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Guias e Dicas
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Menstruação e Corpo Feminino: A Supressão como Opção de Contracepção, Notas de aula de Cultura

Este documento discute a questão da menstruação e do corpo feminino, explorando a possibilidade da supressão menstrual como uma opção de contracepção. O texto aborda as perspectivas médicas e sociais sobre a menstruação, a contracepção hormonal e a relação entre ciência e sociedade.

O que você vai aprender

  • Por que algumas mulheres desejam suprimir a menstruação?
  • Quais são as principais preocupações dos médicos sobre a supressão menstrual?
  • Como as mulheres reagem à ausência da menstruação?
  • Quais são as implicações sociais e culturais da supressão menstrual?
  • Quais são as principais questões relacionadas à menstruação e contracepção hormonal discutidas no documento?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Michelle87
Michelle87 🇧🇷

4.7

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Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Monografia em Ciências Sociais
Bacharelado em Antropologia
MENSTRUAÇÃO E CORPO FEMININO
UMA DISCUSSÃO SOBRE ALGUNS DOS EMBATES ENTRE NATUREZA E CULTURA
JANEIRO, 2001
DANIELA TONELLI MANICA PROFa. MARIA SUELY KOFES
R.A. 950417 ORIENTADORA
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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Monografia em Ciências Sociais

Bacharelado em Antropologia

MENSTRUAÇÃO E CORPO FEMININO

UMA DISCUSSÃO SOBRE ALGUNS DOS EMBATES ENTRE NATUREZA E CULTURA

JANEIRO, 2001

DANIELA TONELLI MANICA PROFa. MARIA SUELY KOFES

R.A. 950417 ORIENTADORA

SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO......................................................................................
    • 1.1. A Pesquisa..............................................................................
    1. MENSTRUAÇÃO: NOÇÕES.................................................................
    • 2.1. Definições das Mulheres.........................................................
    • 2.2. Definições dos/as Médicos/as................................................
    • 2.3. Não Menstruar.......................................................................
      • 2.3.1. Não Menstruar: a diferença ..................................
      • 2.3.2. Classificações........................................................
      • 2.3.3 Menopausa.............................................................
    1. CONTRACEPÇÃO.................................................................................
    • 3.1. Mulheres e Contracepção Hormonal......................................
    • 3.2. Ginecologistas e Contracepção...............................................
    1. SUPRESSÃO DA MENSTRUAÇÃO....................................................
    • 4.1. Mulheres e Supressão da Menstruação....................................
    • 4.2. Ginecologistas e Supressão da Menstruação...........................
    • 4.3. A Endocepção e a Supressão da Menstruação.........................
    1. RELAÇÃO MÉDICOS/AS GINECOLOGISTAS E PACIENTES..........
    • 5.1. Noções e Pressupostos da Ginecologia.....................................
    • 5.2. Ginecologia e Sexualidade........................................................
    • 5.3. Medicina – Médicos – Pacientes...............................................
    • 5.4. Neutralidade...............................................................................
    • 5.5. Pacientes? ..................................................................................
  • ANEXO I .......................................................................................................
  • ANEXO II - FRENTE.....................................................................................
  • ANEXO II – VERSO .....................................................................................
    1. BIBLIOGRAFIA.........................................................................................

e sim social. Para este médico e autor do livro Menstruação, a sangria inútil^1 , em um hipotético estado de natureza , as mulheres estariam constantemente expostas à ação reprodutora dos machos, passando simultaneamente pelas fases de gestação e amamentação, sem, portanto, menstruarem tanto. A adoção de métodos contraceptivos, freqüente atualmente, contribuiria para aumentar a ocorrência da menstruação. Dessa forma, segundo ele, a menstruação não pode ser entendida como natural , e sim como conseqüência de uma estratégia cultural de controle do processo de procriação.^2

Em seu livro, Dr. Elsimar Coutinho procura demonstrar como concepções sobre a menstruação se consolidaram historicamente: a menstruação foi sendo entendida como um processo natural de limpeza e purificação, que inspirou, inclusive, até o século XIX, a prática da sangria, amplamente utilizada pelos médicos no tratamento de doentes (e de qualquer doença, segundo o autor). Mais do que isso, o autor procura esclarecer ao leitor o que é a menstruação e desmistificar o seu papel purificador, argumentando que as doenças catameniais , ou seja, doenças relacionadas à menstruação, são numerosas e indesejáveis para muitas mulheres.^3 Para defender-se do argumento de que a menstruação seria um processo natural do organismo feminino, o autor recorre à explicação de que no estado de natureza as mulheres não menstruariam , e que:

Somente quando o homem começou a se organizar socialmente é que surgiram as condições que deram à mulher a oportunidade e os meios de sobreviver sem ser alvo da ação reprodutora dos homens.^4

(^12) COUTINHO, Elsimar – Menstruação, a sangria inútil. São Paulo, Ed. Gente, 1996. Procriação e Bioética,As implicações do uso do termo in : Cadernos Pagu^ reprodução No.10, 1998, p.55. Considerando que não se trata de^ são discutidas por: OLIVEIRA, Fátima - Biotecnologias de reproduzir o ser humano porque o feto é uma (^3) COUTINHO, Elsimar – op. cit. p. 150. terceira pessoa , optei por utilizar o termo procriação. (^4) COUTINHO, Elsimar – op. cit. p. 18. (grifo meu)

Suprimir a menstruação seria uma maneira de reduzir os incômodos que ela provoca a (algumas) mulheres, e que, segundo Dr. Coutinho, não alteraria o natural porque menstruar não é natural.

Como podemos ver, portanto, em torno da questão menstruar ou não menstruar? , debate-se outra: natural ou cultural?

Essa discussão sobre a supressão da menstruação , além de revelar noções relacionadas à menstruação, abre um campo de discussões sobre o uso das tecnologias médico-farmacológicas sobre o corpo, tratadas atualmente em algumas discussões de gênero, natureza e cultura, e corporalidade desenvolvidas na teoria antropológica.

A questão da reprodução , por exemplo, e das novas técnicas reprodutivas (NTRs), têm sido trabalhadas por algumas antropólogas, e têm trazido discussões importantes para a questão do parentesco, em que cabem as discussões sobre natural/biológico e cultural/artificial. Strathern, por exemplo, discute a implicação das NTRs para o pensamento sobre parentesco e a conexão deste com os fatos naturais da vida. Segundo a autora, no pensamento inglês (ou euro-americano), as relações naturais , como as do parentesco, são entendidas como imutáveis, intrínsecas, essenciais.^5 O parentesco é o arranjo social baseado no processo de reprodução biológica. Estas relações são postas em questão com as NTRs, uma vez que as relações pensadas como naturais passam a estar sob controle da cultura. Desta forma, as metáforas que antes cabiam para a diferenciação homem x máquina , cultura x natureza , precisam ser reformuladas.

Europeans can look to future kinship to provide them neither with metaphors for the natural givens of human existence nor with metaphors for regeneration through the spontaneous effects of procreation.^6

(^5) STRATHERN, Marylin – Reproducing the Future – Essays on Anthropology, Kinship, and the New Reproductive Technologies. (^6) STRATHERN, Marylin – op. cit. p.61. Manchester, Manchester University Press, 1992. p.34.

disputa de poder que busca relegar a mulher a um status natural, privado de sua identidade social.^10

Sherry Ortner atribui como causa para a subordinação universal das mulheres a universalidade da capacidade reprodutiva ou procriadora da mulher, ou a associação das mulheres ao domínio da natureza, presente em todas as culturas, em função de sua capacidade de gerar filhos.^11 A fragilidade desta análise está, para Strathern, na atribuição da universalidade da relação natureza e cultura como fixas, de significado único e central para cada cultura. O caso Hagen é uma exceção e um exemplo para a crítica, já que, tanto a relação mbo (doméstico) e romi (selvagem), como a forma pela qual os Hagenianos entendem gênero não operam com os termos natureza e cultura.^12 Não somente a dicotomia natureza x cultura , quando operante, apresenta-se através de uma matriz de contrastes, que é variável em cada contexto, como também a tensão entre os domínios aos quais estas dicotomias podem se referir são diferentes:

Mbo and romi are in an antithetical rather than a hierarquical, processual relationship. The domestic domain is not seen as colonizing the wild; the development of social consciousness in persons is not represented as culture transcending nature.^13 O que se coloca em questão, portanto, no trabalho de Strathern, não é a utilização das dicotomias homem x mulher ou cultura x natureza , mas a determinação, a apropriação de uma sobre outra, e a conseqüente relação de dominação e

STRATHERN, Marylin - No nature, no culture: the Hagen case, in: MacCORMACK, Carol and STRATHERN,Marylin (eds.) – op. cit. p. 181. (^10) STRATHERN, Marylin - No nature, no culture: the Hagen case, in: MacCORMACK, Carol and STRATHERN, Marylin (eds.) – op. cit. p.179,180. (^11) ORTNER, Sherry – Está a mulher para o homem assim como a natureza para a cultura? In: ROSALDO, M. Z. e LAMPHERE, L. (orgs.) – (^12) Similar to the domestic-wild distincton, physiological differences constitutive of the person are regarded as A Mulher, A Cultura e A Sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. innate and axiomatic, not subject to human intervention. Yet, insofar as aspects of gender behavior can alsobe regarded as ‘created’ or actively sustained by individual action, certain other distinctions between male and female hold a very different epistemological status p.191.. MacCORMACK, Carol and STRATHERN, Marylin – op. cit.

subordinação. Portanto, é importante perceber como natureza e cultura estão relacionadas em determinado contexto, e se essa relação envolve uma tensão e a atribuição de hierarquias ao natural ou cultural.

Através dos argumentos desenvolvidos por Dr. Elsimar Coutinho para defender a supressão da menstruação , percebe-se não somente que este debate está fundamentado numa discussão sobre o biológico e o cultural , mas que a definição dos domínios a que essas categorias dizem respeito apresentam-se de formas variadas. Ao atribuir a menstruação ao domínio do cultural , o autor quer definí-la como desnecessária, suprimível, contrariando a idéia corrente de que a menstruação é uma manifestação natural do corpo feminino, necessária e salutar. A alteração no funcionamento da menstruação, se esta for pensada enquanto natural, poderia ser entendida como uma (indesejável) ação humana ( cultural, artificial ) sobre o corpo ( natural ou divino, universal ). Dessa forma, o que está em questão também é o uso das técnicas médico-farmacológicas , especificamente das técnicas de contracepção hormonal e de supressão da menstruação.

Nesta pesquisa procuramos levantar as concepções sobre menstruação e corporalidade presentes nas falas de ginecologistas e de pacientes, observando de que forma esses discursos relacionam as idéias de natural e cultural (bem como de suas variações, como biológico e social ou artificial ). Além disso, através da menstruação fala- se de feminilidade, fertilidade, maternidade, e faixas etárias convencionadas. O objetivo dessa pesquisa é pensar essas questões tendo em vista o debate sobre a supressão da menstruação.

Para tanto, será necessário tratar não somente da questão da supressão da menstruação, mas problematizar toda a esfera social através da qual essa discussão

(^13) MacCORMACK, Carol and STRATHERN, Marylin (eds.) – op. cit. p.218.

questões teóricas centrais, a saber, o debate sobre as dicotomias natureza e cultura e a implicação dessas categorias na forma de pensar gênero e corporalidade.

Além das entrevistas, foram coletados materiais informativos da indústria farmacêutica que se encontram disponíveis para as pacientes na sala de espera do consultório e na sala do ginecologista. Através de folhetos, encartes e folders distribuídos pela indústria farmacêutica, algumas informações sobre corporalidade e questões de saúde feminina – do ponto de vista do discurso médico – são transmitidas para as mulheres. Estes materiais divulgam, ao mesmo tempo, os medicamentos comercializados pela indústria farmacêutica.

Alguns programas de televisão foram também gravados em vídeo e considerados como parte do campo de discussão da medicina. Um deles é uma entrevista dada por Dr. Elsimar Coutinho, cuja importância para o debate da supressão da menstruação já foi ressaltada, à TV Senado. As outras gravações são do programa Saúde Feminina , transmitido pela TV Mulher, em que médicos falam sobre questões variadas da saúde feminina. O objetivo em analisar esses vídeos era tentar entender o campo médico de discussão sobre corporalidade, saúde e gênero, procurando, para tanto, enfocar os pressupostos colocados nos discursos dos médicos (como a questão do natural, da procriação, e da menstruação).

Apresentamos, no capítulo seqüente a essa introdução, as noções de menstruação encontradas nas entrevistas realizadas e procuramos apontar as relações que se estabelecem entre menstruação e fertilidade, feminilidade e idade. O não-menstruar é uma forma, por inversão, de se perceber como a menstruação pode ser entendida. Dessa forma, o que foi dito sobre não-menstruação nas entrevistas contribuiu para explicitar algumas noções acerca da menstruação e suas relações.

No terceiro capítulo, o enfoque recai sobre os métodos contraceptivos hormonais , fundamentais para se entender a introdução de novas formas de vivenciar a corporalidade pelas mulheres por serem métodos que lançam mão da utilização de hormônios sintéticos, provocando uma alteração no funcionamento do organismo. Em primeiro lugar, é preciso entender o que as mulheres pensam desses métodos contraceptivos, como e porquê elas optam por eles, ou deixam de fazê-lo. Através das justificativas das opções contraceptivas feitas por algumas mulheres, podemos enxergar as concepções que elas têm acerca de seus corpos, da medicina e dos medicamentos. Em segundo lugar, a forma como a ginecologia e os médicos^15 ginecologistas pensam a hormonioterapia é de grande valia para se entender os discursos do ponto de vista daqueles que criam, testam e prescrevem (ou não) a contracepção hormonal.

A discussão sobre a contracepção hormonal culmina na possibilidade da supressão da menstruação como uma das escolhas de contracepção possíveis no mercado farmacêutico atualmente. No quarto capítulo, portanto, discutimos de que forma a supressão da menstruação é entendida pela ginecologia (pelo conhecimento médico- ginecológico), assim como pelos médicos ginecologistas e pelas mulheres entrevistadas, embora para estas a supressão ainda não pareça ser uma questão importante ou crucial

  • poucas consideram a possibilidade de ficar sem menstruar por opção.^16

As escolhas dos métodos contraceptivos são efetivadas, muitas vezes, através da consulta com o ginecologista. Desenvolvemos uma análise da relação entre ginecologistas e pacientes no quinto capítulo, levando em conta que trata-se de uma interação entre personagens sociais distintos. Esta relação envolve, por um lado, o uso de um conhecimento científico através da figura do médico e, por outro, a obtenção de um

(^15) Uso a distinção de gênero quando considero que ela seja operante, ou seja, quando há uma diferença entre médicos e médicas no contexto. Quando não houver nenhuma distinção, seguindo as regras da línguaportuguesa, uso o masculino para incluir homens e mulheres ginecologistas. (^16) Ou consideraram, até o momento e no universo pesquisado.

pressupostos que fundamentam a forma como a relação medicina-médico-paciente deveria, em tese, ser vivenciada, mas que são, como demonstraremos, colocados em questão na própria relação entre médicos e pacientes.

Finalmente, buscamos entender a participação das mulheres nesse universo, tendo como paradigma a questão da incorporação (embodiment), isto é, procurando pensar como, a partir da relação com o médico ginecologista há uma incorporação de práticas corporais e de noções relativas a corporalidade e feminilidade. Analisando o termo que define a mulher em relação ao médico: paciente – propomos um ponto de vista que considere, ao contrário, sua agência nessa relação, procurando determinar algumas de suas possibilidades de escolha no campo das técnicas médicas (entre elas a da contracepção) e quais condições estão implícitas para que essa escolha seja efetivamente possível.

(^17) Utilizo a noção de campo no sentido dado por Bourdieu, em: BOURDIEU, Pierre – O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989.

CAPÍTULO 2

MENSTRUAÇÃO: NOÇÕES

O problema inicial colocado para esta pesquisa é apreender alguns discursos sobre a menstruação. Procuramos investigar o que se diz sobre essa manifestação corporal exclusiva das mulheres. Através de entrevistas, buscamos explorar algumas definições de menstruação dadas pelas/os entrevistadas/os, procurando encontrar noções gerais que permitam pensar do que se fala quando se fala de menstruação.

Um pressuposto desta pesquisa é de que o discurso do biológico ocupa uma posição importante no contexto social considerado. Constituídas no processo histórico que envolveu o desenvolvimento das ciências nos últimos séculos, e seguindo seus paradigmas centrais, a biologia e a medicina compreendem campos de conhecimento tidos como legítimos, e os conhecimentos produzidos por elas (principalmente pela medicina) interagem com as pessoas que, através das consultas médicas, obtêm informações, indicações ou orientações a respeito de práticas corporais terapêuticas, profiláticas, preventivas ou curadoras.

Sendo assim, esta pesquisa visa entender de que forma a dimensão biológica está presente no discurso médico-ginecológico sobre as mulheres e também no discurso destas a respeito de si mesmas. Particularizando esta questão, procuramos entender como as concepções sobre menstruação operam no entendimento da categoria de gênero mulher.

As discussões de gênero produzidas nos últimos 30 anos forneceram um campo epistemológico que inspirou a delimitação das questões aqui levantadas. Essas

2.1. Definições das Mulheres

O discurso biológico da menstruação, transmitido pelo/a ginecologista, é um dos sistemas de conhecimento que fala da menstruação e das outras questões relativas a ela. Através de consultas com médicos ginecologistas algumas concepções, noções e práticas podem ser trocadas e definidas, tendo em vista uma forma específica de entendimento da menstruação e de suas relações: maternidade, sexualidade, e a corporalidade feminina. Dada a importância e legitimidade deste discurso biológico, apoiado no valor de verdade imputado ao conhecimento científico, torna-se necessário saber como estes conhecimentos estão presentes no discurso das mulheres/pacientes para que se possa problematizar a relação entre ciência e sociedade – ou melhor – entre sistemas de conhecimento diferentes, e que se possa observar a forma pela qual estes sistemas são manipulados nas relações sociais através das quais operam.^20

Assim como se deve considerar a presença do discurso biológico no entendimento da menstruação e suas relações, outras formas de conhecimento podem estar também em jogo. A interação com outras pessoas (familiares e amigas/os) é uma forma de troca de concepções sobre a menstruação e suas relações, seja em relação a conceitos ou noções que as definem, seja em relação às práticas corporais relacionadas a menstruar.

Não somente a medicina através dos médicos, mas outras dimensões da vida social fornecem informações que participam na definição de um universo de práticas, noções e conceitos. Não se pode ignorar, por exemplo, o papel dos meios de comunicação na transmissão de informações para o contexto social que analisamos: livros, revistas, televisão ou internet são meios de acesso a conceitos e noções sobre a menstruação.

(^20) Posteriormente trataremos mais claramente desta relação do ponto de vista da produção do conhecimento médico científico e da relação médico-paciente.

São fontes de conhecimentos disponíveis, nas quais inclusive o discurso médico pode aparecer como um discurso legítimo.^21 No entanto, não se pode dizer apenas a partir destas fontes quem as acessará e como estas informações serão entendidas, apropriadas ou vivenciadas. Para tanto, é necessário estudar, através das pessoas em questão – as mulheres, a influência destes vários sistemas de conhecimento possíveis e disponíveis na forma de pensar e entender, neste caso, menstruação, corporalidade e sexualidade. Embora não se possa atribuir a estes conceitos e concepções encontrados nos discursos das mulheres a dimensão social da qual são expressões, podemos identificar alguns pressupostos, coincidentes ou não às dimensões em questão.

Como as mulheres pensam e vivenciam a menstruação? A menstruação é um acontecimento que marca uma mudança de fases. A primeira menstruação confere à menina o novo status de moça. Ficar moça significa sair de uma fase infantil do ciclo de vida em direção uma fase adulta; moça é uma fase intermediária entre a menina e a mulher.^22

As noções acerca da menstruação estão relacionadas à fertilidade feminina. A menstruação é um sinal da presença e do funcionamento do útero e, portanto, da capacidade de gerar filhos. Isto, no entanto, não significa que haja uma expectativa imediata da maternidade. Moça é uma fase intermediária, ambígua e “perigosa”, em que convivem ao mesmo tempo a potencialidade da maternidade e a necessidade de se evitá- la.

(^21) Revistas e programas de televisão que têm como consultores médicos das mais variadas áreas para falar com (^22) Como aponta SARDENBERG, Cecília - De Sangrias, Tabus e Poderes: A menstruação numa perspectiva autoridade dos assuntos em pauta. sócio-antropológica, in : Revista Estudos Feministas. Rio de Janeiro, CIEC/ECO/UFRJ, Vol.2 No.2/94. p.339.

como veremos, foi muito reforçada pela medicina que se desenvolve a partir do século XVIII, e aparece como consensual para as mulheres entrevistadas.

Algumas mulheres significam a menstruação como um processo de limpeza , ou purificação. Ana^23 , por exemplo, diz: eu gosto de ficar menstruada, porque eu sinto que eu estou fazendo uma limpeza dentro de mim, que tudo que aconteceu de ruim comigo naquele mês está indo embora ali. Cristiane^24 pensa que menstruar faz bem no sentido em que afeta a parte emocional, pois com a expulsão todo mês, parece que você expulsa um monte de coisa junto, limpa o seu organismo (grifo meu). A limpeza é, ao mesmo tempo, uma limpeza do útero e uma limpeza das coisas ruins que aconteceram a essas mulheres. Dessa forma, a menstruação produz, para essas mulheres, uma sensação de limpeza corporal e mental (se é que esta distinção é relevante).

Por outro lado, a menstruação é um incômodo. A palavra incômodo , inclusive, é também usada para designar a menstruação. Todas as entrevistadas reclamam, principalmente, das cólicas menstruais, também do fluxo menstrual muito abundante, e das alterações de humor provocadas pela menstruação ou pelo período pré-menstrual. Muitas chegam a faltar no trabalho por conta das cólicas menstruais ou da TPM (tensão pré-menstrual). Embora algumas delas entendam a menstruação como esse processo de limpeza a que me referi acima, todas têm algum tipo de queixa decorrente da menstruação.

As descrições das dores e incômodos da menstruação podem, muitas vezes, referir- se a vivências ou sensações acentuadamente significadas, como quando elas dizem: eu morro de cólica , ou aquela dor horrorosa , ou ainda aquilo era um martírio. Maria fala do

(^2324) Solteira, 26 anos, católica, residente em Vinhedo (SP), professora de inglês. Cristiane tem endometriose, passou por mais de 10 anos de tratamento, em que teve que enfrentar 4Casada, 41 anos, católica, residente em Vinhedo (SP), coordenadora técnica em assistência social. laparoscopias (pequena cirurgia para tratamento da endometriose) e extrair um rim. Ao finalmente constatar aimpossibilidade de gerar, adotou Raquel, no momento da entrevista com 2 anos.

incômodo que foi, ao ficar menstruada, adaptar-se às toalhinhas , pois não existiam absorventes higiênicos. Usar as toalhinhas e depois ter que lavá-las era, para ela, um martírio , era anti-higiênico.

O contato com o sangue menstrual e a exposição deste é algo a ser evitado. O uso de absorventes, que tem como objetivo reduzir este contato, é entendido como uma ação higiênica. Nas idéias de limpeza ou higiene estão implícitas as de sujeira ou poluição. O processo de limpeza implica no contato com o impuro ou sujo, o sangue menstrual.^25

No processo de vivência corporal da menstruação, objetiva-se manter distância do sangue, e é a partir desse objetivo que são construídos artefatos como os absorventes higiênicos. Para Sardenberg, inclusive, é importante para a indústria farmacêutica que as mulheres continuem a menstruar, se possível com fluxos cada vez mais abundantes, mas que mantenham (muita) vergonha sobre essa coisa da natureza, procurando sempre escondê-la.^26

O comércio dos absorventes higiênicos, através das propagandas publicitárias, promove a idéia de que o contato com o sangue menstrual e a possibilidade de que este venha a aparecer ou incomodar deverá ser cada vez menor. O absorvente higiênico tende a ser cada vez mais sutil, a preocupação é em tornar a menstruação o menos incômoda e perceptível possível, e permitir que se façam movimentos ou que se vistam roupas que, sem aquele produto, as mulheres não fariam ou usariam.^27

Os absorventes procuram reduzir o contato com o sangue menstrual. Principalmente os absorventes internos, que evitam que o sangue chegue a sair pela

(^25) Para a discussão sobre a noção de higiene, ver DOUGLAS, Mary – Pureza e Perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976.enquanto impureza, e dos tabus e práticas relativas à vivência da menstruação em diferentes sociedades. apud SARDENBERG, Cecília, op. cit. Sardenberg faz um levantamento da menstruação (^2627) SARDENBERG, Cecília – op. cit. p. 342. desenvoltura. E a pergunta que a propaganda coloca é seEm uma propaganda de absorventes higiênicos para a televisão, uma moça dança tango com bastante você ousaria fazer isso com seu absorvente? Ou seja, o uso dos absorventes é também um incômodo necessário, mas que pode e deve ser cada vez mais