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Texto teatral de Flávio Rangel e Millor Fernandes
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Texto disponibilizado no site de Millôr Fernandes: http://www2.uol.com.br/millor/, não sendo permitido o uso comercial sem a autorização do autor ou representante!
Liberdade, Liberdade estreou no dia 21 de abril de 1965, no Rio de
Janeiro, numa produção do Grupo Opinião e do Teatro de Arena de São
Paulo.
pago o equivalente a um dólar e vinte e cinco centavos por pessoa para sentar amontoada, levantou-se e aplaudiu vibrantemente. Alguns gritavam “Bravos!”.
Contudo, o que parecia conquistar a audiência era o fato da irada mensagem da peça vir temperada com humor, música e um otimismo ansioso com respeito ao futuro do Brasil.
Embora Mr. Autran tenha belos momentos de representação como Marco Antônio, Danton e Lincoln, havia uma atmosfera íntima, de sala de estar, entre os espectadores de camisa esporte e vestidos de algodão, e os atores, todos vestidos com roupas modernas e informais.
As autoridades, incluindo os militares, recebem suas farpadas humorísticas. Numa cena, reconstruindo a invenção da guilhotina, comenta-se que a máquina só funciona eficientemente em pessoa com pescoço. O presidente Castelo Branco é notoriamente deficiente disso.
A peça insinua que os militares, atualmente, têm voz decisiva em muitos assuntos fora de sua competência profissional. Um militar afirma, falando de um problema civil: “Ora, isso pode ser resolvido por qualquer criança de três anos!” E depois de um momento de embaraço, acrescenta: “Tragam-me uma criança de três anos!”
Entre os textos históricos e uma cena de Bertolt Brecht sobre a Alemanha Nazista, os autores reconhecem que nem tudo é tão negro no regime Castelo Branco.
“Se o governo continuar deixando os jornais fazerem certos comentários, se o governo continuar deixando este espetáculo ser representado, e se o governo permitir que o Supremo Tribunal continue dando habeas-corpus a três por dois, nós vamos acabar caindo numa democracia!”, diz um ator.
A frase se refere especificamente à decisão do Supremo Tribunal libertando o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que estava em prisão militar como “principal figura da conspiração comunista internacional” contra o Brasil, segundo palavras de militares que representam a linha dura ”.
New York Times (25 de abril de 1965)
A LIBERDADE DE MILLÔR FERNANDES Também não sou um homem livre. Mas muito poucos estiveram tão perto. (Epígrafe para o livro Um Elefante no Caos. ) Aceitei, de Flávio Rangel, o convite para escrever com ele o presente espetáculo, por dois motivos: 1º) Porque sou um escritor profissional. 2º) Porque acho esse negócio de liberdade muito bacana.
Não tenho procurado outra coisa na vida senão ser livre. Livre das pressões terríveis da vida econômica, livre das pressões terríveis dos conflitos humanos, livre para o exercício total da vida física e mental, livre das idéias feitas e mastigadas. Tenho, como Shaw, uma insopitável desconfiança de qualquer idéia que já venha sendo proclamada por mais de dez anos.
Mas paremos por aqui. Isso poderia se alongar por várias laudas e terminar em tratado que ninguém leria. Tentamos fazer um espetáculo que servisse à hora presente, dominada, no Brasil, por uma mentalidade que, sejam quais sejam as suas qualidades ou boas intenções, é nitidamente borocochô. E cuja palavra de ordem parece ser retroagir, retroagir, retroagir. E como não queremos retroagir senão para a frente, mandamos aqui a nossa modesta brasa, numa forma que, para ser válida e atingir seus objetivos espetaculares, tinha que ser teatralmente atraente. Se conseguimos ou não o nosso objetivo deverão dizê-lo as poltronas cheias (ou vazias) do teatro.
Fizemos, em suma, uma liberdade como podia concebê-la a modéstia e as limitações de nossas mentalidades – minha e de Flávio Rangel – sottosviluppatas. Mas também vocês não iam querer um liberdadão enorme, feito aquela que está em Nova Iorque. A gente tem que começar por baixo. Como os Estados Unidos, por exemplo: começou com um país só.
A LIBERDADE DE FLÁVIO RANGEL Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Uma seleção de textos não é uma idéia nova no teatro moderno. É nova aqui no Brasil, onde tudo é novo, inclusive a noção de liberdade. Quando Millôr e eu
1 ª PARTE
(Ainda com as luzes da platéia acesas, ouvem-se os primeiros acordes do Hino da Proclamação da República.^1 Apaga-se a luz da platéia. Ao final da Introdução, um acorde de violão, e Nara Leão canta, ainda no escuro.)
Seja o nosso País triunfante, Livre terra de livres irmãos...
CORO
Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós, Das lutas, na tempestade, Dá que ouçamos tua voz...
(Acende-se um refletor sobre Paulo Autran. Ele diz.)
PAULO
Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro.^2 Nós achamos que é preciso cantar ( Acordes da Marcha da Quarta-feira de Cinzas^3 )
“Operário do canto, me apresento^4 sem marca ou cicatriz, limpas as mãos, minha alma limpa, a face descoberta, aberto o peito, e – expresso documento – a palavra conforme o pensamento. Fui chamado a cantar e para tanto há um mar de som no búzio de meu canto. Trabalho à noite e sem revezamentos. Se há mais quem cante, cantaremos juntos; Sem se tornar com isso menos pura, A voz sobe uma oitava na mistura. Não canto onde não seja a boca livre, Onde não haja ouvidos limpos e almas afeitas a escutar sem preconceito.
Para enganar o tempo – ou distrair criaturas já de si tão mal atentas, não canto... Canto apenas quando dança, nos olhos dos que me ouvem, a esperança”.
CORO
E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar, é preciso cantar e alegrar a cidade...
(Inversão do foco de luz, que de Paulo vai para Nara.)
NARA
A tristeza que a gente tem, Qualquer dia vai se acabar, Todos vão sorrir, Voltou a esperança É o povo que dança Contente da vida, Feliz a cantar.
CORO
Porque são tantas coisas azuis E há tão grandes promessas de luz, Tanto amor para amar de que a gente nem sabe...
(Inverte-se novamente o foco de luz de Nara para Paulo.)
PAULO
Canto apenas quando dança, Nos olhos dos que me ouvem, a esperança.
Escurecimento
(Assim que se apaga o foco de luz, começa um rufo forte de bateria. O rufo diminuirá quando os atores começarem a falar, e cada um deles falará com um foco de luz sobre si. As frases devem ser ditas com veemência.)
VIANNA
Voltaire: Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las!
TEREZA
John Fitzgerald Kennedy: Não pergunteis o que o país pode fazer por vós, mas sim o que podeis fazer pelo país!
VIANNA
Bernard Shaw: Há quem morra chorando pelo pobre: eu morrerei denunciando a pobreza!
TEREZA
Iuri Gagarin: A Terra é azul!
PAULO
Tiradentes: Cumpri minha palavra: Morro pela liberdade!
VIANNA
Artigo 141 da Constituição Brasileira: É livre a manifestação de pensamento!
TEREZA
Castro Alves: Auriverde pendão da minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança!
PAULO
Winston Churchill: Se Hitler invadisse o Inferno, eu apoiaria o demônio!
VIANNA
Sócrates é um mau ateniense e corrompe a juventude!
PAULO
Que os quinhentos juízes do povo de Atenas ouçam a minha defesa! A pena de morte pende sobre minha cabeça!
(Entra luz geral. Cessa o rufar de tambor que até agora acompanhou todas as frases. Pausa de Paulo. Depois aponta Vianna.)
Meletos me acusa de corromper a juventude; mas eu afirmo que Meletos mente.
(Paulo e Vianna assumem suas posições para a cena, um tribunal imaginário. Inversão de luz, permanecendo apenas um foco para Tereza.)
TEREZA
Sócrates: varão de Atenas, soldado, pensador, místico. Condenado à morte em 399 antes de Cristo, poderia ter-se libertado com um pedido de clemência. Preferiu a cicuta. Seu julgamento, com palavras textuais de Platão,^5 termina aqui:
(Volta luz geral na cena. Tereza retira-se. Paulo caminha pela arena e depois dirige-se a Vianna.)
PAULO
Respondei ao acusado, Meletos, como manda a lei: preocupai-vos muito com a educação da juventude?
VIANNA
Claro.
PAULO
Dizei então aos juízes quem aprimora a juventude.
VIANNA
As leis aprimoram a juventude.
PAULO
Eu quero saber quem lida com as leis.
VIANNA
Os juízes.
PAULO
Portanto, os juízes deste tribunal aprimoram a juventude?
VIANNA
Sem dúvida.
PAULO
Todos eles, ou uns sim e outros não?
VIANNA
Todos eles.
PAULO
Oh, graças a Deus. Então temos muitos aprimoradores e educadores da juventude. E a audiência aqui presente – é composta de pessoas que aprimoram a juventude?
VIANNA
Sim.
PAULO
E os senadores?
VIANNA
(Dirigindo-se ao público.)
Não posso deixar de pensar, homens de Atenas, que Meletos é atrevido e impudente e irresponsável e cheio de bravatas juvenis. Pois me vê culpado por acreditar em deuses e me vê culpado por ser ateu. Como posso acreditar em semideuses e não acreditar em deuses? Como posso não acreditar nos homens e acreditar nos feitos humanos? Conheceis alguém que acredite em cavalaria e não acredite em cavalos? Ou num flautista sem flauta? Pode um homem acreditar em forças espirituais e divinas sem acreditar em deuses? (Pausa. Dirige-se a Vianna.) – Respondei, Meletos, é a vós que pergunto.
VIANNA
(Depois de uma pausa.)
Não pode.
PAULO
(Novamente para a platéia.)
Senhores, já fui muito longe para me defender das acusações de Meletos. Não estou aqui para falar em meu benefício, mas no vosso. Se tivésseis a sabedoria de esperar mais um pouco, vosso desejo de me extinguir seria satisfeito pela própria natureza. Tenho setenta e dois anos – sou bem velho como vedes – e não muito distante do fim. Se me matardes agora, porém, todos os detratores de Atenas se apressarão em gritar que matastes Sócrates, um sábio. Pois sempre que quiserem vos atacar, eles me chamarão de sábio, mesmo que não o achem. Serei condenado não por corruptor mas pela inveja e perfídia dos ambiciosos, que têm provocado a morte de tantos varões íntegros e pelos séculos afora provocarão a morte de muitos mais. Não podeis me ferir, porque não podeis me atingir. Podeis apenas matar-me, exilar-me, ou cassar meus direitos políticos. Mas eu não sou o primeiro; e não há perigo que eu seja o último.
Escurecimento
(Depois de um rápido instante, volta a luz geral da cena. Estão Paulo, Nara, Vianna e Tereza.)
VIANNA
(Bem sério, mas neutro, autoritário) – E aqui, antes de continuar este espetáculo, é necessário que façamos uma advertência a todos e a cada um5a. Neste momento, achamos fundamental que cada um tome uma posição definida. Sem que cada um tome uma posição definida, não é possível
continuarmos. É fundamental que cada um tome uma posição, seja para a esquerda, seja para a direita. Admitimos mesmo que alguns tomem uma posição neutra, fiquem de braços cruzados. Mas é preciso que cada um, uma vez tomada sua posição, fique nela! Porque senão, companheiros, as cadeiras do teatro rangem muito e ninguém ouve nada.
(Uma pausa. Depois, Tereza fala.)
TEREZA
Mil e muitas mil são as liberdades humanas. Numa rápida discussão, os autores deste espetáculo conseguiram fixar algumas delas. A fundamental: liberdade física, ser dono do próprio corpo, poder ir e vir livremente.
NARA E CORO
Vai, vai, vai pra Aruanda^6 Vem, vem, vem de Luanda Deixa tudo que é triste, vai, Vai, vai pra Aruanda.
VIANNA
Depois dessa liberdade, que já é uma conquista do ser humano, a mais importante é a liberdade econômica:
NARA
Etelvina! Acertei no milhar!^7 Ganhei cinco mil contos, Vou deixar de trabalhar.
PAULO
No original eram quinhentos contos, mas fizemos a correção monetária.
NARA
Eu vou comprar um avião azul e percorrer a América do Sul.
TEREZA
Infelizmente, a liberdade econômica é ainda uma ilusão:
NARA
Mas de repente, mas de repente, Etelvina me acordou
CORO
Pra se casar com a cachopa E eu pergunto –
NARA
Com que roupa?
Conquista do ser humano: o direito ao lazer:
PAULO
Hora de comer – comer!^11 Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar?
VIANNA
Sempre que mais de meia dúzia de pessoas se reúnem, a liberdade individual cede aos interesses coletivos.
TEREZA
Para isso, as Nações organizam constituições; e não apenas as Nações:
NARA
Aliás, pelo artigo 120^12 O cavalheiro que fizer o seguinte: Subir na parede, dançar de pé pro ar, Morar na bebida, sem querer pagar Abusar da umbigada, de maneira folgazã, Prejudicando hoje o bom crioulo de amanhã;
(Os atores se dirigem ao centro da arena, juntamente com o Coro.)
Será devidamente censurado, E se balançar o corpo, vai pra mão do delegado. Será devidamente censurado E se balançar o corpo Vai pra mão do delegado!
Escurecimento
(Ainda no escuro ouve-se a voz de Vianna, gritando.)
VIANNA
Liberdade! Independência! A tirania está morta! Proclamai-o pelas ruas! César está morto!
(Luz sobre Tereza.)
TEREZA
Frases dos conspiradores que assassinaram Júlio César. Na cena de Shakespeare,^13 Marco Antônio dirige-se ao povo:
(Luz geral.)
CORO
Liberdade!
PAULO
Amigos!
CORO
Independência!
PAULO
Romanos!
VIANNA
A tirania está morta!
PAULO
Patrícios!
VIANNA
Proclamai-o pelas ruas: César está morto!
PAULO
Prestai-me atenção!
Eu vim para enterrar César, não para elogiá-lo. O mal que os homens fazem vive depois deles. O bem é quase sempre enterrado com seus ossos. Seja assim com César.
de que era Brutus mesmo quem batia de modo tão cruel. Pois Brutus, como o sabeis, era o anjo de César. Julgai, ó Deuses, como César o amava. Este foi o golpe mais cruel de todos, pois quando o nobre César viu-o apunhalando, a ingratidão, mais forte que a mão dos traidores, o derrotou completamente; aí seu poderoso coração [partiu-se e escondendo o rosto neste manto, o grande César caiu aos pés da estátua de Pompeu que escorria sangue o tempo todo. Oh, que queda foi aquela, camaradas! Eu, vós, nós todos caímos nesse instante Enquanto a traição sangrenta crescia sobre nós. Eu não vim aqui para acirrar paixões; apenas falo reto e vos digo somente o que todos sabeis; Mas fosse eu Brutus – e Brutus Antônio, E haveria aqui um Antônio capaz de sacudir as almas, colocando uma língua em cada ferida de César, para erguer em revolta as pedras de Roma! Pois este era um César! Como ele, que outro haverá?
Escurecimento
(Ainda no escuro, ouve-se a gravação da voz de Edith Piaf, cantando Hymne a L‟Amour^14_. Um foco de luz se acende sobre Teresa. Ela ouve a música alguns segundos e fala.)_
TEREZA
Edith Piaf. Quando morreu, o mundo lamentou em manchetes: “Calou-se a cotovia da França”. A voz de Piaf neste espetáculo é porque ela eternizou uma canção revolucionária: Le Ça Ira.
(Gravação da voz de Piaf cantando Le Ça Ira_. Um tempo. Depois acende-se um foco de luz sobre Paulo e outro sobre Vianna. Os dois se balançam na ponta dos pés, com ar aparvalhado.)_
PAULO
Juan de las canas,
feroz ciumento na casa onde mora botou um mastim pra guarda da esposa enquanto está fora. Mas que coisa interessante! O cão morde todos – menos o amante...
VIANNA
Todo mundo sabe bem quem é sua mãe; mas ninguém garantir vai que “este é meu pai”!
TEREZA
Com estes versos brejeiros e de certo modo proféticos, termina a mais famosa peça de Beaumarchais: O Casamento de Fígaro.^15
(Luz geral.)
VIANNA
A corte de Luís XVI, ignorante e volúvel – pois em sociedade nada se sabe – , assistiu às gargalhadas a peça que Napoleão caracterizou como “a revolução já em marcha”.^16
PAULO
(Andando pela arena, como se estivesse medindo uma sala.)
Dezenove pés por... vinte e seis.
TEREZA
(Experimentando a flor de laranjeira.)
Ouve Fígaro, noivinho querido; fico bem assim?
PAULO
Linda, meu amor; essa flor de laranjeira em tua fronte, na manhã de nossas núpcias, é uma visão de doçura e encanto para o teu esposo enamorado.
(Dá-lhe um beijo e depois continua a medir.)
TEREZA