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Uma análise da tradução de luto e melancolia, de sigmund freud, realizada pela psicanalista marilene carone, publicada em 2011 pela editora cosac naify. Renata bazzo, mestre em psicologia pela puc-sp, discute a importância e relevância de republicar uma tradução feita 20 anos antes, especialmente quando consideramos a existência de traduções mais recentes do texto freudiano. O artigo também aborda as críticas a traduções anteriores e as escolhas de tradução feitas por carone, comparando-as com as versões mais recentes. Além disso, o texto discute as críticas a traduções ocidentais de freud e as condições brasileiras.
Tipologia: Notas de aula
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Mestre em Psicologia pela PUC-SP
Publicada pela primeira vez na Revista Novos Estudos em 1992 1 , a tradução de Luto e Melancolia , de Sigmund Freud, realizada pela psica- nalista Marilene Carone, foi apresentada ao público, em 2011, na forma de livro pela Editora Cosac Naify. Nesta edição, encontram-se, além da tradução propriamente dita, um prefácio de Maria Rita Kehl, um pequeno texto de Modesto Carone, no qual se esboça o percurso de Marilene Carone como tradutora da obra de Freud e, finalmente, um posfácio de Urania Tourinho Peres, no qual a autora expõe um pequeno histórico da questão da melancolia na psiquiatria e na obra freudiana.
Poderíamos nos perguntar qual a importância e relevância de republicar uma tradução feita 20 anos atrás, principalmente se consi- deramos que essa publicação pode ser contada em uma série de tra- duções mais recentes do texto freudiano, que por ora saem em portu- guês, provavelmente estimuladas pelo do fim do domínio de direitos autorais, completados 70 anos da morte do autor. Cabe lembrar que atualmente existem dois projetos para tradução das obras completas de Freud em português pela Editora Companhia das Letras, desde 2010, conduzido por Paulo César de Souza, e também pela Editora Imago, desde 2004, sob a direção de Luiz Alberto Hanns. O leitor pode encontrar também disponível em português, desde 2010, algumas traduções do texto freudiano feitas por Renato Zwick para a Editora L&PM. Além disso, o mais recente projeto de tradução da Editora Autêntica, denominado “Obras Incompletas de Freud” e coordenado
Renata Bazzo
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por Gilson Iannini, acaba de lançar seus dois primeiros volumes em edição bilíngue.
O texto de Luto e Melancolia foi escrito por Freud em 1915 e pu- blicado em 1917, classificado como pertencente ao conjunto de textos que compõem a metapsicologia. Tendo como pano de fundo a primei- ra guerra mundial, é possível encontrar nessa e nas outras obras desse mesmo período (“ Introdução ao Narcisismo ”, “ Considerações atuais sobre a guerra e a morte ”, “ A transitoriedade ”) a constelação temática da morte, do luto, do sentimento de culpa, da perda e do trabalho psíquico que envolve a sua elaboração. Na tentativa empreendida por Freud de explicar a melancolia sob o paradigma do luto, o leitor poderá perce- ber em status nascendi as ideias sobre o super-eu e a pulsão de morte, que só seriam desenvolvidas alguns anos mais tarde pelo psicanalista.
Devido à centralidade desse texto, ele já se encontra traduzido por Hanns^2 (2006) e Souza^3 (2010) em seus projetos, portanto em versões mais recentes que o trabalho de Marilene Carone. Ainda assim, a nosso ver, há razões para sustentar que o trabalho de Carone conti- nua atual, como mostraremos em seguida.
Junto às novas edições mencionadas acima e que vêm agora a público, os interessados também podem usufruir de apresentações importantes a respeito dos principais debates e problemas de tradução dos textos freudianos, solidificando assim a fortuna crítica concernen- te ao vocabulário teórico do psicanalista vienense no Brasil. Em 1996, Luiz Alberto Hanns apresentou o Dicionário Comentado do Alemão de Freud , composto por 40 vocábulos selecionados como os mais controversos e para os quais faz um estudo vertical profícuo. Além disso, Paulo César de Souza (1999) e Paulo Heliodoro Tavares (2011) apresentam o panorama dos problemas e das críticas que cercam os principais projetos de tradução da obra de Freud no Ocidente, inserindo nesse quadro as considerações sobre as condições brasileiras. Além dessas obras de referência, há atualmente importantes debates sobre o tema em artigos de periódicos. Neste Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade , por exemplo, consta recentemente o texto de Ivan
Renata Bazzo
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a autora elenca os principais problemas, que vão desde a linguagem rebuscada (“ Peço vênia, para fazer um relato ” que poderia ser traduzido por “ Permitam-me fazer um relato ”), ao uso das opções utilizadas em inglês e que soam artificiais para o português (“ mutual relationships ” que poderia ser traduzido por “ relações recíprocas ” mas foi traduzido por “ relações mu- tuais ”), além dos erros crassos de tradução (“ he was pretending to widdle ” para “ ele estava pretendendo fazer pipi ”) e das metáforas que foram traduzi- das ao pé da letra (“ newly-fledged man of Science” traduzido como “ um cientista recém-emplumado ”).
Na continuação de sua crítica, publicada em outubro do mesmo ano^7 , Carone assinalou a existência da falta de unidade terminológi- ca no que se refere a alguns dos principais conceitos freudianos na tradução brasileira, possibilitando que em cada volume do conjunto das obras completas estivesse presente uma tradução diferente para o vocábulo. Ela sublinha, além disso, o aparente paradoxo desse fato ao demonstrar como outros vocábulos que não são conceitos fundamen- tais da obra freudiana receberam bastante atenção nesta versão em português, conferindo a eles um status até então inexistente. Esse pa- radoxo revela que, se por um lado houve desleixo na tradução, houve também uma decisão ideológica que norteou seu percurso. Desse modo, as escolhas da tradução apontadas por ela no artigo anterior são fruto não apenas do descaso com o texto fonte, mas principalmen- te uma opção de leitura da teoria e da clínica em psicanálise, transfor- mando conceitos fundamentais em termos corriqueiros e atribuindo dignidade de conceito aos vocábulos menores.
Essas críticas ressoam ainda na tradução de Luto e Melancolia. Na versão publicada pela Editora Cosac Naify, o leitor pode encontrar um quadro em que a tradutora apresenta, compara e comenta as versões de tradução para passagens e expressões importantes do texto freu- diano. Assim, ela compara a versão original em alemão, a versão in- glesa de James Strachey, a tradução brasileira da Standard Edition e a sua própria versão, seguida de seus comentários e considerações.
Nesse quadro, é possível reencontrar alguns dos apontamentos da autora que estavam presentes no primeiro artigo de Folhetim publi- cado 1985. De modo geral, a crítica de Carone não incide sobre as opções de Strachey para a versão inglesa, mas sim continua a enfren-
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tar as opções da versão Standard Brasileira. Para além dos absurdos como traduzir “ Abusing it ” por “ abusando ”, também há a tradução de “ Alternation ” por “ Alteração ”. Diante dessa solução, o comentário de Carone limita-se a uma pequena frase na qual questiona se seria esse um “Erro ou cochilo de revisão?” (pp. 94-95).
Em termos de estilo, Carone destaca a tradução da frase “ The consciousness is aware ” por “ A consciência está cônscia ” e afirma: “Um grande escritor como Freud certamente jamais se permitiria um pleonasmo tão grosseiro como esse...” (pp. 96-97). Ainda assim, talvez o erro mais grave da tradução brasileira apontado nesse quadro síntese seja a tradução de “ Substitution of identification for object-love ” por “ Substituição da identificação pelo amor objetal ”. Como o leitor poderá notar ao seguir as hipóteses de Freud no texto, essa opção inverte totalmente o sentido da argumentação a respeito dos destinos do investimento libidinal na melancolia.
No entanto, a publicação da versão de Carone não se limita a ser apenas uma reedição das críticas outrora realizadas. A pertinência de publicar o seu trabalho vinte anos depois de sua primeira publica- ção deve-se à condição de seu texto que, embora antigo, não se tornou datado. Além de representar certamente um grande avanço em relação à tradução disponível à época, para qual ela dirigiu tantas críticas, o trabalho de Carone também se mostra à altura das traduções que foram realizadas anos depois. Um indício disso é que até hoje é possível encontrar nos trabalhos posteriores de tradução de Luto e Melancolia as soluções elegantes dadas por Carone. Talvez a mais conhecida tenha sido a expressão que está presente no parágrafo 12 do texto “ Ihre Klage sind Anklagen ” que Carone traduz por “ Para eles, queixar-se é dar queixa ”. Na versão brasileira anterior, essa frase encontrava-se traduzida por “ Suas queixas são realmente ‘queixumes ’”. Segundo a versão recente de Hanns: “ Seus lamentos e queixas [Klagen] são acusações [Anklagen] ”, mantendo-se os termos originais do alemão entre colchetes. Paulo César de Souza, por sua vez, acata a solução de Carone. O tradutor, em nota de rodapé, afirma que Carone conseguiu encontrar uma proposta capaz de con- servar o jogo de palavras presente no texto original (p.180).
Comparando a tradução de Carone com as duas novas traduções, podemos perceber como a sua versão mantém-se atual.
Além disso, pode-se dizer até mesmo que a psicanalista repre- senta um marco nas traduções de Freud para o português no Brasil, uma vez que, ao criticar a edição anterior, ela estabeleceu uma exigên-
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pacientes, que muitas vezes são muito inteligentes, mas nem sempre são eruditos. O Isso impessoal está ligado diretamente a determina- das formas expressivas do homem normal. “Isso [ Es ] me abalou”, se diz, “havia algo em mim [ es war etwas in mir ] que naquele momento era mais forte que eu”. “ C’était plus fort que moi ”. (p. 183)
Contudo, essa ressalva não deve comprometer a principal imagem que se tem ao ler a tradução de Carone: Freud com rigor e estilo.
Referências Bibliográficas:
CARONE, M. Freud em português: uma tradução selvagem. Folhetim, Folha de São Paulo , 21 de Abril 1985.
_______. Freud em português (capítulo II). Folhetim, Folha de São Paulo , 20 de Outubro 1985. CHAVES, E. A Pulsão: de Freud a Benjamin. Cult , São Paulo, v. 181, pp. 36-41, 2013.
ESTÊVÃO, I. Retorno à querela do Trieb : por uma tradução freudiana. Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade , n. 19, 2012, pp. 79-106. FREUD, S. Luto e melancolia. In: ______. Sigmund Freud Obras Completas. Vol. 12. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Trabalho original publicado em 1917). _______. Luto e melancolia. In: ______. Obras psicológicas de Sigmund Freud. Vol. II. L. A. Hanns (Coord.). Rio de Janeiro: Imago Ed., 2006.
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- CEBRAP , 1992, n. 32, pp. 128 -142. _______. ¿Pueden los legos ejercer el análisis? Diálogos con un juez im- parcial. In: ______. Obras Completas. Vol. XX. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1992. (Trabalho original publicado em 1926).
SOUZA, P. C. de. As palavras de Freud – O vocabulário freudiano e suas versões. São Paulo: Ática, 1999. TAVARES, P. H. Versões de Freud: breve panorama crítico das traduções de sua obra. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2011.
_______. ‘Esperando Freud’ ou ‘Psicanalistas à procura de um autor’. Cult (São Paulo), v. 181, 2013, pp. 26-29.