu fêma’. A elas certos comportamentos,posturas, atitudes e até pensamentos foram impostos, mas também viveram o seu tempo e o carregaram dentro delas.” Treinadas para desempenhar o papel de mãe e as chamadas “prendas domésticas” – orientação dos filhos, cozinhar, costurar e bordar – aliava-se o alto índice de analfabetismo reinante entre elas. A educação das mulheres (as de famílias mais abastadas) não deveria ir além de escrever livros de receitas ou de orações. Em regiões mais ortodoxas, uma mulher alfabetizada era considerada verdadeira aberração: “se uma mulher aprende a ler, será capaz
(^4) FALCI. Mulheres do sertão nordestino, p. 241.
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de receber cartas de amor”.^5 Uma quadrinha popular do início do século XX define o que as mulheres deveriam aprender para bem cumprir seu papel na sociedade: Menina que sabe muito É menina atrapalhada, Para ser mãe de família, Saiba pouco ou saiba nada. A segregação da mulher e a sua vida em sociedade no Brasil do séc. XIX, pouco diferia da situação feminina descrita por historiadores da Idade Média, assunto que tratarei em capítulo específico neste trabalho. Até os dias atuais, em algumas regiões do Nordeste ainda podem ser verificadas facetas dessa condição. No início do século XX, numa sociedade sem jornais, rádios, TVs e com poucas escolas, o cordel proliferou por vários estados do Nordeste e a mulher era descrita sob várias formas: princesa européia, cuja nobreza e inocência trazem-lhe ao final justa recompensa e punição para seus perseguidores; mãe devotada que luta e protege seus filhos dos mais diversos perigos; lutas de mulher contra o diabo; metamorfose da mulher em animais como serpente, cabras, como castigo nas suas ações; prostitutas. Nos folhetos de conselho, por exemplo, a intenção do poeta é dar o caso como modelar, capaz de, pela força do exemplo, incitar à prática da virtude. A sociedade, para alcançar equilíbrio da massa popular, propõe um programa, uma praxis de vida, a fim de assegurar bem-estar, convivência social, honrosa, comedida, dentro da convicção religiosa de que o lugar de cada um na sociedade já está pré- estabelecido. No caso de não cumprimento desse programa, ocorrem, quer no plano coletivo, quer no plano particular, desgraças sociais, catástrofes públicas, padecimentos individuais, misérias em geral. Dentro de uma ética tradicionalista e masculina, utilizando-se de ortodoxias do puritanismo medieval é traçado para o sexo feminino um “código moral” e as personagens femininas aparecem nas trovas como mães ou mulheres submissas, guardiãs dos lares,
(^5) HAHNER. Emancipação do sexo feminino , p. 56.
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Outra pista encontrada foi um artigo publicado no jornal O Poti (RN), em 21/08/83, que discorria sobre a cordelista Maria Lindalva Gomes; em companhia do marido, também poeta, divulgava a literatura de cordel, entrevistava poetas e cantadores e promovia cantorias e pelejas entre artistas do seu estado e de outras regiões. O artigo caracterizava Lindalva como uma poeta intuitiva, humana e comunicativa, que cantava e encantava seus ouvintes. Enquanto o marido já tinha publicado várias composições de sua autoria, Lindalva encontrava dificuldade para editar sua produção literária, ratificando a discriminação que envolve a criação feminina. A obra da goiana Cora Coralina (pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas), que, em 1976, publica o livro Meu livro de cordel, acenou-me também a possibilidade de encontrar, fora do âmbito nordestino, outras manifestações femininas no cordel. Embora o livro de Cora Coralina não traga poemas de cordel escritos na forma tradicional, mas textos em prosa e poesia, ela explica, no início da Parte I, a razão do título da obra: “Pelo amor que tenho a todas as estórias e poesias de cordel, que este livro assim oseja, assim o quero numa ligação profunda e obstinada como todos os anônimos menestréis nordestinos, povo da minha casta, meus irmãos do nordeste rude, de ondeum dia veio meu Pai para que eu nascesse e tivesse vida.” 8 A poetisa declara sua ascendência nordestina e seu amor aos versos de cordel. Através dos seus poemas, Cora revela uma vocação para os versos livres e despojados, quase beirando a prosa, e neles ela conta histórias da infância, tece considerações sobre os seres humanos e a vida do interior, a situação da mulher, com uma rara sensibilidade de uma poesia natural daqueles que já nascem com a arte dentro de si. Na minha busca fui procurar em acervos de cordel possíveis produções femininas, que poderiam vir, inclusive, camufladas com nomes masculinos, através de pseudônimos, a exemplo de Maria das Neves Batista Pimentel, mencionada anteriormente. Começando por
(^8) CORALINA Meu livro de cordel , p. 15.
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São Paulo(SP), consultei os acervos do IEB/USP, e da Fundação Cultural de São Paulo, além de visitar a Editora Luzeiro, tradicional na publicação de literatura popular. Dirigi-me, posteriormente, ao Rio de Janeiro (RJ), visitando a ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel e a FUNARTE – Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, Biblioteca Amadeu Amaral. Em Salvador (BA), pesquisei o acervo da Fundação Cultural da Bahia; na Universidade Federal da Bahia tive acesso aos arquivos do "Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular" em cujo espaço físico há alguns folhetos de cordel. Partindo em seguida para João Pessoa (PB), consultei os acervos da Fundação Casa José Américo e da Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba. Em Campina Grande(PB), foi-me disponibilizado para pesquisa os folhetos existentes na biblioteca da Universidade Federal de Campina Grande. Apresento no quadro 1 abaixo, o demonstrativo das pesquisas: QUADRO 1 Acervos de Literatura de Cordel pesquisados Período Jun/2004 a Nov/ Instituição/Órgão Localização (^) No.de títulos de cordel Títulos autoria feminina USP/IEB São Paulo (SP) 1.555 5 Fundação Cultural deSão Paulo São Paulo (SP) 3.500 14 A B L C Rio de Janeiro (RJ) 4.000 6 FUNARTE Rio de Janeiro (RJ) 6.000 10 Fundação Cultural daBahia Salvador (BA) 5.000 37 UFBA/PEPLP Salvador (BA) 50 10 Fund.Casa J.Américo João Pessoa (PB) 1.000 5 UFPB João Pessoa (PB) 4.000 8 UFCG Campina grande (PB) 6.000 25
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caminhos em que sua voz possa ser ouvida, rompendo com a tradição cultural que destinou à mulher um lugar marcado de silêncio e estereótipos. Este trabalho apresenta-se dividido em cinco capítulos. No primeiro, trato das origens do cordel, das fontes portuguesas até chegar ao Brasil; abordo também a participação da mulher medieval, sua vida em comunidade e sua contribuição artística. No capítulo dois, abordo a situação cultural da mulher no Brasil colonial e sua evolução na Literatura de Cordel. No terceiro capítulo, trato da mulher paraibana enquanto produtora de cordéis; no quarto capítulo, as cordelistas cearense, deixando para o capítulo cinco, as considerações finais. Tendo como processo norteador a premissa defendida por Silvio Romero de que as mulheres não são somente arquivo das tradições orais mas sobretudo autora de muitas delas, este trabalho procurou dar visibilidade ao processo em que “a musa da oralidade, cantora, declamadora, memorizadora, está a aprender a ler e a escrever”^9 e mais ainda “a musa que cantava traduz-se num escritor: ela, que requeria pessoas para a ouvirem, convida- as agora a ler.”^10
(^910) HAVELOCK. A musa aprende a escrever , p. 34. HAVELOCK. A musa aprende a escrever , p. 79.
cordel é o mesmo cordão^ Na França e Portugal mas isto negou caboclo com toda convicção com as cordas do coração^ pra ele é o que é escrito Foi o espelho da vida de toda sociedade expressando em seus versos com muita seriedade rimando os acontecidos dentro da realidade
do povo de antigamente^ O cordel foi o jornal de tudo que se passava escreviam no repente andava de feira em feira em cidade diferente. O cordel tem sua língua e própria ideologia aconselhando avisa e criticando elogia sabe contar a história com pesar ou alegria.