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A Legitimidade do Poder: Estado de Direito vs. Estado de Força, Notas de aula de Direito

Este estudo examina as raízes do direito natural que garantem a legitimidade do quadro institucional, permitindo a exercição da cidadania através da liberdade de escolha. O autor discute a natureza do poder em relação aos estados de direito e de força, onde a representação popular é substituída por aqueles que detêm a força de assunção e manutenção do poder. Com a independência de nações e o crescimento do acesso à cultura universal, a revisão de conceitos tradicionais do poder, da teoria geral do estado e dos princípios do príncipe maquiavélico é necessária. O texto sugere a criação de uma universidade mundial, formada por técnicos de mentalidade supranacional capazes de assumir o controle do mundo.

O que você vai aprender

  • Como a teoria geral do Estado deve ser revisada em face das mudanças sociais e culturais?
  • Quais são as diferenças entre Estados de Direito e Estados de Força?
  • Quais são as implicações da globalização para as tradicionais concepções do poder?
  • Qual é a importância do direito natural na garantia da legitimidade do quadro institucional?
  • Como a Universidade Mundial pode ajudar a controlar o mundo?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pipoqueiro
Pipoqueiro 🇧🇷

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Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC n. 17 jan./jun. 2011
47
LIBERDADE, LEGITIMIDADE E LEGALIDADE
LIBERTY, LEGITIMACY AND LEGALITY
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Recebido para publicação em abril de 2011.
RESUMO: O presente estudo objetiva examinar, num Estado Democrático de Direito, os fundamentos
da legitimidade e legalidade de um regime político para assegurar a liberdade. Examina-se os
fundamentos do direito natural que garantem legitimidade à legalidade institucional, única forma de se
poder encontrar o próprio exercício da cidadania, através da liberdade de escolha. Formula-se a partir
desta análise uma teoria de alcance do poder.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade; Legitimidade; Legalidade; Direito Natural; Direito Constitucional; Estado
de Direito; Democracia.
ABSTRACT: This study aims to examine, in a democratic state, the foundations of legitimacy and legality
of a political regime to ensure freedom. It examines the fundamentals of natural law that guarantee the
legitimacy of the legal institutional frame work, the only way to be able to find the very exercise of
citizenship, through freedom of choise. Is formulated from this analysis a range of power theory.
KEY WORDS: Liberty; Legitimacy; Legality; Natural Law; Constitutional Law; Rule of Law; Democracy.
I- Introdução
Nas três trilogias que escrevi sobre Política (“O Estado de Direito e o Direito do Estado”,
Ed. Bushatsky-1977, Lex-2006; “O Poder”, Saraiva-1984/Lex-2006 e “A nova classe ociosa”,
Forense-1987 e Lex-2006), Filosofia (“Uma visão do mundo contemporâneo”, Pioneira/1996,
Universitária Editora-Lisboa/1998, Editora Continente XXI-Bucarest-Romênia e na Rússia/2000;
“A era das contradições”, Futura-2000/Universitária, Lisboa, 2001 e “A queda dos mitos
econômicos”, Pioneira/2003) e Direito (“Uma teoria do tributo”, Quartier Latin/2005; “Uma
breve teoria do Poder”, Ed. Revista dos Tribunais/2009/2010 e “Uma breve introdução ao
Direito”, Ed. Revista dos Tribunais/2010) foram temas permanentes de minha reflexão a
liberdade, a legitimidade e a legalidade.
Para a Revista Brasileira de Direito Constitucional da Escola Superior de Direito
Constitucional retorno, pois, à temática em edição dedicada exclusivamente a estudo de
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das
Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra - ESG; Professor Honorário das
Universidades Austral (Argentina ), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da
Universidade de Craiova (Romênia) e Catedrático da U niversidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho
Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas; Fundador e
Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária-CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais-IICS
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LIBERTY, LEGITIMACY AND LEGALITY

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS 

Recebido para publicação em abril de 2011. RESUMO: O presente estudo objetiva examinar, num Estado Democrático de Direito, os fundamentos da legitimidade e legalidade de um regime político para assegurar a liberdade. Examina-se os fundamentos do direito natural que garantem legitimidade à legalidade institucional, única forma de se poder encontrar o próprio exercício da cidadania, através da liberdade de escolha. Formula-se a partir desta análise uma teoria de alcance do poder.

PALAVRAS-CHAVE : Liberdade; Legitimidade; Legalidade; Direito Natural; Direito Constitucional; Estado de Direito; Democracia.

ABSTRACT: This study aims to examine, in a democratic state, the foundations of legitimacy and legality of a political regime to ensure freedom. It examines the fundamentals of natural law that guarantee the legitimacy of the legal institutional frame work, the only way to be able to find the very exercise of citizenship, through freedom of choise. Is formulated from this analysis a range of power theory.

KEY WORDS: Liberty; Legitimacy; Legality; Natural Law; Constitutional Law; Rule of Law; Democracy.

I- Introdução

Nas três trilogias que escrevi sobre Política (“O Estado de Direito e o Direito do Estado”, Ed. Bushatsky-1977, Lex-2006; “O Poder”, Saraiva-1984/Lex-2006 e “A nova classe ociosa”, Forense-1987 e Lex-2006), Filosofia (“Uma visão do mundo contemporâneo”, Pioneira/1996, Universitária Editora-Lisboa/1998, Editora Continente XXI-Bucarest-Romênia e na Rússia/2000; “A era das contradições”, Futura-2000/Universitária, Lisboa, 2001 e “A queda dos mitos econômicos”, Pioneira/2003) e Direito (“Uma teoria do tributo”, Quartier Latin/2005; “Uma breve teoria do Poder”, Ed. Revista dos Tribunais/2009/2010 e “Uma breve introdução ao Direito”, Ed. Revista dos Tribunais/2010) foram temas permanentes de minha reflexão a liberdade, a legitimidade e a legalidade.

Para a Revista Brasileira de Direito Constitucional da Escola Superior de Direito Constitucional retorno, pois, à temática em edição dedicada exclusivamente a estudo de

 (^) Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra - ESG; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da Universidade de Craiova (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária-CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais-IICS

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

aspectos relacionados à liberdade, procurando sintetizar o pensamento, que expus mais longamente nas referidas obras^1.

O ponto essencial de minhas preocupações, em todos estes escritos, residiu na evolução técnica de todas as ciências humanas e exatas e na estagnação daquela pertinente à teoria do poder, cujos modelos mais destemidos residem, ainda, nas soluções filosóficas regas, jurídicas romanas, pinceladas pelas ideias do liberalismo posterior à revolução francesa e as teorias socialistas, não obstante o tempo, centradas na figura de seu principal intérprete, que foi Marx^2.

Pode-se afirmar, portanto, que, em relação teoria do poder, a evolução inexiste. Poder- se-ia mesmo dizer que há uma involução, pelo crescimento dos problemas antes inexistentes e pela inadoção de soluções correspondentes, no campo científico, a influenciar, a praxis do poder exercitado por quem com condições de fazê-lo.

Em todo o mundo e em todos os países mais ou menos influenciados por ambas as correntes^3 , hoje pulverizadas numa infinita série de subdivisões compartimentadas ou interpenetradas, a essência do poder é discutida na velha fórmula que opõe o Estado de Direito, com liberdades individuais asseguradas e exercício do governo por representação popular, aos Estados de Força, cujas liberdades individuais são mais ou menos importantes ou asseguradas, mas onde a representação popular é substituída pelos que têm força de assunção e manutenção do poder.

A clássica oposição reaparece sempre, não obstante a variedade das causas, situações e efeitos, e as soluções tornam pendulares os períodos de regimes de força e democráticos, na medida em que a corrupção, a incapacidade e os fracassos inviabi1izem, temporariamente, um

(^1) Certos temas, conforme as circunstâncias, o momento e lugar, podem ser tidos por ousados, mas cabe justificar o exame dos mesmos, a aguda observação de Roberto Campos, ao encerrar o prefácio da tese, que apresentei para a FDUSP sobre as despesas militares, no campo da Ciência das Finanças: “O livro de Ives Martins é uma contribuição útil ao debate desses problemas, que devem ser discutidos com coragem para enfrentar tabus, objetividade para evitar preconceitos e serenidade para interpretar os fatos. Pois que a boa regra de planejamento é sempre aceitar os fatos, para resistir à fatalidade (grifos meus) (ob. cit., Ed. Bushatsky, 1971). 2 O ainda atual Joseph A. Schumpeter, em pessimismo próprio de época de descontrole ocidental, chegou a dizer em seu clássico “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (Ed. Fundo de Cultura): “A comunicação de que um navio vai a pique nada tem de derrotista, O espírito em que é recebida a comunicação, sim, pode ser, classificado derrotista. A tripulação pode sentar-se confortavelmente e começar a beber. Mas pode correr também para as bombas. Se os tripulantes simplesmente se recusarem a aceitar a comunicação, embora devidamente comprovada, eles serão, então, escapistas. Além disso, mesmo que a nossa descrição das tendências vigorantes significasse mais do que uma simples predição como desejamos, ela ainda assim não teria qualquer conotação derrotista 3 ”. Roberto de Oliveira Campos define, com particular humor, a diferença exterior dos dois sistemas: “... no Socialismo as intenções são melhores que os resultados, enquanto no Capitalismo os resultados são melhores que as intenções ...”(O Estado de São Paulo, de 13.3.1974, p. 5).

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II- O Direito Positivo e o Direito Natural

O Direito está na própria essência do exercício do poder, ou porque o legitima, ou porque dele emana. Poder exercido por força de direito anterior ou por força de direito criado pelo próprio poder, que o empalma, não altera sua característica formal, visto que, se viável e sustentado por quem capaz de exigi-lo, é considerado presente^7.

A visão formalista, principalmente após as teorias de Hans Kelsen^8 e seus seguidores, empequenece a Ciência Jurídica, na tentativa de purificá-la de elementos estranhos pertinentes a outras Ciências, pois desconsiderando, como elementos próprios do Direito, a Moral, os fatos sociais e quaisquer outros regulados pela norma. Goza, para efeitos de explicação do poder, da mesma e cínica visão de Maquiavel, onde ao Príncipe, se com forças

suficientes, tudo é permitido^9. O Direito dele emana e a Moral é substituída por sua forma pessoal de ver as coisas.

A escola Kelseniana, que justificou as soluções nazistas e fascistas da 2ª. Guerra Mundial, não representa, a meu ver, todavia, a visão mais perfeita da Ciência Jurídica, que, por abranger e regular, no campo prático, as visões resultantes das demais Ciências, tem, sob o prisma tripartido e unitário, seu contorno mais nítido. O fato que se conhece e regula, o valor que ao fato se dá para compor a norma e a norma que, no universo jurídico, determina a extensão e efeitos da realidade fática, são as três partes que se condensam formando uma unidade, de tal maneira que o Direito ganha características e substancias próprias^10.

technological advance regardless of consequences and, on the other hand the slowly gathering forces of sanity and understanding”, com acentuado desânimo, não vê soluções senão em formulações utópicas. 7 Adriano Moreira, no livro A Comunidade Internacional em Mudança, declara à p. 2: - “Daqui resulta a necessidade de ter sempre presente que os conceitos não possuem um valor senão operacional. Não há qualquer valor absoluto que os torne indispensáveis. A utilidade é o critério da sua admissão, e essa depende da relação entre o objeto e o observador. justamente no direito que se mostra sempre mais difícil fazer admitir este relativismo operacional. A razão parece estar no fato de a longa vigência das leis convencer da perenidade dos conceitos. Não é difícil encontrar afirmado por juristas, ao criticarem o direito positivo, que o Estado tem poder para modificar a lei, mas que não o tem para alterar os conceitos científicos. Como se estes não tivessem que ser formulados para entender o sistema jurídico e portanto não tivessem uma validade limitada pela manutenção das características do sistema. Como a mudança social acelerada é hoje um fenômeno universal a estabilidade legislativa dos conceitos também desapareceu e está dando origem a maiores e dramáticos 8 fenômenos de falta de autenticidade do Estado.” Hans Kelsen, em Teoría General del Derecho y del Estado, Textos Universitários, México, 1969, trad. de Eduardo García. 9 “A fórmula dualista de Maquiavel, opondo República e Principado, obteve grande aceitação e numerosos autores passaram a classificar as formas de governo de acordo com este critério” (José Alfredo de Oliveira Baracho, Regimes Políticos, Ed. Forense, 1983). 10 Miguel Reale, em Lições Preliminares de Direito, Ed Bushatsky.

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Se os Estados de Força podem ser justificados pela teoria Kelseniana, dificilmente a maior amplitude de uma teoria tridimensional, trialista ou tripartida de formação unitária^11 os justificaria, vez que, no componente valor, a essência da justiça da norma passa a ganhar dimensão própria. Em outras palavras, há a necessidade de tentar-se coadunar o direito positivo, necessário e aplicável, no tempo e no espaço, a uma realidade, às bases próprias, que se encontram no Direito Natural. Não em direito de características circunstanciais, a que se pretende dar o nome de direito natural e em que os costumes de cada região em determinados períodos representariam os princípios informadores do direito positivo, mas de

um autêntico Direito Natural, imutável e solidamente baseado na Moral^12. Um Direito Natural de princípios unitários, que tornaria a Ciência Jurídica mais exata que as demais ciências, na medida em que o legislador captasse a perfeição das normas naturais e as transpusesse para as normas positivas^13. À evidência, falo do núcleo dos direitos fundamentais.

Esta rápida e perfunctória digressão para alguns aspectos do Direito visa apenas justificar o enquadramento do exercício do poder na Ciência que o legitima ou não, independentemente da força necessária e possuída para criá-lo.

Em outras palavras, o Estado de Força legitimado por formalistas, embora criador de direito, enquanto norma com força impositiva, nem sempre representa a vontade do povo sobre o qual sua estrutura é composta, pois criado à sua revelia, perde substância e densidade, em termos de justificação, para correntes que incluem o fato e a necessidade de valorização

(^11) Johanes Messner, ao dar o conteúdo próprio das normas legítimas, fala em normas que atingem os fins existenciais, “Como vimos, moralidade é para o homem a retidão natural aferida pelos fins existenciais, ao homem indicados pela sua própria natureza. É moral o que for naturalmente reto (reto segundo a natureza), porque exigido pela plenitude da natureza do homem como ser individual e social. Mas se o bem do homem está no ser plenamente realizado da sua natureza racional, então a sua verdadeira individualidade e moralidade, isto é, o ser e o bem, são, no fundo, uma e a mesma coisa. Em conseqüência disto (‘veritas est adae quatio intellectus et rei’), a verdade científica (especulativa) e a verdade moral (prática) espelham a mesma realidade da natureza humana: a verdade científica exprime-1he a realidade sob o aspecto do ser; a verdade moral reflete-se sob o aspecto da ordem dos fins que lhe é imanente. No âmbito concreto da cultura e da sociedade, o moralmente reto reside portanto, praticamente, na natureza das coisas: é reto o que a realidade essencial aponta como reto, o que é objetivamente reto. Neste sentido, a retidão das coisas é, por conseguinte, o critério a ter em conta na estruturação da ordem da vida social. (Ética Social, Ed. Quadrante, p. 60). 12 Fui aluno do Prof. Gofredo da Silva Telles, a quem sempre admirei, mas que, em sua constante procura da verdade, passou, a trilhar os caminhos inseguros de um direito, que ao negar a imutabilidade do direito natural, transformou-o apenas em um direito circunstancial e episódico (Direito Quântico). 13 Carlos Cossio — Teoria Egológica del Derecho, Ed. Abeledo Perrot, 1964, p. 647-648: “Si nos hacemos cargo que la ciencia dogmática del Derecho está considerada —y bien considerada— como una ciencia normativa; pero que para Savigny, a comienzos del siglo XIX y siguiendo una tradición que venía desde la Antiguedad clásica, una ciencla era normativa por que subministraba normas; en tanto que para Kelsen, a comienzos del siglo XX, la misma ciencia sería normativa porque conoce normas, mas no porque las suministra; y que medio siglo después la teoria egológica defiende -una tercera tesis referente a la misma calificación, en el sentido de que la ciencia del jurista es normativa porque conoce su objeto mediante normas, pero no porque conoceria normas ni tampoco porque ella las suministraria, ha de reconocerse que estos tresgiros de un mismo problema no conciernen a ningún tema especifico dentro de la ciencia del jurista sino que comprometen desde afuera a toda esa ciencia en conjunto, arrastrándola a ella y al jurista que la fabrica con un movimiento histórico pero con un ângulo filosófico de valor permanente”.

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É bem verdade que o desenvolvimento da capacidade de julgar ainda se faz com verniz de conceitos elementares e padrões superficiais. Tal superficialidade, todavia, traz maior complexidade à uma correta condução do problema^16.

Acresce-se ao fato que o homem, que aumenta suas aspirações econômicas, por decorrência do aumento de sua capacidade em atingir o conhecimento, vive em permanente descompasso entre a progressão geométrica das aspirações e aritmética de suas ‘satisfações, condições de vida e estabilidade pessoal’.

A falta de uma profunda preparação universal para crença em valores e defesa de princípios, o homem, no século XXI, em maior ou menor dimensão, permanece um eterno descontente em tudo, com tudo e por tudo.

Por outro lado, a dificuldade de exercício do poder com governadores mais conscientes não poucas vezes obriga as lideranças de maior força e menor capacidade de persuasão à restrição de direitos, numa tentativa de equilibrar a arte de governar por soluções menos democráticas. A aparente e temporária equação não significa à eliminação da capacidade de pensar dos subordinados, mas apenas retira sua exteriorização que, quando liberada, pode

atingir conseqüências imprevisíveis^17.

Veja-se o que está ocorrendo com as nações árabes. Não menos importante na problemática de um homem que cresce em conhecimento, é o capítulo relacionado com as condições de vida, que se deterioram nas grandes metrópoles de todos os países e continuam sendo insuficientes nos meios rurais, na grande maioria das nações, com o que o fator de desagregação potencial pode ser sempre despertado, de forma inquietante.

(^16) Nabantino Ramos, Sistema Brasileiro de Direito Econômico,. Ed. Resenha Tributária, p. 57: “Os homens podem trabalhar com lealdade para o Estado e até- morrer por ele na guerra, em todas as nações, Mas não bastam essas virtudes patrióticas para mobilizar e conservar duradouramente o interesse humano na consecução de árduos objetivos econômicos. Faz-se mister a liberdade de iniciativa e a participação pessoal nos resultados materiais do empreendimento. Desde que as pessoas industriosas não gozam dos frutos do seu trabalho e ficam equiparadas aos não industriosos, a tendência é para plantar cada ano menos.” Para Darwin, “a perfeita igualdade entre os fueguinos impediu-os de se civilizarem; ou, como poderiam dizer os fueguinos, a civilização seria fatal à sua igualdade” (F. 05. 06 — 17 Will Durant, História da Civilização, l-21). Sugeri, no livro “O direito do Estado e o Estado de Direito”, solução preparatória para o exercício de poder, ou seja, de escolas, inclusive de nível universitário, em fórmula a que demos o nome de democracia do acesso, pela qual transferíamos a técnica própria do parlamentarismo para a postulação de cargos, podendo todos os cidadãos atingir aos centros de preparação, mas apenas os nela formados teriam a faculdade de pleitear o exercício do poder, em eleições livres. A única tentativa que fiz, com modelo semelhante, quando presidente do Partido Libertador Metropolitano de São Paulo, foi bem sucedida (eleição municipal de 1963).

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Em face de uma luta pela preservação das reservas naturais e do meio ambiente desnivelada e incontrolável, na grande maioria dos países e um desplanejado projeto mundial de produção de alimentos, sempre insuficientes para as necessidades da atual população do mundo, vemos, hoje, - os homens vivendo ‘em sociedade, em condições piores e mais inadequadas do que as que viveram no passado, seja psicológica, social ou economicamente, pois com problemas maiores e soluções menores para suas aspirações próprias do estágio atual de cultura mais elevada^18. E falo isto, inclusive, apesar do crescimento na integração de classes antes menos favorecidas no consumo mundial. É que pelo aumento da população torna-se cada vez maior o número dos excluídos sociais, não proporcionalmente, mas em números globais.

Não há sociedade no mundo atual com condições de ser governada pelos padrões clássicos e o que se percebe, é que as lideranças mais bem-sucedidas não conseguem senão retardar — e um pouco apenas — o explodir de uma realidade de grande confusão, poucos valores e muita capacidade de provocar o caos.

IV- Liberdade, Autoridade e Repressão

E chego ao ponto crucial do exercício do poder, à luz da legalidade e legitimidade, qual seja o de permitir a liberdade, manter a autoridade sem que haja repressão, senão ao abuso da primeira faculdade. Em outras palavras, o problema de saber como reprimir, dentro de soluções jurídicas, sem impedir que a liberdade possa ser plena e a autoridade dela emanada

correta^19.

O problema, quando suscitado, normalmente leva, a uma tentativa de deslocar-se a sua estrutura concreta, transportando-a para uma outra formulação. Nesta transferência a equação poderia ser assim resumida. A liberdade só se adquire com consciência, a consciência somente pode ser obtida em condições de independência econômica, portanto com o mínimo de pressões e manipulações viáveis. As condições de independência apenas são viáveis a partir

(^18) Fábio Nusdeo, em sua tese de doutorado (Uma contribuição para o estudo das deseconomias), analisa o efeito preocupante que tal devastação tem provocado no mundo atual (tese de doutoramento para a Faculdade de Economia da USP). 19 Leia-se sobre o assunto o magnífico livro de Rafael Gomez Pérez. “Represión y Libertad”, Ed. Eunsa, p. 120: “Los sistemas formales para racionalizar el ejercicio de la autoridad política son un tema en sí: un campo en el que no se puede utilizar una mentalidad de ‘numerus clausus’. El trabajo por perfeccionar esos sistemas formales puede funcionar, de hecho, como un cierto humanismo, una concepción antropológica. Lo que sucede es que hoy se duda de que eso baste. Si cualquier reflexión sobre estos temas va a parar al núcleo de fondo —la antropología—, se está ante un sistema inequívoco del cansancio de las concepciones antropológicas intermédias. La crisis actual es una crisis que se presenta sobre el sentido último, radical del hombre.”

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altos padrões, descontentamentos, assim como a aquisição de cultura provoca uma sensação de injustiça entre os padrões de vida dos intelectuais e dos produtores de riquezas.

E, no momento, que são atingidos por uma crise financeira, como a de 2008/9, a população das nações mais desenvolvidas desorientam-se, por falta de preparo para enfrentá- las.

O desenvolvimento econômico desencadeia um permanente choque entre os detentores das riquezas (Governo ou particulares) e os intelectuais, inconformados com a distinção de condições de vida e que extravasam grande parte de suas frustrações para os protestos de defesa dos interesses dos insuficientes, Terminam, por outro lado, influenciando a juventude, de que cuidam, como professores^22.

O que se percebe é que a mera solução formal de melhoria de condição de vida nunca é tão suficiente a atender às aspirações desejadas como não preenche os requisitos essenciais que estão não fora, mas dentro da própria natureza humana.

A responsabilidade, no exercício da liberdade, para o respeito à autoridade legitima exige muito mais do que aparências exteriores de bem-estar. Exige, fundamentalmente, uma própria evolução interior do homem, a partir de uma correta preparação sua para a existência.

Mais que a segurança e desenvolvimento, o homem necessita de formação humana para que possa julgar a vida, a sociedade numa perspectiva de respeito e criação, liberdade e responsabilidade.

Por esta razão, entendo que o problema fundamental encontra-se numa outra dimensão, que exige por parte dos praticantes do poder dedicação maior, mais plena à preparação da juventude, não em chavões formais de amor ao que não acreditam, mas, de auto-inserção em valores maiores respeitados pelos próprios detentores da autoridade, para que, no exemplo, permitam seu pleno exercício, a partir de um responsável exercício da liberdade^23.

V- Uma Teoria do Alcance sobre liberdade, legitimidade e legalidade

(^22) Ainda atual é a preocupante análise levantada por L. J. Lebret e condensada no livro Le Drame du Siècle, Ed. Ouvriéres, Paris, p. 13: ‘Nous croyons que le monde en est arrivé à un point ou l’utopie seule est réaliste, l’utopie d’un monde de 1’Ouest, et d’un monde de l’Est remettant en question quelques-un des principes qui les empoisonnent et rendant, de ce fait, la coexistence moins chargée de peurs, et possible la coopération constructive à l’échelle aujourd’hui nécessaire. L’heure est passée, des petits aménagements inefficaces.” 23 Em linha mais conceitual, mas semelhante, Celso Bastos analisa os fundamentos da representação democrática na realidade brasileira atual no artigo ‘Democracia: Representação x Participação”, Jornal da Tarde, 5. 10.83.

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Em face dos pressupostos atrás apresentados, embora de forma nitidamente perfunctória, pela própria dimensão de mera colocação de problemas antecipatórios, posso procurar esboçar uma teoria de alcance à legitimidade do poder.

Já verifiquei que a manutenção do poder depende, fundamentalmente, da força em que sé mantém e na tolerância dos que lhe são submetidos, sendo a legitimidade de acesso por escolha popular consentimento revolucionário ou mera assunção de comando, elemento de maior ou menor re1evância, enquanto representativo, exclusivamente, de simples. conquista de governo.

A Alemanha Nazista, com o poder atingido de forma não democrática, representou a detectada aspiração nacional, numa aparente consonância entre governante e governados, em um determinado momento , pois o povo alemão buscava uma liderança em quem acreditar para superar os traumas da primeira guerra e dos problemas econômicos que enfrentavam. O acesso ao poder, por vias democráticas, de Jango Goulart, não representou a referida consonância. Por vício de origem, pois apenas aparente a consonância no primeiro caso e por falta de semelhança entre as aspirações nacionais e o governo, no segundo caso, ambos os exercícios do poder resultaram em soluções ilegítimas e fracassadas, com alcance limitado e por tempo reduzido.

Por esta razão entendo que o aspecto exterior do acesso ao poder, em face da multiplicidade de fatores que lhes possam influir, em regimes democráticos ou de força, é, para a sua legitimação, elemento de contorno formal, que não se, confunde com aquele decorrente da conjunção entre as legítimas aspirações nacionais de governados e a real capacidade de liderança dos governantes, conjunção esta que, se ocorrente, permite período de relativa paz e de progresso indiscutível.

Embora possa parecer paradoxal, a oposição clássica entre regimes democráticos e regimes de força tem apenas conotação formal, já que nem um nem outro representam conteúdo conceitual do poder exercido como expressão autêntica das aspirações nacionais. O que se revela essencial na estrutura do poder é a capacidade de quem o exerça, independentemente da forma de acesso ao mesmo, em estar em consonância com a referida aspiração do povo. Quando está disposto a servir e não ser servido. Embora se encontre mais legitimidade na conjunção, quando o acesso se faz através de eleições livres, nem sempre isto acontece.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Claro está que prefiro —por formação liberal que me levou inclusive à presidência do extinto Partido Libertador na capital paulista- que a conjunção de legitimidade do poder aspirações nacionais conduzidas, à luz do direito natural, se faça com o acesso ao poder por vias democráticas. Entendo, todavia, não ser esta a única forma de sua legitimação, em termos de conteúdo real. As Revoluções inglesa (1214/15), americana (1776) e francesa (1789) – esta última, apesar de ocorrer o maior banho de sangue da história francesa, lançou os fundamentos da moderna teoria do poder, segundo Kant, à luz dos três princípios (liberdade, fraternidade, igualdade) - em verdade, demonstraram que algumas revoluções são necessárias para a criação de Estados de Direito Democráticos. Somente será possível, pois, a legitimação, na medida em que esta conjunção se concretize, muito embora mais difícil, em regimes de exceção, visto que o detentor do poder, na maior parte das vezes, para lá chegar, fere exatamente princípios do direito natural. Relembre-se, todavia, que Pisistrato foi um ditador ateniense que o povo idolatrava.

Ora, no mundo atual, em que os problemas, são de gravidade maior que no passado e o instrumental de soluções menor, é evidente que apenas uma urgente busca da conjunção acima pode permitir a adequação necessária para que seja o poder exercido de forma legítima.

Em face do exposto, posso concluir afirmando que o exercício do poder será tanto mais duradouro quanto mais se fizer a conjunção entre as formas de condução dos governantes e as aspirações populares, na medida em que estas forem orientadas para a vivência de valores e normas maiores, de maneira perene, encontráveis apenas no Direito Natural. Só assim liberdade, legitimidade e legalidade fundir-se-ão.