Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Efeitos do Mito da Transcendência da Pena nas Famílias: Estudo da Personalidade da Pena, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Uma pesquisa sobre o mito da transcendência da pena e seus efeitos sobre as famílias de condenados. O autor examina a teoria da personalidade da pena e como ela afeta as famílias, além de propor soluções para mitigar esses efeitos. O estudo se baseia em relatos de familiares, experiências em campo e trabalhos acadêmicos existentes.

O que você vai aprender

  • Como as rotinas produzidas na prisão afetam as famílias dos apenados?
  • O que é o princípio da personalidade da pena e por que é importante?
  • Quais são as soluções propostas para mitigar os efeitos da transcendência da pena sobre as famílias?
  • Qual é a natureza do mito do inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal?
  • Como as penalidades afetam as famílias de condenados?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Selecao
Selecao 🇧🇷

5

(3)

219 documentos

1 / 67

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
MAYARA BRAZ FRANÇA
O MITO DO INCISO XLV DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL: EFEITOS DA TRANSCENDÊNCIA DA PENA NOS
FAMILIARES DE APENADOS
Brasília
2015
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
Faculdade de Ciência Jurídicas e Sociais – FAJS
Curso de Direito
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Efeitos do Mito da Transcendência da Pena nas Famílias: Estudo da Personalidade da Pena e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Direito, somente na Docsity!

MAYARA BRAZ FRANÇA

O MITO DO INCISO XLV DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL: EFEITOS DA TRANSCENDÊNCIA DA PENA NOS

FAMILIARES DE APENADOS

Brasília 2015

Centro Universitário de Brasília – UniCEUB

Faculdade de Ciência Jurídicas e Sociais – FAJS

Curso de Direito

MAYARA BRAZ FRANÇA

O MITO DO INCISO XLV DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL: EFEITOS DA TRANSCENDÊNCIA DA PENA NOS

FAMILIARES DE APENADOS

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília Orientador: Professor Edson Ferreira

Brasília 2015

MAYARA BRAZ FRANÇA

O MITO DO INCISO XLV DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL: EFEITOS DA TRANSCENDÊNCIA DA PENA NOS

FAMILIARES DE APENADOS

Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília Orientador: Professor Edson Ferreira

Brasília, de de 2015.

Banca Examinadora

________________________

Edson Ferreira Orientador

__________________________________

Examinador

__________________________________

Examinador

Dedico esta, bem como todas as minhas demais conquistas, aos meus amados pais, pelos inúmeros sacríficios e por acreditarem no meu potencial.

“As pessoas não só têm que saber, mas também ver com seus próprios olhos. Porque é necessário que tenham medo; mas também porque devem ser testemunhas e garantias da punição, e porque até certo ponto devem tomar parte nela.” (Michel Foucault)

RESUMO

O Princípio da Intranscendência da Pena, com respaldo no inciso XLV do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, pressupõe que a sanção, em matéria penal, não deve ultrapassar a pessoa do delinquente. Desta forma, a pena não pode ser imposta e nem cumprida por terceiro que não contribuiu para a infração. Em razão de consistir numa intervenção ressocializadora sobre o apenado, a pena é uma determinação de caráter estritamente pessoal e, por isso, a Carta Magna proíbe qualquer consequência da pena que atinja a terceiros. Sabe-se, no entanto, que os efeitos da pena ultrapassam o condenado. Esses efeitos da transcendência da pena possuem diversos ângulos e o presente trabalho analisa cada um deles com a atenção voltada para os familiares de apenados. Ainda, a pesquisa mostra se os familiares são marcados pelas práticas prisionais e como essas práticas atravessam suas vidas. São ainda apresentadas soluções com o fim de atenuar a transcendência da pena que, embora não seja uma preocupação da sociedade, é uma realidade que precisa ser amparada.

Palavras chave: Princípio da Intranscendência da Pena. Familiares de apenados. Auxílio Reclusão. Revistas vexatórias.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 5o, inciso XLV, que a pena não passará da pessoa do condenado. Com base nesse inciso entende-se estar diante de um mito, já que, além das penas recebidas pelos condenados, a realidade mostra que diversos tipos de penalizações são dirigidas aos familiares.

O desafio central do trabalho foi apontar os efeitos da transcendência da pena nos familiares de apenados mesmo com a vedação constitucional de que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. A pesquisa responde se os familiares são marcados pelas práticas prisionais e como essas práticas atravessam suas vidas.

A motivação da pesquisa adveio do descontentamento com o cenário de preconceitos e abusos presente nas rotinas de familiares em presídios e fóruns. A partir da experiência em campo foi constatado que o Estado raramente ampara e impede que esses familiares se sintam inseridos no tratamento penal e foi quando então surgiu a vontade em se compromissar com o estudo dessa realidade e em desenvolver um trabalho em forma de denúncia.

Foi, portanto, diante desses problemas e questionamentos que o estudo foi desenvolvido, já que a abordagem dessa realidade é de real importância, pois não há porque aplicar uma reprimenda a quem não concorreu para a prática de um delito mas que de uma forma ou de outra acaba sendo inserido neste sistema.

Além do estudo teórico sobre a relação da transcendência da pena nas famílias, a pesquisa busca permitir melhor percepção às vivências destes familiares segundo o estudo que se volta para os diversos tipos de penalizações direcionadas a eles e busca apresentar algumas propostas de enfrentamento à realidade estudada.

No primeiro capítulo busca-se conceituar o Princípio da Intranscendência da Pena, apresentar sua síntese histórica, suas principais características e âmbito de aplicação. Primeiramente é analisado o alcance do princípio e como ele se desenvolveu ao longo da história.

Em um segundo momento, trabalha-se a relação entre familiares de apenados e a transcendência da pena. Procura explorar a importância do vínculo entre presos e seus familiares e como lidam com o afastamento do parente preso. Os conceitos e características

dessa relação foram extraídos de trabalhos de assistentes sociais.

Ainda no primeiro capítulo, são apresentados os efeitos decorrentes da transcendência da pena e os seus mais distintos ângulos. São divididos em efeitos materiais e efeitos morais, uma vez que a maior ênfase se dá nos efeitos morais, sendo a análise desse aspecto o objetivo deste trabalho que abrangerá todo o capítulo dois.

Logo em seguida são apresentados os efeitos materiais da transcendência da pena, efeitos estes que são quase incontestáveis devido a habitualidade com que surgem no mundo jurídico, são eles: a reparação de danos às vítimas, o perdimento de bens, o sequestro e penhora de bens de família advindos de meios ilícitos, a não extinção da punibilidade com a morte do agente e a queda dos rendimentos familiares

O segundo capítulo se dedica aos efeitos morais que, ao contrário dos efeitos materiais, são praticamente imperceptíveis para os operadores do Direito. No primeiro momento, há uma divisão entre efeitos morais de natureza prática (revistas vexatórias, falta de informações processuais e privação de relações sexuais) e de natureza psicológica (medo, estigma, isolamento social e preconceito).

Por fim, são apresentadas soluções para atenuar a transcendência da pena a fim de enfrentar a realidade estudada, são elas: alternativas à pena privativa de liberdade, oportunidades de ressocialização, visitas íntimas, auxílio reclusão, fim das revistas vexatórias e assistência aos familiares de apenados.

O tema, na abordagem escolhida, é de extrema importância para o direito penal, para o sistema penal, para a política criminal, para a criminologia e para a sociedade como um todo, não só a brasileira, visto que os familiares de apenados que sofrem reprimendas por tabela estão presente em todas as sociedades.

A metodologia zetética de empírica pura e aplicada foi adotada no procedimento de pesquisa, com a preocupação voltada para os fenômenos sociais e os comportamentos humanos e para a atuação condicionada do Direito como instrumento prático e social de acordo com conceitos da criminologia, que, como uma ciência interdisciplinar, possui diálogo com diversas outras ciências.

A presente pesquisa tem caráter exploratório-explicativo, uma vez que traz a caracterização inicial do problema e a definição clara das hipóteses, não buscando resolver o

1. PRÍNCIPIO DA INTRANSCENDÊNCIA DA PENA

A pena alcança seu fundamento, como princípio básico do Direito Penal na culpabilidade do réu. À vista disso, a culpa do condenado é o fundamento da medida da pena que lhe é atribuída, de forma com que é inusitada à aplicação da pena os indivíduos que não tomem parte à maior ou menor reprovabilidade do ato, afirma Heleno Cláudio Fragoso.^1

Por outro lado, o conceito de culpabilidade tem o objetivo de assegurar ao indivíduo que o Estado não alongue seu poder penal mais além do que se harmoniza à responsabilidade do homem concebido como livre e capaz de culpabilidade. A pena consagra- se à pessoa do condenado, não deve, então, ultrapassá-la mas sim operar em função da culpabilidade daquele, enquanto indivíduo responsável e capaz por suas ações, assevera José Eduardo Goulart.^2

Claus Roxin aponta que o princípio da culpabilidade protege o indivíduo da superioridade do poder estatal, atuando como conceito limitador da pena. Entende o autor, assim, como justificação da pena, o dever para o condenado de com ela arcar, porque como membro da comunidade tem de responder por seus atos na medida de sua culpabilidade, para salvaguarda da ordem imposta, confirmando sua posição de cidadão com igualdade de direitos e obrigações.^3

Configurada a pena dentro da ritualística do processo penal, estipulados seus limites e sua justificativa, verifica-se, pois, que ela direciona-se à pessoa do condenado, não podendo excedê-la e atuando em função da culpabilidade daquele, na qualidade de indivíduo responsável capaz por suas ações, tal como, sujeito de direitos e deveres para com a comunidade. Nestas condições, a pena só pode ser direcionada à pessoa do autor da infração penal, daí derivando seu caráter de personalidade, é como disserta José Eduardo Goulart.^4

Eugênio Raul Zaffaroni demonstra que nunca se pode interpretar uma lei penal na acepção de que a pena transcende a pessoa que é autora ou partícipe do delito, isso se compreende da realidade de que a pena é uma determinação de caráter absolutamente pessoal, consistindo numa influência ressocializadora sobre o apenado. Desse entendimento é que se

(^1) FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pena e Culpa em Ciência Penal. n.1. 1973. p.1. (^2) GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito de execução penal. São Paulo: RT, 1994. p. 95. (^3) ROXIN, Claus. Sentido y limites de la Pena Estatal en Problemas Básicos del Derecho Penal. Trad. Luzón Pena. Madrid: Reus, 1976. 4 p. 28. GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito de execução penal. São Paulo: RT, 1994. p. 96.

procura evitar toda consequência da pena que possa afetar terceiros.^5

Como leciona Pontes de Miranda, o homem tentou a adaptação social, por meio de sanções, dos próprios animais e da coisas. Assim, apontam os estudos históricos e antropológicos. A utilização de sanções, como processo de adaptação, atingindo grupos teve, igualmente, aplicação. A responsabilidade individual, que não foi sempre o processo do homem, consiste em procedimento do estudo atual das sociedades. 6

Celso Ribeiro Bastos expõe que “os avanços ocorridos nos último séculos no campo do direito penal vieram a repelir aquilo que outrora se conheceu como imposição de penas que, recaindo sobre o delinquente, passavam à sua descendência”.^7

Ora, é fácil assimilar que o movimento de afirmação dos direitos individuais teria que contrapor-se a esta real herança criminal que permitia que alguém já nascesse marcado pela perda e pelo ônus das consequências de um crime praticado por parentes colaterais ou antepassados, conclui Bastos.^8

1.1. Conceito e denominações

O princípio em análise é conhecido por diversas denominações: princípio da intranscendência da pena, da pessoalidade, da personalidade, da intransmissibilidade, da alteridade, da responsabilidade pessoal ou da incontagiabilidade.

O princípio constitucional da personalidade da pena é um gênero de garantia do qual a individualização da pena é uma espécie, afirma René Ariel Dotti. De acordo com o autor, pessoalidade da pena significa que a reprimenda não deve exceder a pessoa do condenado em âmbito penal. Desta forma, a pena ou a medida de segurança não podem ser impostas e nem cumpridas pelo terceiro que não concorreu para a infração.^9

É um princípio que tem sua dimensão limitada ao Direito Penal. Sendo assim, esclarece Anderson Pereira Silva que: (^5) ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro : Parte Geral.

  1. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 164. 6 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. p. 228 7 - 229. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.2. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 230. 8 9 Idem, p. 231. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte geral. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 139.

Consagrado em grande parte das constituições das nações civilizadas, a importância do princípio está no fato de que era costumeiro a pena atingir os familiares do delinquente. De qualquer maneira, a pena sempre afeta terceiras pessoas: ora os familiares, ora os credores, ora a vítima, alega Luís Paulo Sirvinskas.^14 Em atenção a isso, a Lei de Execução Penal instituiu, ao serviço social, a responsabilidade de “orientar e amparar, quando necessário, a família do internado e da vítima” (art. 23, VII), ordenando ainda que a remuneração do trabalho do preso deverá destinar-se à “assistência à família” (art. 29, §1º, b).”

Sobre a temática em análise, José Afonso da Silva assevera que: “o princípio da personalização ou personalidade da pena se harmoniza com a concepção de que a sanção penal tem finalidade retributiva, pois, se ela é uma reação ao mal do crime, claro está que só pode recair sobre quem praticou esse mal. No fundo, pois, a personalização da pena acaba sendo um princípio de justiça retributiva: premiar ou castigar segundo o merecimento do agente, só do agente, na mesma proporção do benefício ou do dano causado. Injusto fora, e mais seria no Estado Democrático de Direito, apenar alguém por fato de outrem.^15

Sob este aspecto, Warley Belo explana que, além da finalidade retributiva, a pena, conceitualmente, pretende ressocializar o autor ou partícipe do delito. Sendo assim, somente este pode cumprir a pena criminal.^16

Ademais, não sendo a pena uma forma de reparação econômica do dano causado pelo delito, mas um castigo, impensável é o seu cumprimento por representação, ou a substituição subjetiva, como ocorre em outros ramos do direito, assevera Luisi Luiz.^17

A abordagem do princípio da pessoalidade raramente se prolonga, sendo um princípio carente de extensas análises. Isso se dá devido a evolução da transcendência da pena que permitiu uma maior clareza na sua compreensão e aplicação na atualidade, ao menos no campo teórico. Zaffaroni assevera que “esse é um princípio que, no estado atual de nossa ciência, não requer maiores considerações, mas o mesmo não aconteceu em outros tempos, em que a infâmia do réu passava a seus parentes, o que era comum nos delitos contra o

(^14) SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao Estudo do Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 124. (^15) SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 143. (^16) BELO, Warley. Tratado dos princípios penais: volume I. Florianópolis: Bookess Editora, 2012. p. 149. (^17) LUIZ, Luisi. Os princípios constitucionais penais. 2.ed. Porto Alegre: Fabris Editor, 2003. p. 51.

soberano”.^18

De acordo com Jamil Chaim Alves, o princípio da personalidade da pena é uma conquista do direito penal que, apesar de sua importância, tem sido mal interpretado. Consigna o autor:

“O princípio veicula proibição absoluta de que a pena, abstratamente cominada, dirija-se a terceiros. Quanto aos efeitos reflexos, que surgem sobretudo durante a execução, a proibição é relativa. Quase sempre há terceiros prejudicados, especialmente em se tratando da prisão, conforme pôde-se comprovar em pesquisas de campo com parentes de reclusos.”^19

O princípio da personalidade da pena representa uma grande conquista do direito penal para Alves, já que, sob a ótica das finalidades da pena e até mesmo por razões de justiça, não há porque aplicar uma reprimenda a quem não concorreu para a prática do delito.^20

Mesmo dotado de suma importância, esse princípio é desrespeitado e pouco se fala da sua incidência durante a execução penal e, na opinião de Alves, nessa etapa o indivíduo necessita tanto da efetiva aplicação dos princípios penais quanto durante o julgamento.^21

As principais questões envolvendo a personalidade da pena, no direito brasileiro, surgem justamente no momento da execução penal. O mais comum, acredita Alves, é que a sanção prejudique terceiros de forma reflexa, principalmente durante o seu cumprimento.^22

O princípio possui duas vertentes, segundo Belo: uma restrita e outra ampla. Em uma dimensão restrita do princípio, o autor assegura que a pena, como resposta do Estado, só deve alcançar aquele que cometeu o delito. Defende assim o autor:

“O crime é ato próprio e a pena também deverá o ser [sic]. A pena não pode ser executada contra terceiros e nem ser cumprida por terceiros, pois é medida judicial de caráter estritamente pessoal, impossível de ser cumprida por outrem. Se uma pessoa comete um crime, seus parentes, sócios ou associados não podem ser responsabilizados criminalmente porque não

(^18) ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral.

  1. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 165. 19 ALVES, Jamil Chaim. Princípio da personalidade da pena e execução penal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 99, n. 899, set. 2010. p. 431. 20 21 Idem, p. 432. 22 Ibidem. Ibidem.

já não existe liberdade quando os castigos não são essencialmente pessoais.” 27

Nessa linha, Nilo Batista atesta que a responsabilidade penal, ao menos em tese, é sempre pessoal. De acordo com o autor, não há no Direito penal responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva.^28

Infelizmente, sabe-se que na realidade social a pena costuma afetar terceiros inocentes, particularmente os familiares do apenado, embora o princípio da personalidade seja “uma conquista do Direito Penal, atuando como uma de suas verdades mais expressivas, no sentido da dignidade e justiça”, assevera José Eduardo Goulart. 29

1.2. Síntese histórica

A reação ao agressor no passado não só era ilimitada, mas também se voltava contra a família ou seu grupo social, principalmente nos crimes contra o soberano ou o Estado, narra o autor Warley Belo.^30

O autor demonstra que a justiça penal previa esse prolongamento da pena para além do criminoso muito em função da vingança, crueldade e ameaça aterrorizante de punição. Havia penas inclusive "para além da vida" como mecanismo de coagir a população. Entendiam o castigo do delinquente muito em função de intimidar os não-delinquentes (prevenção geral negativa e positiva).^31

José Afonso da Silva relata que “era de costume no direito penal autoritário a extensão de algum efeito da pena aos membros da família do condenado, (...) as Ordenações Filipinas eram repletas de disposições penais extensivas para além do criminoso.”^32

Belo dispõe que a pena atingia a descendência do criminoso como uma maldição, uma mística, ao ponto de se proibirem sepultamentos, ou mesmo exumações para, mesmo estando morto, o condenado, enforcá-lo. Também não foram raros os cadáveres de condenados que atravessaram mares para cumprirem pena de banimento ou mesmo interrogados, ainda depois da morte. Pretendia-se, com isso, atingir a memória, os bens, o

(^27) BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1993. p. 79. (^28) BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1990, p. 104. (^29) GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito de execução penal. São Paulo: RT, 1994. p. 96. (^30) BELO, Warley_. Tratado dos princípios penais: volume I._ Florianópolis: Bookess Editora, 2012. p. 158. (^31) Idem, p. 159. (^32) SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 143.

nome e a família do condenado, todos infamados pelo delito.^33

Luiz Vicente Cernicchiaro lembra que no período da vingança privada, além de a reação do ofendido restar ao seu arbítrio, nenhuma limitação era reconhecida. Narra o autor:

“Essa realidade somente se modificou com o talião e a composição, esta grandemente aplicada no Direito Germânico. A vindita era coletiva, grupal. Tanto por parte do grupo a que pertencia a vítima, como dirigida ao grupo do ofensor. A tribo e o clã sofriam a represália. Entendia-se que a agressão de alguém representava a animosidade de sua grei [sic] contra a do ofendido.”^34

Já no período da vingança pública, alega o autor que a reação do agressor se torna politicamente organizada. Sendo assim, a resposta ilimitada e individualmente definida cede passo à centralização do poder de punir no Estado. Gradativamente, manifesta-se a intenção de afastar a generalização quanto às pessoas, de forma com que o castigo centralize-se apenas no agressor.^35

Belo expõe que é característica do Estado de polícia responsabilizar todos aqueles que têm contato com o infrator quer porque não o denunciaram, quer porque o defenderam, quer porque simplesmente se supõe a família do culpado perigosa. Prossegue o autor:

“Pretende-se implantar o terror para se combater a criminalidade como o fizeram no passado sob os auspícios dos inquisidores ou do totalitarismo que chegou a erguer estátua ao garoto Pavlik Morozov por ter denunciado à polícia secreta de Stalin o próprio pai como traidor dos ideais socialistas e "inimigo do povo". Pavlik transformou-se em símbolo na U.R.S.S.. Os familiares que não denunciavam os filhos, os pais ou netos mereciam punição criminal por tal ingerência.”^36 O princípio da responsabilidade pessoal representa lenta e penosa conquista política. Cernicchiaro declara que esse princípio é outra conquista do Direito Penal liberal e que acompanha as suas etapas de evolução.^37

Com a evolução conceitual da pena principalmente no século XVIII, passou-se a procurar "emendar" o criminoso na busca de uma defesa social mais eficaz, relata Warley

(^33) BELO, Warley. Tratado dos princípios penais: volume I. Florianópolis: Bookess Editora, 2012. p. 159 (^34) CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR, Paulo José. Direito penal na constituição. São Paulo: RT, 1995. p. 90. 35 36 Idem. 37 BELO, Warley.^ Tratado dos princípios penais: volume^ I. Florianópolis: Bookess Editora, 2012. p. 152. CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR, Paulo José. Direito penal na constituição. São Paulo: RT, 1995. p. 89.