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Contribuições para a Psicanálise: Freud, Abraham, Ferenczi, Reich e Anna Freud, Notas de aula de Psicanálise

Um resumo das contribuições para a técnica psicanalítica de autores como freud, abraham, ferenczi, reich e anna freud. Descrevemos as diferentes formas de resistência, a neurose de transferência e contratransferência, a importância da linguagem na psicanálise, os problemas técnicos ligados aos transtornos narcisistas e o papel dos analistas na interação entre o id, ego e superego. Além disso, discutimos as críticas à técnica analítica e a importância de autores como erikson, edith jacobson, mahler e kernberg.

O que você vai aprender

  • Quais são as diferentes formas de resistência descritas por Freud?
  • Quais são as contribuições de autores como Erikson, Edith Jacobson, Mahler e Kernberg?
  • Qual foi a primeira contribuição de Freud para a técnica psicanalítica?
  • Quais são as críticas à técnica analítica preconizada por M. Klein e seguidores diretos?
  • Qual é a importância da linguagem na técnica psicanalítica?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Carioca85
Carioca85 🇧🇷

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MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA
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sonalidade real, ou seja, às suas qualidades,
defeitos, idiossincrasias, valores, desejos, as-
sim como ao seu tipo básico de personalidade.
FREUD
Como quase tudo em psicanálise começa
com Freud, serão rastreados os seus passos
mais de perto.
Méritos
1. Nos primórdios da psicanálise, no seu
período pré-científico, Freud tentou o método
da hipnose induzida, principalmente para pos-
sibilitar uma catarse (método ab-reativo) dos
traumas reprimidos.
2. Desiludido com o método (até porque
Freud não era um bom hipnotizador), substi-
tuiu-o pela livre associação de idéias, também
conhecida como regra fundamental. Nos pri-
meiros tempos, não era tão livre como o nome
sugere porque, deslumbrado com a idéia de
fazer um levantamento arqueológico da men-
te, camada por camada dos recalcamentos, ele
forçava suas pacientes histéricas, mediante
uma pressão na fronte, a que elas “espontane-
amente” falassem tudo o que lhes viesse à ca-
beça, quer elas achassem importante quer não.
Posteriormente, em 1896, entendeu o apelo de
uma paciente, Emmy Von N., para que ele “a
deixasse em paz”, pois assim ela cumpriria me-
lhor o papel que lhe cabia na análise.
2
Os Principais Autores das Sete Escolas
de Psicanálise e sua Contribuição à
Técnica. Méritos e Críticas
A essência da sabedoria da psicanálise
não está neste ou naquele autor; está entre eles.
O maior mal da humanidade está no problema
do mal-entendido da comunicação entre as pessoas.
Dando continuidade ao assunto tratado
no capítulo anterior, de modo sumarizado, cabe
traçar um quadro sinóptico das contribuições
à técnica psicanalítica, por parte de autores de
distintas épocas, geografias e escolas, discri-
minando-os individualmente, com as particu-
laridades que tornam a prática clínica bem dis-
tinta uma da outra, embora, de alguma forma,
todas as contribuições estejam, de algum modo,
entrelaçadas, conservando a essência da ciên-
cia psicanalítica. A obra técnica de cada autor
será descrita, de forma resumida, tanto nas con-
tribuições que são julgadas consensualmente
como meritórias quanto, de igual modo, em
separado, nos aspectos que constituem o alvo
de críticas.
Antes, porém, é necessário enfatizar que,
não obstante a técnica psicanalítica venha, des-
de a criação da psicanálise até hoje, sofrendo
ininterruptas e profundas transformações, a
ponto de parecer irreconhecível se se fizer com-
parações entre distintas épocas com a atual, a
posição que assumo neste capítulo é que não
se deve abandonar ou negligenciar as técnicas
mais clássicas, inclusive as pioneiras. Até por-
que muitas inovações técnicas que são propos-
tas às vezes não passam de modismos – por-
tanto, passageiros – ou de uma renovação ilu-
sória. Assim, pelo contrário, no lugar de rene-
gar técnicas anteriores, uma visão contextual
integradora do passado com o presente repre-
senta ser muito enriquecedora. Igualmente, um
outro ponto a considerar é o fato de que, qual-
quer que seja o modelo técnico empregado pelo
analista, ele sempre estará submetido à sua per-
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MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 31

sonalidade real, ou seja, às suas qualidades, defeitos, idiossincrasias, valores, desejos, as- sim como ao seu tipo básico de personalidade.

FREUD

Como quase tudo em psicanálise começa com Freud, serão rastreados os seus passos mais de perto.

Méritos

  1. Nos primórdios da psicanálise, no seu período pré-científico, Freud tentou o método da hipnose induzida, principalmente para pos- sibilitar uma catarse (método ab-reativo) dos traumas reprimidos.
  2. Desiludido com o método (até porque Freud não era um bom hipnotizador), substi- tuiu-o pela livre associação de idéias, também conhecida como regra fundamental. Nos pri- meiros tempos, não era tão livre como o nome sugere porque, deslumbrado com a idéia de fazer um levantamento arqueológico da men- te, camada por camada dos recalcamentos, ele forçava suas pacientes histéricas, mediante uma pressão na fronte, a que elas “espontane- amente” falassem tudo o que lhes viesse à ca- beça, quer elas achassem importante quer não. Posteriormente, em 1896, entendeu o apelo de uma paciente, Emmy Von N., para que ele “a deixasse em paz”, pois assim ela cumpriria me- lhor o papel que lhe cabia na análise.

Os Principais Autores das Sete Escolas

de Psicanálise e sua Contribuição à

Técnica. Méritos e Críticas

A essência da sabedoria da psicanálise não está neste ou naquele autor; está entre eles. O maior mal da humanidade está no problema do mal-entendido da comunicação entre as pessoas.

Dando continuidade ao assunto tratado no capítulo anterior, de modo sumarizado, cabe traçar um quadro sinóptico das contribuições à técnica psicanalítica, por parte de autores de distintas épocas, geografias e escolas, discri- minando-os individualmente, com as particu- laridades que tornam a prática clínica bem dis- tinta uma da outra, embora, de alguma forma, todas as contribuições estejam, de algum modo, entrelaçadas, conservando a essência da ciên- cia psicanalítica. A obra técnica de cada autor será descrita, de forma resumida, tanto nas con- tribuições que são julgadas consensualmente como meritórias quanto, de igual modo, em separado, nos aspectos que constituem o alvo de críticas. Antes, porém, é necessário enfatizar que, não obstante a técnica psicanalítica venha, des- de a criação da psicanálise até hoje, sofrendo ininterruptas e profundas transformações, a ponto de parecer irreconhecível se se fizer com- parações entre distintas épocas com a atual, a posição que assumo neste capítulo é que não se deve abandonar ou negligenciar as técnicas mais clássicas, inclusive as pioneiras. Até por- que muitas inovações técnicas que são propos- tas às vezes não passam de modismos – por- tanto, passageiros – ou de uma renovação ilu- sória. Assim, pelo contrário, no lugar de rene- gar técnicas anteriores, uma visão contextual integradora do passado com o presente repre- senta ser muito enriquecedora. Igualmente, um outro ponto a considerar é o fato de que, qual- quer que seja o modelo técnico empregado pelo analista, ele sempre estará submetido à sua per-

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  1. Sempre visando a acessar as camadas do inconsciente que retinham repressões, ago- ra não só traumas que realmente teriam acon- tecido, mas também fantasias e desejos, Freud formulou uma série de recursos técnicos, que continuam vigentes, e, além da livre associa- ção de idéias, também o da interpretação dos sonhos, o significado de sintomas, atos falhos, lapsos de linguagem e outras incidências da psicopatologia da vida cotidiana.
  2. Gradativamente, foi propondo, formu- lando e recomendando – especialmente no pe- ríodo de 1912 a 1915 – aos “médicos que exer- cem a psicanálise” uma necessária obediência às suas cinco regras técnicas: a aludida regra da livre associação de idéias, a da abstinência, a da atenção flutuante, a da neutralidade e a do amor à verdade.
  3. Coube a Freud a primazia de conceituar algumas das mais importantes concepções téc- nicas que constituem o coração e a alma da psicanálise, que plenamente perduram na atua- lidade, não obstante com significativas e, às vezes, profundas transformações. Entre outras dessas contribuições, é imprescindível mencio- nar a construção de um setting especial, com um número mínimo de sessões semanais (nos primeiros tempos, eram seis), com uma série de combinações de ordem prática, com uma ênfase em trabalhar com um conjunto de fe- nômenos que necessariamente estariam sem- pre presentes na análise.
  4. Dentre tais fenômenos, foi Freud quem primeiro estudou e descreveu as diversas fon- tes e formas de resistência do paciente à análi- se (hoje também se valoriza o surgimento, no analista, da contra-resistência). Igualmente, ele concebeu a presença permanente no ato analí- tico de uma neurose de transferência (no iní- cio, Freud considerou o surgimento da trans- ferência como uma forma de resistência: “o pa- ciente transfere para não ter que se lembrar...”). Também foi ele quem pela primeira vez des- creveu, e nominou, o fenômeno da contratrans- ferência, embora tenha mantido até o fim de sua obra uma certa reserva com relação ao surgimento da mesma na análise, pois sempre persistiu em Freud uma dúvida se um senti- mento de contratransferência não seria nada mais do que uma constatação de que a análise do analista em questão fora malsucedida ou incompleta. Também foi quem descreveu pri-

meiramente o importante fenômeno dos ac- tings, como sendo uma forma de o paciente “agir”, em vez de recordar o que estava recal- cado no inconsciente e no pré-consciente. Igualmente, coube-lhe dar destaque fundamen- tal à atividade da interpretação, junto com a aquisição de insights e o trabalho de elaboração.

  1. Além disso, dentro de uma visão estru- turalista, Freud preparou os analistas a obser- varem a contínua interação entre o id, o ego e o superego (a este último ele também chamava de “ego ideal” e “ideal do ego”, os quais, na atualidade, adquiriram significados próprios e específicos) com a realidade exterior.
  2. Descreveu a importância, na prática clí- nica, dos fenômenos da fixação, da regressão e da representação. Partindo desses conceitos, foram suas as pioneiras considerações sobre as neuroses em geral e as perversões, enfati- zando as manifestações do masoquismo, do exibicionismo e do voyeurismo.
  3. Descreveu um importantíssimo fenô- meno, de grande relevância na técnica, a que emprestou o nome de reação terapêutica nega- tiva, a qual essencialmente atribuía à culpa do paciente, para quem um êxito analítico repre- sentava um triunfo edípico e, por isso, não se sentia merecedor de usufruir do seu sucesso.
  4. Ademais, foi Freud quem lançou as primeiras sementes dos problemas técnicos li- gados aos transtornos narcisistas – hoje ampla- mente valorizados na psicanálise – referentes à persistência da fixação, no paciente adulto, daquela fase do psiquismo primitivo que ele chamou de “sua majestade, o bebê”.
  5. No que se refere aos aspectos psica- nalíticos da linguagem – hoje, por justiça, tão valorizados na técnica psicanalítica –, cabe lem- brar o pioneirismo de Freud em quatro aspec- tos, no mínimo. Um deles, refere-se aos significados opos- tos que estão contidos em uma mesma pala- vra. Vamos nos restringir a um único exem- plo, dado pelo próprio Freud: o termo latino sacer (“sagrado”, em português), que no ori- ginal alemão de Freud aparece como gantz andere, significa uma força que por um lado desperta um sentimento de pavor, mas, por outro, alude a um poder de atração quase irresistível. De sacer deriva a palavra “sacra- mento”, isto é, uma maneira de tornar sagra- do, de fortalecer os vínculos entre os homens

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frase: “a mulher é um continente desconheci- do...”). Dos seguidores diretos de Freud, vou me restringir a citar unicamente quatro autores, entre tantos, que fizeram inovações técnicas: Abraham (considero um primor seu trabalho de 1919, sobre resistência narcisista, ainda per- feitamente atual), Ferenczi (o primeiro analis- ta a insistir para que seus pares adotassem uma elasticidade na técnica analítica, não obstante ele também tenha sofrido severas críticas pelo uso de sua “técnica ativa”), W. Reich (introdutor da análise do caráter, e não só para a remoção de sintomas como era até então) e Anna Freud (a sua contribuição técnica, ainda que discutí- vel, sobre a análise com crianças, a sua descri- ção pormenorizada e sistematizada dos meca- nismos defensivos do ego e a sua importante participação na estruturação da norte-ameri- cana Escola da Psicologia do Ego).

KLEINIANOS

Dentre os indiscutíveis méritos da obra de Melanie Klein, merecem ser mencionados os seguintes:

Méritos

  1. Abriu as portas para a análise de crian- ças, por meio da técnica lúdica, com a utiliza- ção de brinquedos e jogos, sem jamais aban- donar o rigor analítico empregado na análise clássica com adultos.
  2. Igualmente, também foi M. Klein quem deu início à análise de psicóticos, conservando a mesma técnica que a aplicada para pacientes neuróticos comuns, à medida que ela foi con- cebendo e divulgando os primitivos mecanis- mos psíquicos que acompanham o bebê desde o nascimento.
  3. Dentre tais mecanismos primevos, cabe destacar a descrição de uma angústia de ani- quilamento, além das primárias fantasias in- conscientes no bebê recém-nascido, diante da inata pulsão de morte, com o concomitante emprego, por parte do ego incipiente, de defe- sas bastante mais primitivas do que aquelas que Freud e sua filha Anna descreveram.
  4. Assim, a sua concepção do fenômeno da identificação projetiva (hoje aceito por ana- listas de todas as correntes) é considerada im- portantíssima para a técnica analítica. Da mes- ma forma, é fundamental para a técnica o seu conceito de posição esquizo-paranóide e de po- sição depressiva.
  5. Contrariamente a Freud, sabidamente falocêntico, Klein deu uma ênfase seiocêntrica, valorizando, assim, a primitiva relação mãe- bebê, com a respectiva introjeção de objetos, totais e parciais, bons e maus, idealizados e persecutórios.
  6. Também diferentemente de Freud, Klein valorizou, sobretudo, as pulsões agressi- vas, decorrentes de uma inata inveja primária, e as respectivas fantasias inconscientes de ata- ques sádico-destrutivos, sobretudo contra a fi- gura materna (ou no analista, na situação ana- lítica). A técnica analítica do grupo kleiniano concentrava-se na interpretação desses ataques invejosos, os respectivos sentimentos culposos daí decorrentes, além da necessidade de o pa- ciente fazer reparações verdadeiras e constru- tivas.
  7. Em relação à situação analítica, o gru- po kleiniano notabilizou-se pela posição firme na manutenção rigorosa do setting apregoado e na recomendação de que os analistas deve- riam trabalhar e interpretar sistematicamente a neurose de transferência.

São inúmeros os autores kleinianos, pós- kleinianos e neokleinianos que trouxeram inestimáveis contribuições técnicas. Unica- mente a título de exemplificação, a kleiniana J. Rivière descreveu a reação terapêutica ne- gativa que ocorre nas situações em que o pa- ciente aproxima-se do seu “cemitério inter- no” relativo à depressão subjacente. Dentre os pós-kleinianos, é justo citar Rosenfeld, H. Segall, Meltzer e Bion, que foram os pioneiros no atendimento psicanalítico de psicóticos. Rosenfeld desenvolveu estudos posteriores so- bre a organização patológica que ele denomi- nou gangue narcisista, narcisismo de pele fina e de pele grossa, além da inestimável impor- tância para a técnica analítica que advém do seu trabalho, de 1978, sobre psicose de trans- ferência, situação que ocorre com relativa fre- qüência na prática clínica. Para ficar em um

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único exemplo de autor neokleiniano, cabe mencionar J. Steiner, com sua importante des- crição de organização patológica.

Críticas

As maiores críticas, advindas principal- mente dos psicólogos do ego, feitas à técnica analítica preconizada por M. Klein e seguido- res diretos referiam-se aos seguintes aspec- tos: 1) O paciente adulto estaria sendo enca- rado e tratado como um bebê sempre insatis- feito, ávido, com desejos destruidores e com um certo menosprezo aos sentimentos amo- rosos. 2) O uso de um estilo interpretativo algo apriorístico, doutrinário e categórico, com verdades acabadas; desse modo, as in- terpretações só fechariam, no lugar de abrir.

  1. Essa conduta analítica, paradoxalmente, conduziria a uma maior infantilização do pa- ciente adulto. 4) Durante um bom tempo, os kleinianos não teriam valorizado os aspectos ligados diretamente ao narcisismo e à impor- tância que representa a condição de “incom- pletude” do ser humano. 5) O uso de inter- pretações com características superegóicas (como se o paciente fosse um permanente “réu”), algo acusatórias, de certo cunho mo- ralista, com o uso de uma terminologia na base de “bom” e “mau”..., e mescladas com expec- tativas do analista a serem cumpridas pelo pa- ciente, impedindo, assim, a abertura de no- vos vértices de percepção e pensamento do paciente e dele próprio. 6) Uma ênfase exa- gerada na interpretação da inveja, além do fato de que a crença na noção de uma inveja primária inata já condiciona negativamente a “atitude psicanalítica” do terapeuta. 7) Igual- mente, haveria um excessivo radicalismo no setting instituído, a ponto de não tolerar a in- trodução de qualquer parâmetro, por míni- mo e necessário que ele fosse. 8) Uma não- valorização das funções e representações do ego, comparativamente ao id. 9) O uso abu- sivo de interpretações sistematicamente vol- tadas para um reducionismo, freqüentemen- te artificial, centrado no “aqui-agora-comigo- como lá e então”. 10) Interpretações centradas em órgãos (seio, pênis...) e funções primiti- vas podem induzir a uma “doutrinação inte-

lectual” do paciente. 11) Um acentuado des- caso pelos fatos da realidade exterior conti- dos nas narrativas dos pacientes. Os psicanalistas pós e neokeinianos têm feito sensíveis modificações na técnica que os seguidores tradicionais de M. Klein utilizavam, no sentido de uma relativa, porém bastante sig- nificativa, maior elasticidade na aplicação dos princípios técnicos rígidos, sem perder a sua essência.

PSICÓLOGOS DO EGO

Muitos psicanalistas austríacos, ao fugi- rem da perseguição nazista no período que antecedeu a eclosão da Segunda Guerra Mun- dial, instalaram-se nos Estados Unidos. Um deles, Hartmann, juntamente com Kris e Lowenstein, fundou a escola da Psicologia do Ego, a qual encontrou uma ampla aceitação no solo norte-americano, em uma mesma épo- ca em que naquele país havia uma forte incli- nação pela corrente culturalista (Erich Fromm, Karen Horney e outros). Anna Freud foi uma grande inspiradora, incentivadora e colaboradora desta corrente psicanalítica. Posteriormente, surgiram inúme- ros autores importantes, como Erikson (estu- dos sobre a influência da cultura e a formação do sentimento de identidade), Edith Jacobson (descreveu os primitivos processos na forma- ção do self), Margareth Mahler (juntamente com colaboradores, pesquisou, por meio de ob- servação direta, os processos de separação e individuação de crianças pequenas, o que de- terminou significativas modificações técnicas) e, ultimamente, Otto Kernberg (representante da “contemporânea psicologia do ego”, que es- tabelece uma ponte com os teóricos das rela- ções objetais).

Méritos

  1. Os pioneiros, Hartmann e seus segui- dores, propuseram uma maior valorização do ego no trabalho do analista, que até então es- tava concentrado no id.
  2. Partindo, então, do princípio de que nem tudo era id, os psicólogos do ego atribuí-

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nou self-object (objetos originais, formadores do self da criança pequena, chamando aten- ção, na técnica, a necessidade de que o analis- ta desempenhe o importante papel de funcio- nar como um novo self-objeto.

  1. A partir daí, enfatizou a relevância das falhas empáticas da mãe como responsáveis por futuros transtornos narcisistas e neuróticos em geral.
  2. Dentro desse contexto, Kohut propôs a concepção do que ele chamou de self grandio- so (a onipotência mágica do bebê e da criança pequena) e imago parental idealizado (os pais ficam revestidos com essa idealização onipo- tente), ambos de natureza bastante positiva na estruturação do self. Assim, Kohut contribuiu para que, diante de um paciente adulto, o ana- lista veja com bons olhos uma certa permanên- cia desses aspectos, assim reduzindo a carga de sentimentos de culpa, vergonha e fracasso.
  3. No lugar de considerar “o homem cul- pado”, como é clássico nas análises centradas no conflito edípico, de Freud, e nos ataques invejosos, de Klein, Kohut propôs a terminolo- gia “o homem trágico”, que alude a falhas mui- to anteriores a Édipo.
  4. Kohut concebeu um tipo especial de transferência que denominou transferência narcisista, nas suas três graduações: transfe- rência narcisista fusional, gemelar e especular. É justo considerar essa contribuição como um vértice de excepcional importância no empre- go da técnica psicanalítica.
  5. Complementando a importância que representa a função do analista como um novo self-objeto a ser introjetado, Kohut chama a mudança que então se opera no paciente de internalização transmutadora.
  6. Indiscutivelmente, o maior mérito credi- tado a Kohut é o fato de que os seus enfoques nas falhas do psiquismo primitivo permitiram uma nova forma de abordagem, um significativo progresso no tratamento de pacientes excessiva- mente regredidos, principalmente os portadores de transtornos narcisistas da personalidade.

Críticas

A crítica mais candente que fazem a Kohut é o fato de ele desconsiderar Freud a ponto de

considerar que Édipo nada mais é do que uma etapa paralela, que se configura de acordo com a evolução do eixo principal do narcisismo. Com essa posição, Kohut pagou dois pre- ços: o de ter desconsiderado um lugar sabida- mente relevante que, sem dúvida, é o conflito edípico, nas suas múltiplas variantes e deriva- dos psicopatológicos, facilmente revividos e evi- denciados na prática analítica. O outro aspecto provocou o desprezo de um número significati- vo de analistas que, assim, não considerou a sua obra como sendo uma psicanálise verdadeira. Também não resta dúvidas de que Kohut cometeu o mesmo deslize de tantos outros au- tores importantes: tentou aplicar suas concep- ções, tão significativamente válidas para cer- tos pacientes, de forma exclusiva para todo e qualquer tipo de neurose.

LACAN

Indiscutivelmente, o grande inspirador da respeitada Escola Francesa de Psicanálise, Jaques Lacan foi sempre uma figura muito con- trovertida que, entre tantas outras contribui- ções, notabilizou-se pelas seguintes, reconhe- cidas como meritórias:

Méritos

  1. A releitura que fez da obra completa de Freud permitiu rever os historiais clínicos de Freud sob outras perspectivas, muito mais amplas e instigantes.
  2. Seus estudos sobre os estágios do espe- lho possibilitaram entender melhor a forma- ção de precoces mecanismos psicóticos; a alie- nação do bebê no corpo da mãe, a noção de “corpo espedaçado” (corps morcellé); a repre- sentação do corpo no ego da criança pequena, concepção essa que permitiu uma melhor com- preensão, portanto manejo técnico, de trans- tornos psicossomáticos.
  3. Atribui uma importância especialíssima aos desejos e aos discursos dos pais e educado- res em geral na formação do psiquismo da criança, que será o futuro de nosso paciente adulto. A relevância do desejo pode estar con- densada nesta sua sentença: a criança (o sujei-

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to) quer ser o desejo do desejo da mãe, logo, ser o “falo” (poder) dela.

  1. A importância do discurso – que é feito por meio de mensagens verbais ou não-verbais, com significantes, predições, expectativas, atri- buição de lugares e papéis, mandamentos e imperativos categóricos – adquire tal magni- tude na obra de Lacan, que cunhou esta frase, de excepcional importância para a prática clí- nica: “O inconsciente é o discurso do outro”. Talvez Lacan tenha-se inspirado no filósofo Hegel quando este afirma que “não é o indiví- duo que cria a linguagem, mas a linguagem, no contexto histórico, é que cria o indivíduo”.
  2. Os significantes (resultam mais da au- dição do discurso), com os conseqüentes sig- nificados (referem-se mais aos conceitos dados aos significantes), constituem a coluna verte- bral da técnica da psicanálise, porquanto se pode dizer, de forma extremamente reduzida, que em Lacan uma análise consiste em decodi- ficar e nomear a rede de significantes. Assim, creio que cabe afirmar que, nessa perspectiva, a maior tarefa do analista é a de identificar a voz do significado patogênico, no meio da polifonia dos significantes.
  3. Também pode-se creditar a Lacan o resgate da importância da figura do pai (que ficou muito apagada durante a hegemonia da teoria seiocêntrica de M. Klein). Assim, Lacan denominou lei do pai (ou nome do pai) a ne- cessidade de um pai interpor-se como uma cunha delimitadora e separadora da fusão simbiótica mãe:bebê. Não é difícil darmo-nos conta da importância do papel do analista, não só no papel transferencial de mãe continente, como também na de pai, que frustra e impõe limites.
  4. Em relação à transferência propriamen- te dita, Lacan tem uma posição muito autênti- ca, especial e diferente daquela que se consti- tuía como um pilar invariável na psicanálise: a interpretação sistemática na neurose de trans- ferência. Pelo contrário, ele se insurge contra o excessivo uso da interpretação transferencial, com o argumento de que essa técnica repre- senta um sério risco de reforçar uma maior idealização e dependência do paciente, justa- mente o que uma análise quer impedir. Para Lacan, a transferência deve ser interpretada quando houver a evidência de algum obstácu- lo realmente transferencial, manifesto por an-

gústia, sintoma ou atuação. Igualmente afir- ma que pode haver sessões que são psicanalí- ticas, sem que haja interpretações transferen- ciais (e vice-versa), assim como também con- sidera que o ato analítico acontece, de fato, quando o analista ocupa um lugar – o de uma escuta privilegiada – e uma posição – o de fa- zer intervenções sem aceitar a condição de “su- jeito suposto saber”.

  1. Em relação ao fenômeno contratrans- ferencial, a partir do seu livro Escritos: uma se- leção (1966), Lacan dispensou o termo “contra- transferência” com o argumento de que esse dava a entender uma reciprocidade entre o paciente, preso na transferência, e o analista pela contratransferência, porém tal relação está longe de ser igual. Assim, em sua opinião, o desejo precípuo do paciente é que ele seja o objeto de desejos do analista; o analista, por sua vez, também tem desejos: no mínimo, ser um bom analista e que a análise evolua com sucesso. O risco é que ele se deixe envolver pelo desejo e aceite o papel de s.s.s.
  2. Relativamente à interpretação, Lacan destaca a necessidade de o analista promover uma “castração simbólica” do paciente, isto é, fazê-lo transitar do plano do imaginário para o plano do simbólico. Segundo Lacan, a inter- rupção da fusão diádica com a mãe (repro- duzida com o analista) deixa uma marca inde- lével de uma “falta de algo”, algo que se deseja e se teme (lembra a sensação do “estranho” ou do “sinistro” – unheimlich – de Freud) e que, a partir daí, fica sendo o gerador do desejo.
  3. Lacan concede uma grande valoriza- ção à linguagem – a sua afirmativa de que o inconsciente estrutura-se como uma linguagem já diz tudo, de modo que ele usava bastante o re- curso de desdobrar os significados contidos na composição de uma palavra, nome próprio, pe- daço de frase...
  4. Uma observação especialmente im- portante é que na sua técnica analítica Lacan prioriza sobremodo os aspectos cognitivos.
  5. Para Lacan, o momento culminante de uma sessão analítica é aquele no qual o pa- ciente sofre uma castração do desejo imaginá- rio, de sorte a atingir um nível simbólico. Ba- seado nisso, ele estipulou que não se justifica a duração de uma sessão ser obrigatoriamente cronológica, em torno dos habituais 50 minu- tos, mas, sim, a duração deve ser variável, de

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nais em psicanálise, esclarecendo muita coisa do desenvolvimento emocional primitivo e do que se passa no vínculo analítico.

  1. Desde quando era pediatra, Winnicott utilizou com seus pequenos pacientes dois jo- gos que criou. Um, o jogo da espátula – um objeto metálico brilhante que ele deixava à vis- ta da criança para observar como ela brincaria com ele –, o qual lhe permitiu criar o conceito de hesitação diante da tomada de decisões. O segundo é o jogo do rabisco (squiglle, no origi- nal), que consiste no ato de que ele construía com a criança um desenho; assim, ele fazia um primeiro rabisco, a criança continuava com outro rabisco e assim sucessivamente, até com- pletarem de modo espontâneo a forma final do desenho. Particularmente, considero esse jogo de extraordinária importância como um modelo de técnica psicanalítica, no sentido de que, em uma situação analítica, o analista e o paciente devem exercer uma atividade lúdica do tipo que podemos chamar de “rabisco ver- bal”, até construírem um insight.
  2. Outro conceito de Winnicott de excep- cional importância técnica é a sua concepção de verdadeiro self e de falso self, ambos convi- vendo concomitantemente no psiquismo de um mesmo sujeito.
  3. Ao contrário de M. Klein, Winnicott era bastante flexível com as combinações do setting, inclusive no tempo de duração das sessões, que, diferentemente de Lacan, não raramente, con- forme as circunstâncias, ultrapassavam bastan- te os clássicos 50 minutos. Contam que uma vez alguém lhe perguntou se ele também atendia casos de psicoterapia, ao que respondeu dizen- do que não sabia o que era aquilo, mas sabia, sim, que era psicanalista e que fazia psicanálise de duas ou de uma sessão semanal.
  4. Ao longo de seus textos, Winnicott foi um mestre na formulação de paradoxos. Por exemplo, dizia ele, referindo-se ao setting:

Recria-se um ambiente íntimo e familiar, evocando um ambiente íntimo e familiar, evocando uma primitiva maternagem, a um mesmo tempo que se exclui todo o con- tato e gratificações diretas que não sejam as psíquicas.

Acredito que o recurso técnico de formu- lar paradoxos para os pacientes tem-se mos-

trado de grande valia, porquanto estimula a reflexão e a capacidade para fazer a integração dos opostos e contraditórios.

  1. Em uma época na qual poucos auto- res animaram-se em relatar experiências contratransferenciais, Winnicott teve a cora- gem de escrever O ódio na contratransferência (1944), um trabalho importante para a técni- ca analítica, simplesmente porque era verda- deiro, trouxe à lume aquilo que com determi- nados pacientes qualquer analista pode e deve sentir, assim desmitificando, tornando natural e, logo, trazendo alívio e maior tranqüilidade ao terapeuta.

Críticas

Muitos críticos argumentam que a empol- gação de Winnicott, com a ênfase na mãe real e no ambiente exterior, em contraposição a M. Klein, fez com que ele fosse até um pólo opos- to ao dela, de sorte que ele passou a subesti- mar a importância do papel das fantasias in- conscientes. Segundo os mesmos críticos, a atitude “humanística” de Winnicott prejudicava uma necessária imposição de frustrações necessá- rias, assim dificultando o surgimento de senti- mentos que acompanham a vida de qualquer pessoa, como os raivosos, por exemplo.

W. BION

Bion, que foi discípulo, analisando e se- guidor de M. Klein, é considerado um autênti- co inovador da prática da psicanálise. Sua obra estende-se por quatro décadas: os anos 40, mostrando que, diferentemente de M. Klein, interessava-se por aspectos sociais, foram de- dicados à prática e aos estudos sobre dinâmica de grupos; a década de 50 foi voltada para a análise de Psicóticos; a de 60, a mais frutífera de todas, é chamada de Epistemofílica, pela razão que ele demonstrou um interesse todo especial pelos fenômenos do conhecimento, pensamento, linguagem, comunicação, víncu- los, verdades e falsificações, etc., tendo publi- cado vários livros sobre esses temas, hoje con- sagrados. Na década de 70, começou a viajar, atendendo a convites, por lugares do mundo

MANUAL DE TÉCNICA PSICANALÍTICA 41

(só no Brasil, esteve quatro vezes), ministran- do conferências, debates, supervisões e semi- nários clínicos, ao mesmo tempo em que pu- blicou textos com um teor algo místico. Apesar do fato de Bion não ter publicado nenhum livro ou texto direta e especificamen- te dirigido à técnica psicanalítica, é inegável que, nas entrelinhas de seus pronunciamentos, nos quais ele sempre se referia à prática clíni- ca, a técnica está sempre presente, com con- cepções originalíssimas.

Méritos

  1. Bion teve a sabedoria de conservar tudo o que aprendeu de Freud e de M. Klein, e, sem contestá-los, somente adicionou uma continui- dade às concepções daqueles dois (ele é o ter- ceiro) gênios da psicanálise, porém criou no- vas idéias teóricas, portanto também técnicas, inteiramente originais.
  2. A meu juízo, foi o autor que mais eqüi- distante ficou entre M. Klein (pulsões sádicas destrutivas, fantasias inconscientes terroríficas, etc.) e D. Winnicott (valorização da mãe e do ambiente facilitador no desenvolvimento emo- cional primitivo da criança, etc.), além de tam- bém ter valorizado os aspectos heredocons- titucionais que variam de pessoa para pessoa.
  3. O seu intenso trabalho clínico com pa- cientes de natureza psicótica, permitiu-lhe con- ceber aspectos interessantíssimos sobre a nor- malidade e a patologia dos fenômenos de per- cepção, pensamento, linguagem, comunicação e ataques aos vínculos de ligação, todos eles de extraordinária repercussão no manejo téc- nico com pacientes em geral.
  4. A abrangência para “pacientes em ge- ral” deve-se ao fato de que Bion concebeu, em todas as pessoas, a coexistência permanente entre uma parte neurótica e uma parte psicótica da personalidade (predominância de pulsões tanáticas, uso excessivo de identificações proje- tivas, a tríade da onipotência, onisciência e prepotência, etc.). A necessidade de o analista trabalhar para o paciente admitir um acesso a essa sua parte psicótica trouxe inestimáveis mudanças técnicas.
  5. Em relação ao primário vínculo da mãe com o filho (equivale ao do analista com o seu paciente), Bion aprofundou a importância da

função de rêverie materno, a função de conti- nente da mãe (ou analista) ter condições de acolher e conter as necessidades e angústias que, por meio de excessivas identificações projetivas, os filhos (pacientes) colocam den- tro dela. Assim, representa um fundamental avanço técnico a noção de que o analista deve, acima de tudo, ter bem desenvolvida essa ca- pacidade de continência, para que, além de conter a carga nele projetada, também possa decodificar o seu significado, dar um sentido e devolver para o paciente, devidamente desinto- xicada e, sobretudo, nomeada.

  1. Em relação aos vínculos, ele descreveu três tipos: o do amor, do ódio e do conhecimen- to, sendo que ele deu uma ênfase especial a este último, particularmente quando ele está sinalizado negativamente: - K (vale lembrar que “K” é a inicial de knowledge, isto é, conhe- cimento), ou seja, quando o paciente não quer tomar conhecimento das verdades analíticas. Creio que está mais do que evidente a enorme importância que isto representa para a técnica analítica, especialmente no que se refere ao destino que as interpretações do analista to- mam no psiquismo do paciente, por mais cor- retas que elas tenham sido.
  2. Um mérito especial que cabe a Bion é o fato de ele haver enfatizado que toda análise é um processo de natureza vincular entre duas pessoas que vão enfrentar muitas angústias diante dessas verdades, e isso impõe que o ana- lista possua aquilo que ele denomina condições necessárias mínimas.
  3. Dentre essas últimas, cabe garimpar, em estilo telegráfico, as seguintes: ser verda- deiro; um permanente estado interrogativo, de descobrimento; a mencionada capacidade de ser continente, aliada a uma “função alfa”; uma capacidade negativa (isto é, uma condição de suportar, dentro de si, sentimentos negativos, como é, por exemplo, o de um “não saber”); uma capacidade de intuição; um estado de pa- ciência e de empatia; a necessidade de que, na situação analítica, a mente do analista não es- teja saturada por memória, desejo e ânsia de compreensão imediata, além de também ter dado a entender que o analista, como pessoa real, é um importante modelo de identificação para o paciente.
  4. Bion propôs o modelo da mente como se fosse um mapa-múndi, composto por vá-