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Introdução: A emoção. Em que consiste a cognição social e a Teoria da mente? 1. O desenvolvimento de intenção, emoções e crenças.
Tipologia: Provas
Compartilhado em 07/11/2022
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Introdução: A emoção Em que consiste a cognição social e a Teoria da mente?
**1. O desenvolvimento de intenção, emoções e crenças
Espaço e Linguagem Introdução: a emoção “Emoção” é o termo que se usa para fazer referência a uma classe de estados internos e de experiências pessoais. Os estados são inferidos a partir de transformações somáticas e neurofisiológicas que implicam manifestações faciais, corporais e de conduta, as experiências são uma interpretação e avaliação do estado emocional (1). Ambos, os estados e as experiências, requerem certa atenção, tanto às situações que os provocam como à percepção das transformações corporais e de conduta. Mas a interpretação requer também memória autobiográfica baseada na habilidade cognitiva de recordar as experiências pessoais, os objetos e os eventos, e certo grau de conhecimento de si mesmo, ou consciência do eu, que reúna informação sobre o que a pessoa é, o que era ou pode ser. A atenção requerida pode ser mínima, dependendo do tipo de emoção e da intensidade, por exemplo no caso do medo, mas pode ser mais alta, no caso da vergonha. Chegando a este ponto é necessário fazer uma diferenciação, porque uma vez que passamos do conceito elementar e cotidiano de emoção, que tipicamente se relaciona com o medo, a ira, o amor ou aborrecimento, a discussão científica se baseia em critérios para categorizar o domínio emocional. Enquanto uns defendem uma distinção entre emoções básicas e complexas, outros apelam à avaliação e aos aspectos cognitivos e culturais (2). Para as emoções básicas, a consciência não é necessária, mas as emoções complexas requerem certa habilidade cognitiva, por exemplo uma autoimagem (2). A habilidade cognitiva facilita que os sujeitos sejam capazes de perceber, discriminar, individualizar, associar, recordar, comparar as experiências emocionais e atribuir a elas uma denominação linguística. Assim, quando uma pessoa diz “sou feliz” ou “estou contente”, faz uma avaliação de seu estado do tipo reflexiva. A reflexão sobre seu próprio estado deriva de uma consciência do eu, ainda que emoções não sejam apenas uma questão individual, mas também social, e não somente uma questão interna, mas também externa. As transformações, as experiências e condutas são influenciadas pelos outros e pela cultura da comunidade. O individual ou social serve para diferenciar as emoções individuais das que se constituem em um marco social quando se interage com outras pessoas, a questão interna e externa serve para diferenciar a experiência de sensações endógenas, como a sensação de mal estar corporal ou a ansiedade, da expressão mais exógena das emoções (^3 ). A expressão emocional se observa na cara, na voz, no corpo e nas atividades das pessoas. Porém, nem sempre há correspondência entre a expressão e as experiências. A expressão pode ser camuflada quando há discrepância entre emoção real e emoção expressa; pode ser dissimulada, como se exemplifica na expressão com “cara de paisagem”, e pode ser controlada, por exemplo, pela socialização familiar e cultural que tolera ou não certas expressões. Na descrição anterior, usamos as noções de estado, experiência e expressão emocionais, a elas devemos agregar as noções de situações com as quais se relacionam as emoções e de léxico linguístico que servem para denominá-las. Mas esta descrição não estaria completa sem a apelação aos desejos que constituem as metas que guiam a ação, e sua consecução serve para predizer a ação consequente e as emoções associadas (^4 ). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^1) Lewis, 2008. (^2) Clore y Ortony, 2013; Engelen, et al. , 2009. (^3) Arias, 2008; Lewis, 2008. (^4) Arias, 2008.
4 Espaço e Linguagem As ideias anteriores serviram de base para a investigação de Josef Perner e Heinz Wimmer que utilizaram o método de “inesperada transferência” na localização de um objeto para a compreensão infantil de falsa crença (^9 ). Por exemplo, depois que as crianças descobriram que uma caixa de biscoitos na realidade continha lápis em lugar de biscoitos, perguntava-se a elas o que uma nova criança que não havia visto o interior da caixa poderia pensar sobre o que ela continha. Os pré-escolares menores diziam “lápis”; os maiores, com uma melhor compreensão das crenças, diziam “biscoitos”. Ter uma “Teoria da mente” implica o uso de tais atribuições de atitudes proposicionais em nossa compreensão da conduta própria e da dos outros. Quando usam “compreender” os estudos se referem à predição de como a pessoa vai atuar, à explicação do porque atuou dessa maneira ou à descrição do comportamento em termos psicológicos. As funções de explicar e descrever se encontram restritas à linguagem, mas a predição não tem por que ser verbal: em geral, podemos antecipar a própria atuação e reação e a dos outros, assim como suas consequências, sem recorrer sempre à linguagem. No entanto, em algumas situações, o observador e o observado não compartilham a predição, a explicação ou a descrição. O observador não compartilha o objeto de desejo, o medo ou a crença do observado e, portanto, pensa que existe um mal entendido, uma percepção errônea, uma falsa crença na visão de mundo do observado (^10 ). Premack e Woodruff argumentaram que a verdadeira prova de que uma pessoa tem uma “Teoria da mente” se dá nestas situações de discrepância. Quando para o observador a pessoa observada está se comportando com base em uma premissa falsa, podem ser vistas as limitações de atitudes proposicionais: “ele acreditava que era assim e por isso o fez”, “tinha medo e sentia horror, por isso”, etc. – diante do que o observador se distancia e diverge do observado. Atuando desta maneira, o observador percebe quão inconsistente pode ser a verdade sobre o mundo. Antes afirmávamos que os desejos e crenças e a predição emocional fazem parte do estado mental, porque o mundo mental interior é habitado por intenções, crenças, desejos, emoções, pensamentos, percepções. A investigação sobre a “Teoria da mente” demonstrou ser de sumo interesse não só para os psicólogos do desenvolvimento, mas também para os investigadores e praticantes de outros campos, tais como a filosofia, a psiquiatria, a neuropsicologia, a psicologia social, a psicologia clínica –, comparada e cultural, e a educação (^11 ). A diversidade de funções para os que usam os conteúdos mentais é exemplificada na tabela 1.
Expressar intenções e planos mentais “Creio que desenharei um carro”. “Vamos jogar bola”. Predicados de tipo epistêmico: saber, pensar, crer, etc. Explicitar conhecimento ou desconhecimento “Sei como fazer para que funcione”. “Não tenho certeza de que sei como fazer para consertá-lo “. Predicados de tipo epistêmico: saber, pensar, crer, etc. Expressar dúvidas ou incerteza “Não estou segura de que hoje vai chover”. “Não creio que chegue a tempo”. Verbos com conteúdo de evidência relativos à fonte de informação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^9) Wimmer y Perner, 1983. (^10) Premack y Woodruff, 1983. (^11) Flavell, 2004.
Espaço e Linguagem FUNÇÕES EXEMPLOS ESTRUTURA Expressão de dúvida e indecisão “Não sei sei vejo um filme ou leio um pouco”. Predicados volitivos: desejar, querer, sonhar, etc. Explicitar hipóteses “Acho que seria melhor voltar agora”. “Talvez se trate de um erro”. Palavras funcionais de conteúdo modal: talvez, todavia, etc. Formular opiniões “Penso que é um erro”. “Não vejo assim”. Predicados de tipo epistêmicos: saber, pensar, crer, etc. Expressar o pensamento Pergunto-me se você fez bem”. “Ainda estou remoendo o tema do colégio”. Verbos com conteúdo de evidência, relativos à fonte de informação inferencial. Palavras funcionais de conteúdo modal: talvez, todavia, etc. Raciocinar de forma explícita “Pensei que seria melhor que não fôssemos”. Predicados de tipo epistêmico: saber, pensar, etc.. Esclarecer o significado pretendido “O que queria dizer era que não levante a voz”. “O que tentava expressar era que acho melhor que voltemos hoje”. Verbos auxiliares e semiauxiliares modais: poder, ter que, ser possível, querer, etc. Indicar a fonte do conhecimento "”Pensei isso com base no que me explicaram”. Verbos com conteúdo de evidência, relativos à fonte de informação: pensamento: dedução, etc. Expressar o desacordo "Não estou de acordo com o que você diz". Predicados volitivos: desejar, querer, sonhar, etc. Diferenciar pontos de vista “Sua visão sobre o tema é diferente”. “Você e eu pensamos diferente”. Predicados epistêmicos: saber, pensar, crer, etc.
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2. Da “Teoria da espécie” à “Teoria da mente” Um dos primeiros desenvolvimentos nos bebês é o que se denomina Teoria da espécie, que consiste na distinção entre entidades animadas e inanimadas. Esta distinção é anterior à aprendizagem da linguagem, ou seja, os bebês até os 3 meses podem reconhecer os objetos através de índices de automoção, ou que propelem a si mesmos, o que os leva a diferenciar entre objetos e humanos ou animais. Esta capacidade lhes permite reconhecer a sua própria espécie e dirigir-se aos outros para estabelecer relações de apego, de identificação e de empatia (^13 ). Um aspecto desta capacidade é a filiação, outro é a hierarquia, o estatuto e nível que lhes permite, por exemplo, reconhecer os iguais e os mais velhos de sua própria espécie. Um terceiro aspecto é o intercâmbio social e o desenvolvimento de emoções de natureza moral, por exemplo conviver com os outros em grupo, desenvolver a empatia, ter o sentido da justiça, reparar conflitos, ajudar ou desenvolver emoções, como a generosidade e a gratidão (^14 ). Estes últimos sentimentos altruístas são exclusivos dos seres humanos, ainda que as reações de espécie sejam compartilhadas por muitos animais. Também os rudimentos da “Teoria da mente” são compartilhados com alguns mamíferos que reagem à conduta de seus congêneres em termos não só de ação, mas também de objetivos e intenções. Porém, os seres humanos são os únicos a elaborarem uma Teoria mental que lhes permite ler a mente dos outros e conhecer seus objetivos, intenções, desejos e crenças. Isto requer interpretar os outros não apenas por sua ação e expressão, mas também por seus estados internos, capacidade que se adquire como parte do processo de vida social. Desde muito pequenas, as crianças se dão conta de que determinados estados internos se devem a seus próprios desejos e crenças, entre eles as emoções. Ou seja, se dão conta de que as emoções são experiências subjetivas. Deste conhecimento derivam muitos outros, como a identificação de expressões faciais, o controle emocional, a categorização, a classificação emocional e a regulação emocional (^15 ). Os adultos compreendem esta capacidade infantil graças a observação das crianças quando reconhecem que os outros e elas mesmas agem para conseguir algum objetivo, isto é, quando reconhecem a intencionalidade da ação. Assim, os pequenos de 2 anos podem perseguir ou modificar suas ações em função da resposta materna (às vezes, em função da expressão facial de sua mãe). Aos 3 anos reagem com expressões de alegria quando conseguem o que buscavam. Também nos damos conta quando vemos que as crianças, desde os 3 anos, compreendem e usam termos, tais como querer, medo, triste, contente ou bravo quando ocorre alguma situação. Aos 4 anos, quando escutam um conto, podem compreender os estados internos dos personagens e quando se explica a elas a emoção que um personagem sente são capazes de descrever uma situação apropriada que provocou tal emoção. Na descrição anterior, há marcos na aquisição da compreensão das emoções no desenvolvimento. Trata-se de uma descrição que relaciona REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^13) Boyd, 2009. (^14) Lewis, 2008. (^15) Arias, 2008; Sidera, 2009.
Espaço e Linguagem o conhecimento das emoções com alguns sinais externos, como a cara da mãe ou uma situação particular. Em geral, nessas descrições se trata de estabelecer uma relação entre um estímulo e uma resposta. A investigação posterior sobre a compreensão emocional recorreu a modelos menos simples de resposta a sinais externos e indagou sobre a duração das respostas emocionais para além do acontecimento que a havia provocado. Assim, postulou-se a “Teoria da men- te” como uma relação com processos psicológicos internos e não apenas com estímulos. Ainda que desde muito cedo as crianças possam apreciar o medo e a alegria, somente aos 5 ou 6 anos entendem a surpresa como outra emoção. Esta diferença se deve a que, enquanto a alegria é conseguida a partir da satis- fação de um desejo, para interpretar a surpresa é necessário levar em conta o que a própria ou outra pessoa crê e o que se modificou ou falhou quanto à sua crença. Ou seja, um tipo de representação de segunda ordem, ou “pensar sobre o pensar”, como pensar sobre a crença ou os pensamentos. Numerosos estudos descreveram uma transformação na capacidade cog- nitiva infantil, tanto ao conceitualizar um estado interno como ao representar recursivamente este pensar sobre o pensar. Nas tarefas que usam o método de “transferência inesperada” na localização de um objeto (que mudou de lu- gar), mostra-se que a superação da falsa crença se dá ao redor dos 4 anos de idade (^16 ). Os investigadores afirmam que esta transformação na compreensão se desenvolve ao longo dos anos pré-escolares e se caracteriza de maneira di- ferente em distintas idades. Ou seja, aos 4 anos de idade as crianças chegam a adquirir uma teoria de “primeira ordem” de entendimento da mente (Pensa que X está na caixa), enquanto que até os 5 e 6 anos, as crianças chegam a adquirir uma “teoria de segunda ordem” da mente (Penso que ela acha que X está na caixa) (^17 ), isto é, a compreensão da mente se torna mais recursiva quando as crianças crescem (penso que acha). Além disso, a linguagem contribui de ma- neira importante para a “Teoria da mente” e para a compreensão desta relação recursiva implícita, tornando-a explícita (^18 ). De desejos e emoções A tarefa própria dos estudos de “Teoria da mente” relaciona-se com as crenças e, até recentemente, não se deu importância ao estudo dos desejos e das emoções relacionadas com eles. Mas agora se sabe que, entre os 3 e os 3 anos e meio, as crianças são capazes de fazer predições da ação de acordo com os desejos e que estas predições são anteriores às realizadas com base nas crenças e na conduta (19). Nos estudos de Harris e colaboradores (20), as crianças de 3 e 4 anos demonstraram compreensão do papel dos desejos na predição emocional. Por exemplo, eram capazes de predizer que alguém esta- ria contente quando via o conteúdo desejado em um recipiente e triste quan- do o conteúdo não era o desejado. Entretanto, eram incapazes de relacionar as crenças com as emoções. Nesse estudo, foi contada às crianças de 4 a 6 anos uma história sobre um animal de pelúcia que gostava de Coca-Cola e odiava leite. Um dia, o animal de pelúcia saiu para caminhar e o conteú- do de sua garrafa de Coca-Cola foi substituído por leite. Quando voltou, como tinha muita sede, o bebeu. Foram feitas duas perguntas às crianças: “como o urso se sentia antes de abrir a garrafa?” e “como se sentiu depois de ter bebido o líquido da garrafa camuflada?”. Destas duas perguntas, a segunda era mais fácil, pois para respondê-la as crianças tinham de refletir sobre o que e animal bebeu e sobre o que queria: queria Coca-Cola e se desiludiu por- que não era essa a bebida. Em compensação, a primeira pergunta era mais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^16) Astington, 1998. (^17) Lewis, 2008; Astington y Baird, 2005. (^18) San Juan y Astington, 2012. (^19) Wellman y Woolley, 1990. (^20) Harris, Johnson, Hutton Andrews y Cooke,
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Entre 4 e 5 anos:** desenvolvimento da “Teoria da mente”, e da perspectiva própria e dos outros. Wimmer e Perner (26) descobriram que dos 4 aos 5 anos as crianças eram capazes de saber o que outra pessoa sabe, mesmo quando isto não coincidia com o que elas mesmas acreditavam. Começam a compreender que os motivos dos agentes não são sempre de boa fé, que selecionam ações em termos de suas crenças. Começam a compreender que as crenças, e não só os desejos, fazem parte das emoções. > Aos 6 anos: entendem que há diferenças entre a expressão e a emoção real e começam a compreender a privacidade das emoções. > Entre 6 e 8 anos: reconhecem que a conduta pode levar a uma má consciência, a reconhecer o orgulho de ter feito algo socialmente bom, ao desenvolvimento do sentimento de culpabilidade e da vergonha, e a diferenciar entre o correto e o errôneo. > Entre 8 e 9 anos: quando se pede que inventem, descrevam ou desenhem episódios e atribuam emoções aos personagens, as crianças têm tendência a expressar somente um tipo de emoção. > Entre 9 e 11 anos: já podem reconhecer que a mesma situação pode provocar sentimentos opostos e começam a compreender que é possível mudar de emoções e a estabelecer as relações entre pensamento e emoções. Dos estados mentais e dos jogos de ficção Sabemos que o jogo simbólico de “fazer- como -se” marca a entrada no mundo da ficção (^27 ) e começa aos 2 anos com o jogo de fazer de conta que se toma chá ou o jogo da casa de bonecas, até os jogos mais teatrais e dramáticos. Este jogo simbólico, junto com o desenvolvimento das emoções, é considerado como parte das habilidades de interpretação intencional dos estados mentais (28). No caso das condutas de ficção, Leslie já havia feito as seguintes observações: (I) aos 3 anos as crianças podem diferenciar entre fatos reais e ficção; (II) no caso das habilidades de ficção, a produção e a compreensão se dão simultaneamente, porque têm um mecanismo cognitivo comum;, (III) há um certo isomorfismo estrutural entre a ficção e a compreensão de estados mentais, já que ambos implicam processos de substituição. A linguagem e os jogos de ficção As relações entre a linguagem e os jogos de ficção devem ser interpretadas em dois sentidos. Em primeiro lugar, existem relações evolutivas entre a linguagem e os jogos de ficção; e em segundo lugar, há uso da linguagem nos jogos de ficção (^29 ). No que diz respeito ao primeiro aspecto, trata-se de uma convergência entre ambos os domínios (linguagem e ficção). Por exemplo, os primeiros atos de ficção da criança são sobre si mesmo (fazer ver que está comendo) e aparecem ao mesmo tempo em que as primeiras palavras. As atividades de ficção que implicam outras pessoas e a utilização de objetos substitutos coincidem com as primeiras combinações entre palavras. Porém, além destas convergências, a perspectiva de investigação construtivista propõe uma relação de causalidade recíproca entre a linguagem e o desenvolvimento dos estados mentais como parte das habilidades de cognição social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^26) Wimmer y Perner,1983. (^27) Piaget, 1961. (^28) Leslie, 1987. (^29) Veneziano, 2005. (^25) DeLoache, 2000.
Espaço e Linguagem Tomasello (^30 ) mostra que a atenção conjunta e os contextos interativos de comunicação de intenções são um marco para a aprendizagem da linguagem. Por sua vez, o uso da linguagem enriquece o desenvolvimento de aspectos mentais na interação comunicativa sobre desejos, emoções, crenças e pensamentos. E a aquisição de habilidades linguísticas ajuda no desenvolvimento de aspectos representacionais (^31 ). Quanto ao uso da linguagem nos jogos, a linguagem intervém na discussão acerca dos pensamentos e emoções dos personagens e dos objetos imaginários. Por exemplo, para denominar objetos, para organizar e negociar a atribuição de papéis aos participantes, para anunciar a realização de planos que programem o que vai acontecer e para recordar o que aconteceu nas situações de fantasia compartilhada (^32 ). As situações em que a linguagem intervém são de três tipos: em primeiro lugar, a situação de substituição de objetos se completa com a dupla identidade dos objetos que intervém no jogo. É o caso da identidade de uso convencional de um objeto e da identidade adquirida na ficção, a que as crianças reagem não apenas com ações adequadas à dupla identidade, mas também com nomes que denominam os objetos na substituição de identidades. Assim, por exemplo, uma bola como se fosse uma maçã ou uma banana como se fosse um telefone (^33 ). Em segundo lugar, devemos assinalar as verbalizações que criam situações significativas de ficção através de atos performativos nas condições do jogo (34). No caso da produção de possibilidades, consistem as possibilidades ou alternativas do tipo “como teria sido” (o ponto alternativo aos eventos reais no passado, ou contrafactual) ou “como poderia ser” (o ponto alternativo aos eventos do futuro ou futuro hipotético de tipo pré-factual). No caso dos atos performativos, consistem atos de criação da situação de ficção em expressões do tipo “eu era a princesa e você a mãe”,em que as crianças reagem ao enunciado performativo que cria a situação de ficção. E em terceiro lugar, a compreensão e produção da diferença entre significação literal e significação hipotética através de recursos a contrafactuais e de futuro hipotético (^35 ). A situação de “como se fosse” já é uma situação que trabalha sobre alternativas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^30) Tomasello, 2003. (^31) Beck, Robinson, Carroll y Apperly, 2006. (^32) Astington y Jekins, 1995. (^33) Wyman, Rakoczy y Tomasello, 2009. (^34) Rakoczy, 2008. (^35) Beck, et al., 2006; Rakoczy 2008.
Espaço e Linguagem
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4. Falar das emoções Para falar das emoções podemos recorrer a todos os níveis da língua: léxico, fonética, gramática, discurso, além dos aspectos semióticos antes mencionados (^42 ). Podemos recorrer ao léxico porque a língua dispõe de termos familiares, de pronomes, de formas de dirigir-se ao outro, de diminutivos e aumentativos, de palavras inventadas, de onomatopeias, de verbos mentais, etc. que têm uma dimensão afetiva. A língua dispõe também de procedimentos retóricos, como as metáforas e as comparações (“meu coração se partiu”, “é a menina dos meus olhos”) que indicam a somatização (corporização) das emoções em nos- sa sociedade. No nível sintático, pode-se recorrer a comparações, a modalida- des, a construções passivas, a construções completivas (como as requeridas pelos verbos de comunicação, de percepção e pelos verbos de estado ou de atos mentais, como em “penso que…”, “creio que…”, “sinto que…”, etc.), a deslocamentos, exageros ou diminuições com advérbios quantitativos, etc. que expressam um ponto de vista afetivo. No nível do discurso, nas conversações e nas histórias pessoais há muitos mecanismos comunicativos para expressar mensagens subjetivas. As emoções constituem um domínio dentro das línguas que se reflete ba- sicamente na estrutura do léxico. Da mesma forma que outros domínios, as emoções podem ser conceitualizadas de muitas maneiras. Uma delas, bastante universal, consiste nos contrastes entre emoções “boas” e “más” (^43 ) Porém, como também há certos conceitos de emoções que são neutros (como a sur- presa ou o espanto), Wierzbicka propõe três categorias: > Positiva, negativa e neutra. Entre os sentimentos negativos resulta útil distinguir entre os que estão orienta- dos para o futuro e os que estão orientados para o passado. Assim, > Para o passado TRISTEZA > Para o presente HORROR > Para o futuro MEDO Outra distinção útil, segundo Wierzbicka, consiste em distinguir entre o que oco- rre em geral e o que ocorre a mim: > Penso que algo mau me aconteceu DESESPERO, DOR > Penso que algo mau está me acontecendo DOR, AFLIÇÃO > Penso que algo mau pode me acontecer → TERROR, PÂNICO expressão na língua. Por estarem presentes e constituírem um domínio nas línguas, é evidente que têm influência no desenvolvimento das emoções e dos estados mentais em geral. Esta influência pode ser apreciada tanto na compre- ensão e uso por parte da criança como pelo emprego no ambiente social de criação (^44 ). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^42) Besnier, 1990. (^43) Wierzbicka, 2002. (^44) Resches, Serrat, Rostan y Esteban, 2010.
Espaço e Linguagem E também expressões emocionais, como: Atenção! Cuidado! Bravo! Magnífico! Ouça! Veja! , Estupendo! Formidável! Oras bolas! Caramba! Diabos! Nossa! Anda! Etc. As línguas também têm antônimos ,porque muitas das emoções se expressam de forma bipolar e recorrem a palavras antônimas (amor/ ódio, simpatia/antipa- tia, tristeza/alegria, etc.). Os provérbios e as emoções Além disso, existem muitas frases feitas e provérbios que fazem alusão aos es- tados ou experiências emocionais. Os seguintes são alguns exemplos, classifi- cados segundo o tipo de emoção: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^57) Najshón, 1985. oh! : assombro, admiração. Ai! : dor Eh! : aceitação, admiração. Credo! : asco, desagrado Olá! : saudação, boas vindas Xi! : rechaço, desaprovação. Ó! : advertência, saudação. Ui! : ssombro, surpresa. Tomara! : desejo Puxa! : surpresa. Amor Amor com amor se paga. Quem ama o feio, bonito lhe parece. O amor é como a lua, quando não cresce míngua. O amor entra pela janela e sai pela porta. Desprezo A maior vingança é o desprezo. Desejo A quem nada deseja, nada falta. Não se deseja o que oolhar não veja. Ódio O ódio costuma mostrar o que o amor oculta. Loucura é pagar amizade com ódio. Tristeza Tristeza não tem fim,felicidade, sim. A tristeza é a sombra do diabo. Amizade A viagem é mais rápida quando se tem boa companhia. É na necessidade que se conhece o amigo. Diga-me com quem andas e te direi quem és. Raiva Calma e tempo fazem mais que força e raiva. Morta a cobra, morto o veneno. Medo Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. Confiança A vida e a confiança só se perdem uma vez. Na confiança está o perigo. Esperança A esperança é a última que morre Enquanto houver vida, há esperança Felicidade, alegría Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. Dinheiro não traz felicidade. As grandes alegrias merecem partilha. Prudência Um homem prudente vale mais do que dois valentes. Vergüenza Antes vergonha na cara do que mágoa no coração. Muito medo, pouca vergonha. Culpa Quem não tem culpa, que atire a primeira pedra. Mede-se a culpa pelo arrependimento. O culpado de todos desconfia. Ciúmes O ciúmes infinito às vezes acorda a curiosi- dade que está adormecida. Da vida, amor é o mel, do amor, o ciúmes é o fel. inveja A inveja é a irmã gêmea do ódio. O invejoso emagrece só de ver a gordura alheia. Vingança A vingança é uma pedra que se volta contra quem a atira. Sabedoria Macaco velho não põe a mão em cumbuca.
Espaço e Linguagem Da somatização, do corpo e das emoções Comentamos que o corpo está presente nas emoções, não somente pelas mu- danças fisiológicas, mas também pelas referências metafóricas, como as se- guintes: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^47) Rey, 1994. (^48) Jensen y Pedersen, 2016. (^49) Islas, 2004. O que os olhos não veem o coração não sente. O olho do dono engorda o gado. Em terra de cegos, quem tem olho é rei. Pimenta nos olhos do outro é refresco. O amor é cego. O pior cego é o que não quer ver. Cabeça vazia, oficina do diabo. Quando a cabeça não pensa, o corpo padece. O coração tem razões que razão desconhece. Entra por um ouvido e sai pelo outro. A cara é o espelho da alma. Quem vê cara não vê coração. Quem tem boca vai a Roma. Pela boca morre o peixe. Em boca calada não entra mosquito. Quem vê a barba do vizinho arder põe a sua de molho. Do movimento e as emoções Por outro lado, também falamos com frequência de emoções em termos de mo- vimentos de corpo. Isto pode resultar evidente se pensamos que a etimologia do termo emoção vem do latim motio, movimento (47). Em um nível fundamental, este vocabulário implica que vemos e experimentamos as emoções das pes- soas através dos movimentos de seu corpo todo (cara, gesto, vocal e postural) e, do mesmo modo, representamos as nossas próprias emoções pela alteração de nossas vozes, corpos em movimento, músculos faciais, gestos, ou formas de tocar ou de desconectar com as outras pessoas (48). Por exemplo, falamos as seguintes expressões:hablamos con las siguientes expresiones: “Está mexido”. “Está tocado”. “Está desgarrado”. “É um turbilhão”. “Sua vida gira em torno dela”. “Por ela perdeu a cabeça”. “Vou levantar o seu ânimo”. “Está com o ânimo nos pés”. “Perdeu o ímpeto”. “Sua relação está em boa forma”. “Sua relação está decaindo”. “Vai ladeira abaixo”,. “Caiu em suas redes”., “Pisar forte”. Etc.“Pisar fuerte” etc. A gramática e as expressões emocionais As construções com verbos mentais fazem referência ao uso de léxico verbal com significado mental ou emocional e a formas gramaticais que afetam o uso de complemento, o tempo e o modo de ver a ação desenvolvida pelo tempo verbal. A etiqueta de “verbos mentais” faz referência a situações ou eventos em que participa uma mente ou participante humano (como no caso de crer, ignorar, reconhecer, gostar, etc.). Segundo Islas (49), os verbos mentais podem ser classificados em: verbos de “atitude mental”, como ignorar, desconfiar, re- verenciar; verbos “de mudança de atitude mental”, como persuadir, convencer, desalentar; verbos “de juízo”, como exaltar, censurar; verbos “de transferência de conhecimento”, como ensinar, explicar, mostrar; verbos “de cognição”, como reconhecer, saber, pensar; verbos “de mudança de estado psicológico”, como desanimar-se, interessar-se; e verbos “de emoção”, como temer, amar, sofrer.
Espaço e Linguagem verbais, mas também os não verbais para inferir os estados mentais de um in- terlocutor através de pistas corporais, gestuais e faciais, a linguagem serve para nomear e expressar as emoções. Evidentemente, a linguagem intervém nas situações de comunicação das emoções, mas não somente: também na percepção, na categorização e indi- vidualização das mesmas (^51 ). E mais, posto que diferentes linguagens conten- ham diferentes palavras ou definam as palavras de maneiras diferentes, esse léxico influi em como as pessoas interpretam a realidade afetiva. Nas últimas investigações, explorou-se o fato de que a linguagem ajuda os seres humanos a adquirirem conhecimentos e a utilizarem conceitos que dão sentido a suas experiências e percepções. Também se indagou sobre a função da linguagem na aquisição dos conceitos emocionais e na interpretação das percepções e ex- periências emocionais (^52 ). A ideia de que a linguagem vai além da descrição da emoção é consistente com as teorias psicológicas construcionistas da emoção. Tais teorias pertencem a uma família de teorias que concebe as emoções como “compostos” psicológicos que resultam da combinação de elementos psicológi- cos mais básicos que não são em si mesmos especificamente emocionais. Em contraste com o ponto de vista naturalista da emoção, prediz-se que o conhecimento do conceito apoiado pela linguagem desempenhe um papel constitutivo nas emoções. Nos últimos anos, os estudos sobre a linguagem e a emoção documentam diversas formas em que a linguagem influi nas perce- pções experiências emocionais. Por exemplo, documentou-se que as pessoas com diminuição ou dificuldade de identificar, entender e expressar sentimentos (denominado alexitimia) têm também dificuldades para compreender e perce- ber as emoções nos rostos (^53 ). Sem ter acesso ao significado das palavras emocionais, tais como “desgosto”, “ira”, “medo” ou “tristeza”, os indivíduos per- cebem as expressões faciais emocionais (narizes enrugados, cenho franzido, olhos muito abertos) como meramente desagradáveis. Estes achados sugerem que o acesso ao significado das palavras emocionais (e os conceitos que repre- sentam) é um componente essencial da compreensão do significado discreto das expressões faciais emocionais. Por outro lado, do ponto de vista do desenvolvimento, um grande número de autores demonstrou que as crianças com melhores capacidades linguísticas para denominar e diferenciar as emoções, também apresentam melhor com- preensão emocional (^54 ). Essas capacidades linguísticas se expandem à medi- da que as crianças pequenas adquirem palavras para as emoções específicas e recebem retroalimentação sobre as conceitualizações de seus próprios estados afetivos e dos estados dos demais através da comunicação com os adultos. De fato, há muita evidência consistente com a ideia de que a comunicação com os pais sobre as emoções durante a primeira infância é essencial para que as crianças desenvolvam conhecimentos complexos acerca das categorias de emoções relevantes para a sua cultura. A implicação destas investigações é que as capacidades dos pais quanto à conceitualização emocional podem ser trans- feridas a seus filhos. As crianças, cujas mães usam mais termos de emoção aos 18 meses de idade de seus filhos, produzem mais termos de emoção aos 24 meses (^55 ). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (^51) Lindquist, Barret, Bliss-Moreau y Rusell,
(^52) Lindquist, MacCormack y Shablack, 2015. (^53) Lindquist, MacCormack y Shablack, 2015. (^54) Pons, Lawson, Harris y de Rosnay, 2003. (^55) Lindquist, MacCormack y Shablack, 2015.
Espaço e Linguagem As explicações dos estados internos dos pais servem como andaimes da capa- cidade das crianças para identificar e descrever as mesmas experiências em si mesmas e nos outros. Pelo contrário, os pais que não possuem conhecimentos conceituais sobre a emoção, ou que têm dificuldades para comunicar este con- hecimento (que se denomina alexitimia), provavelmente não ajudam seus filhos no desenvolvimento do conhecimento conceitual sobre a emoção.