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Análise sociológica: Condicionamento social em obras de Menalton Braff - À sombra do cipre, Exercícios de Literatura

Uma análise sociológica da literatura, utilizando-se da crítica sociológica de antonio candido, para o estudo de duas obras de menalton braff: à sombra do cipreste e a coleira no pescoço. O texto aborda a interação entre o 'externo' (aspectos sociais) e o 'interno' (estruturas narrativas), além da importância da memória na construção de significados e a utilização de técnicas literárias como repetição sonora e aliteração. O documento também discute a relação entre as obras e as ideias, a influência da organização social, econômica e política, e a posição de braff em relação às classes.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pamela87
Pamela87 🇧🇷

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unesp
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
NATALÍ FABIANA DA COSTA E SILVA
SUTILEZAS ENTRE O INTERNO E O
EXTERNO:
literatura e sociedade nos contos de Menalton
Braff
ARARAQUARA
S.P.
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Baixe Análise sociológica: Condicionamento social em obras de Menalton Braff - À sombra do cipre e outras Exercícios em PDF para Literatura, somente na Docsity!

unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP

NATALÍ FABIANA DA COSTA E SILVA

SUTILEZAS ENTRE O INTERNO E O

EXTERNO: literatura e sociedade nos contos de Menalton

Braff

ARARAQUARA – S.P.
NATALÍ FABIANA DA COSTA E SILVA

SUTILEZAS ENTRE O INTERNO E O

EXTERNO: literatura e sociedade nos contos de Menalton

Braff

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários.

Linha de pesquisa: Teorias e crítica da narrativa

Orientador: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires

Bolsa: Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

ARARAQUARA – S.P.
NATALÍ FABIANA DA COSTA E SILVA

SUTILEZAS ENTRE O INTERNO E O

EXTERNO: literatura e sociedade nos contos de Menalton

Braff

Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários.

Linha de pesquisa: Teorias e crítica da narrativa Orientador: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires Bolsa: Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

Data da defesa: 04/05/

MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

Presidente e Orientador: Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires Universidade Estadual Paulista – FCL/Araraquara

Membro Titular: Profª Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi Universidade Estadual Paulista – FCL/Araraquara.

Membro Titular: Profª Dra. Tânia Pellegrini Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Local : Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara

Para Gustavo, companheiro de sonhos e inquietações.

El fondo brota de la forma, y no la inversa. O mejor dicho: cada forma secreta su idea, su vision del mundo. La forma significa; y más: en arte sólo las formas poseen significación. Octavio Paz (1982, p.304)

RESUMO

Nossa pesquisa de mestrado procura apontar as relações entre a literatura e o seu condicionamento social em À sombra do cipreste (1999) e A coleira no pescoço (2006), livros de contos de Menalton Braff, autor brasileiro contemporâneo. A análise de orientação sociológica surgiu porque os contos de Menalton, ao mesmo tempo em que proporcionam uma leitura de cunho intimista pelas crises das personagens, linguagem poética, fluxo de consciência, emprego da técnica impressionista e expressionista, entre outros aspectos, integram em sua estrutura as formas com que as relações sociais, valores e orientações ideológicas interferem nas personagens e contribuem para a economia do texto. Para mostrar as imbricações entre texto e contexto, recorremos ao método analítico de Antonio Candido, a crítica sociológica , baseado nas obras Literatura e Sociedade (1965) e Formação da literatura brasileira (1997). Além disso, nosso embasamento teórico está centrado em outros autores que dialogam, direta ou indiretamente, com a crítica sociológica de Candido, como João Alexandre Barbosa, ( A leitura do intervalo. Ensaios de crítica , 1990, e Alguma crítica, 2002), René Wellek e Austin Warren, ( Teoria da literatura , 1965), Luiz Costa Lima ( Teoria da literatura em suas fontes , 2002) e Octavio Paz, ( O arco e a lira, 1982). Propusemos uma divisão do corpus em quatro frentes temáticas, Morte/Memória , Relações familiares , Abandono/Solidão e Embate social como método que auxiliasse a leitura dos contos analisados (treze no total). Essa divisão, contudo, buscou apontar o tema sobressalente em cada conto e não propor uma leitura estanque das temáticas, uma vez que, de modo geral, cada narrativa transita entre os quatro grupos. Para essa divisão utilizamos Tomachevski (“Temática”, 1973) e o Dicionário de termos literários , de Massaud Moisés, 1974. A partir desses pressupostos teóricos, buscamos averiguar em que medida o aspecto social estaria presente nas estruturas da narrativa braffiana. Os resultados obtidos neste trabalho apontam para textos que abordam problemas sociais como incomunicabilidade, passividade, solidão, ineficácia, falência e insucesso do ser humano através de uma linguagem poética, metafórica, que faz uso da técnica impressionista e, em alguns casos, expressionista, além de um recorrente apelo aos ritos da memória que, associados ao tempo psicológico (predominante), produzem uma narrativa intimista.

Palavras-chave : Literatura brasileira contemporânea; Literatura e sociedade; Imbricações texto e contexto; Conto; Menalton Braff.

LISTA DE QUADROS

Quadro I Subdivisão dos contos em áreas temáticas 25

Quadro II Características das personagens 89

SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................. 11

1. A crítica sociológica............................................................................................ 15 1.1. Sociedade ............................................................................................ 15 1.2. Divisão por temas .............................................................................. (^23) 2. Traços impressionistas, ecos expressionistas .................................................. 27 2.1. Dois modos de expressão dos contos braffianos ................................. 27 2.2. O Impressionismo .............................................................................. 27 2.3. O Expressionismo .............................................................................. (^33) 3. Análises dos contos ............................................................................................ 40 3.1. Temática Morte/Memória ................................................................ 41 “À sombra do cipreste” ...................................................................... 41 “A coleira no pescoço” ....................................................................... (^47) “No dorso do granito” ........................................................................ (^53) Considerações acerca da temática Morte/Memória ........................... 58 3.2. Temática Relações familiares .......................................................... 60 “Crispação” ........................................................................................ 60 “Domingo” ......................................................................................... “Homens magros” .............................................................................. “O banquete” ...................................................................................... Considerações acerca da temática Relações familiares ...................... 3.3. Temática Abandono/Solidão ............................................................ “Os sapatos de meu pai” ..................................................................... “Elefante azul” ................................................................................... “O relógio de pêndulo” ....................................................................... Considerações acerca da temática Abandono/Solidão ....................... 3.4. Temática embate social .................................................................... “Moça debaixo da chuva: os ínvios caminhos” ................................. “O bezerro de ouro” ........................................................................... “O rico sorriso de Rita” ..................................................................... Considerações acerca da temática Embate social **...............................

  1. Aspectos narrativos e a sociedade de Menalton Braff ...................................** 4.1. A sociedade em À sombra do cipreste e A coleira no pescoço ..........

Conclusão .................................................................................................................. Referências ................................................................................................................ Bibliografia consultada ............................................................................................

Dicionário de termos literários , de Massaud Moisés, 1974. Estas obras foram fundamentais para os aspectos teóricos, analíticos e metodológicos deste trabalho. Sempre que possível, procuraremos articular o pensamento desses teóricos a fim de que fique clara e justificada nossa escolha pela crítica sociológica e nossa divisão temática do corpus. A leitura de orientação sociológica surgiu porque os contos de Menalton, ao mesmo tempo em que proporcionam uma leitura de cunho intimista pelas crises das personagens, linguagem poética, fluxo de consciência, entre outros, também deixam implícitas as formas com que as relações sociais, valores e orientações ideológicas interferem nas personagens e contribuem para a economia do texto. Achamos pertinente a aplicação desse método tão-somente porque ele parte do texto, nosso objeto de estudo, respeitando sua configuração interna. Assim, a leitura do corpus selecionado deverá inicialmente verificar o uso de linguagem poética, a aparição de personagens e suas crises, o fluxo de consciência, o tipo de narrador, o tempo psicológico sempre mais explorado, em detrimento do cronológico e certo grau de impressionismo e, então, a partir dessa exploração de elementos intrínsecos à narrativa, estabelecer em que medida, nesses contos, incorporam-se os ecos da sociedade contemporânea. Basear-nos-emos em ensaios de João Alexandre Barbosa, pois o autor, consoante com a ideia de Antonio Candido (1965 e 1997) de que a análise do texto literário deve partir de seu interior para depois relacionar-se com fatores externos, (em A leitura do intervalo. Ensaios de crítica, 1990), formula a seguinte definição de literatura: Na verdade, o que se chama de literatura é o trabalho com os significantes responsáveis pela criação daquela multiplicidade de significados que tecem a tensão que envolve e desafia o leitor. Por isso, aquilo que é mais do que literatura na leitura da obra literária está sempre referido a uma organização específica de significantes, de tal maneira que os significados extraídos da leitura (psicológicos, históricos, sociais etc.) são definidos por aquela organização. Eis, portanto, outro paradoxo: aquilo que não é literatura é dependente, na existência concreta da obra literária, da intensidade com que foi possível trabalhar os significantes (BARBOSA, 1990, p.15-16).

Se o significado da obra é regido pela organização de seus elementos internos, qualquer fator extra-literário passa a ser literário, pois o trabalho da análise é conseguir relacioná-los. Nesse sentido, adotaremos a definição de literatura de João Alexandre Barbosa, uma vez que estabelece diálogo com o método crítico de Antônio Candido e, portanto, atende a nossas demandas: uma orientação sociológica nas análises dos contos e não, simplesmente, sociologismo crítico. Além da crítica sociológica , estabelecemos um método de leitura para os contos que os agrupou em áreas temáticas, facilitando a análise. Essa escolha metodológica se justifica pelo fato de o corpus desse estudo ser consideravelmente extenso e propiciar a aparição de elementos recorrentes nos contos. A divisão em temas foi baseada em “Temática”, de Tomachevski (1973) e também no Dicionário de termos literários , de Massaud Moisés (1974). Os temas mais recorrentes em À sombra do cipreste e A coleira no pescoço são Morte/memória , Relações familiares , Abandono/Solidão e Embate social. Todavia, é importante ressaltar que a divisão temática não objetiva uma única possibilidade de leitura, tampouco queremos afirmar que a classificação dos contos em um tema seja estanque. Ao contrário disso, em cada narrativa encontramos as quatro classificações, mas o predomínio de um tema foi o que nos conduziu por essa divisão. Há, portanto, quatro grandes grupos temáticos que cercam os treze contos de À sombra do cipreste (1998) e A coleira no pescoço (2006). As obras, no entanto, possuem dois modos de expressão: boa parte das narrativas evidencia o uso da técnica impressionista, enquanto

outras, o uso da expressionista. Ambos os modos de expressão serão trabalhados posteriormente. O capítulo 1 dedica-se a problematizar o método de análise literária empregado por Antonio Candido. Para tal, faremos uma contraposição ao método da sociologia da literatura , pois este executa as análises embasado no estudo sociológico. Ao comparar, justificaremos nossa escolha, bem como a relacionaremos à divisão dos contos em quatro grupos temáticos. O capítulo 2 trata sobre o Impressionismo e Expressionismo, que são os dois modos de expressão braffiano. Apontamos as características principais de ambos os movimentos artísticos, bem como exemplificamos, brevemente, como eles são empregados pelo autor. O capítulo 3 é destinado às análises dos contos. Essa seção é divida em quatro para atender à divisão temática proposta. Ao final de cada eixo temático, elaboramos uma breve consideração a respeito dos contos, com vistas a identificar os pontos de contato entre eles. Finalmente, o quarto capítulo fala sobre aspectos narrativos comuns a todos os contos. Além disso, procura identificar a sociedade que surge em À sombra do cipreste (1999) e A coleira no pescoço (2006) e as personagens que a povoa.

alhures, é marcado por teorias que visavam o estudo da literatura à luz da sociologia, como é o caso do positivismo, marxismo ou determinismo. No período do pós-guerra, a crítica engajada de Jean Paul Sartre ganhou força e levantou a bandeira do intelectual engajado e seu projeto ético e estético. As ideias de Lucien Goldmann, discípulo de Lukács, marcaram a intensificação dos estudos na área da sociologia da literatura. Entretanto, o surgimento dos vários formalismos modificou a visão de alguns teóricos a respeito das críticas de tendências sociais, projetando-as para longe de seus interesses. A partir de então, para esses, o recorte produzido na literatura proporcionaria apenas uma visada interna dos elementos estruturantes da narrativa. Ainda assim, a crítica voltada à preocupação da obra e seu condicionamento social não perderia espaço nas vozes lúcidas de um Antonio Candido, um Octávio Ianni ou um Alfredo Bosi. Literatura e sociedade , de Candido (1965), inicia com as observações do autor a respeito das situações a que a crítica de cunho sociológico foi submetida: Nada mais importante para chamar a atenção sobre uma verdade do que exagerá-la. Mas também, nada mais perigoso, porque um dia vem a reação indispensável e a relega injustamente para a categoria do êrro, até que se efetue a operação difícil de chegar a um ponto de vista objetivo, sem desfigurá-la de um lado nem de outro. É o que tem ocorrido com o estudo da relação entre a obra e o seu condicionamento social, que a certa altura do século passado chegou a ser vista como chave para compreendê-la, depois foi rebaixada como falha de visão, - e talvez só agora comece a ser proposta nos devidos termos (CANDIDO, 1965, p.03).

Com esses autores, a crítica sociológica e a sociologia da literatura ganharam maior destaque na crítica literária brasileira. Além disso, seu estudo sistemático aponta cada vez mais para as diferenças existentes entre ambas as abordagens. Não apenas a crítica sociológica como também a sociologia da literatura dialogam com a relação texto/contexto, por isso, é importante que se faça a distinção entre os dois métodos, para que a nossa opção pelo primeiro fique clara e justificada. De acordo com Antonio Candido (1965), à sociologia da literatura falta o valor estético^2 : Aqui, é preciso estabelecer uma distinção de disciplinas, lembrando que o tratamento externo dos fatôres externos^3 pode ser legítimo quando se trata de sociologia da literatura, pois esta não propõe a questão do valor da obra, e pode se interessar, justamente, por tudo que é condicionamento [...] sem a orientação estética necessariamente assumida pela crítica (CANDIDO, 1965, p.04).

De acordo com Luiz Costa Lima (2002), a sociologia da literatura é um método de análise que, além de valorar as obras não por um critério estético, mas por um critério que seja vigente para a sociedade na qual a obra se insere, tem uma visão instrumentalista da linguagem e trata o texto como mero indicador ou documento histórico-social, apontando sempre para fora de si.

(^2) Em relação aos trabalhos que abordam a sociologia da literatura, é necessário ressaltar que essa falta de que

fala o autor trata-se apenas da questão estética, porque não se pode negar que tais estudos possuam valores, contudo, de naturezas distintas àqueles dos esperados para a literatura.

(^3) O “externo”, para nós, refere-se aos aspectos sociais; o “interno”, às estruturas da narrativa, como espaço,

narrador, personagem, tempo, fluxo de consciência, entre outros. Para Antonio Candido, os fatores externos não existem senão vinculados à estrutura interna da obra e, por isso, é trabalho do crítico literário estabelecer como os fatores externos são incorporados pela narrativa. Diz João Alexandre Barbosa, em Alguma crítica (2002), que cabe ao crítico “pescar” o modo de internalização de tais aspectos externos. Mais à frente estes conceitos serão melhor explicados.

Para a sociologia da literatura , as obras importam como documentos históricos ou exemplificações de determinados movimentos da sociedade e são utilizados por pesquisadores sedentos em constatar certos comportamentos ou tendências sociais expressos também na obra literária. Caberia a um sociólogo desempenhar esta função e, para ele, a linguagem, elemento fundamental da literatura, serviria apenas como instrumento para veiculação do discurso. Trabalhos como a verificação da “voga de um livro, a preferência estatística por um gênero, o gosto das classes, a origem social dos autores, a relação entre as obras e as ideias, a influência da organização social, econômica e política, etc.” (CANDIDO, 1965, p.04) fazem parte da sociologia da literatura ; é “tratamento externo de fatores externos” à obra e, portanto, de cunho científico (CANDIDO, 1965, p.04). Para René Wellek e Austin Warren (1965), o estudo extrínseco^4 da literatura incorre, muitas vezes, no erro de tratar a literatura e a sociedade por meio de uma relação de causa e consequência:

O estudo extrínseco, conquanto possa meramente tentar interpretar a literatura à luz do seu contexto social e dos seus antecedentes, na maior parte dos casos torna-se uma explicação causal, que pretende justificar a literatura, explicá-la e, finalmente, reduzi-la às suas origens [...]. Causa e efeito são incomensuráveis: o resultado concreto destas causas extrínsecas – a obra de arte – é sempre imprevisível (WELLEK, R.; WARREN, A, 1965, p.89).

Ainda para os autores, a sociologia da literatura visa aos fatores externos apenas, não se preocupando com o estudo intrínseco da literatura:

À sociologia da literatura competirá rastrear a exata posição social dessa nova classe [de escritores profissionais que surgiram nos tempos modernos], o grau de sua dependência da classe dominante, as exatas fontes econômicas do seu sustento, o prestígio do escritor em cada sociedade (WELLEK, R.; WARREN, A, 1955, p. 122).

De acordo com Jack Warwick no artigo “Um caso-tipo de aplicação do método sociológico: os escritores canadianos-franceses e a sua situação minoritária” (In: BONHÔTE et al., 1989), Lucáks e Lucien Goldmann são os grandes representantes desse pensamento e ambos buscam com ele encontrar, nas obras analisadas, a visão de mundo que é comum ao escritor e ao grupo social ao qual ele pertence - portanto, buscam analisar a literatura de maneira coletiva. Afirma Warwick que em Le Dieu cachê , Goldmann postulava que em uma obra de grande qualidade, o escritor “seria um indivíduo cuja visão abrange o conjunto da consciência do grupo” (BONHÔTE et al., 1989, p.223) a que pertence. Elsberg (1989) acrescenta que para Lucien Goldmann “a forma do romance [...] oferece-se a vós como a transposição, no plano literário, da vida cotidiana da sociedade individualista, nascida da produção para o mercado” (p. 275). Afirma ainda que Goldmann tenta estabelecer relação entre a estrutura social e econômica e estrutura literária. Diferentemente do pensamento de Goldmann e Lucáks, para Antonio Candido (1965) e (1997), à crítica sociológica importa o valor estético; ela atenta-se, destarte, ao estudo interno da linguagem, ou seja, às estruturas narrativas, ao tempo, ao espaço, ao narrador, às personagens, ao foco narrativo, ao ritmo, imagens, melodia, etc., mas “não prescinde o conhecimento da realidade humana, psíquica e social, que anima as obras e recebe do escritor a forma adequada” (CANDIDO, 1997, p.29). Esse tipo de análise valoriza os fatores internos à obra, mas questiona a importância do elemento histórico-social dentro dela: quer saber em que medida ele (o fator histórico-social) possui significado para a economia do texto, ou seja,

(^4) Entendemos “extrínseco” como sinônimo de “fatores externos” e “intrínseco”como “fatores internos”.

maneira, ao se empregar uma análise sociológica da literatura, as questões referentes ao contexto social deverão apoiar-se na estrutura narrativa, pois se não o fizer estará simplesmente colaborando para a crítica sociológica em termos temáticos, e não estruturais: Quando fazemos uma análise dêste tipo, podemos dizer que levamos em conta o elemento social, não exteriormente, como referência que permite identificar na matéria do livro a expressão de uma certa época ou de uma sociedade determinada; nem como enquadramento, que permite situá-lo históricamente; mas como fator da própria construção artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo. Neste caso, saímos dos aspectos periféricos da sociologia, ou da história sociologicamente orientada, para chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator de arte. Quando isto se dá, ocorre o paradoxo assinalado anteriormente: o externo se torna interno e a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas crítica. O elemento social se torna um dos muitos que interferem na economia do livro, ao lado dos psicológicos, religiosos, lingüísticos e outros (CANDIDO, 1965, p.07).

A definição de “sistema literário” de Antonio Candido presente em Formação da literatura brasileira (1997) é elucidativa para entendermos a questão da superação dos binômios. De acordo com ele, “sistema literário” é

[...] um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, além das características internas, (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização. (CANDIDO, 1997, p.25).

Não apenas importante à época da formação da literatura brasileira, mas válido também hoje, o “sistema literário” conecta obras, autores e público leitor em uma mesma sintonia que permite a apreensão do conteúdo social por trás de todo o trabalho estético. Portanto, toda obra de arte possui uma dimensão social porquanto o escritor está inserido em uma sociedade que lhe imputa valores. Ao identificá-los, o crítico supera o binômio interno/externo quando examina tais valores dentro de uma perspectiva estética. Embora fale sobre poesia, Octavio Paz também abordou as aporias do interno e externo. Estes elementos fazem parte do fazer poético e são inerentes às palavras que, se remetidas ao referencial, têm poder para transcendê-lo: [...] um poema puro seria aquele em que as palavras abandonassem seus significados particulares e suas referências a isto ou aquilo, para significar apenas o ato de poetizar – exigência que acarretaria seu desaparecimento, pois as palavras não são outras senão significados disto ou daquilo; ou seja, de objetos relativos e históricos. Um poema puro não poderia ser composto de palavras e seria literalmente indizível. Ao mesmo tempo, um poema que não lutasse contra a natureza das palavras, obrigando-as a ir mais além de si mesmas e de seus significados relativos, um poema que não tentasse fazê-las dizer o indizível, permaneceria simples manipulação verbal. O que caracteriza o poema é sua necessária dependência da palavra tanto como sua luta por transcendê-la. Essa circunstância permite uma indagação sobre sua natureza como algo único e irredutível e, simultaneamente, considerá-la como uma expressão social inseparável de outras manifestações literárias (PAZ, 1982, p. 225).

Se a literatura possui como meio de expressão específico a linguagem, também na narrativa as palavras são referenciais e transcendentes ao mesmo tempo e, por isso, podemos

aplicar o questionamento de Octavio Paz ao conto ou ao romance e ratificar a ideia de que o texto literário permite uma leitura que conjugue elementos intrínsecos e extrínsecos, formando a “estrutura” narrativa – comunhão de forma e conteúdo – a que Wellek e Warren discutem em Teoria da literatura (1965). Em “O método crítico de Antonio Candido” (In: Alguma crítica, 2002), João Alexandre Barbosa discorre sobre a crítica sociológica e endossa a opinião de Candido. O trecho a seguir visa a elucidar e ratificar o ponto crucial dessa abordagem crítica, a de que toda interpretação, bem como condicionamento social (ou psíquico, histórico, etc.) presentes na obra são construídos a partir dos fatores internos, porquanto não há significado sem forma. Dessa maneira, o que Candido pretende clarificar é que não se deve existir o binômio interno/externo, pois quando a crítica parte dos elementos internos e assimila os fatores sociais, “a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas crítica” (CANDIDO, 1965, p.07):

Não é o crítico que transforma o elemento externo em interno, mas, sim, o próprio processo de construção da obra, a ele cabendo a habilidade de fisgar a transformação, que é sempre o resultado de uma prática analítica ancorada na consciência da linguagem literária. Para o crítico [Antonio Candido], não há, segundo leio o autor, preferência possível: a sua atividade passa por entre as tensões suscitadas pelo movimento de internalização que é a obra literária, a não ser que, ao invés de crítico literário, ele se identifique, por exemplo, como sociólogo, psicólogo ou historiador. [...] Nenhum condicionamento, seja ele biográfico, psicológico, histórico ou social, será suficiente como elemento explicativo convincente para a criação de uma literatura, da mesma maneira que nenhum juízo de valor terá resistência se não estiver fundado nos deslizamentos incessantes entre condições e processos de construção (BARBOSA, 2002, p. 142-143).

Nossa preferência pela crítica sociológica é, portanto, devido à sua preocupação estética que busca unir texto e contexto em uma relação dialética. Partir dos elementos internos é condição primordial e implica respeito ao texto literário quando o objetivo é a interpretação da obra de arte.

1.2. Divisão por temas

Um total de treze contos foi selecionado a fim de se cumprir os objetivos desta pesquisa: analisar os contos do escritor contemporâneo Menalton Braff a partir da opção metodológica pela crítica sociológica. Algumas razões levaram à delimitação desse corpus para a análise: primeiramente, é válido ressaltar que o autor possui uma vasta produção temática e, em função disso, se por vezes os temas indicam a clara relação entre literatura e sociedade, em alguns casos essa relação é difícil de ser estabelecida; em segundo lugar, boa parte das características identificadas em suas narrativas pertence a um vasto arsenal histórico-literário, desde o Impressionismo até a literatura contemporânea, passando pelo Expressionismo e até mesmo pelo Fantástico^5 e, por último, a escolha de treze contos justifica-se pela tentativa de contemplar toda a diversidade encontrada em duas obras literárias distintas no que concerne a diferença temporal de produção: À sombra do cipreste, que é de 1999, e A coleira no pescoço, de 2006.

(^5) Nesta pesquisa não nos ateremos aos contos fantásticos, pois estaríamos desviando de nosso objetivo inicial,

uma vez que teríamos que tratar de axiomas e métodos distintos à crítica sociológica.