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Aplicação de instrumento para o diagnóstico dos fatores de risco psicossociais nas organizações
Tipologia: Esquemas
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Rev Bras Med Trab. 2017;15(1):63-
Recebido: 26/10/ Aceito: 30/01/ Fonte de financiamento: nenhuma
RESUMO | Contexto: Os fatores psicossociais no trabalho podem desencadear estresse laboral, sofrimento psíquico e transtornos mentais. Entre os instrumentos validados, o Health Safety Executive - Management Standard (HSE-MS) tem sido utilizado na União Europeia no diagnóstico e na intervenção primária desses fatores. Objetivos: Aplicar o método desenvolvido pelo HSE-MS para o diagnóstico do estresse laboral nas organizações. Métodos: O estudo utilizou o método misto preconizado pelo HSE, com aplicação do questionário Health Safety Executive - Indicator Tool (HSE-IT) seguido de um aprofundamento com grupos focais. A pesquisa foi realizada em uma amostra aleatória de 2.284 trabalhadores dos segmentos de call center , hospitais, bancos, unidades básicas de saúde e indústrias. Resultados: A falta de controle/autonomia no trabalho e a falta de reconhecimento foram as principais causas de estresse no trabalho entre os sujeitos pesquisados. Conclusões: O método do HSE pode ser considerado válido nesse tipo de investigação porque consegue se adaptar a qualquer país ou contexto organizacional, com o objetivo de diagnosticar os principais aspectos psicos- sociais desencadeantes de estresse nas diferentes organizações. Palavras-chave | impacto psicossocial; estresse ocupacional; saúde mental; inquéritos e questionários.
ABSTRACT | Background: Psychosocial factors at work might trigger stress in the job and mental problems and disorders. Among validated tools, the Health Safety Executive - Management Standard (HSE-MS) has been used in the European Union for the purpose of diagnosis and to develop primary interventions addressing those factors. Aims: To apply the method developed in HSE-MS to diagnose work-related stress in organizations. Methods: The study used the mixed method recommended in HSE, including appli- cation of Health Safety Executive - Indicator Tool (HSE-IT) followed by focus groups. The study was conducted with a random sample of 2,248 employees from a call center, hospitals, banks, Basic Health Units and manufacturing companies. Results: Lack of control/ autonomy and of recognition in the workplace were the main causes of work-related stress in the analyzed sample. Conclusions: The HSE method might be considered valid for this type of study, because it might be adapted to any country or organization setting to diagnose the main psychosocial factors of stress in different organizations. Keywords | psychosocial impact; burnout, professional; mental health; surveys and questionnaires.
Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil. (^1) Área de Saúde do Trabalhador, Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil. (^2) Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp – Campinas (SP), Brasil. DOI: 10.5327/Z
Lucca SR, Sobral RC
Rev Bras Med Trab. 2017;15(1):63-
INTRODUÇÃO
Desde 1984, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) eviden- ciam a importância dos fatores psicossociais e sua influência no desencadeamento do estresse relacionado ao trabalho. De acordo com a OIT^1 , os fatores psicossociais se cons- tituem, por um lado, em interações entre o conteúdo do trabalho e condições ambientais e organizacionais e, por outro, nas competências e necessidades dos trabalhadores. Os aspectos psicossociais no trabalho têm assumido relevância no mundo profissional em mudança, e foram apontados como os principais riscos emergentes nos países da União Europeia 2. Entre as doenças desencadeadas pelos fatores de risco psicossociais são relatadas na literatura a asso- ciação dos fatores psicossociais e doenças cardiovasculares3,4. No Brasil, os fatores psicossociais e o estresse laboral contribuem para a ocorrência de doenças cardiovasculares, em especial a hipertensão arterial 5 , os transtornos mentais relacionados ao trabalho (TMRT) 6 , os distúrbios osteo- musculares relacionadas ao trabalho (DORT) e parte dos acidentes de trabalho típicos. A globalização e o desenvolvimento tecnológico têm refletido em mudanças significativas no conteúdo e na natureza do trabalho, com exigências crescentes de quali- ficação e disponibilidade, o que reflete negativamente na conciliação entre vida social e profissional. Seligmann- Silva^7 destaca a influência dos contextos macroeconômicos nas organizações, com reflexos diretos na empregabilidade, modelos de gestão e relações laborais estabelecidas e nas condições de trabalho nas empresas e qualidade de vida dos trabalhadores, em uma dinâmica indissociável. Kompier e Kristensen^8 apontam que as intervenções no nível das empresas podem ser primárias (redução de estres- sores), secundárias (redução de estresse percebido pelo indivíduo e suas estratégias de enfrentamento – coping , ou de sinais de adoecimento) e terciárias (redução das conse- quências de longo prazo do estresse laboral e a reinserção dos trabalhadores adoecidos). Os autores constataram que a predominância de pesquisas nesse campo ocorre no nível individual, e costumam ser dos tipos secundário e terciário. É crescente, na literatura científica, o número de estudos sobre o impacto negativo dos fatores psicossociais no desen- cadeamento do estresse ocupacional na saúde e bem-estar dos trabalhadores. De acordo com Fischer^9 , nas duas últimas
décadas, pesquisas sobre fatores psicossociais de risco no ambiente profissional têm produzido um grande corpo de pesquisa empírica e teórica. De acordo com a autora, o modelo “demanda e controle” de Karasek Jr. 10 e o modelo “desequilíbrio esforço recompensa” de Siegrist^11 são os instru- mentos mais utilizados pelos pesquisadores na avaliação dos fatores psicossociais, da organização do trabalho e relacio- nados com o estresse ocupacional. A maioria dos instrumentos para avaliar fatores psicosso- ciais e estresse laboral procura medir a percepção dos trabalha- dores por meio de avaliações quantitativas, cujas questões são formuladas a partir das dimensões psicossociais e estressores primários da organização de trabalho e assinaladas em ques- tionário de autorrelato pelos trabalhadores, em uma escala do tipo Likert. Destaca-se neste artigo a ferramenta indica- dora dos fatores psicossociais desencadeantes de estresse no trabalho, desenvolvida pelo Health Safety Executive - Indicator Tool (HSE-IT)^12 , que atua no nível primário de intervenção. Este trabalho tem por objetivo apresentar a aplicação de um instrumento inédito no Brasil que utiliza um método misto (qualiquantitativo) para identificação e diagnóstico dos principais componentes psicossociais que podem ser consi- derados fatores primários de estresse laboral, no contexto organizacional de cinco segmentos de atividade econômica.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, que adotou um método misto de pesquisa, mediante a combinação de abordagens quantitativa e qualitativa na investigação, tanto na coleta quanto na análise de dados, caracterizando-se pelo desenho explanatório sequencial^13. O presente estudo consiste da aplicação transversal de um questionário quantitativo, denominado HSE-IT, para identificação de sete fatores psicossociais que, segundo a percepção dos trabalhadores, podem desencadear estresse e; uma segunda etapa qualitativa com grupos focais (GF) para aprofundamento e complementação dos aspectos não avaliados na primeira etapa e que poderão emergir como categorias relevantes no desencadeamento de estresse e sofrimento psíquico. A pesquisa de campo, realizada entre 2013 e 2014, foi desenvolvida em cinco tipos de organizações com distintos ramos de atividade econômica: call centers, hospitais,
Lucca SR, Sobral RC
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mudanças na organização e cargo) e os outros aspectos, que não apareceram na etapa de avaliação quantitativa e foram considerados relevantes pelos participantes e apontados pelos grupos como desencadeantes de estresse. Em todos os grupos focais foram realizados os mesmos proce- dimentos: no primeiro dia das sessões, os pesquisadores se iden- tificavam e informavam o propósito da pesquisa de forma simples e clara, ocasião em que também era assegurado o anonimato dos participantes. Todos os participantes dos grupos aceitaram parti- cipar da segunda etapa da pesquisa e, como na primeira etapa,
após a leitura foi solicitada a assinatura do TCLE. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e aprovado sob o parecer nº 783.058.
RESULTADOS
O perfil dos participantes está descrito na Tabela 1. Com exceção da indústria, houve predominância da população feminina em todos
Quadro 1. Distribuição das 35 questões nas respectivas dimensões do questionário Health Safety Executive - Indicator Tool.
Dimensões Itens Avaliação
Demandas
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Controle
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Apoio da chefia
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Apoio dos colegas
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Relacionamentos
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Cargo
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
Comunicação e mudanças
(0) Nunca (1) Raramente (2) Às vezes (3) Frequentemente (4) Sempre
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Diagnóstico dos fatores psicossociais
os setores de serviços. A maioria dos trabalhadores tem entre 26 e 36 anos de idade; o tempo de trabalho foi muito variável, conforme o segmento pesquisado, maior entre as agentes comunitárias de saúde e menor entre os teleatendentes ( call center ). Com relação aos fatores psicossociais e da organização do trabalho, foram assinaladas as principais dimensões dos fatores de estresse no trabalho, segundo a percepção desses trabalhadores. Novas dimensões ou categorias que não constavam daquelas pesquisadas no HSE-IT também foram consideradas como estressores ocupacionais pelos partici- pantes dos grupos focais. A Tabela 2 descreve as principais dimensões de estresse laboral do questionário do HSE e GF. Na percepção dos trabalhadores durante as sessões nos GF, a falta de controle/autonomia sobre as atividades de trabalho se destacou como principal dimensão de estresse no trabalho, com exceção dos agentes comunitários de saúde, grupo no qual aparece como terceira causa. Nas atividades com GF, a falta de reconhecimento e de plano de carreira e promoção emergiram
como importantes categorias de análise, fonte de estresse e poten- cial desencadeador de sofrimento entre os sujeitos pesquisados. As narrativas dos GF descritas a seguir ilustram a falta de reconhecimento e plano de carreira como fonte de estresse entre os sujeitos pesquisados. Já na primeira sessão com o GF com os atendentes de call center , os participantes sugeriram a discussão sobre a falta de transparência nos critérios de promoção na carreira e reco- nhecimento. Segundo a política da empresa, os critérios de ascensão na carreira estão vinculados ao cumprimento de metas e aos parâmetros de qualidade, assiduidade e produ- tividade das respectivas modalidades de negócio.
A empresa tinha que rever a forma de tratamento (...) Tem muita competição, promoção de pessoas mais próximas dos supervisores e gerentes (...) (Atendente 1)
Tabela 1. Perfil biossocial e ocupacional dos participantes do estudo sobre o diagnóstico dos fatores psicossociais desencadeantes de estresse laboral.
Setor Participantes Homens Mulheres (^) (média)Idade Tempo de empresa(média) Call center 371 86 285 26 2, Hospital 281 238 43 35 4, Bancos 240 124 116 36 7,2* e 5,8** Unidade Básica de Saúde 168 123 45 32 12, Indústria 1124 942 182 31 5, *Bancos públicos; **bancos privados.
Tabela 2. Principais dimensões de estresse laboral do questionário do Health Safety Executive e grupos focais, segundo catego- ria profissional e ramo de atividade econômica.
Atividade econômica (^) profissionalCategoria
Dimensões do HSE-IT: Health Safety Executive - Indicator Tool
Fator de estresse (%) Grupos focais
Call center (^) teleatendimentoOperadores de
Controle/autonomia Comunicação Apoio da chefia
63, 52, 40,
Reconhecimento Plano de carreira
Bancos Bancários de agências
Controle/autonomia Demandas Relacionamentos
42, 41, 39,
Não avaliado
Hospital público Enfermagem
Controle/autonomia Comunicação Apoio da chefia
36, 23, 20,
Reconhecimento Certificação
Unidades Básicas de Saúde
Agentes comunitários de saúde
Relacionamentos Comunicação Controle/autonomia
21, 20, 19,
Reconhecimento Violência
Indústria alimentícia
Operadores de produção
Controle/autonomia Comunicação Apoio da chefia
48, 28, 23,
Plano de carreira Turno fixo 6 por 1
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Diagnóstico dos fatores psicossociais
que algumas características são intrínsecas do processo de trabalho e modo de gestão do segmento analisado. As atividades de trabalho dos bancários, da categoria de enfermagem e agentes comunitários de saúde se caracterizam pelo atendimento direto aos usuários desses serviços e, no caso do teleatendentes, o atendimento é virtual e intenso. Nesse sentido, as características próprias da intersubjetividade com os usuários podem desencadear graus variáveis em intensidade e carga de trabalho (física e psíquica) e maior ou menor sofri- mento psíquico, dependendo da autonomia e do controle das atividades dos profissionais. Os processos de gestão no trabalho, peculiares das respectivas organizações, podem desencadear sofrimento ou adoecimento, na medida que são impedidos ou não de agirem e, como resultado, poderá minimizar ou potencia- lizar a dimensão do estresse percebido pelos trabalhadores18-20. Também devem ser considerados, nos aspectos psicos- sociais relacionados à organização do trabalho, os modelos de gestão das organizações selecionadas para o estudo. O call center representa um modelo neotaylorista de gestão; no setor saúde são relevantes os aspectos de intersubjetivi- dade intrínsecos nas ações de cuidado; no setor financeiro, onde os bancários foram transformados em vendedores de produtos, sobrevém uma gestão coercitiva de produtividade e metas; e o setor da indústria, representado pelo segmento industrial do ramo alimentício, possui um modelo de gestão ambíguo, porque a empresa detém certificados de quali- dade dos seus produtos e processos, mas mantém linhas de produção e um modelo de gestão do tipo taylorista. O modelo de gestão adotado pelas respectivas organi- zações, com ênfase na intensificação do ritmo de trabalho, contribui para a percepção dos trabalhadores em relação à falta de controle/autonomia, à medida que são impedidos de exercerem a subjetividade e a criatividade com certo grau de liberdade para execução das atividades de trabalho^20. Na empresa de telemarketing se misturam controle e disciplina, através do uso de tecnologias sofisticadas, como principal elemento de cerceamento à liberdade e subjetivi- dade dos trabalhadores. Segundo os participantes, há pouco poder de controle e decisão sobre o próprio ritmo de trabalho, visto serem submetidos à rigidez do trabalho prescrito através do script que padroniza o atendimento e controla o afeto e as reações espontâneas^21. Exige-se uma comunicação eficaz; entretanto, há dificuldade de interação cliente-atendente devido à impossibilidade de utilização de gestos e expressões faciais e da imposição de tempo e conteúdo. Essas características
contribuem para a ineficácia do processo de comunicação e podem aprisionar emoções e subjetividade dos atendentes. Há pressão da empresa para que os atendentes obedeçam aos critérios de qualidade: tempo de chamada, grau de resoluti- vidade e obediência na padronização das respostas^22. Na instituição hospitalar, os profissionais de enfermagem identificaram, na avaliação quantitativa, a elevada demanda de trabalho e a ausência de autonomia como principais fatores de estresse laboral. O hospital possui a certificação canadense de excelência dos serviços prestados aos usuários; entretanto, o processo administrativo é visto pelos profissionais, nos GF, como uma sobrecarga adicional para a enfermagem e como impeditivo da assistência. Os profissionais de enfermagem esperam que o hospital ofereça estrutura adequada quanto aos equipamentos e à tecnologia, e que possam adequar os seus recursos humanos para a execução do trabalho bem feito. Os bancários, das agências de bancos públicos e privados apontaram as dimensões controle , demandas e relacionamentos como principais fatores de estresse. Diversos aspectos identifi- cados no presente estudo estão relacionados diretamente às três dimensões, tais como a pressão por metas cada vez mais desa- fiadoras, acúmulo de funções, cobrança para vender produtos de natureza duvidosa, na opinião dos bancários, e preocupação com as avaliações da chefia e medo de perder o emprego. Os fatores psicossociais apontados pelos bancários também foram relatados na literatura nacional23,24^ e inter- nacional^25 como os mais frequentemente identificados em trabalhadores do setor financeiro como estressores ocupa- cionais. A protocolização do trabalho bancário, a cobrança de alto grau de polivalência, a perfeição no desempenho e a intensa pressão temporal são reconhecidas como propiciadoras de sobrecarga mental e competitividade^26. Essa situação reflete também nos quase 40% de trabalhadores que avaliaram como ruim a situação nos relacionamentos interpessoais. Para os ACS, a falta de reconhecimento e a violência, marcada pelas condições de vida do território em que moram e atuam, são percebidas como principais geradoras de estresse. Os ACS têm que lidar com algumas competências e atividades que não lhes são inerentes, e a necessidade de colaborar para a resolução de problemas comunitários ocasiona sobrecarga e conflito pela impossibilidade de resolver algumas demandas. Algumas carên- cias nos serviços de saúde são fatores que causam sofrimento no trabalho dos agentes, com destaque para a falta de resoluti- vidade dos serviços, as constantes mudanças dos membros da equipe de saúde e a descontinuidade de projetos^27.
Lucca SR, Sobral RC
Rev Bras Med Trab. 2017;15(1):63-
Na indústria alimentícia, a falta de autonomia e de comu- nicação foram os principais fatores desencadeantes de estresse entre os operadores da produção. Os operadores relatam que “na linha não pensam no trabalho, que vai tudo no automático” , porque não existe grau de autonomia. Já os operadores de máquinas diferenciam os aspectos de sobrecarga física e mental nos dois tipos de trabalho, e relataram que, na máquina, “a concentração e atenção consomem a mente e não o corpo” ; alem disso, um funcio- nário disse: “a parada de máquina causa muito estresse na gente” , referindo-se às interrupções das máquinas automáticas. A carga de trabalho representa o conjunto de esforços inves- tidos de modo a atender às exigências das tarefas, conceito que abrange os esforços físicos, cognitivos e emocionais e representa o conjunto de esforços desenvolvidos para atender às exigên- cias das tarefas, que podem gerar desgaste físico e mental, e sua natureza biopsicossocial e cumulativa^7. A falta de autonomia do sujeito para agir nas situações do trabalho real, inclusive quando precisa confrontar a própria orga- nização e os colegas, também gera sofrimento psíquico^28. Nas situações em que predominam atividades sem sentido ou de baixo valor cognitivo, estranhas, dessubjetivantes ou, ainda, alienantes, o sofrimento psíquico poderá dar lugar aos transtornos mentais29,30. A comunicação deficiente aparece como importante dimensão em todos os setores e organizações pesquisadas. O poder e a luta pelo poder estão na base da regulação dos atos sociais, tanto no interior como no exterior de uma organização. Nesse sentido, o processo de comunicação de gestores se restringe à informação objetiva e direcionada à execução do trabalho ou da produção. Ao invés disso, deveria levar em conta o conteúdo da informação, a receptividade e a possibilidade de argumentação de quem recebe a informação^19. Segundo as narrativas dos operadores da indústria, o turno fixo de seis dias trabalhados com uma folga semanal (6 por 1) aos domingos desencadeia muita insatisfação no contexto do trabalho e fora dele, à medida que interfere na vida social e familiar. Apontaram ainda como injustos os critérios de plano de carreira adotados, que impedem a promoção de operadores que sofreram acidentes de trabalho, tiraram licenças trabalhistas (maternidade, benefício previdenciário de auxílio doença, etc.) ou tiveram faltas (ainda que justificadas). Na avaliação de desem- penho, o aspecto mais importante é o item sobre o comporta- mento, uma vez que a empresa adota um critério próprio a partir de uma média em relação às faltas, segurança do trabalho e de retrabalho para o estabelecimento de metas. Avaliar o desempenho no trabalho implica poder explicitar o trabalho concreto. Na falta de discussão sobre o trabalho real
e de se considerar o envolvimento da subjetividade que ele pressupõe (sabedoria prática e dinâmica do reconhecimento), a avaliação objetiva e quantitativa impõe uma negação à reali- dade do trabalho^31. Para a organização pesquisada, a avaliação de desempenho é um instrumento de gestão disciplinador e coercitivo; no entanto, quando individualizada ou mal utilizada, contribui para o sentimento de injustiça e interfere na coope- ração entre os colegas de trabalho^31. As narrativas dos sujeitos nos grupos focais expressaram sentimentos de não serem recompensados adequadamente em relação ao esforço despendido. O efeito adverso, perce- bido pelos trabalhadores sobre sua saúde como relação variável psicossocial relacionada ao trabalho, constitui um “desequilíbrio esforço-recompensa”^11. A falta de reconhecimento sobre o trabalho, verbalizado pelos atendentes, enfermeiros e ACS, e a ausência de um plano de carreira para atendentes e operadores da indústria corroboram o sentimento de injustiça e de não serem recompensados pelo trabalho realizado. A falta de feedback e de reconhecimento pode desencadear sofrimento nos trabalhadores e vir a ser o prenúncio de adoecimento psíquico^29. O trabalho que faz sentido é aquele que emancipa e que possibilita crescimento e desenvolvimento daquele que o realiza. Nesse aspecto, as organizações e suas formas de gestão têm um papel importante de possibilitar ou impedir que o trabalho faça sentido para as pessoas que o realizam. O impedimento de fazê-lo bem feito poderá desencadear sofrimento psíquico e adoeci- mento aos trabalhadores^20. Nesses casos, o confronto entre as expectativas e os desejos dos trabalhadores que possuem uma história de vida e de trabalho particular e o impedimento, por parte da organização do trabalho, de exercer a subjetividade por meio da sublimação poderá desencadear sofrimento psíquico7,28.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo utilizou um método misto de investigação e os resultados apontaram as principais dimensões de estresse no trabalho entre os sujeitos pesquisados; na avaliação quantitativa, a falta de controle/autonomia sobre as atividades de trabalho e, na avaliação qualitativa, a falta de reconhecimento e de um plano de carreira. O método do HSE-MS-IT pode ser considerado válido para esse tipo de investigação porque pressupõe a utilização de uma avaliação mista que consegue se adaptar a qualquer contexto organizacional e não o oposto. Entretanto, reconhecem-se as
Lucca SR, Sobral RC
Rev Bras Med Trab. 2017;15(1):63-
Endereço para correspondência: Sergio Roberto de Lucca – Rua Vital Brasil, 100, Area de saúde do trabalhador, Prédio Cipoi – Cidade universitária Zeferino Vaz – Barão Geraldo - CEP: 13083-888 – Campinas (SP), Brasil – Email: slucca@fcm.unicamp.br
A pedido dos autores, posteriormente à publicação do artigo “Aplicação de instrumento para o diagnóstico dos fatores de risco psicossociais nas organizações”, DOI: 10.5327/Z1679443520176045, publicado no periódico Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, 15(1): 63-72, nas páginas 63, 64, 66, 68, 70 e 72, foi incluído o nome de Renata Cristina Sobral.
Onde se lia: Sergio Roberto de Lucca^1 (^1) Professor Associado da Área de Saúde do Trabalhador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp – Campinas (SP), Brasil.
Leia-se: Sergio Roberto de Lucca 1 , Renata Cristina Sobral^2 (^1) Área de Saúde do Trabalhador, Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP), Brasil. (^2) Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Faculdade de Ciências Médicas, Unicamp – Campinas (SP), Brasil.
DOI: 10.5327/Z1679443500000162erratum