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A passagem do discurso acadêmico para o poético é brusca e sem aviso. Sinto profundamente a queda de valores de palavras que deixaram de ter significado como o ...
Tipologia: Resumos
Compartilhado em 07/11/2022
4.6
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José Fernando Amaral Stratico (UEL) GT:Territórios e Fronteiras Palavras-chave: Lygia Clark, proposições, performance
Esta comunicação apresenta, por meio da análise de discurso, um estudo crítico dos textos poéticos de Lygia Clark, cujo foco é a proposição, de modo a apontar para as narrativas sobre o corpo ali contidas. Tais narrativas dizem respeito ao ser mulher e à relação com o outro, de maneira a corporificar histórias sobre o universo corporal. No conjunto da obra de Clark, o discurso poético é evocado como jogo e narrativa imbuída de um poder restaurador.
As abordagens lingüísticas de Lygia Clark são compostas por veios temáticos de pensamento e exegese. A noção de veio nos remete a um fluxo contínuo, sem origem definida, cujo conteúdo flui sem autoria, e cujo movimento também não se estanca. Em relação às proposições - que é nosso foco para o momento - identificamos veios temáticos que se articulam como referências/contexto , objetivos/propósitos , conexões , o outro , o ato , o espectador-autor , o verbo-propositivo. Além destes veios temáticos, identificamos um veio poético que se mistura aos outros veios, de modo a formar um todo orgânico sem comparação na arte brasileira. Trata-se da construção poética de Clark que discutiremos a seguir. O veio poético do discurso de Clark ocupa um lugar relevante. Está presente em suas cartas, nas entrevistas, bem como nos catálogos de exposições e artigos. Há que se notar que sua literatura poética nunca está sozinha. Os textos poéticos de Clark estão sempre inseridos em outros textos de cunho jornalístico ou crítico. É como se nenhuma das duas abordagens – poética e acadêmica – prescindisse uma da outra. A abordagem poética representa uma tentativa de comunicar ou de criar um outro espaço no próprio discurso. Este é o espaço de imagens e associações livres, que na maioria das vezes, não diz respeito diretamente a nenhum conceito estético ou proposição. São apenas imagens, que criam uma dimensão simbólica em torno das análises criticas que Clark faz a respeito de seu próprio trabalho. Um bom exemplo desta articulação entre poesia e análise crítica está presente no catálogo da Fundação Antoni Tàpies, cujo texto “Da Supressão do Objeto (Anotações)” inicia-se com uma análise sobre a ligação entre arte e patologia, em que Clark apresenta alguns exemplos de trabalhos de artistas cujos corpos passam a ser a temática e obra. Clark defende, no início de seu texto, a perda da autoria, o que, argumenta a artista, aconteceria em Caminhando. Porém, o cunho acadêmico-crítico do texto logo cede lugar para uma fruição poética, que toma conta do discurso. As imagens poéticas remetem-nos a sonhos de Clark, alguns relatados, inclusive, em cartas a Oiticica. A passagem do discurso acadêmico para o poético é brusca e sem aviso.
Sinto profundamente a queda de valores de palavras que deixaram de ter significado como o “gênio” e a “obra”, o individualismo. Penso e vivo a morte. Sinto a multidão que cria em
cima do meu corpo, minha boca tem gosto de terra. Faço o meu mausoléu com caixas de fósforos...”(CLARK, 1975, p 2)
O que segue é uma sucessão de imagens oníricas que compõem o discurso até que, novamente, o texto se racionaliza e retoma o propósito da reflexão crítica sobre a perda da autoria e supressão do objeto artístico. A simbologia arquitetada por Clark parece tocar um sentido messiânico de seu papel como artista. Como o texto mencionado acima indica, Clark produz a imagem de um corpo entregue como sacrifício. A morte do(a) artista criaria uma perspectiva de salvação. Clark vislumbra nesta morte a re-descoberta da vida. Clark exalta a possibilidade de re-encontro com a totalidade da vida (mundo), cujo processo desencadeia a tristeza e memória de si mesmo (nostalgia). A nostalgia do corpo diz respeito a esta triste memória e estado de melancolia de um corpo fragmentado que busca sentir-se um todo. O corpo nostálgico e atávico descrito por Clark é um corpo sem gênero, e se localiza nos antigos discursos sobre uma humanidade constituída por um homem genérico. Porém, em alguns momentos, o homem generalizante do discurso de Clark, cede espaço para um ser andrógino altamente sexuado:
A nostalgia do homem de ser coberto, unificado no grande corpo. Quantos sexos ele tem, acho que são vários e que ele copula consigo próprio. (CLARK, 1975, p 2)
Em outros momentos, é o corpo feminino da própria artista que ocupa o espaço no discurso, e é então que uma relação estreita se estabelece entre o corpo vivo geral do mundo, e o seu organismo erótico imediato – o espaço erótico da artista:
Sonho: Me vi nua, enorme, eu era a paisagem, o continente, o mundo. (CLARK, 1975, p 3)
Clark faz aqui uma referência ao “corpo do mundo” – social, fisiológico e erótico e ao seu próprio corpo entregue ao outro, em sacrifício e também como fonte de prazer. Esta conexão entre o corpo erótico e a entrega contida nos processos das proposições marca o veio poético de seus textos, e salienta, embora Clark não o faça claramente, o caráter de autodestruição, auto-anulação contido na elaboração e ato das proposições. A necessidade e força das construções poéticas de Clark, provavelmente indicam esta intenção de eliminar qualquer elemento intermediário no resgate do corpo e da vivência autêntica:
A percepção da arquitetura da idade média em que a mesma é ainda um corpo, abrigo poético, tendo o homem ainda necessidade de habitá-lo. (CLARK, 1975, p 3)
Aqui Clark enfatiza o valor do espaço nesta busca por uma autenticidade tanto da percepção como da relação com o mundo. Sua abordagem sobre o espaço remete-a ao espaço primeiro em que o feto se move. Este é o espaço anterior à própria significação, em que há apenas uma relação direta de unicidade com o
Me sinto como caldeirão da própria porra, processo, me sinto toda lá até antes do nascer e acho que é nesse misturar que ora aparece a menina, o leite na mamadeira, a adulta- adúltera, a louca, a velha de cinco mil anos de idade...” (FIGUEIREDO, 1998, p 207-208)
O trecho acima, escrito em Paris, em carta a Oiticica, evoca o espaço semiótico^1 , o qual diz respeito a um espaço anterior ao estabelecimento da significação. Clark tem consciência de que transita por esta região do vazio gerado pelo nascimento e conseqüente desligamento do corpo da mãe. Para restaurar o corpo ela precisa re-visitar esta região. O ato gerado pelas proposições altera a percepção do mundo para se deparar com a desestruturação do eu, de modo a restaurá-lo. Existe aí uma narrativa embutida, que apresenta o corpo como mecanizado e destituído de vida. O corpo massificado, o corpo objeto, situa-se no mesmo nível dos objetos de consumo. Trata-se de um resgate da humanidade perdida e de uma suposta relação autêntica com o próprio corpo e com o mundo exterior. O conceito de vida presente nos escritos de Clark segue esta noção de resgate, de quebra da relação mecanizada entre o eu, o corpo e o mundo exterior.
A tecitura dos veios temáticos de Clark indica a existência de narrativas mais amplas e longínquas. O ato, a proposição, o outro, o sexo, o espectador, a obra e demais temas do discurso de Clark possuem uma genealogia específica. Embora não possamos, no momento, identificar claramente esta genealogia, é possível concluir que estas são narrativas mais amplas e antigas, e que se ligam inevitavelmente ao corpo e sua conceituação. A busca de uma verdade contida no corpo e na relação com o outro é uma prática comum da Body Art , e é neste contexto que o discurso de Clark se situa. O corpo que a obra e o discurso de Clark apresentam possui uma história de “perda do ser”, uma história de distanciamento de uma verdade intrínseca, e de construção de auto-cortornos. Esta é uma história de um ser que perdeu sua identidade porque perdeu sua própria verdade simbólica (fantasmática); porque perdeu a relação direta com o corpo/ser do outro. Trata-se, assim de uma história sobre o corpo/ser que se articula como base para uma prática restauradora.
AYALA, Walmir. ‘Corpo a Corpo.’ Jornal do Brasil. Rio: 17/11/71. ____‘Lígia Clark: Proibido Estacionar Hoje.’ Jornal do Brasil. Rio: 03/02/68. BRETT, Guy. ‘Lygia Clark: Seis Células’. Lygia Clark. (Trad. A. C. O Mundo de Lygia Clark). Barcelona: Catálogo Fundação Antoni Tápies, 1998, p 7. ____. ‘Arte de Vanguarda e Terceiro Mundo’. Art and Criticismo. (Trad. A. C. o Mundo de Lygia Clark). Winchester: Out. 1979, p 3. CLARK, Lygia. Lygia Clark. Textos de Lygia Clark, Ferreira Gullar e Mário Pedrosa. Rio: FUNARTE,
(^1) Utilizo aqui o conceito de semiótico, como Julia Kristeva o define. (KRISTEVA, 1993)
____. “Da supressão do objeto (Anotações)”. Catálogo da Fundação Antoni Tàpie, trad. e aquivo da A. C. o Mundo de Lygia Clark. Navilouca. Rio de Janeiro, 1975. ____. ‘A Sensível Manifestação’. Jornal do Brasil. Rio: 10/11/71. ____. ‘Lygia Clark, uma Arte sem Consumo’. O Estado de São Paulo. São Paulo: 06/02/71. ____. ‘Lygia Clark e a Proposição da Imanência’. Jornal do Brasil. Rio: 06/01/ FIGUEIREDO, Luciano (ed). Lygia Clark – Hélio Oiticica – Cartas – 1964-74. Rio: Editora UFRJ, 1998. GULLAR, Ferreira. ‘Lygia Clark – Um Ser Novo no Universo da Arte’. O Globo. Rio: 01/04/88. ____. ‘Não-Objeto. Prêmio da Bienal. Lygia Clark.’ Jornal do Brasil. (Suplemento dominical). Rio: 17/09/61. ____. ‘Clark: Uma Experiência Radical’. Jornal do Brasil. (Suplemento Dominical) Rio: 22/03/59. JARDIM, Reynaldo. ‘Em Busca do Tempo. Lygia Clark Vira o Espaço pelo Avesso.’ Jornal do Brasil (Suplemento dominical) Rio: 16/04/61. KRISTEVA, Julia. Desire in Language - A Semiotic Approach to Literature and Art. Oxford: Blackwell,
MILLIET, Maria Alice. Lygia Clark: Obra-Trajeto. São Paulo: EDUSP, 1992.