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é um livro escrito por Thomas Hobbes e publicado em 1651. Ele é intitulado em referência ao Leviatã bíblico. O livro diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo, e é considerado como um dos exemplos mais antigos e mais influentes da teoria do contrato social.[1] O editor foi Andrew Crooke, parceiro da Andrew Crooke e William Crooke. Muitas vezes, é considerada uma das obras mais influentes já escritas do pensamento político.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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CAPÍTULO IV Da linguagem A invenção da imprensa, conquanto engenhosa, comparada com a invenção das letras, é coisa de somenos importância. Mas ignora-se quem pela primeira vez descobriu o uso das letras. Diz-se que o primeiro que as trouxe para a Grécia foi Cadmus, filho de Agenor, rei da Fenícia. Uma invenção fecunda para prolongar a memória dos tempos passados, e estabelecer a conjunção da humanidade, dispersa por tantas e tão distantes regiões da Terra, e com dificuldade, como se vê pela cuidadosa observação dos diversos movimentos da língua, palato, lábios, e outros órgãos da fala, em estabelecer tantas diferenças de caracteres quantas as necessárias para recordar. Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelações e em suas conexões, pelas quais os homens registram seus pensamentos, os recordam depois de passarem, e também os usam entre si para a utilidade e conversa recíprocas, sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os leões, os ursos e os lobos. O primeiro autor da linguagem foi o próprio Deus, que ensinou a Adão a maneira de designar aquelas criaturas que colocava à sua vista, pois as Escrituras nada mais dizem a este respeito. Mas isto foi suficiente para levá-lo a acrescentar mais nomes, à medida que a experiência e o convívio com as criaturas lhe forneciam ocasião para isso, e para ligá-los gradualmente de modo a fazer-se compreender. E assim com o passar do tempo pôde ser encontrada toda aquela linguagem para a qual ele descobriu uma utilidade, embora não fosse tão abundante como aquela de que necessita o orador ou o filósofo. Pois nada encontrei nas Escrituras que pudesse afirmar, direta ou indiretamente, que a Adão foram ensinados os nomes de todas as figuras, números, medidas, cores, sons, ilusões, relações, e muito menos os nomes de palavras e de discursos, como geral, especial, afirmativo, negativo, interrogativo, optativo, infinitivo, as quais são todas úteis, e muito menos os de entidade, intencionalidade, qüididade, e outras insignificantes palavras das Escolas. Mas toda esta linguagem adquirida e aumentada por Adão e sua posteridade, foi novamente perdida na torre de Babel, quando pela mão de Deus todos os homens foram punidos, devido a sua rebelião, com o esquecimento de sua primitiva linguagem. E sendo depois disso forçados a dispersarem-se pelas várias partes do mundo, resultou necessariamente que a diversidade de línguas que hoje existe
proveio gradualmente dessa separação, à medida que a necessidade (a mãe de todas as invenções) os foi ensinando, e com o passar dos tempos tornaram-se por toda a parte mais abundantes. O uso geral da linguagem consiste em passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou a cadeia de nossos pensamentos para uma cadeia de palavras. E isto com duas utilidades, uma das quais consiste em registrar as conseqüências de nossos pensamentos, os quais, podendo escapar de nossa memória e levar-nos deste modo a um novo trabalho, podem ser novamente recordados por aquelas palavras com que foram marcados. De maneira que a primeira utilização dos nomes consiste em servirem de marcas, ou notas de lembrança. Uma outra utilização consiste em significar, quando muitos usam as mesmas palavras (pela sua conexão e ordem), uns aos outros aquilo que concebem, ou pensam de cada assunto, e também aquilo que desejam, temem, ou aquilo por que experimentam alguma paixão. E devido a esta utilização são chamados sinais. Os usos especiais da linguagem são os seguintes: em primeiro lugar, registrar aquilo que por cogitação descobrimos ser a causa de qualquer coisa, presente ou passada, e aquilo que achamos que as coisas presentes ou passadas podem produzir, ou causar, o que em suma é adquirir artes. Em segundo lugar, para mostrar aos outros aquele conhecimento que atingimos, ou seja, aconselhar e ensinar uns aos outros. Em terceiro lugar, para darmos a conhecer aos outros nossas vontades e objetivos, a fim de podermos obter sua ajuda. Em quarto lugar, para agradar e para nos deliciarmos, e aos outros, jogando com as palavras, por prazer e ornamento, de maneira inocente. A estes usos correspondem quatro abusos. Primeiro, quando os homens registram erradamente seus pensamentos pela inconstância da significação de suas palavras, com as quais registram por suas concepções aquilo que nunca conceberam, e deste modo se enganam. Em segundo lugar, quando usam palavras de maneira metafórica, ou seja, com um sentido diferente daquele que lhes foi atribuído, e deste modo enganam os outros. Em terceiro lugar, quando por palavras declaram ser sua vontade aquilo que não é. Em quarto lugar, quando as usam para se ofenderem uns aos outros, pois dado que a natureza armou os seres vivos, uns com dentes, outros com chifres, e outros com mãos para atacarem o inimigo, nada mais é do que um abuso da linguagem ofendê-lo com a língua, a menos que se trate de alguém que somos obrigados a governar, mas então não é ofender, e sim corrigir .e
concluir universalmente que tal igualdade dos ângulos existe em todos os triângulos, sejam eles quais forem, e em registrar sua invenção nestes termos gerais: "Todo triângulo tem seus três ângulos iguais a dois ângulos retos". E assim a conseqüência descoberta num caso particular passa a ser registrada e recordada, como uma regra universal, e alivia nosso cálculo mental do espaço e do tempo, e liberta-nos de todo o trabalho do espírito, economizando o primeiro, e faz que aquilo que se descobriu ser verdade aqui e agora seja verdade em todos os tempos e lugares. Mas o uso de palavras para registrar nossos pensamentos não é tão evidente como na numeração. Um louco natural que nunca conseguisse aprender de cor a ordem das palavras numerais, como um, dois, três, pode observar cada pancada de um relógio e acompanhar com a cabeça, ou dizer um, um, um, mas nunca pode saber que horas estão batendo. E parece que houve uma época em que esses nomes de números não estavam em uso, e os homens contentavam-se em utilizar os dedos de uma ou das duas mãos para aquelas coisas que desejavam contar, e daí resultou que hoje as nossas palavras numerais só são dez em qualquer nação, e em algumas só são cinco, caso em que se recomeça de novo. E aquele que sabe contar dez, se os recitar fora de ordem, perder-se-á e não saberá o que esteve a fazer. E muito menos será capaz de adicionar e subtrair e realizar todas as outras operações da aritmética. De modo que sem palavras não há qualquer possibilidade de reconhecer os números, e muito menos as grandezas, a velocidade, a força, e outras coisas, cujo cálculo é necessário à existência, ou ao bem-estar da humanidade. Quando dois nomes estão ligados numa conseqüência, ou afirmação, como por exemplo "O homem é um ser vivo", ou esta outra, "Se ele for um homem, é um ser vivo", se o último nome ser vivo significar tudo o que o primeiro nome homem significa, então a afirmação, ou conseqüência, é verdadeira; de outro modo é falsa. Pois o verdadeiro e o falso são atributos da linguagem, e não das coisas. E onde não houver linguagem, não há nem verdade nem falsidade. Pode haver erro, como quando esperamos algo que não acontece, ou quando suspeitamos algo que não aconteceu, mas em nenhum destes casos se pode acusar um homem de inveracidade. Vendo então que a verdade consiste na adequada ordenação de nomes em nossas afirmações, um homem que procurar a verdade rigorosa deve lembrar-se que coisa substitui cada palavra de que se serve, e colocá-la de acordo com isso; de outro modo ver-se-á
enredado em palavras, como uma ave em varas enviscadas: quanto mais lutar, mais se fere. E portanto em geometria (que é a única ciência que prouve a Deus conceder à humanidade) os homens começam por estabelecer as significações de suas palavras, e a esse estabelecimento de significações chamam definições, e colocam-nas no início de seu cálculo. Por aqui se vê como é necessário a qualquer pessoa que aspire a um conhecimento verdadeiro examinar as definições dos primeiros autores, ou para corrigi-las, quando tiverem sido estabelecidas de maneira negligente, ou para apresentar as suas próprias. Pois os erros de definições se multiplicam à medida que o cálculo avança e conduzem os homens a absurdos, que finalmente descobrem, mas que não conseguem evitar sem calcular de novo, desde o princípio, no que reside a base de seus erros. De onde se segue que aqueles que acreditam nos livros procedem como aqueles que somam muitas pequenas somas numa maior, sem atentarem se essas pequenas somas foram ou não corretamente somadas; e finalmente encontrando o erro visível, e não duvidando das suas primeiras bases, não sabem que caminho seguir para se esclarecerem, mas gastam tempo azafamando-se em torno de seus livros, como aves que, entrando numa chaminé e vendo-se fechadas num quarto, adejam em torno da enganadora luz de uma janela, por não possuírem a sabedoria suficiente para atentarem por que caminho entraram. De tal modo que na correta definição de nomes reside o primeiro uso da linguagem, o qual consiste na aquisição de ciência; e na incorreta definição, ou na ausência de definições, reside o primeiro abuso, do qual resultam todas as doutrinas falsas e destituídas de sentido; o que torna aqueles homens que tiram sua instrução da autoridade dos livros, e não de sua própria meditação, tão inferiores à condição dos ignorantes, quanto são superiores a estes os homens revestidos de uma verdadeira ciência. Pois entre a verdadeira ciência e as doutrinas errôneas situa-se a ignorância. A sensação e a imaginação naturais não estão sujeitas a absurdos. A natureza em si não pode errar; e à medida que os homens vão adquirindo uma abundância de linguagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente. Nem é possível sem letras que algum homem se torne ou extraordinariamente sábio, ou (amenos que sua memória seja atacada por doença, ou deficiente constituição dos órgãos) extraordinariamente louco. Pois as palavras são os calculadores dos sábios, que só com elas calculam; mas constituem a moeda dos loucos que a avaliam pela autoridade de um
silogismo, sermão, oração, e tantos outros, são nomes de discursos. E esta é toda a variedade de nomes positivos, que são usados para marcar algo que existe na natureza, ou que pode ser concebido pelo espírito do homem, como corpos que existem, ou que podem ser concebidos como existentes, ou corpos cujas propriedades são, ou podem ser concebidas, ou palavras e discursos. Há também outros nomes chamados negativos, que são notas para significar que uma palavra não é o nome da coisa em questão, como estas palavras nada, ninguém, infinito, indizível, três não são quatro, e outras semelhantes, que contudo se usam no cômputo, ou na correção do cômputo, e trazem ao espírito nossas cogitações passadas, muito embora não sejam nomes de coisa alguma, porque nos fazem recusar admitir nomes que não são adequadamente usados. Todos os outros nomes nada mais são do que sons insignificantes, e estes são de duas espécies. Uma delas, quando são novos e o seu sentido ainda não foi explicado por uma definição, e desta espécie existem muitos, inventados pelos homens das Escolas e pelos filósofos confusos. Uma outra espécie, quando se faz de dois nomes um só nome, muito embora suas significações sejam contraditórias e inconsistentes, como por exemplo este nome, corpo incorpóreo, ou (o que é o mesmo) substância incorpórea, e um grande número de outros como estes. Pois sempre que qualquer afirmação seja falsa, os dois nomes pelos quais é composta, postos lado a lado e tornados num só, não significam absolutamente nada. Por exemplo, se for uma afirmação falsa dizer "um quadrângulo é redondo", a expressão quadrângulo redondo nada significa e é um simples som. Do mesmo modo, se for falso dizer que a virtude pode ser infundida, ou insuflada e retirada, as expressões virtude infundida, virtude insuflada, são tão absurdas e insignificantes, como um quadrângulo redondo. E portanto dificilmente encontraremos uma palavra destituída de sentido e insignificante que não seja formada por alguns nomes latinos ou gregos. Um francês raras vezes ouve chamar nosso Salvador pelo nome Palavra, mas muitas vezes pelo nome de Verbo, e contudo Verbo e Palavra em nada mais diferem senão no fato de uma ser latina e outra francesa. Quando um homem ao ouvir qualquer discurso tem aqueles pensamentos para os quais as palavras desse discurso e a sua conexão foram ordenadas e constituídas, então dizemos que ele o compreendeu, não sendo o entendimento outra coisa senão a concepção causada pelo discurso. E portanto se a linguagem é peculiar ao homem (como pelo que sei
deve ser), então também o entendimento lhe é peculiar. E portanto não pode haver compreensão de afirmações absurdas e falsas, no caso de serem universais; muito embora muitos julguem que compreendem, quando nada mais fazem do que repetir tranqüilamente as palavras, ou gravá-las em seu espírito. Quando falar das paixões, falarei dos tipos de discurso que significam os apetites, as aversões, e as paixões do espírito do homem, e também de seu uso e abuso. Os nomes daquelas coisas que nos afetam, isto é, que nos agradam e desagradam, porque todos os homens não são igualmente afetados pelas mesmas coisas, nem o mesmo homem em todos os momentos, são nos discursos comuns dos homens de significação inconstante. Pois dado que todos os nomes são impostos para significar nossas concepções, e todas as nossas afeições nada mais são do que concepções, quando concebemos as mesmas coisas de forma diferente, dificilmente podemos evitar denominá-las de forma diferente também. Pois muito embora a natureza do que concebemos seja a mesma, contudo a diversidade de nossa recepção dela, no que se refere às diferentes constituições do corpo, e aos preconceitos da opinião, dá a tudo a coloração de nossas diferentes paixões. Portanto, ao raciocinar, o homem tem de tomar cautela com as palavras, que, além da significação daquilo que imaginamos de sua natureza, também possuem uma significação da natureza, disposição, e interesse do locutor. Assim são os nomes de virtudes e vícios, pois um homem chama sabedoria àquilo que outro homem chama temor, crueldade o que para outro é justiça, prodigalidade o que para outro é magnanimidade, gravidade o que para outro é estupidez, etc. E portanto tais nomes nunca podem ser verdadeiras bases de qualquer raciocínio. Como também não o podem ser as metáforas, e os tropos do discurso, más estes são menos perigosos, pois ostentam sua inconstância, ao passo que os outros não o fazem. CAPÍTULO V Da razão e da ciência Quando alguém raciocina, nada mais faz do que conceber uma soma total, a partir da adição de parcelas, ou conceber um resto a partir da subtração de uma soma por outra; o que (se for feito com palavras) é conceber da conseqüência dos nomes de todas as partes para o nome da totalidade, ou dos nomes da totalidade e de uma parte, para o nome da outra parte. E muito embora em algumas coisas (como nos números), além de adicionar e subtrair, os homens nomeiem outras operações, como multiplicar e dividir, contudo são as mesmas, pois a multiplicação nada mais é do que a adição conjunta de coisas
se julgam mais sábios do que todos os outros clamam e exigem uma razão certa para juiz, nada mais procuram senão que as coisas sejam determinadas, não pela razão de outros homens, mas pela sua própria. É tão intolerável na sociedade dos homens como no jogo, uma vez escolhido o trunfo, usar como trunfo em todas as ocasiões aquela série de que se tem mais cartas na mão. Pois nada mais fazem do que tomar cada uma de suas paixões, à medida que vão surgindo neles, pela certa razão, e isto em suas próprias controvérsias, revelando sua falta de justa razão com a exigência que fazem dela. O uso e finalidade da razão não é descobrir a soma, e a verdade de uma, ou várias conseqüências, afastadas das primeiras definições, e das estabelecidas significações de nomes, mas começar por estas e seguir de uma conseqüência para outra. Pois não pode haver certeza da última conclusão sem a certeza de todas aquelas afirmações e negações nas quais se baseou e das quais foi inferida. Como quando um chefe de família, ao fazer uma conta, adiciona as somas de todas as notas de despesa numa só soma, e não considerando de que modo cada nota foi feita por aqueles que lhe apresentaram a conta, nem aquilo que está pagando, procede como se aceitasse a conta total, confiando na habilidade e na honestidade dos contadores; do mesmo modo no raciocínio de todas as outras coisas, aquele que tira conclusões confiado em autores, e não as examina desde os primeiros itens em cada cálculo (os quais são as significações de nomes estabelecidas por definições) perde o seu esforço e nada fica sabendo; apenas julga que sabe. Quando alguém calcula sem o uso de palavras, o que pode ser feito em casos especiais (como quando ao ver qualquer coisa conjeturamos o que provavelmente a precedeu, ou o que provavelmente se lhe seguirá), se aquilo que julgou provável que se seguisse não se seguir, ou se aquilo que julgou provável que tivesse precedido, não tiver precedido, isto chama-se erro, ao qual estão sujeitos mesmo os homens mais prudentes. Mas quando raciocinamos com palavras de significação geral, e chegamos a uma inferência geral que é falsa, muito embora seja comumente denominada erro, é na verdade um absurdo, ou um discurso sem sentido. Pois o erro é apenas uma ilusão, ao presumir que algo aconteceu, ou está para acontecer, acerca do que, muito embora não tivesse acontecido, não existe contudo nenhuma impossibilidade aparente. Mas quando fazemos uma asserção geral, a menos que seja uma asserção verdadeira, sua possibilidade é inconcebível. E as palavras com as quais nada mais concebemos
senão o som são as que denominamos absurdas; insignificantes, e sem sentido. E portanto se alguém me falasse de um quadrângulo redondo, ou dos acidentes do pão no queijo, ou de substâncias imateriais, ou de um sujeito livre, livre arbítrio, ou qualquer coisa livre, mas livre de ser impedida por oposição, não diria que estava em erro, mas que as suas palavras eram destituídas de sentido, ou seja, absurdas. Disse anteriormente (no segundo capítulo) que o homem na verdade supera todos os outros animais nesta faculdade, que quando ele concebe seja o que for é capaz de inquirir as conseqüências disso e que efeitos pode obter com isso. E agora acrescento este outro grau da mesma faculdade, que ele sabe com as palavras reduzir as conseqüências que descobre a regras gerais, chamadas teoremas, ou aforismos, isto é, sabe raciocinar, ou calcular, não apenas com números, mas com todas as outras coisas que se podem adicionar ou subtrair umas às outras. Mas este privilégio é acompanhado de um outro, que é o privilégio do absurdo, ao qual nenhum ser vivo está sujeito, exceto o homem. E entre os homens aqueles que professam a filosofia são de todos os que lhe estão mais sujeitos. Pois é bem verdade aquilo que Cícero disse algures a seu respeito: que nada há mais absurdo do que aquilo que se encontra nos livros de filosofia. E a razão disto é manifesta. Pois não há um só que comece seus raciocínios com definições, ou explicações dos nomes que irá usar, o que é um método que só tem sido usado em geometria, cujas conclusões foram assim tornadas indiscutíveis. Atribuo a primeira causa das conclusões absurdas à falta de método, pelo fato de não começarem seu raciocínio com definições, isto é, com estabelecidas significações de suas palavras, como se pudessem contar sem conhecer o valor das palavras numerais, um, dois, e três. E atendendo a que todos os corpos entram em conta sob diversas considerações (que mencionei no capítulo precedente); sendo estas considerações designadas de maneira diferente, vários absurdos decorrem da confusão e da inadequada conexão de seus nomes em asserções. E portanto: A segunda causa das asserções absurdas é por mim atribuída ao fato de se darem aos acidentes nomes de corpos, ou aos corpos nomes de acidentes, como fazem aqueles que dizem "a fé é infundida, ou inspirada", quando nada pode ser infundido ou insuflado, a não ser no corpo, ou os que dizem que a extensão é corpo, e que os fantasmas são espíritos, etc. Atribuo a terceira ao fato de se darem nomes de acidentes de corpos exteriores a nós a acidentes de
produzir os mesmos efeitos. As crianças portanto não são dotadas de nenhuma razão até que atinjam o uso da linguagem, mas são denominadas seres racionais devido à aparente possibilidade de terem o uso da razão na sua devida altura. E a maior parte dos homens, muito embora tenham o uso da razão em certos casos, como em contar até certo grau, contudo serve-lhes pouco na vida comum, na qual se governam, uns melhor, outros pior, segundo suas diferentes experiências, rapidez de memória e inclinações para vários fins, mas especialmente segundo a boa ou má fortuna, e os erros de uns em relação aos outros. Pois no que se refere à ciência, ou a certas regras de suas ações, estão tão afastados dela que nem sabem que coisa é. Consideram a geometria como magia, mas em relação às outras ciências; aqueles a quem não foram ensinados os fundamentos nem algum progresso nelas a fim de poderem ver como foram adquiridas e geradas, são neste ponto como crianças, que, não fazendo qualquer idéia da geração, são levadas pelas mulheres a acreditar que seus irmãos e irmãs não nasceram, mas foram encontrados no jardim. Contudo, aqueles que não possuem qualquer ciência encontram-se numa condição melhor e mais nobre, com sua natural prudência do que os homens que, por raciocinarem mal ou por confiarem na incorreta razão, caem em regras gerais falsas e absurdas. Porque a ignorância das causas e das regras não afasta tanto os homens de seu caminho como a confiança em falsas regras e o fato de tomarem, como causas daquilo a que aspiram, causas que o não são, mas sim causas do contrário. Para finalizar, a luz dos espíritos humanos são as palavras perspícuas, mas primeiro limpas por meio de exatas definições e purgadas de toda ambigüidade. A razão é o passo, o aumento da ciência, o caminho e o beneficio dá humanidade o fim. Pelo contrário, as metáforas e as palavras ambíguas e destituídas de sentido são como ignes fatui, e raciocinar com elas é o mesmo que perambular entre inúmeros absurdos, e o seu fim é a disputa, a sedição ou a desobediência. Assim como a muita experiência é prudência, também a muita ciência é sapiência. Pois muito embora só tenhamos o nome de sabedoria para as duas, contudo os latinos efetivamente distinguiram entre prudência e sapiência, ligando a primeira à experiência e a segunda à ciência. Mas para que a diferença entre elas apareça de maneira mais clara, suponhamos um homem dotado de um excelente uso natural e dexteridade em mexer os braços, e um outro que acrescentou a essa dexteridade uma ciência adquirida acerca do lugar onde pode ferir ou
ser ferido pelo seu adversário, em todas as possíveis posturas e guardas. A habilidade do primeiro estaria para a habilidade do segundo assim como a prudência para a sapiência: ambas úteis, mas a segunda infalível. Mas aqueles que acreditando apenas na autoridade dos livros vão cegamente atrás dos cegos são como aquele que, acreditando nas falsas regras de um mestre de esgrima, presunçosamente se aventura contra um adversário que ou o mata ou o desgraça. Os sinais da ciência são uns certos e infalíveis, outros incertos. Certos quando aquele que aspira à ciência de alguma coisa sabe ensinar a mesma, isto é, demonstrar sua verdade de maneira perspícua a alguém. Incertos quando apenas alguns eventos particulares correspondem a sua pretensão, e em muitas ocasiões( se revelam da maneira que ele diz que deviam acontecer. Os sinais de prudência são todos incertos, porque observar pela experiência e lembrar todas as circunstâncias que podem alterar o sucesso é impossível. Mas em qualquer assunto em que o homem não tenha uma infalível ciência pela qual se guiar, é sinal de loucura, e geralmente desprezado com o nome de pedantismo, abandonar o próprio juízo natural para se deixar conduzir por sentenças gerais lidas em autores e sujeitas a muitas exceções. E mesmo aqueles homens que nos Conselhos do Estado gostam de ostentar suas leituras de política e de história raramente o fazem em seus negócios privados, quando se trata de seus interesses particulares, possuindo a prudência suficiente para seus negócios privados, mas nos negócios públicos preocupam-se mais com a reputação de sua própria sabedoria do que com o sucesso dos negócios alheios. CAPÍTULO VI Da origem interna dos movimentos voluntários vulgarmente chamados paixões: e da linguagem que os exprime Há nos animais dois tipos de movimento que lhes são peculiares. Um deles chama-se vital; começa com a geração, e continua sem interrupção durante toda a vida. Deste tipo são a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção, etc. Para estes movimentos não é necessária a ajuda da imaginação. O outro tipo é o dos movimentos animais, também chamados movimentos voluntários, como andar, falar, mover qualquer dos membros, da maneira como anteriormente foi imaginada pela mente. A sensação é o movimento provocado nos órgãos e partes inferiores do corpo do homem pela ação das coisas que vemos, ouvimos, etc., e a imaginação é apenas o resíduo do mesmo movimento, que permanece depois da sensação, conforme já se disse no primeiro e
comprovação de seus efeitos sobre si mesmo ou sobre os outros homens. Porque das coisas que inteiramente desconhecemos, ou em cuja existência não acreditamos, não podemos ter outro desejo que não o de provar e tentar. Mas temos aversão, não apenas por coisas que sabemos terem-nos causado dano, mas também por aquelas que não sabemos se podem ou não causar-nos dano. Das coisas que não desejamos nem odiamos se diz que as desprezamos. Não sendo o desprezo outra coisa senão uma imobilidade ou contumácia do coração, ao resistir à ação de certas coisas. A qual deriva do fato de o coração estar já estimulado de maneira diferente por objetos mais potentes, ou da falta de experiência daquelas coisas. Dado que a constituição do corpo de um homem se encontra em constante modificação, é impossível que as mesmas coisas nele provoquem sempre os mesmos apetites e aversões, e muito menos é possível que todos os homens coincidam no desejo de um só e mesmo objeto. Mas seja qual for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem, esse objeto é aquele a que cada um chama bom; ao objeto de seu ódio e aversão chama mau, e ao de seu desprezo chama vil e indigno. Pois as palavras "bom", "mau" e "desprezível" são sempre usadas em relação à pessoa que as usa. Não há nada que o seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem e do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos. Ela só pode ser tirada da pessoa de cada um (quando não há Estado) ou então (num Estado) da pessoa que representa cada um; ou também de um árbitro ou juiz que pessoas discordantes possam instituir por consentimento, concordando que sua sentença seja aceite como regra. A língua latina tem duas palavras cuja significação se aproxima das de bom e mau, mas que não são exatamente as mesmas, e são as palavras pulchrum e turpe. Significando a primeira aquilo que por quaisquer sinais aparentes promete o bem, e a segunda aquilo que promete o mal. Mas em nossa língua não temos homens suficientemente gerais para exprimir essas idéias. Para traduzir pulchrum, a respeito de algumas coisas usamos belo; de outras, lindo ou bonito, assim como galante, honrado, adequado, amigável. Para traduzir turpe usamos repugnante, disforme, feio, baixo, nauseante e termos semelhantes, conforme seja exigido pelo objeto. Todas estas palavras, em sua significação própria, indicam apenas o aspecto ou disposição que promete o bem e o mal. Assim, há três espécies de bem; o bem na promessa, que é pulchrum; o bem no efeito, como fim desejado, que
se chama jucundum, delicioso; e o bem como meio, que se chama utile, ou proveitoso: E outras tantas espécies de mal; pois o mal na promessa é o que se chama turpe; o mal no efeito e no fim é molestum, desagradável, perturbador; é o mal como meio, inutil e, inaproveitável, prejudicial. Tal como na sensação aquilo que realmente está dentro de nós é apenas movimento (como acima já disse), provocado pela ação dos objetos externos, mas em aparência: para a vista, a luz e a cor; para o ouvido, o som; para o olfato, o odor, etc.; assim também, quando a ação do mesmo objeto se prolonga, a partir dos olhos, dos ouvidos e outros órgãos, até o coração, o efeito aí realmente produzido não passa de movimento e esforço, que consiste em apetite ou aversão em relação ao objeto. Mas a aparência ou sensação desse movimento é o que se chama deleite, ou então perturbação do espírito. Este movimento a que se chama apetite, notadamente em sua manifestação como deleite e prazer, parece constituir uma corroboração do movimento vital, e uma ajuda prestada a este. Portanto as coisas que provocam deleite eram, com toda a propriedade, chamadas jucunda (à juvando), porque ajudavam e fortaleciam; e eram chamadas molesta, ofensivas, as que impediam e perturbavam o movimento vital. Portanto o prazer (ou deleite) é a aparência ou sensação do bem, e desprazer ou desagrado é a aparência ou sensação do mal. Consequentemente, todo apetite, desejo e amor é acompanhado por um deleite maior ou menor, e todo ódio e aversão por um desprazer e ofensa maior ou menor. Alguns dos prazeres ou deleites derivam da sensação de um objeto presente, e a eles pode chamar-se prazeres dos sentidos (a palavra sensual, tal como é usada apenas por aqueles que condenam esses prazeres, só tem lugar depois de existirem leis). Desta espécie são todas as onerações e exonerações do corpo, além de tudo quanto é agradável à vista, ao ouvido, ao olfato, ao gosto e ao tato. Há outros que derivam da expectativa provocada pela previsão do fim ou conseqüências das coisas; quer essas coisas agradem ou desagradem aos sentidos, que são os prazeres do espírito daquele que tira essas conseqüências, e geralmente recebem o nome de alegria. De maneira semelhante, alguns dos desprazeres residem na sensação, e chama-se-lhes dor; outros residem na expectativa de conseqüências, e chama-se-lhes tristeza. Estas paixões simples chamadas apetite, desejo, amor, aversão, ódio, alegria e tristeza recebem nomes diversos conforme a maneira como são consideradas. Em primeiro lugar, quando uma
dos outros animais, mas também por esta singular paixão. Nos outros animais o apetite pelo alimento e outros prazeres dos sentidos predominam de modo tal que impedem toda preocupação com o conhecimento das causas, o qual é um desejo do espírito que, devido à persistência do deleite na contínua e infatigável produção do conhecimento, `supera a fugaz veemência de qualquer prazer carnal. O medo dos poderes invisíveis, inventados feio espírito ou imaginados a partir de relatos publicamente permitidos, chame-se religião; quando esses não são permitidos, chama-se superstição. Quando o poder imaginado é realmente como o imaginamos, chama- se verdadeira religião. O medo sem se saber por que ou de que chama-se terror pânico, nome que lhe vem das fábulas que faziam de Pan seu autor. Na verdade, existe sempre em quem primeiro sente esse medo uma certa compreensão da causa, embora os restantes fujam devido ao exemplo, cada um supondo que seu companheiro sabe pior quê. Portanto esta paixão só ocorre numa turba ou multidão de pessoas. A alegria ao saber de uma novidade chama-se admiração; é própria do homem, porque desperta o apetite de conhecer a causa. A alegria proveniente da imaginação do próprio poder e capacidade é aquela exultação do espírito a que se chama glorificação. A qual, quando baseada na experiência de suas próprias ações anteriores, é o mesmo que a confiança. Mas quando se baseia na lisonja dos outros, ou é apenas suposta pelo próprio, para deleitar- se com suas conseqüências, chama-se vanglória. Nome muito apropriado, porque uma confiança bem fundada leva à eficiência; ao passo que a suposição do poder não leva ao mesmo resultado, e é portanto justamente chamada vã. A tristeza devida à convicção da falta de poder chama-se desalento. A vanglória, que consiste na invenção ou suposição de capacidades que se sabe não se possuir, é extremamente freqüente nos jovens, e é alimentada pelas narrativas verdadeiras ou fictícias de feitos heróicos. Muitas vezes é corrigida pela idade e pela ocupação. O entusiasmo súbito é a paixão que provoca aqueles trejeitos a que se chama riso. Este é provocado ou por um ato repentino de nós mesmos que nos diverte, ou pela visão de alguma coisa deformada em outra pessoa, devido à comparação com a qual subitamente nos aplaudimos a nós mesmos. Isto acontece mais com aqueles que têm consciência de menor capacidade em si mesmos, e são obrigados a reparar nas imperfeições dos outros para poderem continuar sendo a favor de si próprios. Portanto um excesso de riso perante os defeitos dos outros
é sinal de pusilanimidade. Porque o que é próprio dos grandes espíritos é ajudar os outros a evitar o escárnio, e comparar-se apenas com os mais capazes. Pelo contrário, o desalento súbito é a paixão que provoca o choro, o qual é provocado por aqueles acidentes que bruscamente vêm tirar uma esperança veemente, ou por um fracasso do próprio poder. E os que lhe estão mais sujeitos são os que contam sobretudo com ajudas externas, como as mulheres e as crianças. Assim, alguns choram porque perderam os amigos, outros por causa da falta de amabilidade destes últimos, e outros pela brusca paralisação de seus pensamentos de vingança, provocada pela reconciliação. Mas em todos os casos tanto o riso como o choro são movimentos repentinos, e o hábito a ambos faz desaparecer. Pois ninguém ri de piadas velhas, nem chora por causa de uma velha calamidade. A tristeza devida à descoberta de alguma falta de capacidade é a vergonha, a paixão que se revela através do rubor. Consiste ela na compreensão de. uma coisa desonrosa. Nos jovens é sinal de amor à boa reputação, e é louvável. Nos velhos é sinal do mesmo, mas, como já chega tarde demais, não é louvável. O desprezo pela boa reputação chama-se imprudência. A tristeza perante a desgraça alheia chama-se piedade, e surge do imaginar que a mesma desgraça poderia acontecer a nós mesmos. Por isso é também chamada compaixão, ou então, na expressão atualmente em voga, sentimento de companheirismo. Assim, por calamidades provocadas por uma grande maldade, os melhores homens são os que sentem menos piedade, e pela mesma calamidade os que sentem menos piedade são os que se consideram menos sujeitos à mesma. O desprezo ou pouca preocupação com a desgraça alheia é o que os homens chamam crueldade, que deriva da segurança da própria fortuna. Pois considero inconcebível que alguém possa tirar prazer dos grandes prejuízos alheios, sem que tenha um interesse pessoal no caso. A tristeza causada pelo sucesso de um competidor em riqueza, honra ou outros bens se se lhe juntar o esforço para aumentar nossas próprias capacidades, a fim de igualá-lo ou superá- lo, chama-se emulação. Quando ligada ao esforço para suplantar ou levantar obstáculos ao competidor chama-se inveja. Quando surgem alternadamente no espírito humano apetites e aversões, esperanças e medos, relativamente a uma mesma coisa; quando passam sucessivamente pelo pensamento as diversas conseqüências boas ou más de uma ação, ou de evitar uma ação; de modo tal que às vezes se sente um apetite em relação a ela, e às vezes uma aversão,