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Masoquismo.pdf, Notas de estudo de Psicologia

Os três autores acima citados são considerados psicoterapeutas corporais neo-reichianos. Page 3. Em O corpo em terapia (1977), Alexander Lowen, ao descrever o ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

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MASOQUISMO:
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CLÍNICA DA PSICOLOGIA
BIODINÂMICA
Glória Cintra / abril 2001
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MASOQUISMO:

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CLÍNICA DA PSICOLOGIA

BIODINÂMICA

Glória Cintra / abril 2001

MASOQUISMO:

REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA CLÍNICA DA PSICOLOGIA

BIODINÂMICA

Glória Cintra / abril 2001 O presente artigo tem por objetivo conceituar o caráter masoquista através dos pontos de vista de Alexander Lowen (fundador da Bioenergética) e David Boadella (fundador da Biossíntese), e tecer reflexões sobre a prática da Psicoterapia Biodinâmica de Gerda Boyesen, utilizando para isto o seu relato sobre o paciente Richard, publicado no artigo “ Masoquismo e energia masoquista: um insight ” (1983, Cadernos de Biodinâmica n° 3 ). Os três autores acima citados são considerados psicoterapeutas corporais neo-reichianos.

“Era bem constituído, bastante musculoso, com peito e ombros largos.Tinha uma tonalidade de pele escura, seu cabelo era preto mas ia ficando grisalho e ralo. Sua face não mostrava nenhuma expressão especial quando em repouso; sob condições de esforço emocional, se contorcia numa forte expressão de desagrado e desprezo. Ao mesmo tempo, a parte posterior do pescoço ficava tensa, numa poderosa contração. A expressão desta contração no pescoço e na face poderia ser interpretada como uma obstinação extrema. Notava-se que o peito se movia facilmente com a respiração e que o abdômen era macio. Também isto mudava sob a influência de sentimentos fortes. Os músculos abdominais enrijeciam-se num nó apertado. As nádegas se contraíam e a pélvis era empurrada para a frente e para cima. Os ombros eram mantidos com extrema firmeza, mas não ficavam quadrados. Era óbvia uma acentuada rigidez nas coxas e pernas. As juntas dos joelhos e cotovelos ficavam bastante inflexíveis, de modo que era difícil de dobrarem. Os pés ficavam muito contraídos e formando um arco alto. Os artelhos não se separavam. É relativamente fácil fazer o diagnóstico de masoquismo neste caso, a partir da história e das queixas levantadas. Veremos que é igualmente fácil chegar ao diagnóstico a partir da estrutura e função do corpo, uma vez que sua expressão seja compreendida. Vejamos mais de perto este problema de caráter. Reich resumiu os principais traços do caráter masoquista, do seguinte modo: ‘subjetivamente, existe uma sensação crônica de sofrimento que, objetivamente, aparece como uma tendência a se queixar; as tendências crônicas à autodestruição e auto- depreciação (masoquismo moral) e uma compulsão a torturar outros, fazem o paciente sofrer tanto quanto o objeto. Todos os caracteres masoquistas mostram um comportamento estático, especificamente desajeitado em suas maneiras e em seu relacionamento com outros, freqüentemente de modo tão acentuado que dá a impressão de deficiência mental’. De acordo com Reich é somente quando todos estes elementos estão presentes, determinando a base da personalidade e suas reações típicas, que se configura a estrutura de caráter masoquista.” Lowen prossegue dizendo: “Traduzindo para uma escala maior, podemos dizer que o masoquista não nega a realidade como o faz o esquizofrênico, nem tampouco rejeita suas demandas à maneira do caráter oral. Aceita a realidade, ao mesmo tempo em que luta contra ela, admitindo a racionalidade de suas exigências ao mesmo tempo em que resiste a elas. Está num terrível conflito, como nenhum outro caráter. Um conflito entre o fazer e não fazer, entre evacuar e reter. Já que eu havia observado este padrão regular nos pacientes masoquistas que havia tratado, senti que estes eram realmente caracteres anais. Aos pacientes masoquistas que tratei faltava ‘espinha dorsal’. Em qualquer situação onde uma posição firme fosse necessária, esforçavam-se, porém se desmoronavam logo em seguida. Podemos fazer uma outra interpretação. A falta de uma ‘sensação de espinha dorsal’ faz com que os indivíduos contraíam as vísceras a fim de conseguirem uma sensação de apoio. É lógico que isso não pode nem consegue fazê-lo ficar de pé, sendo inevitável o colapso. Nesta época, trabalhei com o paciente a fim de mobilizar o ódio na parte posterior de seu pescoço através do: ‘Eu não vou fazer’, expresso com força. Também encorajei-o a bater no divã a fim de desenvolver a sensação da espinha dorsal através da liberação de raiva. Estas táticas obtiveram um bom efeito e, de novo, houve uma melhoria ao final de

cada sessão, mas isso não durava uma semana. A cada hora em que o inquiria a respeito de como se sentia, o paciente expressava as mesmas queixas. Talvez um pouco menos de ansiedade, uma leve diminuição da tendência a forçar as coisas, mas sempre a ausência de prazer sexual, a dominância de sentimentos negativos, a ausência de alegria. Além disso, o masoquista tem um sistema altamente carregado de energia, que pode se ver embaraçado entre dois impulsos antagônicos, embora o afeto possa ser facilmente eliciado. Reich (1949, págs. 225 e 226) diz que ‘a tortura masoquista, a queixa masoquista, a provocação e o sofrimento, todos se explicam com base na frustração fantasiada ou real de uma exigência de amor, excessiva e que não pode ser gratificada. Este é um mecanismo específico do caráter masoquista e, de nenhuma outra forma de neurose’. Mas, por que é excessiva a necessidade de amor? Reich responde dizendo que ‘o caráter masoquista tenta aliar, de modo inadequado, a tensão interna e a ansiedade ameaçadora, ou seja, através de exigir amor na forma de provocação e malquerença’. Logicamente o método deve fracassar. O caráter masoquista está próximo do conhecimento de que deve falhar. Isso já aconteceu muitas vezes. O indivíduo até reconhecerá o fato. Poder-se-á dizer, então, que em certa medida ele deseja fracassar. Será este o desejo de ser punido sobre o qual temos lido tanto? O fato tem duas outras interpretações. Em primeiro lugar, o fracasso justifica sua própria inadequação. Pode-se culpar os outros. Em segundo, o sucesso é temido porque põe o masoquista em evidência e provoca fortes ansiedades ao lado de exibicionismo. Durante várias sessões, analisei o comportamento do paciente em termos do ‘abatimento’ masoquista. Ele é como um bêbado que caiu na sarjeta. Geme por socorro, mas quando a mão lhe é estendida, o samaritano é arrastado para baixo, para a sarjeta, para ser arrasado. Isto não é calculado conscientemente; é o resultado inevitável do padrão de comportamento característico do masoquista. A fim de compreender o problema, devemos conceber o masoquista como um indivíduo profundamente humilhado e que se sente inferior. Seu comportamento pode ser então interpretado como: ‘Olha, você não é nem um pouco melhor do que eu’. Após quase um ano de trabalho, as tendências masoquistas resistiam fortemente. Fiz-lhe ver que a despeito de meus esforços, que o haviam tirado do seu abatimento, algo continuava a forçá-lo a voltar para tal estado de novo. Algo ainda desconhecido, mas logo surgiu a pista. Ele comentou durante a última semana, enquanto ouvia música de Beethoven, que havia chorado.Várias vezes o choro verdadeiro o havia tirado para fora de seu abatimento, mas esta vez não funcionou. E acrescentou que, enquanto chorava, estava ciente de um sentimento dentro dele que lhe dizia: ‘Você não quer realmente chorar; você só o faz para enganar os outros’. Então, as coisas ficaram claras para mim. É como se um diabo dentro dele estivesse rindo de nós dois, ridicularizando nosso esforço para libertá-lo de seu abatimento. Não sei se esta simples observação teria provocado em mim a mesma impressão que tive se eu não tivesse precisamente acabado de ler o livro Os demônios, de Dostoiévski. Nessa estória, o protagonista revela que era possuído pelo demônio. Senti que ali estava o algo misterioso que estava negando meu trabalho e os esforços do paciente e assumi seriamente o conceito de demônio. Para minha surpresa, o paciente me relatou que sentia o ‘diabo’ dentro dele e que podia vê-lo ocasionalmente. O ‘demo’, conforme visto pelo paciente, tinha a face de um homem com uma expressão maliciosa e ridicularizadora, como a lhe dizer: ‘Você não vai

resultados. Adquiriu insight de seu distúrbio e sentiu que podia enfrentar as situações normais da vida sem medo do fracasso. Acima de tudo, ganhou controle sobre seu corpo e soube como prevenir ou vencer o colapso de seu ego e de seus impulsos sexuais. No entanto, devemos ter em mente a advertência de Reich (1949, pág. 246): ‘ninguém deveria se esquecer também de que uma dissolução do caráter masoquista não pode acontecer até que o paciente tenha tido um trabalho e uma vida amorosa durante um período de tempo razoável, ou seja, durante um bom tempo após o término do tratamento’. Estamos agora na posição de discutir aspectos mais importantes da estrutura de caráter masoquista. O problema central do masoquismo é a aparente necessidade que o masoquista tem de sofrer ou de derivar satisfação e prazer da dor, ou de experiências que outros consideram desagradáveis. Nos casos ordinários, esta necessidade de sofrer encontra sua expressão tanto nas fantasias masoquistas que acompanham a excitação sexual como no comportamento provocativo que leva a castigar o masoquista e a humilhá-lo. No caso da fantasia, tal como a de ser espancado ou amarrado, esta é uma condição necessária para a habilidade de alcançar a descarga no ato sexual. O comportamento provocativo deve ser visto como tendo uma função semelhante. A humilhação leva à tristeza, que traz à tona os sentimentos mais profundos. Após uma discussão com o parceiro, o masoquista funciona melhor sexualmente. Estudos analíticos revelaram que o masoquista tem um superego muito severo. A necessidade de sofrer foi interpretada como uma tentativa de abrandar o superego, de aliviar as dores de uma consciência culpada. Subjacente ao comportamento masoquista, existe ressentimento e ódio. Esse ódio latente do caráter masoquista justificaria plenamente a severidade do superego ou consciência, mas estas observações não resolvem a dificuldade. Permanece a questão de como é possível que um impulso (ódio), originalmente dirigido para fora, para o mundo exterior, volte-se para dentro, contra si mesmo? A resposta de Freud (1950a, págs. 74 e 75) à questão foi pressupor um instinto de morte, ou seja, um instinto primário de destruição, originalmente voltado contra o self. Sob a influência do amor (Eros), este instinto é dirigido para fora em direção do mundo da função de sadismo, misturado com amor. De acordo com esta conceituação, o masoquismo resulta de uma condição que produz uma difusão destes dois instintos, de modo tal que o instinto de morte está agora livre para retomar sua direção original contra si mesmo. ‘Não deveríamos ficar surpreendidos de saber que sob certas circunstâncias o sadismo ou instinto de destruição, que foi dirigido para fora, pode ser introjetado, voltado para dentro novamente, deste modo regredindo à sua condição primitiva’. A este masoquismo denominou ‘masoquismo secundário’, para distinguí-lo de uma parte do instinto de morte original que não está incluído neste deslocamento ‘para fora’, chamado masoquismo primário. A existência de um instinto de morte é altamente discutível. Há, no entanto, no homem e na vida animal, duas correntes de energia que propiciam impulsos instintivos, descritos como sentimentos agressivos e ternos; estes últimos podem ser igualados a Eros. Como diz Freud, sob certas condições, essas tendências instintivas podem se difundir e se tornarem antagônicas. Há o fato de que, no indivíduo normal, os dois instintos não são antagônicos, mas complementares. Cada um precisa do outro. Primeiramente, devemos reconhecer que o caráter masoquista não se queixa de sentimentos de vazio interior. Ao contrário, se queixa de sentir-se estourar, reclama de uma pressão interior e da inabilidade em aliviar a tensão. Não mostra sinais de privação. Todo masoquista sente que sua mãe o amava. É o modo como esse amor se expressou, que

provocou o distúrbio e não a falta dele. A expressão ‘opressão’ se aplica à mãe do masoquista e não à do caráter oral. O ego do masoquista está esmagado como se tivesse sido apanhado numa armadilha. Isto é quase que literalmente verdadeiro. Na extremidade superior é o sentimento forçado e na inferior é a imposição de um treino rígido à limpeza das funções excretoras que constituem as duas repressões. Para voltar a agressão para dentro, deve-se aplicar uma pressão antes que a agressão se fundeie na realidade, na função genital e na função mental. A criança reage muito fortemente a tais pressões. Chora, luta, se afasta. Através do olhar, da gesticulação e do movimento, apela à sua mãe por simpatia e compreensão. A negação das necessidades espirituais da criança graças a uma superênfase sobre suas necessidades materiais cria o masoquismo. Dissemos anteriormente que a supressão resulta em masoquismo, do mesmo modo que a privação provoca oralidade. Suprimida está a independência do organismo jovem, o ego em desenvolvimento.A supressão não toma a forma de hostilidade aberta. Opera sob o disfarce do cuidado extremado, da superproteção, da superpreocupação. Eventualmente, se consegue submissão e o masoquista se torna um bom menino. São empregadas medidas enérgicas: aborrecer, punir, apelar ao amor da criança pela mãe e, finalmente, ameaçar de privar a criança do amor materno se ela não obedecer. Termina num estado de terrível confusão para a criança: seus sentimentos são exigidos com o fito de bloquear sua agressão, a agressão bloqueada impede a expressão de ternura. Em nenhuma outra estrutura de caráter a ambivalência é tão acentuada e o conflito tão grande. Enquanto o masoquismo se desenvolve a partir de práticas iniciadas durante o segundo ano de vida, a estrutura masoquista não adquire uma forma definitiva até bem mais tarde. Geralmente há um período intermediário de luta, acessos de birra e rebelião e até que esta resistência finalmente ceda, a estrutura masoquista não se forma, o que se dá na maior parte das vezes após a puberdade. Podemos dar uma outra resposta à questão de como e por que ser espancado, ou a fantasia de levar uma surra pode ser experienciada como agradável. A resposta de Reich (1949, pág. 217) a esta questão foi uma das obras-primas da investigação analítica. Demonstrou que o masoquista não busca ardentemente o espancamento, mas o prazer da descarga sexual como qualquer outra pessoa. ‘O mecanismo de prazer, específico do masoquista, consiste no fato de que enquanto ele luta para obter prazer como outra pessoa qualquer, um mecanismo perturbador causa o fracasso dessa busca e o leva a experienciar como desagradáveis sensações que o indivíduo normal experiencia como prazerosas, quando estas excedem uma certa intensidade’. Este mecanismo perturbador específico é a espasticidade da musculatura que, ao nível genital, impede os sentimentos ternos de carregar adequadamente os órgãos de descarga. O resultado é um acúmulo de energia na pélvis, os sentimentos ternos estando no abdômen e a agressão nas nádegas e coxas. Neste ponto, nos casos mais severos, o masoquista vive sensações de estourar, fica angustiado e deve ser alcançada uma descarga. Nesta situação, o masoquista é como a criança tensa, irritadiça, irascível, cuja sensação de aborrecimento dos pais resulta finalmente em ser batida, após o que a criança chora, se aquieta e cai no sono. Muitas vezes, os pais sentem a necessidade que a criança tem de chorar e podem mesmo perceber o mecanismo. No caso da criança, a surra aumenta a tensão a um ponto tal, onde não se pode mais reprimir nada. A energia represada atravessa o bloqueio na forma de choro convulsivo e soluços. É o choro e o soluçar que descarregam a tensão e produzem relaxamento, não a surra.

aproximação e está relacionado diretamente ao fluxo de energia livre e à primeira fase do ciclo de maturação É a experiência de ser e ver; b) ‘o direito de estar seguro, que deriva da função de proteção da mãe durante os primeiros anos.’ Esse direito relaciona-se ao sentimento de ser carregado e ao período de sustento. É a experiência de ter e provar; c) ‘o direito de ser livre, que é não estar sujeito às necessidades de outros;’ d) ‘o direito de ser independente, o qual a criança estabelece através de auto- afirmação e sua oposição aos pais.’ Ambos os direitos estão associados com um ritmo de livre energia (que Lowen vê como a base da condução da realidade) e com a fase de exploração e os primitivos movimentos em direção à independência. Ambos envolvem a experiência de fazer e reproduzir; e e) ‘o direito de querer e mover-se em direção à satisfação dessas vontades aberta e diretamente. Esse direito tem um grande componente de ego e é o último dos direitos naturais a ser estabelecido. Eu relacionaria sua aparição e desenvolvimento ao período entre 3 e 6 anos de idade aproximadamente. Ele está fortemente unido aos sentimentos sexuais da criança.’ Esse direito está associado claramente com a liberdade da criança de comunicar seus sentimentos diretamente adiante no que eu chamei de quarta fase de maturação. Ele depende, adicionalmente, de bom ajustamento em tônus muscular e envolve a experiência de dar e receber. A neurose é uma desordem incorrida sob stress crônico. Normalmente o stress ocorre durante a infância, onde a criança não pode escapar dele facilmente. Animais não parecem tornar-se neuróticos a menos que eles sejam domesticados pelo homem ou presos em zoológicos. Neurose é um colapso nas condições de maturação e uma violação desses direitos básicos. As defesas de caráter são contra-medidas desesperadas destinadas a assegurar sobrevivência e crescimento contínuo, reafirmando aqueles direitos por alguns meios. Elas permitem ao organismo um funcionamento limitado, o qual sem elas e em face dos traumas que são sofridos, não seria possível. Elas são operações de reagrupamento protetoras em relação à vida. As neuroses podem ser consideradas entrando em quatro grupos, correspondentes às quatro fases do ciclo de maturação. Desde que a habilidade para explorar e para comunicar- se satisfatoriamente está baseada em aproximação e sustento adequados, nós esperaríamos que as neuroses associadas com bloqueios nas fases de exploração e comunicação deveriam apoiar-se numa sub-estrutura de distúrbio baseada em bloqueios nas fases de aproximação e sustento. Isto é o que nós achamos. É também possível, apesar de não muito provável, que uma pessoa poderia ter basicamente boas experiências nas duas primeiras fases e os traumas maiores ocorreriam somente durante as últimas fases, no movimento em direção à independência. Em geral, qualquer pessoa em particular tem probabilidades de mostrar algum grau de má função em cada uma dessas quatro áreas. As defesas de caráter são padrões universais de resposta. Elas são as cores da ferida. Mas cada pessoa tem probabilidade de mostrar uma capacidade latente de funcionar em cada uma dessas áreas, a qual, bem escondida, sobrevive sem dano. É essa capacidade latente que torna a terapia possível. É com a saúde no paciente que nós trabalhamos para vencer a doença. Sem ela, nós nos afogaríamos em patologia, porque nenhum terapeuta pode trazer saúde a uma

pessoa que não oferece nada exceto resistência. Nós estamos agora numa posição para olhar para algumas das diferenças em caracterologia, propostas por Lake e por Lowen. Lowen distinguiu cinco padrões principais de defesas de caráter, dois dos quais repousam na primeira metade do ciclo de maturação e três dos quais repousam na segunda metade do ciclo. Lake descreveu quatro principais padrões de caráter associados às fases de maturação. Cada um desses padrões funciona de forma polarizada; assim, o paciente que tem aspectos masoquistas na sua personalidade tem também aspectos sádicos. As duas caracterologias são complementares e mutuamente consistentes. O seguinte esquema esclarece isto e forma a base para o relato que se segue. Função de energia Fase de maturação Direitos básicos Caracterologia de Lowen Caracterologia de Lake Zona libidinal associada fluxo aproximação de existir, ser e ver esquizóide esquizóide- histérico ‘ocular’ carga sustento de estar seguro ter e provar oral paranóide- depressivo ‘oral’ ritmo exploração de ser livre e independente, fazer e reproduzir psicopata- masoquista defesas sadomasoquistas ‘anal’ tônus comunicação tônus muscular de querer dar e receber rígido defesas submissas compulsiva e obsessiva ‘genital’ Os problemas da posição esquizóide histérica e da posição paranóide depressiva podem acontecer separadamente ou podem coexistir. Pode-se encontrar pessoas depressivas com um forte componente esquizóide e pessoas histéricas com um elemento paranóide em sua estrutura. E todas ou quaisquer combinações dessas defesas podem ser a base para formar as defesas particulares associadas com a terceira e a quarta fase do ciclo de maturação.

Gerda Boyesen descreve-o dessa maneira: ‘O prazer de chutar e o prazer de auto-afirmação está fortemente associado ao sentimento de fluxo do corpo alcançando os músculos glúteos que são o ponto de ‘saber cuidar de si mesmo’; eles levantam o corpo e tornam-no independente, e eles também levantam o pescoço. Isto dá um sentimento de si próprio, de ser independente e de valor próprio, de valor como um ser distinto. Este processo também torna a respiração mais livre e a postura ereta e orgulhosa e com uma dignidade natural que é típica de um ser humano independente.’ Andar agradavelmente é um intenso compromisso entre soltar-se à gravidade e resistir a ela. Soltar-se muito é cair e ruir; resistir muito tem um efeito na postura como se estivesse suspenso no ar; ambos perturbam o andar natural e com isso a habilidade de permanecer firme ou mover-se facilmente. O soltar-se muito está associado com músculos hipotônicos e a resposta do ‘suspenso no ar’, com músculos hipertônicos. Lowen também mostrou como o fato da criança que é forçada a usar os músculos das nádegas e coxas para obter controle anal leva à imobilização das pernas e a distúrbios no andar e por-se no chão. A habilidade para explorar de maneira própria é a base do prazer natural de realização. O principal prazer aqui é fazer e produzir, modelar e formar: ‘A criança demonstra interesse crescente em brincar com objetos, em desmontar os brinquedos e a montá-los outra vez, em encher e esvaziar, em construir e demolir.’ Aqui estão os inícios de arte e ciências, as raízes da atividade e a base para satisfação no trabalho produtivo: ‘o produto de excreção de uma criança é a sua primeira forma de produtividade. O próprio processo de defecação proporciona um campo de teste central para seu autocontrole. O produto de excreção desperta seu interesse, primeiro como alguma coisa para soltar, e, mais tarde, como algo que ela pode manipular e sobre a qual ela pode decidir. Suas manipulações e decisões implicam que uma autonomia interior está começando a se formar... Apesar de o controle de assuntos anais ser certamente um aspecto importante ele é provavelmente apenas um fragmento do problema total, o controle geral psíquico e motor da criança.’ As reações de caráter da fase de exploração surgem da luta por controle. A criança pode submeter-se aos pais, e externamente aceitar seu controle e supressão; ou ela pode resistir, e afirmar seu próprio controle a fim de obter poder sobre os pais. Uma terceira possibilidade é um composto entre essas duas posições: é usar a energia de controle contra si mesma e ganhar uma independência condicional dos pais, tornando-se a reguladora de si mesma. Reich baseou seu relato de masoquismo na descoberta de Freud ‘que masoquismo e sadismo não formam uma antítese absoluta, que um nunca ocorre sem o outro. Masoquismo e sadismo podem cada um converter-se no outro.’ Reich viu essa relação em termos de uma ‘antítese dialética’. Reich assinala que agressão sádica não está como Freud primeiramente pensou, limitada à fase anal. Ele fez distinção entre ‘sadismo oral’, baseado em frustrações no sugar (e ligado no presente papel à antítese paranóide-depressiva); ‘sadismo anal’, baseado em frustrações em prazer anal, resultando no impulso de pisar, oprimir e bater (ligado aqui à antítese psicopática-masoquista); e ‘sadismo fálico’, baseado em frustrações do prazer genital, que está ligado aos bloqueios da quarta fase do ciclo de crescimento. As três formas de sadismo estão estreitamente ligadas, de modo que no padrão de caráter fálico (a ser descrito mais tarde) freqüentemente será encontrada uma subestrutura psicopática e ou paranóide.

Entretanto, não se tem escrito muito sobre o caráter psicopático, e uma das razões para isso é que ele raramente procura terapia, desde que fazer isso o colocaria numa relação desfavorável. A pessoa psicopática reage à ameaça de supressão com ‘opressão’; ela se opõe às tentativas de esmagá-la tentando não se tornar submissa. Em relação ao desenvolvimento de reações de caráter, a batalha por controle entre crianças e pais pode ser considerada como uma luta por território. Inicialmente o território que é contestado é o próprio corpo da criança, mais tarde é o espaço que ela procura para explorar. Se a criança aceita as exigências feitas em seu corpo pelos pais sedutores ou sufocantes, ela cedeu território vital; se, de outro lado, ela afirma seu controle e domínio, ela pode vir a ameaçar os direitos de seus pais. Se o masoquista se identifica com seu sentimento de ‘culpa e vergonha’ é porque ele procura esconder as tendências opostas de ‘ressentimento e culpa’. Para o psicopata o reverso é verdadeiro. Lowen descreveu a luta por controle entre pais e criança nesses termos: ‘É uma questão de princípio não permitir à criança ter sua maneira própria. Uma criança pode perceber o antagonismo e reage a ele com super-agressividade. Uma vez que as linhas de conflito estão delineadas, o resultado da luta pode ser desastroso. Se os pais cedem por culpa ou simplesmente para calar a criança, eles a estragarão. Percebendo sua fraqueza, eles tentarão ser mais firmes na próxima ocasião. Mas a criança, tendo aprendido que ela pode abrir caminho criando distúrbio, lutará de volta com mais vigor. Nessas situações, a batalha é sem fim, com os pais às vezes vencendo a resistência da criança, às vezes desistindo. Também para a criança o problema se torna um problema de princípios – por princípio ela se oporá a toda exigência de seus pais. Uma criança crescendo em tal ambiente nunca desenvolverá uma fé na vida. Ela aprendeu que ela pode obter o que ela quer somente manobrando melhor e gritando mais alto que a oposição. Seus oponentes, entretanto, são aqueles cujo amor ela precisa e eles incluem todas as pessoas com quem ela deseja ter intimidade. Ela também aprendeu a manipular pessoas jogando com suas culpas, e ela usará essa tática quando sua intimidação não conseguir atingir o seu fim. O caráter que se desenvolve dessas experiências tem um forte vestígio sadomasoquista.’ A relação sadomasoquista demonstra a polaridade da fase de exploração. O caráter psicopático e o caráter masoquista são o interior e o exterior de cada um. Todo masoquista, sob sua submissão, contém o ressentimento enterrado e o impulso reprimido de dominar que são patentes na pessoa psicopática. Todo psicopata, sob sua dominação, esconde o medo de colapso e humilhação. Por isso a luta entre eles, se eles se relacionarem, é mais ou menos como segue: O masoquista é esmagado, mas o psicopata esmaga. O masoquista se submete e sofre com o propósito de manter a paz, mas o psicopata domina e faz as pessoas sofrerem com o fim de vencer sua guerra. Se o masoquista é empurrado longe demais ou é ameaçado demais, ele pode dar uma virada e tornar-se um opressor, mas não por muito tempo. Ele prefere induzi-lo ou persuadi-lo ao que ele quer e pode, então, tornar-se conciliatório. O psicopata não deve perder, o masoquista não pode ganhar. O psicopata agride as pessoas, passa por cima delas e as esmaga, não respeita suas necessidades. O masoquista se despedaça, é presa fácil e é pisado – ele não tem respeito por si próprio. Se o psicopata perde, ele se lança numa ‘depressão’ masoquista e se representa vencido. Ele reage a qualquer derrubada como uma inacreditável humilhação e perda de expressão. Sua defesa é humilhar os outros. O masoquista quer proximidade e contato, e provoca hostilidade no caminho em direção a isto. O psicopata desvia proximidade e intimidade, ele é

haveria na atitude deles e também me perguntava sobre sua identificação e internalização da figura da mãe. Ele respondeu que sua mãe tinha sido uma pessoa extremamente meiga e suave, afetuosa e sensível, e que ninguém em sua família impunha-se ou apresentava exigências. Uma atmosfera muito tranqüila e calma. Também contou que seu pai morreu quando ainda era pequeno e que não se lembrava bem dele. Contei ao grupo que geralmente as atitudes familiares abertas e encobertas moldam o caráter da pessoa: por serem todos tão meigos e suaves, havia uma pressão silenciosa sobre a criança para ser igual: não exigente, quieta e pouco auto-assertiva. Seu caráter era não-exigente.” Gerda, neste momento, busca fazer uma aliança (amizade com a resistência) com a defesa de caráter de Richard – a atitude de não-exigência –, que funciona como uma resistência protetora em relação ao conflito original. A postura da Psicologia Biodinâmica é de respeito pela resistência, devido à sua função de proteção. A resistência não deve ser quebrada, mas dissolvida com calor e cuidado, para que não haja formação de couraça secundária. Essa dificuldade de auto-afirmação que aparece na personalidade de Richard, é descrita por Lowen e Boadella com uma questão também do caráter masoquista, já mencionada acima. Gerda e Reich, ao negarem a existência de um instinto de morte, salientam o papel de uma educação distorcida na formação das neuroses. Reich (1955), em A Função do Orgasmo, comenta: “os pacientes lembram-se do tempo da sua primeira infância, quando a unidade de sensação do seu corpo não estava perturbada; tomadas de emoção, falam do tempo em que, crianças, se sentiam identificados com a natureza e com tudo que os rodeava, do tempo em que se sentiam vivos e como finalmente tudo isso fora despedaçado e esmagado pela educação.” Reich prossegue dizendo que “a importância da atitude do corpo para a reprodução estrutural da ordem social, será entendida, um dia, e praticamente dominada em larga escala. Certas expressões, habituais na educação pela boca de pais e mestres, retratam com exatidão o que descrevi como técnica muscular de encouraçamento. Uma das peças centrais da educação atual é o aprendizado do autocontrole: ‘- Quem quer ser homem, deve dominar-se.’ ‘- Não se deve deixar-se levar.’ ‘- Não se deve demonstrar medo.’ ‘- Cólera é falta de educação.’ ‘- Uma criança decente senta-se quieta.’ ‘- Não se deve demonstrar o que se sente.’ ‘- Deve-se cerrar os dentes.’ Essas frases são características da educação; inicialmente são repelidas pelas crianças, depois aceitas com relutância, laboradas e por fim, exercitadas. Entortam-lhes, via de regra, a espinha da alma, quebram-lhes a vontade, destróem-lhes a vida interior, fazem delas bonecos bem-educados. Por mais intensamente que as crianças anseiem por uma vivacidade e por uma liberdade vegetativas, recuam diante delas e voluntariamente suprimem os seus impulsos quando não encontram um ambiente congenial, onde possam desenvolver a sua vitalidade sadia, relativamente livre de conflitos. Este é o mais exato entendimento dos mecanismos

pelos quais as emoções são patologicamente controladas.” Gerda prossegue: “Entretanto, enquanto falava, estava pensando que sua estrutura corporal era mais parecida com a do caráter masoquista, descrita por Lowen, com ombros fortes que carregam tudo. Com o desenrolar dos fatos essa observação provou-se verdadeira. Richard falou que queria trabalhar comigo e coloquei-o frente a um colchão levantado. Perguntei-lhe, então, com quem estava bravo. Ele disse que estava bravo consigo mesmo; com aquela parte dele que nunca permitiu que ele exigisse qualquer coisa; que sempre o restringiu e sempre o manteve em segundo plano; que nunca permitiu que ele se preenchesse. Queria livrar-se dessa parte e sentir-se livre. Ele estava dizendo isso para si mesmo, como se fosse, usando uma técnica da Gestalt e quando inverteu os papéis, a parte controladora respondeu que sempre o seguia e tomava conta dele porque a outra parte (livre e espontânea) era muito pequena para enfrentar as coisas. Era muito espontânea. Também era muito impotente, e então precisava dele (o controle) para ser forte, para orientar e cuidar dele e impedi-lo de fazer o que não devia. Conseqüentemente esse lado controlador iria sempre segui-lo e nunca abandoná-lo. Invertendo os papéis novamente, a outra parte sentiu-se tão oprimida pelo peso desse controle sobre seus ombros que ele passou a querer fazer as coisas sem esse fardo. Richard começou a sentir tensão em seus ombros e passou a movimentar-se como para livrar-se de algo. Estimulei-o a continuar com esses movimentos, mas ao invés disso, ele se retesou novamente e sentiu um endurecimento com dor e tensão. Foi aí que pude ver o padrão masoquista claramente.” Neste ponto, Gerda tenta usar a técnica de livre associação de movimentos que, à semelhança da livre associação verbal, busca trazer à tona material psíquico reprimido. Mas o resultado com Richard não foi satisfatório; ao invés disso, ele sentiu um endurecimento com dor e tensão. Gerda, então, vai em busca de uma nova estratégia terapêutica. A Psicologia Biodinâmica evita usar técnicas que sejam provocativas e que causem dor física ou psíquica no paciente. “Houve um acentuado conflito no qual a parte controladora venceu e a parte viva, que desejava liberdade, teve que submeter-se e render-se. Ocorreu-me que esse menino nunca ousou ter um acesso de raiva, o que é um reflexo de teimosia da fase anal e auto- assertiva. Fase em que, em minha concepção, o conflito do superego realmente se estabelece. Se a criança sucumbe ao meio ambiente, violando assim sua natureza, forma-se uma personalidade secundária mais neurótica no caráter. A criança precisa desvencilhar-se da fusão que estabeleceu com a mãe quando era bebê e manter-se como uma personalidade independente e individuada – como a personalidade primária. Se não for assim, continuará identificada e com a internalização da mãe em si, o que leva às características passivo- femininas. A dinâmica que se estabelece é um sentimento de catástrofe a cada vez que ela tenta ser ‘ela mesma’, como se esse desejo violasse a mãe interna. Ela permanece então na posição passiva, na internalização e identificação com a mãe, ao invés de ir à luta por sua auto-afirmação, com os acessos de raiva que constituem a maneira pela qual as crianças geralmente o fazem.” Segundo Gerda Boyesen (1983), em Cadernos de Biodinâmica, e (1986) em Psique e Soma, a pessoa que vive sua personalidade primária está em contato com sua circulação libidinal. As correntes energéticas do corpo estão fluindo livremente, permitindo a manifestação dos impulsos internos originais e promovendo a atualização dos potenciais humanos individuais. A personalidade primária é espontânea, criativa,

ele. Não queria que ele caísse de joelhos.” Aqui aparece em Richard um dos traços do caráter masoquista relacionado ao conflito de poder; ele está em oposição ao grupo e se sente poderoso, pois pode agüentar quatro rapazes dependurados sobre suas costas. Esta é uma luta por realização, para sentir-se capaz. Gerda interrompeu o exercício para evitar que Richard caísse de joelhos, pois isto poderia colocá-lo numa situação de humilhação (ferida básica do caráter masoquista) reforçando a dor da criança, ao invés de promover reparação. Este é um dos cuidados da Psicoterapia Biodinâmica, evitar simplesmente a quebra das defesas, pois isto pode gerar couraça secundária. André Samson (1994) em seu artigo “A couraça secundária”, afirma: “O conceito de couraça secundária, criado por Gerda Boyesen, surgiu como uma das formas de explicar efeitos colaterais conseqüentes de trabalho psicoterapêutico aplicado de forma invasiva. Gerda aponta para a importância de uma visão global da relação entre o sistema de defesa e o material inconsciente. O trabalho com exercícios mobilizadores utilizados por terapias reichianas e neo-reichiana,s que focaliza apenas na quebra do sistema de defesa, é promovedor da formação de couraça secundária. Esta se define como uma defesa recém-formada, em conseqüência de uma invasão do sistema defensivo e exposição precoce do matéria inconsciente reprimido. Sendo precoce, a exposição provoca uma reação de contração posterior ao primeiro suspiro de alívio, levando à formação de uma nova defesa, mais complexa e menos aparente, que recebe o nome de secundária porque protege contra a mais recente invasora do material reprimido: a terapia.” Diz Gerda: “Assim, não deixei que ele caísse de joelhos, e parei enquanto mantinha-se em pé. Ele ficou ali e perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ele disse que sentia frio. ‘Depois de todo esse esforço físico. Interessante! Deve haver algum medo.’ Ele estava olhando para mim e começou a tremer, cada vez mais. ‘- O que está acontecendo?’ perguntei. ‘- Minhas mãos. Parecem tão estranhas. Estão tão frias. É como se estivessem paralisadas. Não podem fazer nada... Mas elas precisam fazer algo! Precisam e não podem.’ Suas mãos pareciam mesmo muito peculiares. Sua coloração era vermelha e branca e estavam contraídas e envergadas como se estivessem congeladas. Ele disse novamente: ‘- Não posso movê-las. Não posso fazer nada. Quero fazer alguma coisa e não consigo. Estou completamente impotente.’ Richard, neste ponto da sessão, relata sua sensação de impotência, que se expressa corporalmente através de suas mãos paralisadas, um conflito entre querer fazer algo e não poder, não conseguir fazê-lo. A terapeuta utiliza a técnica da vegetoterapia. A partir de sintomas vegetativos do paciente (frio, tremor, mãos frias e paralisadas), Gerda, através de identificação vegetativa (capacidade de sentir em seu próprio corpo o que está acontecendo no corpo de outra pessoa), interpreta tais sinais como uma reação de medo. Gerda prossegue perguntando: “Perguntei: ‘- Nesse momento, quantos anos você tem?’ ‘- Sou muito, muito pequeno.’ Como ele estava sentindo dificuldades em manter-se em pé, pedi-lhe que se ajoelhasse no colchão olhando para mim, que também estava ajoelhada. ‘- Do que você sente medo?’ perguntei.

‘- Meu pai está morto.’ Pedi a uma pessoa do grupo, Dennis, que se deitasse no colchão na frente dele. Em alguns casos isso poderia ser muito forte, mas senti que nesse caso seria bom. Ele podia agüentar. Richard olhou para Dennis, deitado ali como se estivesse morto, e pensei que ele fosse expressar algo relacionado a seu pai, ou ao pesar em relação à sua morte. Não foi o que aconteceu. Curiosamente, parecia não ser esse o problema. Ficou claro que ele ainda era emocionalmente muito pequeno, e estava, naturalmente, relacionando-se com sua mãe, não com o pai. ‘- O que está acontecendo?’ ‘- Estou pensando em minha mãe. Ela está infeliz. Está triste e cheia de pesar. Ela chora e quero consolá-la. Não consigo,’ Começou a chorar. ‘- Sinto-me tão desamparado. Quero protegê-la e não consigo. Ela é tão boa. É tão maravilhosa. Amo-a muito.’ Continuou a chorar. ‘- Eu a amo tanto. Ela perdeu meu pai. Ele a protegia. Quero ajudá-la. Quero protegê-la.’” _Neste momento terapêutico, baseado na relação transferencial com Gerda, Richard pode ter uma ab-reação, com efeito catártico. Ab-reação é definida por Laplanche e Pontalis (1983) como uma “descarga emocional pela qual um indivíduo se liberta do afeto ligado à recordação de um acontecimento traumático, permitindo-lhe assim não se tornar ou não continuar patogênico.” A ausência de ab-reação tem como efeito deixar subsistir no estado inconsciente e isolado do curso normal do pensamento grupos de representações que estão na origem dos sintomas neuróticos. Ab-reação é o caminho normal que permite a um indivíduo reagir a um acontecimento e evitar que ele conserve um quantum de afeto demasiado importante; no entanto, é preciso que essa reação seja adequada para que possa ter um efeito catártico. Essa reação pode ser constituída por reflexos voluntários ou involuntários, pode ir das lágrimas à vingança. A ab-reação pode ser espontânea, isto é, seguir-se ao acontecimento com um intervalo tão curto que impeça que a sua recordação se carregue de um afeto demasiado importante para se tornar patogênico. Ou então pode ser secundária, provocada pela psicoterapia catártica, que permite ao doente rememorar e objetivar pela palavra o acontecimento traumático e libertar-se, assim, do quantum de afeto que o tornava patogênico. Freud efetivamente nota já em 1895: “É na linguagem que o homem acha um substituto para o ato substituto graças ao qual o afeto pode ser ab-reagido quase da mesma maneira. Uma ab-reação total não é a única maneira pela qual um indivíduo pode se desembaraçar da recordação de um acontecimento traumático. A recordação pode ser integrada numa série associativa, que permita a correção do acontecimento que o faça voltar ao seu lugar, promovendo elaboração psíquica.” Gerda descreve quatro formas de ab-reação:

  1. descarga emocional psíquica forte, que tem um sentido energético ascendente, que consiste na expressão emocional através de, por exemplo, choro, gritos e reações comportamentais intensas;
  2. descarga vegetativa forte, que tem um sentido energético descendente. Exemplo: diarréia;
  3. descarga emocional psíquica suave, que tem um sentido energético_