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Como é visto o letramento
Tipologia: Notas de estudo
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Não perca as partes importantes!
Ph.D. em Lingüística pela Universidade de Illinois Professora Titular em Lingüística Aplicada no IEL/UNICAMP
Não basta ensinar a ler
e a escrever?
Linguagem e letramento e m fo c o
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P (^) no serviço público, informando ou orientando a comunidade.
E poderíamos ir multiplicando os locais em que ela aparece: na igreja, no parquinho, no escritório... Porque a escrita, de fato, faz parte de praticamente todas as situações do cotidiano da maioria das pessoas. Isso é o que acontece nas sociedades complexas, em que não é possível atingir objetivos ou realizar tarefas apenas falando. Imaginemos o trabalho que teriam os anunciantes se, pa- ra dar a conhecer seus produtos, tivessem de contar, pessoalmen- te, para cada um dos clientes potenciais, por que seu produto é especial ou melhor que os demais!
A complexidade da sociedade moderna exige conceitos tam- bém complexos para descrever e entender seus aspectos relevan- tes. E o conceito de letramento surge como uma forma de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de atividades e não so- mente nas atividades escolares.
© Eduardo Santaliestra © Eduardo Santaliestra
A presença da escrita muda de lugar para lugar. Se você mora numa grande cida- de, um trabalho que pode ser feito com seus alunos para dirigir os olhos e a atenção deles para as funções da escrita é um passeio-leitura pelo bairro, anotando tudo o que estiver escrito: placas, folhetos, avisos, letreiros. Mas se você mora em zona rural, tal- vez não haja muita presença da escrita ao redor, para ser anotada num passeio-leitu- ra. Nesse caso, o objetivo pode ser outro: descobrir lugares que se beneficiariam com placas e letreiros escritos, como: “É proibido jogar lixo!”, “Perigo!” e outros.
O objetivo deste volume da coleção “Linguagem e Letramen- to em Foco” é apontar facetas dos usos da escrita que são rele- vantes para o trabalho com leitura (e com produção de texto tam- bém, embora nosso foco seja, aqui, a leitura), mas que têm sido negligenciadas na formação do professor. Introduziremos o con- ceito de letramento, que é o pano de fundo das atividades pro- postas no curso “Letramento nas Séries Iniciais” no ambiente educativo TelEduc e no site interativo alfaletras, do CEFIEL — Centro de Formação de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem, da UNICAMP. O conceito de letramento já entrou no dis- curso escolar – por exemplo, nos documentos que falam do currículo, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) –, porém foi en- trando por diversas portas, por ser um conceito usado por pesquisadores de diversas áreas (educação, didática, lingüística aplicada, histó- ria da leitura) ao falarem dos usos da escrita. Isso tem causado muita confusão. Por isso, an- tes de apresentar o que é letramento, vamos discutir o que ele não é. Essa discussão, que retoma três elementos da concepção escolar, é feita não para marcar uma ruptura com os saberes do professor mas para tomá-los como ponto de partida da discus- são e, assim, complementar e transformar os conceitos que já lhes são familiares, na tentati- va de diminuir a distância entre as duas pers- pectivas: a da universidade e a da escola. Em seguida, estudaremos o que é letramento, os conceitos a ele relacionados e as implicações do conceito para o trabalho es- colar com a linguagem.
Discurso. Palavra de múl- tiplos significados. Aqui a usamos com três: (a) para designar as produções es- pecíficas de um grupo, nas locuções discurso es- colar ou discurso dos pro- fessores; (b) para designar o conjunto de textos que manifestam um determi- nado posicionamento par- tilhado por um grupo soci- al, nas locuções discurso jornalístico ou discurso ci- entífico; (c) em oposição à língua, para designar os usos efetivos (e os valo- res aí associados) da lín- gua (o sistema que permi- te esses usos) em diferen- tes contextos, na locução discurso letrado (diferente de língua escrita).
que começaram a estudar, em diversos países, as funções e práti- cas da língua escrita e seu impacto na vida social, eram cientistas sociais: sociólogos, antropólogos e historiadores que não tinham na- da a dizer — porque não era sua especialidade — sobre os méto- dos de ensino da língua escrita. Todavia, como esse assunto está relacionado a questões muito relevantes para a educação, ele che- ga à escola e aí é reinterpretado em função daquilo que é relevante para o trabalho escolar, ou seja, o método. E, nessa reinterpretação, acontecem associações indevidas. Por exemplo, quando o conceito de letramento é oposto ao de alfabetização, ele é entendido como equivalente aos métodos globais; quando o termo letramento é in- terpretado morfologicamente, ou seja, com base nos morfemas, ou formas mínimas significativas que formam a palavra (no caso, “le- tra” e “mento”), ele tem sido utilizado como equivalente a um méto- do baseado no ensino da “letra” primeiro (... e a sílaba depois?!).
Não existe um “método de letramento”. Nem um nem vários. P (^) O letramento envolve a imersão da criança, do jovem ou do adulto no mundo da escrita e, nesse sentido, para conseguir essa imersão o professor pode: a) adotar práticas diárias de leitura de livros, jornais e revis- tas em sala de aula; b) arranjar paredes, chão e mobília da sala de tal modo que textos, ilustrações, alfabeto, calendários, livros, jornais e revistas penetrassem todos os sentidos do aluno-leitor em formação; c) fazer um passeio-leitura com os alunos pela escola ou pelo bairro.
Para reflexão Você consegue pensar em outras atividades e situações que dêem a seus alunos oportunidade de imersão no mundo da escrita?
P (^) Como o letramento envolve participar das práticas sociais em que se usa a escrita, na escola ele pode envolver as atividades de receber e enviar cartas, copiar informações pertinentes para uma tarefa, comentar notícias, recomendar e criticar livros.
P (^) O letramento também significa compreender o sentido, numa determinada situação, de um texto ou qualquer outro produto cul- tural escrito; por isso, uma prática de letramento escolar poderia implicar um conjunto de atividades visando ao desenvolvimento de estratégias ativas de compreensão da escrita, à ampliação do vo- cabulário e das informações para aumentar o conhecimento do aluno e à fluência na sua leitura. (Estudaremos essas estratégias no curso “Letramento nas Séries Iniciais” e nos exercícios do site interativo alfaletras.)
P (^) Como o letramento envolve ainda saber usar o código da es- crita, quaisquer dos enfoques e recursos utilizados para ensinar a decodificar, analisar e reconhecer a palavra (que corresponderiam aos métodos tradicionais de alfabetização) também podem ser considerados práticas de letramento escolar.
Mas o letramento não é nada disso, ou melhor, é tudo isso, e muito mais. É importante lembrar que, qualquer que seja o método de ensi- no da língua escrita, ele é eficiente na medida em que se constitui na ferramenta adequada que permite ao aprendiz adquirir o conhe- cimento necessário para agir em uma situação específica. Por exem- plo, uma criança que já usa a Internet para enviar e-mails não vai se beneficiar muito com atividades em que o professor ou um colega dite coisas para ela escrever, pois já está acostumada a escrever o
Para reflexão Quais atividades o seu grupo já faz?
manutenção dos dois conceitos, quando antes um era suficiente, é importante, como veremos. Se consideramos que as instituições sociais usam a língua escrita de forma diferente, em práticas diferentes, diremos que a alfabetização é uma das práticas de letramento que faz parte do conjunto de práticas sociais de uso da escri- ta da instituição escolar. Alguns pesquisadores se opõem ao uso do ter- mo letramento, dizendo que os conceitos por ele designados estariam implícitos no termo alfabeti- zação. Isso é uma simplificação. Como mostraremos posteriormen- te, o termo letramento já entrou em uso carregado de novas associa- ções e significados, como, por exemplo, uma nova relação com a ora- lidade e com linguagens não-verbais, não incluídos nem previstos no termo alfabetização. É interessante notar que pesquisadores de fala inglesa dentro da tradição freiriana, como o sociolingüista David Bar- ton ou o antropólogo Brian V. Street, também sentiram falta de um termo para designar um novo conceito: nos seus trabalhos, eles usam hoje “literacies” (letramentos), no plural, para o que antes o singular “literacy” (letramento/alfa- betização) era suficiente. Há várias maneiras de ver e en- tender a relação entre letramento e alfabetização, em parte porque o conceito de alfabetização é comple- xo e tem muitos significados. A alfabetização é uma prática. E, assim como toda prática que é específica a uma instituição, envol- ve diversos saberes (por exemplo, quem ensina conhece o sistema al-
Prática (de letramen- to). Conjunto de ativida- des envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, as- sociadas aos saberes, às tecnologias e às compe- tências necessárias para a sua realização. Exemplos de práticas de letramento: assistir a aulas, enviar car- tas, escrever diários.
Então, agora não é mais para alfabetizar, é para "ensinar" o letramento!
O conceito de alfabetização também denota um conjunto de saberes sobre o código escrito da sua língua, que é mobilizado pelo indivíduo para participar das práticas letradas em outras es- feras de atividade, não necessariamente escolares. Daí se dizer que um indivíduo é “analfabeto”, “semi-analfabeto”, “semi-alfabe- tizado” para referir-se aos modos, graus ou níveis desses sabe- res que ele apresenta. O conceito de alfabetização refere-se também ao processo de aquisição das primeiras letras e, como tal, envolve seqüências de operações cognitivas, estratégias, modos de fazer. Quando di-
fabético e suas regras de uso), diversos tipos de participantes (alunos e professor) e, também, os elementos materiais que per- mitem concretizar essa prática em situações de aula, como qua- dro-de-giz, ilustrações, livros didáticos e quaisquer outros recursos pedagógicos. A prática de alfabetização se concretiza em eventos que se si- tuam dentro de uma sala de aula, liderados por um especialista (o professor) que se encarrega de ensinar sistematicamente as re- gras de funcionamento e uso do código alfabético aos iniciantes no assunto (os alunos). Ambos — professor e alunos — têm rela- ções sociais predeterminadas: um anima, organiza, avalia; os ou- tros respondem, realizam as atividades propostas.
Para reflexão Uma prática consiste em atividades com um objetivo em determinada situa- ção. Como a realização da atividade pode precisar de tecnologias (lápis e papel, as diferentes mídias), habilidades especiais e saberes, estes também fazem par- te da prática. Algumas atividades (e os saberes que as sustentam) que tradicio- nalmente fazem parte da prática de alfabetização das crianças na escola são: leitura em voz alta (que envolve a capacidade de decodificação); ditado (que en- volve conhecimento ortográfico); rimar palavras (que envolve a consciência fono- lógica); rodinha de leitura (que envolve a capacidade de organização textual). Vo- cê poderia mencionar outras práticas de leitura escolar?
a seguir, é interessante para ilustrar estas conside- rações. O índio que leva a mensagem, como vere- mos, não conhece a função da escrita, e é a sua condição de membro de um povo ágrafo — não o seu analfabetismo — que lhe causa problemas. A história conta que um fazendeiro pediu a um índio que levasse uma cesta com dez frutas a um amigo, morador de uma fazenda vizinha, junto com uma carta em que falava a respeito desse presente. No caminho, o índio ficou com sede e com fome e decidiu comer uma das frutas. Ao receber o presente, o amigo do fazendeiro acusou o índio de ter comido uma parte de seu presente. O índio, en- tão, perguntou como ele sabia que faltava uma fruta, se não havia ninguém por perto quando ele a comera. O fazendeiro respondeu: “Ora! Pela carta”. Tempos depois, o fazendeiro novamente pediu ao índio para levar frutas ao amigo e mandou uma cartinha acompa- nhando a cesta. De novo, sem nada para beber ou comer no cami- nho, e já com sede e fome, o índio pegou a carta, sentou-se sobre ela e comeu duas das frutas, convencido de que a carta, dessa vez, não iria contar nada. Mas, é claro, apenas chegou à casa do fazendeiro, foi acusado de ter comido duas de suas frutas... Ao contrário do que nos conta a história, um analfabeto na so- ciedade letrada conhece muito bem a função desse objeto cultural que é a carta. O filme Cen- tral do Brasil nos mostra uma prática letrada que só existe porque há, no mundo de hoje, pessoas que não são alfabetizadas, mas sabem que a es- crita permite a comunicação a distância e que- rem participar dessa prática, apesar de não co- nhecerem o código que lhes permitiria ser independentes e auto- suficientes para se expressarem por meio da língua escrita. A prática retratada no filme consistia na elaboração coletiva de cartas realizada por um escriba (Dora, a personagem central) e
Ágrafo. Termo usado para se referir a uma cultura ou uma língua que não tem um sistema de língua escri- ta para seus registros.
Central do Brasil (1998), filme dirigido por Walter Sal- les, com Fernanda Monte- negro, Marília Pêra, Vinicius de Oliveira, Matheus Nat- chergaele, ganhou 55 prê- mios internacionais.
seus clientes. Segundo Judith Kalman, pesquisadora mexicana que trabalha com a educação de jovens e adultos (EJA), em seu país existe um sistema semelhante: no centro da Cidade do Méxi- co, diversos escribas oferecem serviços ainda mais diversificados — de cartas de amor até a elaboração de ofícios, atas e deveres escolares (relatado em sua obra Escribir en la plaza, México: Fon- do de Cultura Económica, 2003). A alfabetização, portanto, tem características específicas, diferen- tes das do letramento, mas é parte integrante dele. Como prática es- colar, ela é essencial: todos — crianças, jovens ou adultos — preci- sam ser alfabetizados para poder participar, de forma autônoma, das muitas práticas de letramento de diferentes instituições.
O letramento não é uma ha- bilidade, embora envolva um conjunto de habilidades (roti- nas de como fazer) e de com- petências (capacidades concre- tas para fazer algo). Por isso, “ensinar o letramento” é uma expressão no mínimo estranha, pois implica uma ação que nin- guém, nem mesmo um espe- cialista, poderia fazer. Ora, se pensarmos em tudo que está envolvido numa situação em que se utiliza a língua escrita, em um evento de letramento co- mo a leitura cotidiana de jornal, por exemplo, veremos que as ca- pacidades envolvidas vão muito além daquilo que, de fato, pode ser ensinado na escola. Vejamos. Se o jornal chega à casa da leitora, ela provavelmente é assi-
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Lembremos que tudo isso faz parte da prática letrada de ler jor- nal. Resumindo: o letramento é complexo, envolvendo muito mais do que uma habilidade (ou conjunto de habilidades) ou uma com- petência do sujeito que lê. Envolve múltiplas capacidades e conhe- cimentos para mobilizar essas capacidades, muitos dos quais não têm necessariamente relação com a leitura. Na escola, é possível: P (^) ensinar as habilidades e competências necessárias para par- ticipar de eventos de letramento relevantes para a inserção e participação social; P (^) ensinar como se age nos eventos de instituições cujas práti- cas de letramento vale a pena conhecer; P (^) criar e recriar situações que permitam aos alunos participar efetivamente de práticas letradas. Pode-se até chamar tudo isso de “ensino do letramento”, des- de que se concorde, antes, que tudo o que foi aqui mencionado — e muito mais — é parte integrante desse ensino.
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O que é, então, letramento?
Após tantos “não é” você deve estar se fazendo esta per- gunta: “O que é, então, letramento?”. Já comentamos que o letramento está relacio- nado com os usos da escrita em sociedade e com o impacto da língua escrita na vida moderna. Para complementar essa definição sucinta — e, assim, ir enriquecendo o conceito —, discutiremos vários aspectos do letra- mento, desde o surgimento do conceito até suas contribuições para o ensino da língua escrita, em geral, e da leitura, em particular. Começaremos por uma breve história do termo.
Paulo Freire utilizou o termo alfabetização com um sentido próxi- mo ao que hoje tem o termo letramento, para designar uma prática sociocultural de uso da língua escrita que vai se transformando ao
Já vimos o que não é. Agora está na hora de saber o que é.