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A natureza humana e a sociabilidade do homem, Notas de estudo de Humanidades

Este documento discute a natureza humana e como ela influencia a sociabilidade do homem. A natureza humana é analisada em relação à sua tendência à auto-preservação e às dificuldades que o homem enfrenta em seu trabalho constante para satisfazer seus desejos. Além disso, o texto aborda a ideia de que as características boas e afáveis do homem não são as principais causas de sua sociabilidade, mas sim suas imperfeições e a falta de qualidades que outras criaturas possuem. O documento também menciona a influência da reflexão e consciência na natureza humana e o papel delas como governantes internos.

O que você vai aprender

  • Como a natureza humana se adapta a diferentes cursos de ação?
  • Quais são os obstáculos que o homem enfrenta em seu trabalho constante de buscar o que deseja?
  • Por que as características boas e afáveis do homem não são as principais causas de sua sociabilidade?
  • Como a natureza humana influencia a sociabilidade do homem?
  • Qual é o papel da reflexão e consciência na natureza humana?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Sel_Brasileira 🇧🇷

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NASCIMENTO DA
ÉTICA SOCIAL MODERNA
AN TOLOGI A
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Jo seph B utler (1692/1752 )
An tonio Paim (organi zador)
In stituto de Humanidades
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Baixe A natureza humana e a sociabilidade do homem e outras Notas de estudo em PDF para Humanidades, somente na Docsity!

NASCIMENTO DA

ÉTICA SOCIAL MODERNA

ANTOLOGIA

O

Joseph Butler (1692/1752)

Antonio Paim (organi zador) Instituto de Humanidades 2009

SUMÁRIO

I - O ENCONTRO DA TEMÁTICA PRÓPRIA

II - A CRÍTICA DE MANDEVILLE A SH AFSTERBURY

a) Principais argument os dos contendores b) Textos de Anthony Ashley Cooper, Terceiro Conde de Shafsterbury (16711713) c) Texto de Mandeville (16701733)

III - JOSEPH BUTLER a) A doutrina de Butler b) Textos de Joseph Butler (16921752)

IV - OS PRINCÍPIOS DA MORAL SEGUNDO HUME a) As principais teses de Hume b) Textos de David Hume (17111776)

V - NO TA SOBRE O UTILITARISMO

Entendimento Humano , aparecida em 1700, Anthony Cooper (1671-1713), que é personagem central no debate que estamos procurando estudar , sente-se na obri gação de voltar ao tema no li vr o A Letter Concerning Enthusiasm (1708). A temática própria da moralidade compreende uma ampla discussão acerca da noção de interesse. O sentido geral do debate consiste em deter mi nar se o interesse está exclusivamente vincul ado ao amor próprio, ao egoísmo, ou se supõe também intenções altruísticas. Aqui se el abora o conceito de benevolência, de boa vontade. O segundo grupo de questões acha-se vincul ado à noção de utilidade. Se a virtude está relacionada ao cumprimento dos ditames da benevolência, pareceri a óbvio que o obj etivo supremo de semelhant e comportamento seria a felicidade geral. Por conseguinte, tudo quanto contribuísse para aquele obj etivo ( a felicidade geral) poderia ser considerada como útil. Tratando-se de um contexto protestante, onde o denominado problema teodicéico está resolvido na suposição de que o homem está na terra para realizar uma obra digna da glória de Deus - e não para salvar -se e merecer a vida eterna, como ensinava a Igrej a Cat ólica -, o denominado utilitarismo viria a assumir também uma di mensão teológica, afirmando al guns pensadores que o próprio Deus seria utilitário. Como esse aspecto nada acrescenta à discussão que nos di z respei to, podemos dispensar - nos de examiná-lo. Final mente, a questão do senti mento moral, a determinação de seu verdadeiro papel e como se correlaciona com a razão. As citações de Hume, a seguir transcritas, dão uma idéia do caminho percorrido. Afir ma no Inquérito sobre os Princípios da Moral (1751): "Se pois a utilidade é uma fonte de sentimento moral e não se considera essa utilidade como referindo-se ao eu (amor -próprio), segue-se que tudo quanto contribui para a felicidade da sociedade se recomenda diretament e à nossa aprovação e à nossa boa vontade. eis um princípio que explica em grande parte a ori gem da moral ." (trad. francesa, Paris, Aubier, 1967, pág. 75). E mais adiante: "A razão é suficiente, quando é plenamente secundada e aperfeiçoada, para instruir -nos quanto às tendências noci vas ou úteis das qual idades e ações; mas é insuficiente para produzir condenação ou aprovação morais. A utilidade é apenas uma tendência em relação a um certo fi m; se o fi m nos fosse int eiramente indiferente, experi mentaríamos a mesma indiferença em relação aos meios. É necessário que um sentimento se manifeste para fazer -nos preferir as tendências úteis às nocivas. Est e sentimento não pode ser senão uma si mpati a pela felicidade dos homens ou um eco de sua infelicidade, pois são estes os diferentes fins que a virtude e o vício tendem a promover. Aqui pois a razão nos instrui das diversas tendências das ações e a humanidade faz uma distinção em favor das tendências úteis e benfazej as" (ed. cit., pág. 146). Embora na discussão em apreço haj am inter vindo di versos autores, os mais i mportantes são Bernard Mandeville (1670-1733), Anthony Ashley Cooper, 3º Conde de Shafsterbur y (1671-1713) e Joseph Butler, bispo de Durham (1692-1752). Mandeville é autor de extensa bibliografia, embora se haj a tornado famoso pelo li vro A Fábula das Abelhas (1714), que insere este expressivo subtít ulo: "Vícios privados, virtudes públicas". O l ivro foi refundido e acrescido de novos ensai os pri meiro em 1723, para, final mente, ser publicado em duas partes em 1732. A fábula é a seguinte: havia

uma sociedade próspera e feliz, repleta de virtudes públicas produzidas por víci os privados, quando um dia Júpiter decidiu mudar as coisas e tornar virtuosos a todos os indivíduos. Em conseqüência disto, desapareceu efetivamente a ambição, o desej o de lucro e de luxo, mas ao mesmo tempo desapareceu a indústria e tudo quanto fazia com que a sociedade fosse próspera e feliz. Com essa opinião pretende Mandeville que a civilização sej a, como queriam os "pessimistas" do tipo de Hobbes, resultado dos interesses egoísticos dos homens, reconhecendo entretanto que a moral atua como freio e restaura o equilíbrio, dando razão também aos "otimistas" (Shafst erbury, Hutcheson etc.). Segundo Thomas A. Horne, estudioso de seu pensamento ( The Soci al Thought of Bernard Mandeville ), London, Macmillan, 1978), Mandeville difundiu na Inglaterra posterior à Revolução Gloriosa as idéias dos moralistas franceses, em especial no que respeita à separação entre moral e religião e na indicação de que o trânsito da moral individual para a social não pode dar -se de for ma linear. Segundo entende, as próprias virtudes que à sociedade incumbe cultuar são muito diversas e até podem contrapor -se à moral individual tradicional. Suas idéias se precisam sobretudo na crítica às doutrinas popularizadas na Ingl aterra por Anthony Ashley Cooper, 3º Conde de Shafsterbur y, embora o fi zesse depois que este havia fal ecido. A crítica de Mandeville, que em sua época, sobretudo na segunda e terceira décadas, pode ser considerada como tendo correspondido à opini ão predominante, contribuiu para que se preservasse o interesse pela obra de Shafsterbury, embora suas doutrinas pouco se distinguissem da meditação tradicional, de inspiração religiosa. Anthony Cooper era filho de Lord Shafsterbury, o famoso l íder liberal com quem trabalhou Locke. Publ icou di versos estudos dedicados à moral, a começar de An Inquiry Concerning Virtue or Merit (1699), e depoi s reuniu-os no li vro Characteristics of Men , Manners, Opinions, Times (1711), sucessi vamente reeditado. A discussão suscitada por Anthony Cooper ainda se acha muito presa às predisposições que seriam resultantes da natureza humana e não sobre o que seri a a temática própria da ética social. Sua deter minação é obra de Joseph Butler. Butler é autor de dois textos - Fifteens Sermons (1726) e Analogy of Religion (1736) - que devem ter desempenhado um papel muito i mportante no período, embora seu nome tenha sido esquecido até o estudo de Broad - Five Typer of Ethical Theory ( Londres, 1930). No ambiente valorativo da experiência que era o da Inglaterra de seu tempo, onde o característico consistia no empenho de difundir o modelo elaborado a partir do conheci mento, Butler estabeleceu uma distinção fundamental ent re o plano da relação com os obj etos e o plano ( moral) das relações entre os homens. No pri meiro caso, exemplificando com os obj etos circulares (cadeiras, panelas etc.), entendia que abstraímos dos aspectos particulares que os singularizam para f ixar o conceito, sem referências ao círculo perfeito. Assi m, nest a pri meira maneira de produzir modelos a partir do concreto, faz-se abstração da for mas acabadas. Quando entretanto mobili zamos o aspecto cognosciti vo de nossa consciência para ordenar as pessoas com as quais lidamos, embora a hierarquia que venhamos a estabelecer estej a igual mente vinculada ao concreto, não podemos prescindir da idealização do máxi mo de perfeição. A elaboração de um ideal de pessoa humana, escreve, reali za-se segundo este último procedi mento. Butler também aponta para o respeito que a lei moral infunde, induzindo o homem a segui -la.

II - A CRÍTICA DE MANDEVILLE A SHAFSTERBURY

a) Principais argumentos dos contendores

Bernard Mandeville nasceu em Roterdã, em 1670. Ingressou na Universidade de Leyden muito j ovem, aos 15 anos, for mando-se em medicina em 1694, quando tinha apenas 21 anos. Seguiu a mesma especialidade de seu pai (neurologia e aparelho di gesti vo). Em meados da década est eve na Inglaterra par a aperfeiçoar seus conheci mentos de inglês. Segundo seus biógraf os, encantou-se com o país, achando sua maneira de ser muito agradável. Em fins do decênio, transferiu-se em definitivo para Londres, onde vi veu at é a morte. Na capital inglesa, viria a ser médi co bem-sucedido. Mandeville ocupa uma posição singular no curso dos debates de que resultou a consideração da moral social de modo plenamente autônomo em t anto relação à religião quanto à moral indi vidual. Combateu, de modo tenaz, durante cerca de três décadas, toda atitude morali zante como ineficaz e inócua. Ao fazê-lo, contribuiu para dar à discussão caráter eminentemente teórico, isto é, desvi nculando-a do empenho de transfor mar -se de pronto numa espécie de diretriz governamental. É uma fi gura central e, sem considerar suas idéias e o contexto polêmico em que as elaborou, difícil se torna situar o papel que o bispo Joseph Butler viria a desempenhar na deter minação do obj etivo em que ora nos detemos, isto é, o nascimento da ética social. Na época em que Mandeville fixou residência na Inglaterra, estrut urara-se um movi ment o de cunho moralista, muito atuante e de grande influência. Denomi nava-se Sociedade par a a Refor ma dos Costumes e, a partir de 1699, publica uma espécie de manual par a orientação de seus seguidores. ( A Help to a National Reformati on ), contendo todas as leis que puniam atos atentatórios à moral. Esse volume mereceu nada menos que vint e edições até 1721. Nessa década registra-se que a sociedade havia levado aos tribunais cerca de duas mil denúncias contra atos imorais no ano anterior. No período precedente, desde que se fundara a entidade, o número de tais ações superava 75 mil. Nos anos trint a, a sociedade não mais desfruta do relevo com que contara até então. A campanha em prol da morali zação dos costumes era conduzida de for ma a fazer cr er que as pessoas não vir tuosas eram de fato autênticos inimi gos do Estado. Assi m, um dos líderes do movi mento escrevia em 1701: "Os negócios públicos de uma nação não podem deixar de sofrer certos danos onde a i mpiedade campeia li vrement e e sem restrições. Se as portas da torrente do pecado estão abertas, a confusão irromperá no governo como um dilúvio. Os homens que violam sem controle as normas da religião natural e da modalidade farão crescer a ilegalidade e o desgoverno, ... desafiarão os melhores governos ... e estão prontos para promover a insurreição e o tumulto público"(3). Em suma, a idéia geral era a de que a estabil idade política achava-se na dependência do exercício virtuoso da cidadania. Os mais extremados chegavam mesmo a afir mar que a imoralidade e a dissolução dos costumes vigentes no país atrairiam certamente a ira divina. O terremoto que atingiu Londres em 1692 e as grandes tempestades de 1703 eram considerados como expressões da cólera de Deus. As pri meiras manifestações de Mandeville dão-se precisamente para contestar essas crenças; começam em 1704 com a publicação de uma coletânea de fábulas e prosseguem nos anos subseqüentes até a publicação, em 1714, da pri meira versão ordenada da obra

básica , A Fábula das Abelhas. Considera-se, contudo, que seus pontos de vist a ganhariam feição mai s acabada na medida em que se dispõe a criticar as idéias de Shafsterbury, razão pela qual cumpre-nos considerá-las previament e. Anthony Ashley Cooper, em sua obra de moralista, não visou diretamente a Mandeville. Seu propósito era encontrar uma posição mediana entre dois grupos extremados. De um lado, os pensadores r eligiosos ortodoxos, que, tomando a expulsão do paraíso como paradigma, consideravam que o principal estímulo para as ações virtuosas dos homens era precisamente a lembrança daquele evento e da punição representada pelo inferno. De outro, pensadores como Hobbes, que depreci avam a natureza humana, ar gumentando que o único móvel da ação era o interesse próprio. Para contrapor -se a ambos, os grupos empreenderam a defesa da natureza humana. A tese pri mordial de Shafsterbury consiste na afir mati va de que os homens não são um conj unto de átomos desconectados mas, como todas as coisas, estão ordenados para o melhor, por um desí gnio da provi dência, necessariamente bom e per manente. Exalta, na natureza, a admirável simplicidade da ordem, razão pela qual contrapõe-se às doutrinas religiosas que admitem o milagre. É pois francamente oti mista sua visão tanto da natureza em geral como da natureza humana em particular. De modo coerente com esse princípio geral , Shafsterbury encara de maneira positi va as paixões humanas. Subdivide-as em três gr andes grupos: I) as afeições que visam ao nosso interesse própri o e que não são de modo al gum desprezí veis; II) as afeições que visam ao interesse geral; e III) as afeições que não têm em vist a qualquer interesse, como a crueldade e a malícia, que são sempre más e que denomina de "não-naturais". Em oposição à opinião mais difundida, afir ma que algumas afeições podem natural mente conduzir o indi víduo a buscar o bem público, sem levar em conta seu próprio bem-estar e na ausência da sentimentos religiosos prévios. Supunha também que não havia necessariamente conflito entre as afeições voltadas para o interesse público e aquelas voltadas para o interesse próprio. A seu ver , as afeições públicas proporcionam grandes satisfações e, social mente, as afeições privadas são necessárias ao conj unto. Aposta na har monia e no equilíbrio, embora admita a presença de circunstâncias que possam afetá- los: a compaixão exagerada pode destruir seu próprio fi m, do mesmo modo que uma criatura negli gente e insensível aos peri gos pode trazer danos ao conví vio social. Segundo entende, contudo, de tais circunstâncias não se poderia inferir a existência de conflito latente entre o público e o pri vado. Supõe que a tese da natureza egoísta do homem somente se sustentaria se vivesse solitariamente. Ao invés disto, emer giu a sociabilidade natural tanto com vistas à existência material como à satisfação emoci onal. Ademais, o homem seria dotado de um senso moral que o compele a refletir sobre suas ações e afeições, de certa for ma equiparável ao senso estético que lhe per mite identificar prontamente a beleza. Assi m, o homem virtuoso não age propriamente com vistas ao bem público mas porque o seu senso moral distingue o cer to do errado. Em conseqüência, define a virtude como a busca desinteressada do bem público, com a aprovação do senso moral. O caráter desinteressado da ação é essencial para que se a considere virtuosa. Confrontando essa tese com a posição dos reli giosos ortodoxos, Thomas Home t eria oportunidade de escrever: "embora exi stam diferenças em aspectos i mportantes entre Shafsterbury e os religiosos ortodoxos, é claro que têm em comum al gumas posições. De fato, poder -se-ia

padrões morais achar -se-iam fir memente estabelecidos na própria natureza humana. Ao contrário do que supõe Shafsterbur y, a moralidade não é dada aos homens de for ma acabada, per manecendo i mutável. Varia extr emamente segundo os povos e, no curso da história destes, segundo as épocas. A doutrina do senso moral inato, prossegue Mandeville, ser ve tão-somente para ocultar do homem a sua natur eza real. Ao induzir as pessoas a acreditar que podem ser virtuosas sem decidida abnegação, na verdade foment a a hipocrisia. Se as i déias de Shafsterbur y viessem a ser aceitas universal mente, estari am arruinados a riqueza e o poder do Estado. As virtudes sociais recomendadas por Shafsterbury não preparam o homem para lutar por seu país ou para trabalhar na recuperação de suas perdas. A tranquilidade e a moderação presentes à obra daquele autor não são de maior utilidade, sal vo "para educar parasitas", desde que nunca preparariam o homem para o trabalho e a assiduidade, nem o instigariam a grandes realizações ou empreendi mentos per igosos". A seu ver , Shafsterbury si mplesmente recusou-se a reconhecer aquelas qual idades individuais que são absolutamente necessárias para moti var o homem na realização dos trabalhos e no enfrentamento dos riscos capazes de tornar uma nação rica e próspera. Segundo Mandeville, não foi o senso moral desinteressado ou o amor da humanidade que fez sur gir a sociedade e compeliu o homem ao trabalho, mas um de seus vícios: a vaidade. A tendência natural à preguiça, encontrada no homem, ,somente f oi superada pela forte paixão desencadeada pela vaidade. Segundo seu entendi mento, a própria sociabilidade tão exaltada por Shafsterbury não passa de manifestação de vaidade. Ar gumenta: é certo que o homem gosta de companhia, mas tal se dá do mesmo modo como aprecia inúmeras outras coisas para o deleite pessoal. Ao buscar associar -se a outros homens, quer em primeiro lugar confir mar a alta opinião que tem de si mesmo; e, além disto, se pode propiciar prazer aos outros, espera ser em tr oca lisonj eado.

O estado de natureza i dealizado por Shafsterbury , em que os homens estariam de posse de virtudes e qualidades admiráveis, corresponde a uma idade de ouro na qual não existiria o comércio, a arte, a dignidade ou o emprego. O que a história registra é a presença de grandes aglomerados sociais que nada têm de comum com aquela ideali zação. A seu ver, o estado de natureza somente poderia manter -se pacífico numa pri meira ou segunda geração, quando a superioridade natural dos pais i mpusesse a ordem. Esta paz desaparecia com a morte daqueles ancestr ais, o que desencadearia a luta entre seus descendentes. O homem tem mais apetites do que pode satisfazer com facilidade e, deste ponto de vista, acha-se incapacitado para a sociedade. Um bando deles, colocados em condições equiparávei s, logo começaria a disputar. A paz só será reintroduzida pel o artifício do governo, que rei mpõe a ordem original mente mantida pelos ancestrais. E o governo é apenas um exemplo do tipo de artifício requerido para lutar contra as vontades, imperfeições e variedade dos apetites dos homens, Mandeville coloca-se, portanto, no pólo oposto a Shafsterbury. Não é a natur eza que deve ser exaltada mas as criações artificiais do homem para tornar a sociedade possível. Mandeville ar gumenta ainda que, pela ideal ização do senso moral , Shafsterbur y i gnora que a moralidade exi ge que a virtude sej a acompanhada de uma vitória sobre a natureza. Além disso, o senso moral é incapaz de reconhecer a i mportância do amor próprio na natureza humana e nas relações entre os homens. Esse erro é mui to grave desde que um

Estado poderoso e próspero somente pode ser construído pel o reconheci mento da importância de serem conduzidos, na direção do trabalho e da busca da pr osperidade, os desej os do homem egoísta. Mais tarde, nas edições posteriores de A Fábula das Abelhas , Mandeville buscari a desenvol ver essa crítica a Shafsterbur y, nos seis ensaios em for ma de diálogo que inseriu no volume segundo. No prefácio, faz questão de precisar que um dos personagens do diálogo representa o seu ponto de vista enquanto o outro "encontra grande deleita na maneira cortês e na f or ma de escrever de Lord Shafsterbur y". Na últi ma parte desse segundo volume volta a considerar as idéias apresentadas em "A Search into the Natural of Societ y" e volta a criticar Shafsterbur y. Contudo, o essencial de sua posição encontra-se naquele ensaio, antes resumido. Mandeville inclui -se entre os pri meiro pensadores modernos que valori zaram a di visão do trabalho, que se vinha fixando em sucessivas gerações. Desse longo processo de especialização é que resultou o desenvol vi mento material. E para este contribuíram preferentemente, segundo crê, os homens vinculados ao comércio e à navegação. A experiência histórica comprovava que as vi rtudes cultuadas por esses homens eram as únicas capazes de trazer prosperidade. Em contrapartida, os pontos de vista expressos por Shafsterbury provinham de um gr upo social a que denomina de Beau Monde , que equivaleria à aristocracia. No fundo, trata-se si mplesmente da maneira como percebem a si mesmos ou desej ariam que os outros os percebessem. A parti r desse entendi mento, chega, conf or me acentua Thomas Home, a classificar os moralistas em dois grandes grupos. Os pri meiros, entre os quais arrola Shafsterbury e os refor madores sociais em geral, "não aceitam a inevitabilidade do egoísmo, o caráter nat ural do amor próprio instintivo, e ensinam que a sociedade depende da recusa da vaidade e de outras paixões. Em Shafsterbur y, de acordo com Mandeville, o homem encontra-se iludido pela suposição de que a sociedade corresponde ao desdobramento do altruísmo natural... por outro lado, os moralistas retratados por Mandeville em sua antropologia especulati va... e o próprio Mandeville entendem que as pai xões não podem ser vencidas. Ao invés da tentativa de convencer os homens a renunciarem à vaidade, usam-n a do mesmo modo que o seu interesse próprio para ci vilizar a humanidade." (obra citada, pág. 50). A nosso ver, o mérito de Mandeville consiste no fato de haver demonstrado, de modo insofismável, que os valores morais presentes à sociedade variam com o tempo e não podem ser pura e si mplesmente identificados com as virtudes que os homens piedosos se sentiam obri gados a cultuar com o propósito de sal var as próprias al mas. E embora atribua pri mazia ao governo, nesse terreno, de modo idêntico a seus oponentes, não reduziu a moral social a uma questão de di reito. A exemplo da moral indi vidual , deve estruturar-se em torno de valores que as pessoas aceitem e procurem seguir livremente. E apontou também um critério segundo o qual devem ser incorporados à vida social, ao exaltar o trabalho e a t enacidade, colocados a serviço do progresso material. É certo, contudo, que não conseguiu circunscrever os li mites precisos da discussão de caráter teórico, para separá-la do propósito de influir sobre o curso da sociedade. Este passo seria dado por Joseph Butler, cuj a obra antecede j ustamente o empenho de for malização da nova doutrina moral empreendido por Hume.

Por outro lado, os senhores, cuj a apologia eu estou fazendo, não podem ser chamados de hipócritas. Eles falam tão mal de si mesmos quanto podem. Se têm tão duros pensamentos acerca da natureza humana, ainda assim é prova de sua humanidade que procurem dar o alarme para o mundo. Se representam os homens como sendo por natureza traidores e bárbaros, é por um cui dado pela humanidade, para que não sej a tão dócil e confiante a ponto de ser enganada facilmente. Os i mpostores falam bem da natureza humana para melhor abusar dela. Estes senhores, ao contrário, falam o pior; e preferem que eles mesmos sej am censurados j unto com os demais a verem al guns se aproveitarem de muitos. Porque é a opinião da bondade que cria a facilidade da confiança. E por causa da confiança somos entregues ao poder; toda nossa razão sendo assim atraída por aquel es em quem passamos, insensivel mente, a depositar nossa fé i mplícita. Mas, supondo que sej amos por natureza uns tais selvagens, nós passaremos a tomar cuidado para cair menos nas garras do poder uns dos outros e cobiçado por todos, poderemos melhor nos defender contra o mal, de for ma nenhuma entregando tudo nas mãos de um só (como o campeão dest a causa gostaria que fizéssemos, mas, ao contrário, por uma di vi são correta e um equi líbrio de poder e pela restrição de boas leis e li mitações que possam garantir a liberdade pública. Se acaso você me per guntasse se eu penso mesmo que estes senhores estão plenamente convencidos dos princípios que eles freqüentemente professam em público, eu lhe responderia que, apesar de não atribuir a est es senhores falta de si nceridade, ainda assim há mais mistério neste caso do que se pode i maginar. Talvez a razão de homens inteligentes se deliciarem tanto em abraçar estes sistemas paradoxais, não é na ver dade que estej am tão satisfeitos com eles: mas si m pelo obj etivo de melhor se oporem à al gum outro sistema que por sua bela aparência aj udou a colocar a humanidade sob a opressão. Imaginam que, por est e ceticismo geral, que gostariam de introduzir, eles poderão lidar melhor com o espírito dogmático que prevalece em al guns det er minados assuntos. E quando ti verem acost umado os homens a aceitar a contradição no principal e a ouvir a natureza das coisas ser discutida de modo geral, tornar -se-á mais seguro (eles concluem) argumentar separadamente sobre certos pontos delicados sobre os quais eles não estão satisfeitos. Assi m a partir daí talvez você possa compreender melhor ainda porque na conversação a arte da ironia e do paradoxo predomina tanto e idéias são defendidas por nenhum outro moti vo além de serem estranhas e fora do comum.

Parte III - 1ª Seção:

O espírito público só pode sur gir de um sentimento social ou senso de solidariedade com o gênero humano. Agora não há ninguém tão longe de ser sócio neste sentido ou partilhador desta afeição comum como aqueles que mal conhecem o seu i gual , nem se reconhecem como suj eitos a qualquer lei de solidariedade e comunidade. E assi m a moralidade e o bom governo andam j untos. Não há verdadeiro amor de virtude sem conheci mento do bem público. E onde existe o poder absoluto, lá não há público. Aqueles que vi vem sob tirania e aprenderam a admirar o seu poder como sendo sagrado e divino, estão depravados não só em sua religião quanto em sua moral. O bem público, de acordo com esta compreensão tão pouco está, na medida ou regra do governo do Uni verso como na do Estado. eles não têm noção do que é bom ou j usto além do que

apenas a vontade e o poder deter minam. A onipotência, assi m pensam, mal seria ela mesma se não dispusesse da liberdade para dispensar as leis da eqüidade e mudar a seu bel -prazer o padrão da retidão moral. Mas, independentemente dos preconceitos e corrupções deste tipo, está claro que ainda existe qualquer coisa como um princípio público, mesmo onde ele se encontra mai s pervertido e depri mido. As piores magistraturas, o tipo merament e despótico, consegue revelar suficientes exemplos de zelo e afei ção por este princípio. Onde nenhum outro tipo de gover no for conhecido, muito poucas vezes há falha na demonstração do compromisso e obri gação com relação a est e princípio público, o que é devido a uma melhor for ma de ele se apresentar. Nos países orientais e em muitas nações bárbaras houve e ainda há exemplos deste tipo. O amor pessoal que é demonstrado ao Príncipe, independentemente de quão severo ele se mostre ao povo, pode bem provar como é natural a afeição que existe pelo governo e pela ordem na humanidade. Se os homens não têm real mente nenhum pai político ou nenhum magistrado em comum que os ame e protej a, eles, ainda assim, i maginarão que têm, e como criaturas recém-nascidas que nunca viram sua mãe, vão inventar uma par a si mesmos e irão buscar (como se fossem levados a isso pela pr ópria natureza) em al guma for ma o benepl ácito e a proteção. No lugar de um verdadeiro pai adotivo e chefe, aceitarão qualquer um falso; em lugar de um governo legíti mo e de um príncipe j usto obedecerão até a um tir ano e suportarão uma longa dinastia e sucessão de tiranos. Quanto a nós britânicos, graças a Deus, nós temos melhor senso de governo que nos foi legado pelos nossos ancestrais. Nós temos noção de um público e de uma constituição; de como um legislativo e um executivo são modelados. Conhecemos peso e medida destes assuntos e consegui mos raciocinar com j usteza sobre o equi líbrio entre o poder e a prosperidade. As máxi mas que daí deri vamos são tão evidentes quando as deri vadas das matemáticas. Nosso conheci mento crescente nos mostra a cada dia, cada vez mais, o que é o senso comum em política. E isto nos deve necessariamente levar a compreender um senso semelhante em moral, que é o seu fundamento. É ridículo di zer que há qualquer obri gação para o homem de agir social mente ou honestamente num governo j á formado e que não haj a tal obrigação naquilo que se chama comumente de estado natural. Porque, par a falar na linguagem de nossos filósofos modernos: sendo a sociedade fundada num pacto, tendo cada homem abdicado de seu poder ili mitado em benefício da maioria ou de que a maioria venha a escolher, isto foi feito livremente por meio de uma promessa. Esta promessa foi feita no estado natural, e aquilo que poderia f or mar uma promessa obrigatória no estado natural torna todos os demais atos de humanidade tanto nossa real obrigação quanto nossa tendência natural. Assi m, fé, j ustiça, honestidade e virtude deveriam existir desde o estado natural ou não existiriam de todo. A união ci vil ou confederação nunca poderia fazer o certo e o errado se eles j á não subsistissem antes. Aquele que era livre de praticar a vilania antes de seu contrato irá certament e lidar de i gual for ma com seu contrato quando assi m o desej ar. O vilão natural tem a mesma razão do ( vil ão) civil; ele dispensa sua responsabilidade política tantas vezes quantas lhe forem convenientes. É somente sua palavra que obstaculiza o seu cami nho. Um homem deve manter sua palavra. por quê? Porque ele deu sua palavra para ser cumprida. Que grande explicação para a ori gem da j ustiça moral e do sur gi mento do governo civil e do compromisso!

ou tão vi gorosamente expandida quanto na verdadeira associação ou na guerra, quando é sabido que os maiores gênios freqüentement e se expõem para serem aproveitados. Estes deleitam-se ao máxi mo por se moverem em comum acordo e sentem (se assi m posso me expressar), da maneira mais forte, a f orça do encanto de se confederarem. É estranho i maginar que a guerra, que de todas as coisas parece ser a mais sel vagem, deva ser a paixão dos espíritos mais heróicos. Mas é porque na guerra é que o nó da camaradagem é mais bem atado. E na guerra que o socorro mútuo é mais dado, o peri go corrido conj untamente e a afeição comum mais exercida e empregada. Ainda assi m, por um pequeno desvio de mal dirigida afeição, um amante da humani dade pode se tornar um malfeitor, um herói e salvador torna-se um opressor e destruidor. Daí sur girem outras di visões entre os homens. Daí, no caminho capaz e do governo ci vil , está aquele amor pelo partido e a subdivisão pela cabala. Porque a sedição é um tipo de hipocrisia j á iniciado no tratado. Fingir é natural quando a sociedade se torna grande e volumosa demais. Os estados poderosos descobriram outras vantagens em enviar colôni as além-mar, além daquela de abrir espaço no país de ori gem ou de estender seus domínios para outros países. Vastos impérios são em muitos aspectos antinaturais mas principalmente visto que, sej am eles tão bem constituídos quanto possí vel, os negóci os de muitos têm que for çosamente, em tais governos, cair na mão de alguns, e a relação se torna menos sensata, até praticamente se per der, entre o magistrado e o povo num corpo tão disfor me em seus membr os e em que as partes estão distantes umas das outras quant o o estão da cabeça. É em corpos tais como estes que é mais fácil aparecer as facções. Os espíritos associativos, por falta de exercício, for mam novos movi mentos e buscam uma esfera de atividade mais i mediata quando querem produzir ação numa esfera mais ampla. Assi m temos as rodas dentro das rodas. E em al gumas constituições nacionais (apesar do seu absurdo na política) temos um i mpério dentro de outro i mpério. Nada é tão deleituoso quanto incorporar. Di stinções de muitos tipos são inventadas. Sociedades religiosas são fundadas. Ordens são exigidas e seus interesses são esposados e defendidos com o maior zelo e paixão. Fundadores e patronos deste tipo nunca faltam. maravilhas são realizadas dentro deste espírito social errôneo pelos membros das diferentes sociedades. E o gêni o associativo do homem nunca é mais bem pr ovado do que nestas mesmas sociedades que são for madas em oposição ao interesse geral da humanidade e ao i nteresse verdadeiro do Estado. Em resumo, o pr óprio espírito de facção em grande parte parece ser nada mais do que o abuso ou a irregular idade daquele amor social e afeição comum que é natural à humanidade. Por que o oposto da sociabilidade é o egoísmo. E então, todos os caracteres, o mais completamente egoísta é o menos pr onto a tomar partido. Os homens deste tipo, neste aspecto, são de fato verdadeiros homens moderados. Eles estão seguros de seu auto-controle e se dominam demasiado bem para correrem o risco de entr ar entusiasticamente em favor de uma causa ou se engaj ar profundamente em qualquer lado ou facção.

4ª Seção:

Houvesse al guém com o aspecto de um fidalgo, de me per guntar : "Por que deveria eu evitar de ser repugnante quando não há ninguém presente?" Eu consideraria em pri meir o lugar que haveria de ser um bem repugnante fidalgo aquele que fi zesse tal per gunta; em segundo, lugar, que seria uma tarefa difícil convencê-lo do que é a ver dadeira li mpeza. Entretanto, eu poderia talvez me contentar com uma breve respost a e dizer: "Que era por que eu tinha um nariz? Houvesse ele de me incomodar ainda perguntando: " E se eu estivesse resfriado?" ou "Se eu natural ment e não ti vesse um olfat o tão requintado?" Eu talvez lhe respondesse que: "Detestaria me ver a mi m mesmo como uma pessoa suj a tanto quanto ser assi m visto em tal condição por qualquer outra pessoa". Mas, e se esti vesse no escuro: Bem, mesmo assim, ainda que não ti vesse nariz nem olhos, meu senso da questão seria ainda o mesmo, isto é, minha natureza se rebelaria contra a idéia da sordidez, ou então, se tal não acont ecesse, eu teria uma natureza bem depravada e haveria de me odiar por me achar uma besta. eu não poderia j amais honrar -me a mi m mesmo enquanto não tivesse sequer um mel hor senso daquilo que, na realidade, eu devia a mi m mesmo, e o que me convinha, enquanto criatura humana. Assi m muito na mesma linha eu tenho ouvido a per gunta acerca de "Por que haveria de um homem ser honesto no escuro?" O que precisa um homem ser para fazer tal indagação, eu não direi. Mas quanto aos que não têm melhor razão para ser em honestos do que o medo de um policial ou de cadeia, devo confessar que não cobiço muito a sua companhia ou ami zade. E se al gum tutor meu que houvesse sido encarregado de zelar pelos meus bens até que eu alcançasse a maioridade, houvesse entregado a mi nha herança e houvesse sido descoberto mais tarde que o fizera apenas por medo do que pudesse vir a lhe acontecer, de minha parte eu sem dúvida, haveria de continuar a tratá-lo com respeito e civilidade, mas quanto a minha opinião a seu respeito, seria tal qual a que o deus pitiano tinha do seu sacerdote, o qual por ter dele um medo tão devoto (e só por isto) devol vera a um ami go o dinheiro que havia sido deposi tado em suas mãos. Sei muito bem que muitos serviços prestados ao público o são com vistas a uma pensão do governo, principalmente os infor mantes são agraciados com recompensas e pensões do Estado. Mas devo i mpl orar perdão pelos pensamentos que possa ent reter acerca do mérito de tais senhores. Jamais darei minha estima a outros que não os descobridores voluntários de cri mes e aos sinceros procuradores do interesse de seu país. Neste sentido, não conheço nada mai s nobre do que a tarefa e orientação de uma acusação i mportante pela qual um grande criminoso ou al gum grupo de conspiradores contra o bem público possam ser processados e condenados pelo zelo honesto e afeição pública de um homem independente. Sei também que a média da humanidade freqüentemente precisa ter a idéia de um obj eto como a força mantida perante seus olhos. No entanto, não creio que qualquer homem que tenha recebido uma educação liberal ou que tenha honestidade comum, j amais tenha tido que recorrer a tal idéia em sua mente para se refrear de ser um vil ão. E se um santo não tivesse qualquer outra virtude além daquela que nele fosse suscit ada pelas i magens de recompensa ou do castigo num estado futur o, não sei que amor ou esti ma ele haveria de granj ear, mas, de minha parte eu j amais o consideraria digno da mi nha esti ma.(4)

Mais adiante nesta Inquirição voltaremos a este assunto. Nosso obj etivo primeiro é deter minar com clareza em que consiste est a qualidade à qual se dá o nome de bondade ou virtude. Se um historiador ou viaj ante descrevesse uma certa criatura cuj a disposição solitária j amais havia sido encontrada, que j amais havia tido um companheiro ou ami go de qualquer tipo, ninguém de sua espécie a quem ti vesse demonstrado a menor inclinação ou afeição, e nada além de si própria, por quem ti vesse tido menor paixão ou cuidado, poderíamos certament e di zer, sem hesitação, que se tratava, sem dúvida, de criatur a demasiado melancólica, o qual neste estado solitário e triste haveria de levar um tipo de vida demasiadamente desconsolado. Mas, se pelo contrário, nos fosse assegurado que, apesar de todas as aparências, a criatura se divertia muitíssi mo, tinha enor me alegria de vi ver, que nada lhe faltava, teríamos de reconhecer que tal vez a criatura não era necessariamente um monstro, nem que era uma aberração em sua constituição relativamente a si mesma. Mesmo assi m, terí amos dificuldade em admitir que se tratasse de uma criatura boa. No entanto, se nos fosse argumentado que, t al como era, a criatura se achava perfeita em si mesma e sendo assi m deveria ser consider ada boa, dado que não haveria moti vo al gum para se li gar a outros, seríamos forçados a reconhecer que, neste sentido, de fato, tratava-se de uma criatura boa se pudesse ser garantido que ela era absoluta e completa em si mesma sem que tivesse qualquer relação com qualquer outr a coisa no uni verso. Mas, se fosse encontrado em qualquer lugar da natureza um sistema do qual tal criatura faria parte, neste caso ela não poderia ser considerada boa de for ma alguma, porque em nada estaria ela colaborando para o bem do sistema ou do todo no qual estaria incluída. Se, portanto, na estrut ura deste ou daquele ani mal houver qualquer coisa que aponte para além dele mesmo e pela qual ele é reconheci do como tendo al guma relação a al gum outro ser ou natureza além da sua própria, o ani mal será considerado parte de al gum sistema. Por exemplo, se o ani mal tiver as proporções de um macho, isto mostra que ele tem uma relação com a fêmea. E as respecti vas proporções de ambos o macho e a fêmea serão reconhecidos como tendo uma relação conj unta a outra existência e ordem de coisas além de si mesmos. Assi m é que as criaturas são ambas consideradas partes de um outro sistema que é o daquela raça ou espécie de criaturas vivas que têm por natureza comum ou que são sustentadas por al guma ordem ou constituição de coisas que subsistem j untas e cooperam para sua conservação e sustento. Por exemplo, para a existência da aranha a existência da mosca é absolutamente necessária. O vôo sem rumo, a estrutura frágil e o corpo macio deste último inseto o deter minam a ser a presa, tanto quanto a consistência rude, a astúcia e a ar gúcia do primeiro o preparam para a rapina e a presa. A teia e a asa se adaptam uma á outra. E na estrutura de ambos estes ani mais existe uma aparente e perfeita relação de um para o outro assi m como em nossos corpos há a rel ação dos membros e órgãos, ou assi m como nos galhos ou folhas da ár vore podemos ver uma relação de um para o outro e de todos em comum com relação à raiz única e o tronco. Da mesma for ma as moscas são necessári as para a sobrevi vência de outras criaturas, tanto aves quanto pei xes. E assi m há outras espécies ou tipos que são subser vientes uns aos outros for mando parte de um mesmo sist ema sendo incluídos numa mesma ordem de seres.

Assi m, há um sistema de todos os ani mais, um sistema ani mal por assim di zer ou economia ani mal de acordo com o qual as funções dos ani mais estão regulamentadas e dispostas. Agora, se todo o sistema de ani mais j unto com o dos vegetais, e se todas as coisas neste mundo inferior foram bem compreendidas dentro de um sistema global ou mundo e se ainda este mundo ou t erra tiver uma dependência real de algo além dele mesmo, como, por exemplo, parece ser a dependência do Sol ou da galáxia ou dos outros planetas, então ele mesmo à parte de outro sistema. E se for admitido que há um sistema de todas as coisas e uma natureza que há um sistema de todas as coisas e uma natureza uni versal, não há nenhum ser ou sistema particular que não sej a salutar ou nocivo ao sistema ger al do Uni verso. Porque se for insi gnificante ou inútil será uma falha ou i mperfeição e conseqüentemente mau no sistema geral. Portanto, se qualquer ser for completamente ou verdadeiramente mau ele tem que sê-lo com relação ao sistema universal, conseqüentemente o sistema do universo estará mal ou imperfeito. Porém, se o mal de um sistema particular for o bem de outros, se concorre para o bem geral (como quando uma criatura vi ve pela destruição de outra, ou quando uma é gerada pela corrupção da outra, ou quando um sistema planetário ou vértice engole outro) então o mal daquele sistema particular não constitui um mal em si mesmo, t al como a dor do nasci mento dos dentes é um i ncômodo no sistema ou corpo que está assi m constituído, mas o qual sem esta dor sofreria ainda mais pela falta de dentes. Assi m é que não poderia dizer de nenhum ser que ele sej a inteiramente e absolutament e mau a não ser que possamos demonstrar e garantir que aquilo a que qualificamos de mau não se constitui num bem em qualquer outro sistema ou com respeito a qualquer outra ordem ou economia existente. Mas onde houvesse no mundo uma espécie inteira de ani mais que fosse destruti va de todas as demais, ela seria chamada de espécie rui m, por ser maléf ica ao sistema ani mal como um todo. E se, em qualquer das espécies (como a dos homens por exemplo), um homem ti vesse uma natureza perniciosa aos demais, por este motivo ele seria j ustament e considerado um homem mau. Entretanto, nós não dizemos de qualquer um que ele é um mau homem porque ele tem bexigas ou porque sobre de convulsões que o levam a bater e machucar quem dele se aproxi ma. Nem tampouco di zemos que sej a um bom homem quant o tem suas mãos atadas e está i mpedido de realizar qualquer mal que pretenda; também (e o que é quase o mesmo) não o chamamos de bom quando ele se abstém de executar suas más intenções pelo medo de alguma punição ou pela atração de al guma recompensa exterior. De for ma que em qualquer criatura racional aquilo que não for realizado através de qualquer afeição, não a torna boa nem má em sua natureza. Somente será considerada boa quanto o bem ou o mal do sistema ao qual está relacionada for o obj eto imediato de uma paixão ou afeição que a tenha movido. Considerando que, conseqüentemente, uma criatura será considerada boa ou má, natural ou antinatural dependendo de suas afeições, nossa tarefa será a de examinar quais são as afeições boas e naturais e quais as más e ant inaturais.

2ª Seção: