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Uma visão histórica sobre a saúde e a morte de wolfgang amadeus mozart, baseada em fontes primárias como cartas familiares e relatos médicos. O texto discute as teorias sobre as causas possíveis da morte do compositor, incluindo a hipótese de infecções renais crônicas, púrpura de schoenlein-henoch e endocardite infecciosa. Além disso, o documento aborda a medicina do século xviii e as práticas médicas utilizadas na época.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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Medicine History Resumo A causa de morte de Wolfgang Amadeus Mozart é polémica. no seu certificado de óbito foi-lhe diagnosticado Febre Miliar. Este termo tem correspondência difícil com a actualidade. A doença foi reconstruída a partir de cartas familiares e de biografias realizadas muito após a sua morte. várias hipóteses foram pro- postas, nomeadamente insuficiência renal crónica, púrpura de Schoenlein-henoch, endocardite infecciosa, etc. Sem dúvida que a terapêutica agressiva do século XvIII terá tido a sua importância na morte do génio. Palavras chave: Mozart, Insuficiência Renal crónica, Púrpura Schoenlein henoch, Endocardite infecciosa e Medicina do século XvIII. Abstract Mozart’s death is discussed. His death certificate cites “Miliary Fever” a term without correlation to medicine today. Mozart’s health status was evaluated from letters to family members and from reports obtained many years later. Some authors advocate chronic renal insufficiency, glomerulonephritis, Shoenlein-Henoch purpura, sub-acute endocarditis and a contagious disease com- plicated by shock from severe bloodletting and purging. KeyWords:Mozart’s illness, Chronic Renal Insufficiency, Glomer- ulonephritis, Shoenlein-Henoch Purpura, Infectious Endocarditis, Eighteenth Century Medicine.
Luís Dutschmann* No dia 27 de Janeiro de 1756 nasceu Wolfgang Ama- deus Mozart, na cidade de Salzburg. A sua vida foi balizada por dois factos importantes que assustaram a Europa do seu tempo: o tremor de terra que destruiu Lisboa, três meses antes de nascer, e a Revolução Francesa que precedeu a sua morte. O Mundo Ocidental festejou sempre os seus centenários, quer do nascimento, quer da morte, e propôs-se a celebrar os 250 anos em 2006. Estas comemorações para lá de recordarem e divulgarem um compositor que está presente na maioria dos que gostam de música, tem um fito especulativo, que gera milhões de Euros, em contraponto com uma vida de produção, com qualidade invejável, cheia de escolhos e não devidamente reconhecida na sua época. Mozart foi um génio, mas é intrigante que um músico, desaparecido há tantos anos, continue envolto em especulações míticas, quer acerca da sua música, quer das suas relações humanas, quer ainda
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL 299 VOL.13 | Nº 4 | OUT/DEZ 2006 MEDiCiNE hisTOrY Medicina Interna uma visão grosseiramente deturpada, foi adaptado da peça de Peter Schaffer, que se fundamentou na obra de Alexandre Puskin, “Mozart e Salieri”. Para muitos, a morte de Mozart é atribuída a Salieri, o que não passa de uma grande injustiça histórica, faltando à verdade: Salieri era o músico oficial da corte austríaca, posição bem remunerada, e era pouco provável que tivesse inveja de Mozart, o qual lutou quase sempre com grandes dificuldades. A situação privilegiada de Salieri não foi impeditiva que este músico tecesse intrigas em desfavor de Mozart, razão por que se criou um clima de animosidade e suspeição contra ele, após a morte deste último. As doenças de Mozart A informação médica de que hoje em dia dispomos baseou-se, apenas, nas descrições feitas através das cartas familiares, do diário da sua irmã, dos testemu- nhos contidos nas suas biografias, todos eles tardios, e ainda nos relatos pouco concisos de médicos que directa ou indirectamente, contactaram com Wolf- gang. Leopold Mozart e Anna Maria Pertl tiveram sete filhos e apenas dois sobreviveram: Anna Maria (Nannerl) e Wolfgang. A irmã era quatro anos e meio mais velha. Aparentemente, teve uma infância saudável, até ao momento em que iniciou digressões artísticas com o seu pai e irmã. Aos seis anos, no mês de Outubro de 1762, Wolfgang adoeceu. Vejamos a descrição feita pelo pai, numa carta para Lorenz Hagenauer: “ Woferl queixou-se de dores nas nádegas e pernas, surgiram- lhe manchas do diâmetro de um kreutzer (cerca de 25 mm), muito vermelhas e fazendo saliência, e dolorosas ao toque. Mas elas só estavam nas duas tíbias, nos dois cotovelos, e algumas nas nádegas, e pouco numerosas. Nós demos-lhe pó negro (pulvis epilepticus níger) e pó de Margrave. Teve um sono um pouco agitado. Na sex- ta-feira voltámos a dar esses pós de manhã e à tarde, e verificámos que as manchas continuavam a estender-se; se bem que maiores, não eram mais numerosas. Con- tinuámos com o pó de Margrave, e no domingo suou, como queríamos, e desde então os calores tornaram-se mais secos. O médico veio de imediato. Aprovou o nosso tratamento e disse que era uma espécie de erupção de escarlatina. Prescreveu-lhe sopas ou leite de creme como já tínhamos feito: por vezes grãos de aveia passados ou infusão de tussilagem, com um pouco de leite. Antes de dormir, nós dávamos-lhe um copo de leite de sementes de melão moídas e um muito pequeno de grãos de papoila. Deus seja louvado, presentemente ele encontra-se muito melhor do que prevíamos, pelo que esperamos vê-lo sair da cama depois de amanhã. Veio-lhe ao mesmo tempo um molar, que lhe causou um abcesso na bochecha es- querda”^2. A 16 de Fevereiro de 1764, Paris, Mozart voltou a adoecer. Eis a carta de Leopold para Lorenz Hage- nauer: “Wolfgang apanhou um mal de garganta brusco e catarro, ele sentiu-o na manhã de 16 e durante a noite teve uma obstrução da garganta de tal forma que correu o risco de sufocar; não conseguia eliminar as secreções viscosas que caíam no estômago. Então tirei-o rapida- mente do leito e fiz com que andasse no quarto. Tinha uma febre espantosa, que atenuei pouco a pouco com pulvere antispas, Hallen. E Deus seja louvado, em quatro dias estava de pé e de momento encontra-se bem. Purguei Wolfgang com um pouco d’aqua laxat. Vien ”^2. A 15 de Novembro de 1765, Nannerl adoeceu com tifo e contaminou o irmão tendo ficado retido no leito 4 semanas.^3 Em Novembro de 1766, em Munique. “ … Na semana passada Wolfgang esteve muito doente e quei- xava-se de dores nas pernas. Não podia ficar de pé ou mover os dedos dos pés ou joelhos. Não se podia tocar nele e não dormiu durante quatro noites.^3 Em Novembro de 1767, na sequência de uma epi- demia de varíola em Viena, a família afastou-se para a Boémia, mas ambos os filhos são contagiados.^4 Em Dezembro de 1774, Leopold descreve a Anna Maria: “Wolfgang durante seis dias não saiu do quarto com a cara inchada. As bochechas estavam inchadas no interior e exterior, e o olho direito também”. (Provável abcesso dentário). 2 A 22 de Fevereiro de 1778, Mozart escreveu a seu Pai: ”Fiquei dois dias sem sair, e já tomei um antiespas- módico, pó negro e uma infusão de flores de sabugueiro para transpirar, porque tinha catarro, constipação, dores de cabeça e garganta, olhos e ouvidos.^2 A 13 de Setembro1784, Mozart adoece novamente. A descrição foi feita por Leopold Mozart a sua filha Nannerl: “ O meu filho de Viena estava muito doente, du- rante a estreia da ópera de Paisiello, todas as suas roupas estavam empapadas em suor (…). Depois contraiu uma febre reumática que, se não fosse tratada imediatamente, podia evoluir para uma infecção”. O próprio Mozart escreveu para o seu Pai: “ Padeci de cólicas horríveis durante quatro dias seguidos, que sempre terminavam em vómitos. Agora tenho que ter muito cuidado. O meu mé-
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL 301 VOL.13 | Nº 4 | OUT/DEZ 2006 MEDiCiNE hisTOrY Medicina Interna e as novidades foram acolhidas pelos eruditos que praticaram lado a lado com os médicos tradicionais. A Europa tornou-se cada vez mais laica e as Ciências foram perdendo a tutela da Metafísica. Para tal, contri- buiu a criação e difusão das lojas franco-maçónicas e a perseguição imposta à Companhia de Jesus nos países católicos. William Cullen (1710-1790), físico, quí- mico, botânico e médico escocês, dividiu as doenças em classes e ordens: (1) Pirexias, ou doenças febris; (2) Neurose, ou doenças nervosas; (3) Caquexias, ou doenças dos maus hábitos do corpo; (4) Locais, ou doenças locais. Apesar do objectivo válido de sistema- tizar as doenças, hoje em dia, é difícil fazer a corres- pondência daquelas com a nosologia actual. Este tipo de classificação foi reaproveitado e copiado inúmeras vezes, salientando-se que a escolha dos medicamento se encontrava dependente desta classificação. Em 1707, o inglês Floyer demonstrou a importância de avaliação do pulso com o contar das pulsações e, em 1733, Spallanzini referiu-se à importância da sístole cardíaca. Deve-se a Lavoisier (1743-1794) a revelação dos mecanismos íntimos da respiração, atribuindo ao oxigénio o nome definitivo, demonstrando que o ar se compunha de oxigénio e azoto e que só o oxigénio se mistura com os elementos do sangue. A par destas descobertas, tão importantes para a química, física, fisiologia e naturalmente a medicina, surgiram outras correntes actualmente obsoletas. O magnetismo de Anton Mesmer (1734-1815), que, embora repudiado e contestado pela maioria dos médicos contemporâneos e equiparado a charlatanismo, teve grande sucesso na época, curando possivelmente doenças psicossomá- ticas. Este médico era amigo de Mozart e foi em casa dele que se deu a primeira representação de Bastien und Bastienne K. 50 (1768) Os médicos desta época examinavam a tez, os olhos, a boca, os dentes e inspeccionavam o aspecto da urina, sem determinar a quantidade. Não auscultavam e raramente palpavam um doente. Os médicos não tocavam nos doentes, gesto considerado vulgar que só pertencia aos cirurgiões. Estes últimos sabiam palpar um tumor, avaliavam as suas ligações superficiais e profundas, a sua consistência e comparavam o volume com um fruto ou legume, determinavam a rigidez das articulações e praticavam o toque bucal, vaginal e rectal. Os cirurgiões serviam-se da semiologia, que era ignorada pelos médicos. Tendo os médicos uma observação limitada, conseguiram descrever um conjunto de sintomas e determinar um eventual prognóstico, como por exemplo: as crises de angina de peito tinham um mau prognóstico; a pletora com as suas manifestações pleiomórficas da hipertensão arterial. Também neste século se sistematizaram as doenças de pele. William Withering (1741-1799) tomou conhecimento, através de uma camponesa, que uma infusão de folhas da dedaleira era eficaz contra a hidropisia e doenças do coração. O austríaco Leopold Auenbrugger (1722-
hisTÓria Da MEDiCiNa Medicina Interna grande, corpo pequeno e Constanze, a mais bela e a mais sensata de todas as esposas). 2 As suas cartas pessoais demonstram a profundida- de dos seus sentimentos, alegria, inteligência e grande humanismo. Por vezes, escreveu brejeirices, nunca sendo obsceno, mas isto foi o suficiente para que al- guns o considerassem escatológico.^20 Naturalmente, ficou triste com a morte da mãe, do pai e dos amigos. A doença crónica da mulher Constanze — úlcera de perna — as gravidezes atormentadas, quase perma- nentes ao longo do seu matrimónio, assim como as despesas nas suas deslocações para as termas para a mulher, preocupavam-no. Estes sentimentos nada têm a ver com a depressão. No que diz respeito à sua doença, a evidência é vaga e contraditória. Nasceu em Salzburg, numa família de média/baixa burguesia. O pai, músico da corte do Príncipe Arcebispo, era considerado um criado, tal qual anos depois o seu filho, era obrigado a usar o vestuário próprio e comia na mesma mesa dos criados. Wolfgang não foi à escola, não conviveu com crianças da sua idade e todo o seu ensino, musical e escolar foi ministrado por Leopold. Quando este se apercebeu, que os dotes do seu filho superavam os de Nannerl, passou a utilizá-los como forma de ganhar dinheiro. Daí, os seus detractores considerarem as apresentações dos meninos-prodígio, como uma ses- são de macaquinhos amestrados. Hoje em dia seria trabalho infantil. Dos 6 aos vinte anos Mozart fez inúmeras viagens pela Europa, visitando Munique, Manheim, Viena, Augsburgo, Paris, Londres, Haia, Milão, Bolonha, Florença, Roma e Nápoles e novamente Paris. As infecções respiratórias, febre tifóide e varíola surgiram durante as deslocações. As más condições dos transportes, com longas viagens por más estra- das, as carruagens incómodas, sem protecção para o frio e calor, estalagens com má qualidade e com falta de higiene, concertos em salões com muita gente e ventilação provavelmente deficiente constituíram o ambiente que facilitou a contaminação por estas doenças. A interpretação actual do quadro clínico de Mozart deve ser prudente, uma vez que toda a informação clínica assenta fundamentalmente em descrições feitas por leigos. Para lá da varíola e febre tifóide, detectaram-se algumas amigdalites e alguns episódios com artral- gias. A sua doença terminal é difícil de caracterizar. Aparentemente estava em anasarca e tinha as extremi- dades inflamadas. Era incapaz de se mover no leito. Aparentemente esteve sempre lúcido até duas horas antes de morrer. O médico assistente Dr. Franz Closset terá diagnosticado meningite, mas o consultor hospi- talar, Dr. Matthias von Sallaba, considerou tratar-se de febre miliar. Num relatório realizado cerca de 33 anos depois, o Dr. Eduard von Lobes, colega dos dois médicos, lembrou que nada de pouco usual foi en- contrado no corpo de Mozart, ( alcuna cosa d’insolito ) e atribuiu a morte a uma febre reumática inflamatória ( una febbre rheumatico-inflammatoria ).8, O envenenamento, hipótese muito ventilada, é destituído de sentido. Como já foi dito, Salieri não o fez, mas outras pessoas poderiam fazê-lo. Mozart era um Mação, em 1789 realizaram-se os Estados Ge- rais. As ideias de Mozart poderiam ser consideradas perigosas para alguns sectores mais conservadores do Império Austríaco. O quadro descrito não é com- patível quer com a intoxicação pelo arsénio, quer pelo mercúrio. Os médicos da época, embora ainda não fossem semiologistas, diagnosticavam bem estas situações.8, A hipótese de insuficiência renal crónica não é de todo improvável; no entanto, não há descrição do fácies característico (fácies opado), do edema palpebral, da secura das mucosas com língua seca, gretada e aspecto saburroso. Não há referência ao hálito urinoso típico, nem às manifestações cutâneas: equimoses, púrpura, sufusões, prurido e uremides. Igualmente, não há qualquer descrição do volume urinário ou presença de hematúria, nictúria ou sede. Durante os dois últimos três meses de vida não se verificou deterioração intelectual. No último ano compôs: o Concerto para piano em Si bemol maior K. 595 nº 27, o Quinteto em Mi bemol maior K.614; o Moteto Ave verum corpus K. 618, a Flauta Mágica K. 620, a Clemência de Tito K. 620, o concerto para Clarinete em La maior K 622, as Cantatas Maçónicas (K619 e K. 623). Estes factos atestam contra uma falta de concentração e tomada de decisões que é sempre uma constante nos doentes com uremia. Por outro lado, um doente com depressão seria incapaz de criar estas obras de arte. Não há referência a asterixis ou mioclonias. A sua função sexual, ao que parece, man- teve-se intacta, pois Constanze engravidou durante o seu último ano de vida. A hipótese de púrpura de Schoenlein-Henoch