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Liberais e conservadores, Manuais, Projetos, Pesquisas de Economia

Liberais e conservadores: um debate

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2025

Compartilhado em 05/06/2025

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usuário desconhecido 🇧🇷

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Liberais e Conservadores

Textos fundamentais

Bruno Amaro Lacerda Carlos Eduardo Paletta Guedes

Sumário

Introdução 11

1 35 Locke Segundo Tratado sobre o Governo....................................................... 36 Carta sobre a Tolerância................................................................... 40

2 48 Halifax Máximas do Estado........................................................................ 49 Sobre Prerrogativa, Poder e Liberdade................................................... 52

3 56 Bolingbroke Catecismo Político dos Proprietários...................................................... 57 Carta sobre o Espírito de Patriotismo..................................................... 60

4 63 Cato’s Letters Nº 45: Da Igualdade e da Desigualdade dos Homens (Gordon)......................... 64 Nº 62: Uma Investigação sobre a Natureza e Extensão da Liberdade; com suas Belezas e Vantagens, e os Vis Efeitos da Escravidão (Gordon)...................................... 70

5 81 Montesquieu O Espírito das Leis.......................................................................... 82

6 90 David Hume Sobre a Origem do Governo............................................................... 91

7 97 Adam Smith Teoria dos Sentimentos Morais........................................................... 98 Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações.............. 109

8 114 Turgot Segunda Carta sobre a Tolerância....................................................... 115

9 132 Burke Reflexões sobre a Revolução Francesa................................................... 133 Carta ao Sr. Dupont....................................................................... 141

10 144 Beccaria Dos Delitos e das Penas................................................................... 145

11 155 Condorcet Sobre a Admissão das Mulheres no Direito de Cidadania.............................. 156 Vida do Senhor Turgot.................................................................... 163

12 167 Founding Fathers Alguns Bons Princípios Whig (Benjamin Franklin)....................................... 168 O Federalista, artigo nº 51 (James Madison)............................................. 170 Sr. Adams a Thomas Jefferson (John Adams)............................................ 176 Carta à Tiffany (Thomas Jefferson)....................................................... 179

13 182 Bonifácio Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura.............................................................................. 183

21 284 Tocqueville O Antigo Regime e a Revolução.......................................................... 285

22 298 Mill Sobre a Liberdade......................................................................... 299

23 309 Spencer A Justiça................................................................................... 310

24 321 Bagehot Conservadorismo Intelectual............................................................. 322 A Constituição Inglesa.................................................................... 327

25 334 Lord Acton A História da Liberdade na Antiguidade................................................. 335 Carta ao Bispo Creighton................................................................. 342

Referências 345 Fontes Primárias........................................................................... 345 Fontes secundárias........................................................................ 349

Introdução

Em The Devil’s Dictionary (1911) de Ambrose Bierce, junto a diversas outras pérolas, consta uma distinção entre “conservador” e “liberal” digna de menção: “Conservador: o homem político que está enamorado dos males existentes, distinguindo-se do Liberal, que deseja substituí-los por outros” 1. Hoje em dia, muitas pessoas veriam esta sátira como uma definição rigorosa. Afinal, não é raro ler ou ouvir que conservadores são pessoas interessadas na manutenção do status quo , incluindo antigas injustiças, para proteger “as elites”, “a classe dominante” ou “o sistema”. Os liberais, por sua vez, são muitas vezes descritos como adeptos de uma visão de mundo egoística, quase sempre reduzida a preocupações de ordem econômica; ao contrário dos conservadores, que desejariam a perpetuação de tudo o que há de ruim e perverso no mundo, os liberais teriam pretensões de mudança, mas as inovações que propõem estariam a serviço da autonomia individual, nunca do “social” ou do “coletivo”. Assim, segundo essa visão corrente, o conservadorismo defenderia a imobilidade, e o liberalismo medidas antissociais. A piada de Bierce, como se vê, se tornou chave de interpretação da realidade. Em nosso país, a situação é ainda pior: “conservador” e “liberal” são termos frequentemente empregados em tom de reprovação moral, quando não como ofensas. São expressões que, para parte significativa da população, designam o que há de pior em matéria política, merecendo os seus defensores todo o opróbrio possível. Mas, como veremos, essas opiniões estão bem distantes da verdade. A pergunta que cada um deveria colocar para si, antes de quaisquer críticas e rotulações, é: o que são

(^1) BIERCE, The Devil’s Dictionary , p. 54-55.

Bruno Amaro Lacerda; Carlos Eduardo Paletta Guedes | 13

Scruton, tiveram várias de suas obras traduzidas e publicadas em português. Decidimos também não dividir os autores escolhidos em dois grupos estanques, o dos liberais de um lado e o dos conservadores de outro, pois, se assim fizéssemos, estabeleceríamos uma separação inadequada e artificial, já que, apesar das muitas divergências, eles se influenciaram reciprocamente e defenderam em muitos momentos ideias similares. Em alguns casos, inclusive, há dúvidas sobre como deveriam ser classificados. Autores normalmente alinhados entre os liberais, como Montesquieu e Acton, têm reflexões sobre o abuso de poder e a imperfeição humana que se aproximam muito de certas visões conservadoras a respeito da prudência política e dos limites da razão humana. Hume, um conservador, defendia pautas políticas que poderiam ser subscritas por qualquer liberal de sua época 3. Bagehot transitou entre as duas concepções. Germaine de Staël era uma mulher aberta à modernidade, leitora de Rousseau e defensora da perfectibilidade humana, mas também uma admiradora da monarquia e da política moderadora dos britânicos 4. Bonifácio era “Atacado pelos liberais como conservador” e “alvo dos conservadores, que o consideravam liberal” 5. Tocqueville e Burke são com frequência rotulados como “liberais conservadores” 6. Burke, aliás, considerado o fundador do conservadorismo moderno, esteve durante toda a sua vida ao lado dos Whigs^7 , a facção política inglesa que, mais tarde, daria origem ao Partido Liberal.

(^3) Não é incomum que Hume, por suas posições favoráveis ao livre comércio e por sua amizade com Adam Smith, seja classificado entre os liberais. Cf. LAQUIÈZE, Libérales , p. 617. (^4) Cf. VÉLEZ RODRÍGUEZ, Germaine Necker de Staël e as Origens do Liberalismo Doutrinário , p. 47-52. (^5) PRIORE, As vidas de José Bonifácio , p. 294. (^6) Por exemplo, por LAKOFF, Tocqueville, Burke and the Origins of Liberal Conservatism , passim , ou, no caso de Tocqueville, por KIRK, The Conservative Mind , p. 223. (^7) Na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, os Whigs defendiam os princípios de liberdade e os direitos do Parlamento, e os Tories a prerrogativa real e o dever de obediência dos súditos. As duas facções estão na origem dos Partidos Liberal e Conservador, respectivamente.

14 | Liberais e Conservadores: textos fundamentais

Ademais, como lembra Eric Voegelin, se nas primeiras décadas do século XIX os conservadores opunham-se aos liberais e vice-versa, com o advento do socialismo e de suas ondas revolucionárias, muito mais agressivas do que as reformas defendidas pelo liberalismo originário, as duas visões se aproximaram em uma atitude reativa perante o novo inimigo comum. É a razão pela qual, aos olhos dos contemporâneos, o liberal “clássico” parece um conservador 8. Mas, se não é conveniente traçar uma separação entre as duas concepções, uma distinção permanece sendo fundamental. Conservadorismo e liberalismo são dois modos diversos de pensar a existência humana e seus desdobramentos políticos, jurídicos e econômicos, com as nuances feitas acima. Comecemos pelo conservadorismo. De acordo com Anthony Quinton 9 , há três teses conservadoras principais. A primeira, chamada de tradicionalismo , defende a continuidade das instituições e costumes políticos existentes, cuja alteração deve ocorrer somente em casos de necessidade comprovada, e mesmo assim de modo cauteloso e gradual. Inovações impulsivas e rupturas constitucionais profundas são repudiadas por todos os conservadores 10. Esse apego às instituições, contudo, não decorre de inércia ou imobilismo, mas da disposição^11 que se manifesta em certos indivíduos (normalmente nos mais velhos e experientes, mas por vezes também nos jovens) conscientes de que os bens fruídos no presente são preciosos e não devem ser postos em risco simplesmente porque algo mais

(^8) VOEGELIN, Liberalism and its History , p. 507. (^9) Cf. QUINTON, Conservatism , p. 285-297; Idem, The Politics of Imperfection , p. 16-23. (^10) Como diz Walter Bagehot em um de seus ensaios, o conservador genuíno tem “horror de revolução” (BAGEHOT, The Conservative Vein in Mr. Bright , p. 507). (^11) “Em resumo, é a disposição apropriada do homem consciente de que tem algo a perder, que aprendeu a amar” (OAKESHOTT, On Being Conservative , p. 169).

16 | Liberais e Conservadores: textos fundamentais

universal. As necessidades, os desejos e as expectativas das pessoas são diferentes de tempo para tempo e de lugar para lugar” 15. Cientes do controle limitado de sua sociedade sobre o futuro, os conservadores desejam “arranjos políticos firmemente enraizados na experiência do povo que a eles está sujeito” 16. Olha-se “para trás” não por nostalgia de um passado paradisíaco ao qual se deseja regressar, mas por acreditar que as instituições políticas herdadas, construídas através de uma longa experiência de erros e acertos, são valiosas, pois possibilitaram e continuam favorecendo o gozo dos bens mais estimados. A liberdade, nesse sentido, não é a pré-condição de um pacto que surge para protegê- la, mas a consequência “de uma longa evolução social, o legado de instituições sem cuja proteção ela não poderia perdurar” 17. É por isso que “todos os conservadores concordam que a história é o ponto de partida apropriado para sua reflexão” 18. Geralmente, os estudiosos apontam a obra do irlandês Edmund Burke (1729-1797) como o momento em que essas ideias se apresentaram com suficiente clareza, integradas em uma visão completa e coerente 19. Mas também ressalvam que outros autores, inclusive anteriores, contribuíram para o seu desenvolvimento. Devemos, contudo, resistir à tentação de recuarmos em demasia, buscando antecedentes muito distantes no tempo. Como adverte Philippe Bénéton, o conservadorismo é produto da era moderna; nasce com o propósito assumido de defender a ordem política e os valores tradicionais das nações europeias contra o projeto político moderno que culmina na Revolução Francesa 20.

(^15) QUINTON, Conservatism , p. 286. (^16) KEKES, Op. cit. , p. 357. (^17) SCRUTON, O que é conservadorismo , p. 51. (^18) KEKES, Op. cit. , p. 354. (^19) KIRK, Op. cit. , p. 6. (^20) BÉNÉTON, Traditionalisme , p. 1542.

Bruno Amaro Lacerda; Carlos Eduardo Paletta Guedes | 17 Um dos primeiros nomes do conservadorismo pré-Burke foi o sacerdote inglês Richard Hooker (1554-1600). Importante teólogo do século XVI, crítico da Igreja Católica e do Puritanismo então nascente, Hooker foi um dos responsáveis pela afirmação da Igreja Anglicana. Em sua obra fundamental, Of the Lawes of Ecclesiastical Politie , ele desenvolve algumas ideias que antecipam aspectos importantes do ideário conservador. Profundamente influenciado pela doutrina do pecado original, Hooker dimensionava com cautela a capacidade da razão humana, muitas vezes superestimada pelo vício da soberba. Conectando essa percepção à prudência aristotélica, ele sustenta que a inteligência humana, quando se volta às ações políticas, é sempre razão prática e, por isso, não se liga ao necessário, mas ao contingente. Assim, qualquer mudança social deve ser ponderada, e levar em consideração mais a experiência consolidada em “ordenanças antigas, ritos e costumes tradicionais de nossos veneráveis predecessores” 21 do que princípios abstratos e absolutos. Além disso, deve-se valorizar o “consenso da comunidade” que, encarnado nas leis humanas, é indispensável para a manutenção da ordem que assegura a civilização: “Assim a paz e a tranquilidade não são possíveis, a menos que a provável voz da sociedade inteira ou corpo político domine todos os particulares da mesma natureza em um só corpo” 22. Encontramos ideias semelhantes em Halifax e em Bolingbroke, presentes em nossa seleção, e também em outros autores dos séculos XVII e XVIII, como Thomas Sherlock (1678-1761), bispo inglês que, em discurso proferido em 1704 perante a rainha Anne, louva o dever de obediência dos súditos como fundamental para a preservação da comunidade política: “Manter a forma estabelecida de governo é o primeiro e mais alto dever

(^21) HOOKER, Of the Lawes of Ecclesiastical Politie , V, p. 27. (^22) Ibidem, I, Pref., p. 123.

Bruno Amaro Lacerda; Carlos Eduardo Paletta Guedes | 19

ocorrer, diz o autor, poderão ser felicitados. Deve-se aguardar para ver se a liberdade “se compatibilizará com o governo; com a força pública; com a disciplina e a obediência dos exércitos; com a coleta e boa distribuição dos impostos; com a moralidade e a religião; com a solidez da propriedade; com a paz e a ordem; com os costumes públicos e privados” 27. A Revolução Francesa, em seu entender, não deve ser comparada à Revolução Gloriosa de cem anos antes. Embora reconheça que a ordem de sucessão hereditária sofreu um desvio com a expulsão do rei James II e a coroação de seu genro Guilherme de Orange, Burke insiste que esse ato foi ditado pela necessidade dos ingleses de “não jogar seu país no sangue ou conduzir novamente sua religião, suas leis e sua liberdade em direção ao perigo do qual já haviam escapado” 28. Àquela altura, os ingleses não queriam perder o governo monárquico estabelecido, de caráter moderado e “esclarecido”, e vê-lo substituído por outro completamente novo, sem as tradicionais garantias parlamentares, e por isso agiram para preservar as liberdades que haviam conquistado ao longo de sua história constitucional. Admitiu-se um pequeno afastamento formal da rota institucional para que esta fosse retomada em seu espírito. Mudanças, portanto, podem ser necessárias para conservar a Constituição que confere ao povo sua liberdade: “Um Estado sem os meios para alguma mudança é um Estado sem os meios para sua conservação. Sem tais meios, poderia até arriscar a perder aquela parte da Constituição que mais fervorosamente deseja preservar” 29. O caso francês é totalmente diverso: ao derrubar sua monarquia, os franceses desrespeitam as “antigas instituições” 30 ; eles não querem propriamente mudar, mas subverter.

(^27) Ibidem, p. 9. (^28) Ibidem, p. 23-24. (^29) Ibidem, p. 29. (^30) Ibidem, p. 35.

20 | Liberais e Conservadores: textos fundamentais

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, pelo mesmo motivo, também não pode ser equiparada à Magna Carta e aos demais documentos que compõem o corpo das liberdades inglesas. Enquanto estas foram construídas e testadas nos percalços da história, compondo a “herança de nossos antepassados” que une as partes do povo (Rei, Pares e Comuns) 31 , os franceses, movidos por suas “falsas luzes” 32 , pretendem inaugurar um governo baseado em direitos naturais “metafísicos”, ignorando que a ciência política não é um saber especulativo, mas um conhecimento prático, calcado na experiência e no trato com um objetivo de grande complexidade: o bem de um povo. Em uma obra posterior, Burke deixa ainda mais clara sua posição: a moralidade, diz, não pode ser confundida com a matemática, pois a primeira admite exceções e modificações que não podem ser resolvidas pela simples lógica formal, como ocorre no âmbito da segunda. Assim, “Nada de universal pode ser afirmado sobre qualquer assunto moral, ou político” 33. É justamente o que se dá com os “direitos do homem”: não existe propriamente “o homem”, mas apenas homens e mulheres reais, situados em uma sociedade na qual, juntos e compartilhando interesses em comum, formam um povo. Por esta razão, “Os pretensos direitos do homem , que têm feito tanto estrago, não podem ser os direitos do povo. Pois ser um povo e ter esses direitos são coisas incompatíveis” 34. Burke, na verdade, não nega a existência dos direitos naturais, mas sim que estes sejam dedutíveis da razão e, proclamados da noite para o dia, se apresentem como guias infalíveis de um governo completamente novo. A razão individual, ao contrário do que pensam os revolucionários

(^31) Ibidem, p. 47. (^32) Ibidem, p. 54. (^33) BURKE, An Appeal from the New to the Old Whigs , p. 19. (^34) Ibidem, p. 119.