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Este documento discute a importância da teoria do duplo-vínculo na compreensão e intervenção em casos de violência conjugal. As mulheres que vivem com essa experiência sentem-se impotentes e paralisadas, frequentemente justificando a violência que sofrem. As intervenções da justiça em casos de violência conjugal ainda apresentam desafios, como a falta de compreensão das demandas das vítimas e a exigência de um claro posicionamento delas. O documento argumenta que as mulheres podem estar aprisionadas em padrões relacionais contraditórios e de grande investimento afetivo, o que dificulta a reflexão sobre a situação e a elaboração de queixas de violência. Além disso, o uso do silêncio e do segredo como estratégias de sobrevivência revelam outro paradoxo: as mulheres ficam impedidas de nomear a violência que sofrem, contribuindo para a insatisfação e sofrimento na relação conjugal e criando obstáculos para a construção de sua autonomia.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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1 Psicologia: Teoria e Pesquisa Vol. 33, pp. 1-10 doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102.3772e e Psicologia Clínica e Cultura
Fabrício Lemos Guimarães^1 Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Glaucia Ribeiro Starling Diniz Universidade de Brasília Fabio Pereira Angelim Superior Tribunal de Justiça RESUMO - O objetivo dessa pesquisa qualitativa foi discutir a aplicação da Teoria do Duplo-Vínculo ao contexto da violência conjugal.Foram consideradostrês critérios de duplo-vínculo: (a) Relacionamento de imenso valor afetivo; (b) Mensagens paradoxais; (c) Impossibilidade de refletir sobre a relação. A estratégia metodológica foi a leitura do livro Mas ele diz que me ama... , aplicação de questionário e reflexão grupal sobre o livro.Participaram da pesquisa 20 mulheres encaminhadas pela justiça. A análise dos títulos atribuídos pelas participantes a sua própria história resultou em quatro categorias que revelaram dimensões da relação duplo-vincular: Ambiguidade de sentimentos; Promessas do parceiro; Constatação da realidade violenta; Perspectiva de nova vida. Essa pesquisa-intervenção facilitou a reflexão das mulheres sobre sua realidade e ofereceu ferramentas para avaliação de riscos da violência. Palavras-chave : violência conjugal, gênero, teoria sistêmica, duplo-vínculo, pesquisa-intervenção
ABSTRACT - The purpose of this qualitative research was to present and discuss the application of the Double-bind Theory to marital violence. Three double-bind criteria were considered: (a) Relationshipof immense emotional value, (b) Paradoxical messages;(c) Impossibility toreflect about the relationship. The methodological strategy consisted in reading the book But he says he loves me... , answering a questionnaire and participating in a group reflection. Twenty women referred by the Judicial System participated in the research. Analyses of the titles women attributed to their stories generated four categories: Ambiguity offeelings; Partner’s promises; Confirmation of the violent reality; Prospect of a new life. This research-intervention facilitated the reflection of women regarding their condition and served as a tool to improve risk assessment. Keywords : marital violence, gender, systemic theory, double-bind; research- intervention. 1 Endereço para correspondência: Centro Empresarial Brasil 21, SHS Quadra 06, Bloco I, Sala 215, Asa Sul, Brasília, DF, Brasil. CEP. 70.316-901. E-mail. billguimaraes@yahoo.com.br O padrão é mais ou menos esse: Beijo! Tapa! Beijo! Tapa! Beijo! Tapa! Para cada tapa, ganhamos um beijo, e para cada beijo ganhamos um tapa. Em qual deles escolhemos acreditar? No beijo, é claro. É o que nos mantém ali (Penfold,2006, p. viii – ix). A dinâmica conjugal violenta leva mulheres a ficarem anestesiadas, ou seja, sem condições de avaliarem o próprio relacionamento e os riscos que correm (Ravazzola, 1997). Elas frequentemente se sentem impotentes e paralisadas diante de sua experiência (Diniz & Pondaag, 2006; Guimarães, 2009; Ravazzola, 1997). Nesse contexto, é evidente que elas terão dificuldades em esclarecer os profissionais sobre suas demandas à Justiça. É mais difícil ainda que consigam decidir – sozinhas e sem apoio adequado – sobre a continuidade ou não do processo criminal contra seus parceiros (Macedo et al., 2012). Esse empobrecimento da percepção exige compreensão de dimensões da dinâmica conjugal violenta e, consequentemente, do tipo específico de ajuda requerida pelas vítimas (Diniz & Pondaag, 2006; Pondaag, 2009). As intervenções da Justiça em casos de violência conjugal, no entanto,ainda são marcadas pela incompreensão da demanda das vítimas (Diniz, 2011; Magalhães, 2011; Soares, 2005). Os profissionais tendem a exigir um claro posicionamento dessas mulheres para a permissão da persecução penal do parceiro agressor ou para arquivar o processo judicial (Guimarães, 2009; Magalhães, 2011). Dessa forma, não levam em consideração que elas podem estar aprisionadas a um padrão relacional contraditório e com grande investimento afetivo (Angelim, 2009; Angelim & Diniz, 2010). É frequente nas audiências, a exigência de que uma decisão sobre os rumos do processo seja tomada rapidamente. Não é oferecida às mulheres oportunidade mínima de reflexão, explicação sobre o processo e orientação sobre as consequências de sua escolha. Esse procedimento pode fazer com que as mulheres se sintam pressionadas e sem saída, justamente no lugar onde deveriam receber apoio e proteção. Corre-se o risco de induzi-las ao arquivamento do processo (Macedo et al., 2012; Magalhães, 2011). Resolve-se o processo judicial, mas ignora-se o conflito conjugal. Tampouco, as mulheres adquirirem uma compreensão ampliada de sua experiência (Diniz, 2011). Esse tipo de postura pode resultar no agravamento da situação: elas
voltam para suas casas fadadas à vivência de repetições dos episódios violentos e descrentes com o Sistema Judiciário (Guimarães, 2009; Magalhães, 2011). O fato é que mesmo nos casos de crime de lesão corporal, em que atualmente a ação penal é pública incondicionada, ou seja, não depende da representação da mulher para seguir com o processo (STF - ADI 4424/2012) em diversos momentos torna-se necessária uma participação ativa da mulher vítima. Uma questão especialmente importante diz respeito à necessidade ou não de instalação, modificação e/ou mesmo a retirada de Medidas Protetivas de Urgência (MPU). Outras questões igualmente relevantes estão relacionadas à necessidade e/ou mesmo à aceitação para participar em acompanhamento psicossocial, buscar refúgio na casa abrigo, notificar às autoridades possíveis descumprimentos de MPU por parte do parceiro, entre outras medidas que venham a ser necessárias durante o processo. Mulheres e homens, seja como casais ou ex-casais, acabam retornando à Justiça diversas vezes sem uma resposta efetiva do Estado (Soares, 2005; Saffioti, 1999; Teixeira, 2009). No intuito de evitar a repetição desse padrão, a avaliação de risco realizada pelos profissionais – operadores do direito, equipe psicossocial, entre outros – deve considerar as condições de reflexão de que as mulheres dispõem para perceberem sua situação e elaborarem as queixas de violência (Angelim, 2009; Macedo et al., 2012). A aplicação da Teoria do Duplo-Vínculo (TDV) aos casos de violência conjugal pode contribuir para a compreensão de dinâmicas relacionais violentas. Tramas do padrão relacional precisam ser desvendadas para que se possa compreender como é difícil e complexa a elaboração de um pedido de ajuda por parte das mulheres. É nosso entendimento que essa teoria pode fornecer ferramentas fundamentais para elucidar parte do “mistério” da permanência e manutenção de um relacionamento violento (Angelim, 2009; Angelim & Diniz, 2010). Este artigo tem como objetivo apresentar a aplicação da Teoria do Duplo-Vínculo (TDV) ao contexto da violência conjugal. Inicia com breve discussão sobre o contexto histórico e as principais características dessa teoria, para então tratar das condições de sua aplicação aos relacionamentos conjugais. Apresenta, em seguida, parte dos dados de pesquisa-intervenção que usou essa teoria como uma das ferramentas que pode favorecer a compreensão do fenômeno e a atuação profissional nesses contextos. Finaliza com reflexão sobre a importância da inclusão da TDV para pensar e lidar com situações de violência conjugal. Teoria do Duplo-Vínculo: Breve contextualização A TDV foi apresentada em 1956 por Gregory Bateson, Don Jackson, JayHaley e John Weakland, no artigo “Rumo a uma teoria da esquizofrenia”. Esses autores constituíam o grupo de pesquisa que fundou o Mental Research Institute
4 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 33, pp. 1- FL Guimarães et al. diversos términos e retornos à relação. Terminar e reconciliar a conjugalidade evidencia a coexistência da expectativa de sair da relação e a esperança de mudança na sua dinâmica (Guimarães, 2009; Walker, 1999). Essa dinâmica relacional torna ambos os cônjuges prisioneiros do paradoxo entre amor e agressão. Tanto homens como mulheres permanecem presos a essa dinâmica. A pressão social e as cobranças recaem injusta e exclusivamente sobre a mulher por ser a pessoa em condição de desvantagem e marcada pelas desigualdades de gênero. As mulheres podem se sentir obrigadas a resolverem sozinhas todos os problemas familiares. Esse dilema as coloca diante de outro paradoxo: “ficar para resolver ou sair para resolver? Elas ficam presas em uma armadilha: se ficam são criticadas, acusadas de gostar de apanhar; se saem, são vistas como fracas, e acusadas de provocarem a ruptura familiar” (Guimarães, 2009, p. 69). A ambivalência de sentimento atinge seu extremo quando ocorre o paradoxo entre amor e ódio. A dinâmica violenta pode aumentar de intensidade e de frequência até atingir um fim trágico: a morte de um dos cônjuges, na grande maioria dos casos da mulher. A tendência é ocorrer o feminicídio (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi,& Lozano, 2002; Waiselfisz,
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 33 pp. 1-10 5 Duplo Vínculo e Violência Conjugal vítima e naturalizar algumas das contradições vividas pelas mulheres” (Angelim & Diniz, 2010, p. 403). Aplicação da Teoria do Duplo-vínculo a Relações Conjugais Violentas Várias pesquisas (Hamilton & Armstrong, 2009; Mahmoud, 2003) defendem a importância de se discutir a dinâmica duplo-vincular nas relações sociais, familiares e conjugais. Poucos estudos relacionam TDV e violência conjugal (Knickmeyer, Levitt, Horne, & Bayer, 2004). Esses autores discutiram como algumas questões religiosas têm características duplo-vinculares e aprisionam as mulheres à dinâmica conjugal violenta. Por mais que os paradoxos possam estar presentes em todas as relações conjugais, defendemos a necessidade de ampliar a compreensão de uma dinâmica relacional violenta. Os critérios discutidos acima vão além das mensagens paradoxais e configuram uma dimensão estruturante da relação violenta. Por estarem arraigados à dinâmica conjugal, a mera constatação do episódio de violência não é suficiente para compreender, intervir e mudar um padrão relacional permeado pelo duplo-vínculo. É preciso promover ou aprimorar a capacidade de reflexão dos/as envolvidos/as na dinâmica conjugal violenta (Angelim, 2009; Macedo, 2013). Esses recursos de reflexão estabelecem limites para o próprio significado da experiência violenta para a vítima. Podem ajudá-la a reconhecer e a superar o padrão de relacionamento duplo-vincular violento e ampliar sua capacidade de avaliar os riscos da violência. Por fim, podem imprimir mais clareza à sua denúncia junto ao Estado (Angelim, 2009; Angelim & Diniz, 2010). Uma mulher inserida em uma dinâmica duplo-vincular está em situação vulnerável. A probabilidade de seu retorno para o relacionamento é alta – mesmo que ele seja permeado pela violência, que não tenha nenhuma perspectiva de mudança, e, inclusive, após a mulher ter buscado ajuda de familiares, amigos e da Justiça. Esse processo leva a um desgaste e descrédito junto à sua rede de apoio familiar e institucional (Angelim & Diniz, 2010). Os autores enfatizam que: enredada num padrão de relacionamento duplo-vincular a vítima e o agressor não dispõem de condições para superar o padrão relacional violento. (...) Esse padrão relacional inviabiliza até mesmo a compreensão de como começaram as agressões. Daí que nesses casos a percepção do padrão relacional torna-se, por vezes, mais importante que o esclarecimento da causalidade linear e dos motivos que permitem os episódios de violência. (Angelim & Diniz, 2010, p. 402) Essa reflexão teórica constitui a base para a apresentação de parte dos resultados da dissertação de mestrado do primeiro autor à luz da TDV e é detalhada e discutida na tese de doutorado do terceiro autor. Os dois trabalhos foram realizados sob a orientação da segunda autora e tiveram como eixo estruturante a necessidade de compreender como homens e mulheres nomeiam e percebem a própria história conjugal violenta. Serão detalhadas a seguir, o método da pesquisa e depois os seus resultados à luz da TDV.
A experiência dos três autores com trabalhos junto a mulheres em situação de violência já havia evidenciado que essas mulheres tendem a minimizar ou mesmo negar suas experiências e suas dores. Tal constatação constituiu um desafio para a construção da pesquisa. Nesse contexto, foi adotada uma estratégia de pesquisa qualitativa a partir do uso de um estímulo indutor de reflexões, no caso o livro Mas ele diz que me ama: Grafic Novel de uma Relação Violenta , escrito por Rosalind B. Penfold (2005). Buscamos, na história de uma mulher vítima, escrita de forma criativa por meio da estratégia de quadrinhos, o elemento potencializador de reflexões sobre a experiência de violência conjugal de outras mulheres. A dimensão inovadora dessa estratégia justifica o caráter exploratório da pesquisa (Seidl de Moura & Ferreira, 2005). Participantes Vinte mulheres em situação de violência conjugal participaram da pesquisa. Todas foram encaminhadas pela Justiça para acompanhamento psicossocial em Núcleos de Atendimento às Famílias e Autores de Violência Doméstica (NAFAVD) da Secretaria do Estado da Mulher (SEM) do Distrito Federal – Brasil.A idade das participantes variou entre 27 a 55 anos. Os níveis de escolaridade foram desde o ensino fundamental incompleto ao superior completo. A diversidade racial foi representada pela presença de mulheres negras, pardas, amarelas e brancas. As crenças religiosas foram a evangélica e a católica. O tempo de relacionamento compreendeu o intervalo de 2 a 35 anos. As mulheres relataram que estavam expostas às agressões por períodos muito distintos, desde 8 meses a 35 anos. Nove mulheres estavam separadas dos parceiros. A quantidade de filhos variou de 1 a 5, duas mulheres relataram não ser mães. A renda variou de zero a quatro mil e quinhentos reais. Os dados demográficos corroboraram dados de outras pesquisas que mostram que a violência afeta mulheres de todas as idades, raças, crenças religiosas, e de diferentes níveis educacional e econômico. Esse resultado reitera que a violência é um fenômeno universal (Kruget al., 2002; Soares, 2005; Walker, 1999). Instrumentos e Materiais Os instrumentos utilizados foram o livro Mas ele diz que me ama (Penfold, 2005); um questionário criado pelos pesquisadores e o Formulário de Acolhimento de Mulheres do NAFAVD. Será apresentada a seguir uma breve descrição dos principais instrumentos. Livro Mas Ele Diz que me Ama. A escolha metodológica pela utilização do livro Mas ele diz que me ama (Penfold,
Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 33 pp. 1-10 7 Duplo Vínculo e Violência Conjugal Grupo Saindo do Cativeiro – GSC P1 Você é a mulher da minha vida. Mas todo mundo que ama não bate, não é amor, e os que dizem ama e mata, isso não é amor. P2 Saindo do cativeiro. Ele não ama nem a si mesmo. P3 O desprezo de um homem. E continua errando. P4 Eu nunca fui feliz com ele. Ele nunca me diz que me ama, nunca falou, é sempre caladão. P5 Teu silêncio e tua frieza me deixam em dúvidas do que sentes por mim. E me engana, ele tem cara de pau. Falar não é fazer, fala que ama e não ama e às vezes ama sem falar. P6 O homem que diz me amar me dirigiu a palavra nesses termos... Eu continuo dizendo que não ama. P7 A decepção de uma sonhadora. E por que as agressões? P8 Mas suas atitudes não condizem. Mas as atitudes dele não condizem. P9 Apesar dos pesares, eu o amo tanto! E por que me trai? Isso não é amor! P10 Eu não conhecia o amor próprio... Não quero nem saber, eu vou me amar mais. Grupo Um Dia Serei Feliz – GSF P11 Mas ele diz não consigo viver sem você. Porque não faz nada para mudar. P12 Deus é fiel. Mas não se esforça para amar. P13 Um dia serei feliz. Mas ele quer me matar. P14 A insistência dele foi em vão. Mas não demonstra. P15 Dê-me mais uma chance, a última! Mas não como antes. Não como eu o amo. P16 Amor e ódio. Mas me faz sofrer. P17 Por que se chama de amor se traz tantas dúvidas, medos e inseguranças. Será mesmo amor? Mas que amor é esse que traz tantas questões e tantas dúvidas. P18 Ele não me ama. Mas não me merece. P19 Ele merece uma chance pra mudar. E que nunca ninguém me ama mais do que ele (perda de tempo!). Tabela 1. Respostas das participantes aos itens 7 e 8 do Questionário sobre o livro questionário. Esse formato possibilita a compreensão mais clara dos critérios do duplo-vínculo. A análise das respostas foi feita com base no entendimento de que a resposta à questão sete do instrumento possibilitou às participantes exporem as anestesias que as aprisionavam ou aprisionam à relação conjugal. A resposta ao item oito permitiu a constatação de que há algo errado no relacionamento: estimulada pela palavra “mas” do título do livro. Ao juntar as duas respostas, foi possível fazer uma reflexão sobre o paradoxo entre as anestesias apresentadas pelas mulheres e a percepção da realidade violenta da conjugalidade. As respostas/percepções das mulheres acerca de suas histórias foram analisadas à luz da TDV. A nomeação/intitulação da própria história por parte das mulheres revelou os paradoxos da presença da violência na relação. A partir da análise desses títulos foram identificadas quatro categorias: (a) Ambiguidade de sentimentos; (b) As promessas do parceiro; (c) A constatação da realidade violenta; e (d) Perspectiva de uma nova vida. Essas categorias serão apresentadas e problematizadas a seguir. Do Título do Livro aos Paradoxos das Histórias Reais A análise conjunta das respostas aos dois últimos itens do questionário permite refletir sobre os paradoxos da ambiguidade de sentimentos e da violência. Esses paradoxos são expostos nos trechos a seguir: P5 : “Teu silêncio e tua frieza me deixam em dúvidas do que sentes por mim” e “E me engana, ele tem cara de pau (...) fala que ama e não ama, às vezes ama sem falar”; P6 :“O homem que diz me amar me dirigiu a palavra nesses termos...” e “Eu continuo dizendo que não ama”; P9 : “Apesar dos pesares, eu o amo tanto!” e “E por que me trai? Isso não é amor!”; P12 : “Deus é fiel” e “Mas não se esforça para amar”; P16 : “Amor e ódio” e “Mas me faz sofrer”; P17 : “Por que se chama de amor se traz tantas dúvidas, medos e inseguranças. Será mesmo amor?” e “Mas que amor é esse que traz tantas dúvidas”. A resposta de P12 “Deus é fiel” pode parecer vaga. Entretanto, a análise desse título em conjunto com o seu relato verbal: “Deus é fiel! Eu tenho fé em Deus, que vai melhorar, eu te garanto”, revela a ambiguidade de sentimentos entre sua esperança de mudança da relação e a constatação de que o parceiro não se esforça para mudar. O paradoxo entre amor e violência tende a deixar as mulheres extremamente confusas sobre o vínculo com seus parceiros (Angelim & Diniz, 2010). Essa característica foi apresentada pelas mulheres dos dois grupos. A ambiguidade favorece a reafirmação do relacionamento, e, diante da dúvida, prevalece a tendência em continuar na relação conjugal. Essa reafirmação reforça a ilusão de que a violência
8 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 33, pp. 1- FL Guimarães et al. não tem solução e contribui para a sensação de que não há como interrompê-la (Walker, 1999). A relação dos cônjuges vai muito além da violência
Os critérios de duplo-vínculo discutidos e aplicados neste trabalho ajudam a compreender como mulheres inseridas em relacionamentos violentos estruturados pela dinâmica duplo- vincular ficam sem recursos para avaliar o risco da violência (Angelim, 2009). O desconhecimento da dinâmica duplo- vincular nessas relações aponta para o total descrédito a que a mulher é submetida, sobretudo quando ela retorna diversas vezes para a relação. Familiares, amigos e, muitas vezes, até
10 Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, Vol. 33, pp. 1- FL Guimarães et al. Macedo, D., Guimarães, F., Tusi, M., Guimarães, R., Chaves, R.,& Ramos, T. (2012). Audiências interdisciplinares e violência contra a mulher: Intervenções psicossociais no âmbito do TJDFT. Em M. Lobão, E. Resende, E. C. B. Roque & V. Brito (Orgs.), Conexões: Teoria e Prática do Trabalho em Redes na Secretaria Psicossocial Judiciária do TJDFT (pp. 13-32). Brasília: Lúmens Juris. Macedo, D. S. (2013). Exercícios para Liberação da Tensão e do Trauma (TRE): Aplicação a situações de violência conjugal. (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília. Magalhães, N. T. (2011). Gênero e violência conjugal: Olhares de um sistema de justiça especializado (Dissertação de Mestrado), Universidade de Brasília, Brasília. Mahmoud, V. M. (2003). Os duplos vínculos do racismo (pp. 293-307). Em M. McGoldrick (Org.), Novas abordagens da terapia familiar: Raça, cultura e gênero na prática clínica. São Paulo: Roca. McGoldrick, M. (1994). As mulheres e o ciclo de vida familiar. Em B. Carter& M. McGoldrick (Orgs.), O ciclo de vida familiar: Uma abordagem para a terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas. Knickmeyer, N., Levitt, H. M., Horne, S. G., & Bayer, G. (2004). Re spondingtomixedmessagesanddouble binds: Religious oriented coping strategies of Christian battered women. Journal of Religion and Abuse, 5 , 55-82. Penfold, R. B. (2006). Mas ele diz que me ama: Graphic novel de uma relação violenta (D. Pelizzari, trad.). Rio de Janeiro: Ediouro. Pondaag, M. C. M. (2009). Sentidos da violência conjugal: A perspectiva de casais (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília. Ravazzola, M. C. (1997). Historias infames: Los maltratos en las relaciones. Buenos Aires: Paidós. Saffioti, H. I. B. (1999). Já se mete a colher em briga de marido e mulher. São Paulo em Perspectiva, 13 (4), 82-91. Seidl de Moura, M. L., & Ferreira, M. C. (2005). Projetos de Pesquisa: Elaboração, redação e apresentação. Rio de Janeiro, RJ: EDUERJ. Soares, B. M. (2005). Enfrentando a violência contra a mulher: Orientações práticas para profissionais e voluntários(as). Brasília: SPM. Teixeira, A. B. (2009). Nunca você sem mim: Homicidas-suicidas nas relações afetivo-conjugais. São Paulo: Annablume. Walker, L. E. A. (1999). The battered woman syndrome. (2º ed.). Nova York: Springer Publishing Company. Waiselfisz, J. J. (2012). Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil – Caderno Complementar 1: Homicídios de Mulheres no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari. Watzlawick, P., Beavin, J.H., & Jackson, D. D. (1995). P ragmática da comunicação humana. São Paulo: Cutrix. (Original publicado em 1967) Recebido em 19.03. Primeira decisão editorial em 21.01. Versão final em 20.02. Aceito em 23.03.2016 n