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Guias e Dicas
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Kali: a mulher mais poderosa do universo, Notas de aula de Energia

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

GloboTV
GloboTV 🇧🇷

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Kali: a mulher mais poderosa do universo
Prof. P.C. Jain e Dr Daljeet.
Kali personifica os três aspectos do ato cós
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que se revelam na criação, na preservação e na aniqui-
lação. Ela é a divindade mais misteriosa de todas as
ordens religiosas indianas
no Budismo, no Jainismo,
entre os se
guidores de Vishnu ou Shiva, ou qualquer
outra. Ela faz gestos que asseguram a ausência de me-
do (abhaya) e benevolência (varada), definindo perpe-
tuamente sua disposição mental mais profunda. Po-
rém, em contraste, a aparência da Deusa inspira senti-
mentos de espanto e ter
ror, espalhando a morte com a
espada nua que carre
ga em uma de suas mãos e se
alimentando com o san
gue que jorra dos corpos que
mata. Os instrumentos de des
meios de preservação. Seu caminho de pas
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a vida é através da moradia que Ela escolheu – o ter-
reno de cremação, iluminado por piras queimando e
cheio dos ecos de gritos dos cha
cais e dos fantasmas,
que pairam sobre cadáveres desmembrados.
Kali
A Deusa mais sagrada, Kali, partilha sua moradia
com terríveis monstros que comem carne humana (pi-
shachas) e é representada montada sobre um cadá
ver.
Ela ama Shiva, mas só se une com o seu cadáver (sha-
va
), seu corpo passivo e morto, sendo ela própria o
agente ativo. Ela se alegra com a destruição e ri, mas
a
penas para fazer com que os quatro cantos da Terra e
do Céu tremam de terror. Sendo uma mulher, Kali
gos
ta de se enfeitar, mas seus ornamentos são uma
guirlanda ou um colar de cabeças humanas de
cepadas,
um cinto com braços humanos cortados, brincos com
cadáveres de crianças, braceletes de serpentes –
tudo
com aparência horrível e lamentável. A essência d
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Kali é essa fusão de contradições, um mis
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o qual nenhuma outra divindade foi dotada. Vashish-
tha Ganapati Muni disse corretamente sobre ela:
"Tudo aqui é um mistério de contrários, trevas, uma
luz mágica que oculta a si própria, sofrimento, um
a
máscara secreta do êxtase trágico, e morte, um instru-
mento de vida perpétua."
Kali sobre Shiva
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Kali: a mulher mais poderosa do universo

Prof. P.C. Jain e Dr Daljeet.

Kali personifica os três aspectos do ato cósmico, que se revelam na criação, na preservação e na aniqui- lação. Ela é a divindade mais misteriosa de todas as ordens religiosas indianas – no Budismo, no Jainismo, entre os seguidores de Vishnu ou Shiva, ou qualquer outra. Ela faz gestos que asseguram a ausência de me- do (abhaya) e benevolência (varada), definindo perpe- tuamente sua disposição mental mais profunda. Po- rém, em contraste, a aparência da Deusa inspira senti- mentos de espanto e terror, espalhando a morte com a espada nua que carrega em uma de suas mãos e se alimentando com o sangue que jorra dos corpos que mata. Os instrumentos de destruição, para ela, são meios de preservação. Seu caminho de passagem para a vida é através da moradia que Ela escolheu – o ter- reno de cremação, iluminado por piras queimando e cheio dos ecos de gritos dos chacais e dos fantasmas, que pairam sobre cadáveres desmembrados. Kali A Deusa mais sagrada, Kali, partilha sua moradia com terríveis monstros que comem carne humana (pi- shachas) e é representada montada sobre um cadáver. Ela ama Shiva, mas só se une com o seu cadáver (sha- va), seu corpo passivo e morto, sendo ela própria o agente ativo. Ela se alegra com a destruição e ri, mas apenas para fazer com que os quatro cantos da Terra e do Céu tremam de terror. Sendo uma mulher, Kali gosta de se enfeitar, mas seus ornamentos são uma guirlanda ou um colar de cabeças humanas decepadas, um cinto com braços humanos cortados, brincos com cadáveres de crianças, braceletes de serpentes – tudo com aparência horrível e lamentável. A essência de Kali é essa fusão de contradições, um misticismo com o qual nenhuma outra divindade foi dotada. Vashish- tha Ganapati Muni disse corretamente sobre ela:

"Tudo aqui é um mistério de contrários, trevas, uma luz mágica que oculta a si própria, sofrimento, uma máscara secreta do êxtase trágico, e morte, um instru- mento de vida perpétua." Kali sobre Shiva

O que define Kali e também o cosmos que Ela ma- nifesta, é a fusão de contrários – não apenas como duas coisas que existem juntas, mas como dois aspec- tos essênciais da unidade. Do útero, que é mais escuro do que os recessos mais pro-fundos do oceano, onde nenhum raio de luz jamais chega, surge a vida. Da mesma forma, das trevas nasce a luz brilhante, e quan- to mais profunda a escuridão, mais brilhante essa luz. Uma realização que contrasta com o sofrimento, pois a alegria é a face brilhante do sofrimento – o filho que nasce dela, por contraste. A árvore nasce quando a semente explode e sua forma é destruída, isto é, a vida é o renascimento da morte, e sua forma, toda sua bele- za e vigor, é a deformação incarnada. A unidade inter- relacionada dos contrários define ambos, cosmos e Kali. A Deusa de tonalidade escura, que representa nela própria as trevas, o sofrimento, a morte, a defor- mação e a feiúra, é a fonte mais poderosa de vida, luz, alegria e beleza – o aspecto positivo da criação. Ela destrói para recriar, produz sofrimento para que a ale- gria se revele melhor, e em sua forma assustadora de- ve-se ultrapassar todos os medos, não escapando de- les, mas aceitando-os como bem-vindos.

Mãe Kali

A invocação da luz é comum a todas as ordens re- ligiosas e todas as divindades. Na invocação a Kali, o devoto se confronta com as trevas que agregam morte, destruição, sofrimento, medo e todos os aspectos ne- gativos do universo. Não sendo sua presa mas sim um guerreiro valioso, o devoto procura superar as trevas e descobrir tudo o que elas ocultam – luz, vida, alegria e até mesmo a libertação do ciclo de nascimentos e mor- tes. Kali lhe dá assistência em sua batalha. Ela conce- de sua graça ao seu devoto que adquire assim o domí- nio sobre todas as trevas cósmicas – acessíveis ou ina- cessíveis, conhecidas ou desconhecidas, ou impossí- veis de conhecer, que Ela condensa em si própria. Se não estivessem condensadas assim, o devoto não po- deria apreender e controlar sua imensidão cósmica. Kali é a divindade suprema dos Tantrikas, pois nela eles descobrem o instrumento que lhes permite co- mandar diversas forças cósmicas de uma única vez. A antiga popularidade de Kali entre as tribos primitivas ignorantes foi inspirada, talvez, por seu poder de reve- lar a luz a partir das trevas, algo que eles possuem dentro e fora e em grande abundância. Por outro lado, Kali assegura a luz perpetuamente. Em cada ciclo, uma caminhada que parte da luz termina nas trevas, mas aquela que se inicia nas trevas deve necessaria- mente chegar aos vales da luz ilimitada.

A terrível Vajrapani com auréola do fogo da sabedoria

Embora variem em suas versões, os Puranas per- cebem Kali como um aspecto da Devi – a Deusa, uma divindade que agora está quase completamente fundi- da com Durga. No entanto, considerando o status da própria Kali como uma Deusa, assim como o culto muito difundido dela, que prevalece entre várias tribos e grupos étnicos espalhados em áreas rurais remotas, Kali parece ser uma divindade antiga e talvez pré- Vêdica. Como seu nome sugere, ela parece ser o aspecto feminino de Kala – o tempo – aquele ser invencível, imensurável e infinito que tem sido venerado como Mahakala – o tempo transcendental – representado na tradição indiana metafísica e religiosa por Shiva. Na terminologia religiosa, Mahakala é apenas outro nome de Shiva. Alguns ícones do vale do Indus parecem representar, além de Shiva, uma divindade feminina feroz, que poderia ser Kali uma provavelmente uma forma que a precedeu.

Mahakali

O Budismo, uma corrente de pensamento que se opôs à percepção dos Vedas na maioria das coisas, introduziu no seu panteão Mahakala e um divindade feminina feroz que se manifesta sob várias formas, como sendo a contraparte feminina de Mahakala. Ob- viamente, o Budismo deve tê-la introduzido a partir de uma fonte não Vêdica, já que se opunha veemente- mente aos Vedas. Invocada com grande fervor em muitas ocasiões no Mahabharata, mais especialmente no Bhishma-Parva, um pouco antes do ponto onde o Senhor Krishna apresenta seu sermão do Gita, Kali parce ser uma divindade bem estabelecida durante os dias do épico, ou seja, séculos antes do início da era dos Puranas. Embora invocada como "arya", um termo que indica grande reverência, Arjuna a louva como uma mulher tenebrosa com guirlanda de crânios, com a pele semelhante ao bronze escuro... e com epítetos como Mahakali, Bhadrakali, Chandi, Kapali... caracte- rísticas que ainda são relevantes na iconografia de Kali. Um grande número de textos do período que vai dos séculos II-IX, como Kumarasambhava de Kalida- sa, Vasavadatta de Subandhu, Kadambari de Bana- bhatta, Malitimadhava de Bhavabhuti e Yashatilaka de Somadeva, também fazem alusão a Kali, um fato que indica sua grande popularidade em domínios diferen- tes da religião. Esta Kali transcende de forma essenci- al Ratridevi, Maharatri e Nritti dos Vedas, ou uma das sete línguas de Agni, ou uma forma divina que tivesse surgido a partir delas.

A vitória da Devi

No entanto, não se pode atribuir esta ou aquela origem a Kali. Mesmo se tiver sido uma deusa de ori- gem antiga das tribos primitivas, ela tem uma ampli- tude e poder muito superior ao que as divindades pri- mitivas benfazejas geralmente tinham. Ela não pode ser tratada como uma mera divindade tribal de origem indígena, a menos que se sacrifique sua absoluta fami- liaridade e seu status na linha Hindu tradicional. Além disso, não podemos atribuir à tradição sua criação ab- soluta, pois isso comprometeria seu status de Deusa e ela seria reduzida a algo que não é. Seja qual for sua origem, talvez indígena, Kali sur- ge na tradição com uma reverência e impulso muto maior do que se atribui aos demais deuses. Ela não é um mero epíteto ou aspecto de outra Deusa. Ela foi concebida como o poder (Shakti) do Tempo (Kala). Como Kala, Ela permeia todas as coisas, manifestas ou ocultas. Os Puranas percebem Kali como a cólera personificada de Durga – a incorporação da fúria – mas de qualquer forma Ela é sua verdadeira Shakti. Mesmo furiosa, Durga invoca Kali para realizar o que ela própria não consegue fazer. Depois que Durga separa Kali de si própria e Kali emerge com sua pró- pria forma – um ser independente – Ela reina suprema em todo o panteão Hindu, com relação ao seu poder de destruir e vencer os inimigos. Kali não é meramente o poder de Durga, ela tam- bém foi concebida como o aspecto dinâmico do Se- nhor Shiva. Em uma relação deliciosa, o "a" de Shava e Kala nega o que é realizado pelo "i", o componente principal de Shiva e Kali. Shava é o corpo sem vida, aquilo que sobra no universo manifesto quando o Po- der do Tempo o toma sob seu controle, e Kala é o que se revela apenas no aspecto manifesto do universo, e assim ambos são limitados. Quando o "i", simbólico da energia feminina, que se manifesta como Kali, se une a eles e transforma Shava em Shiva e Kala em Kali, ambos emergem como ilimitados, atemporais. Este universo está contido em Shiva, e assim, nele ocorre a transição do que é temporal para o atemporal. Kali, que é o Poder do Tempo, não sofre essa transi- ção.

Kali unida a Shiva / Shava

KALI NOS PURANAS

Ocorrem alusões a Kali em alguns Puranas antigos. No entanto, a visão mais elaborada a respeito de sua origem, aparência, personalidade, poder e feitos apa- rece no Devi Mahatmya, do século V ou VI, uma parte do Markandeya Purana. O Devi Mahatmya contém uma meditação (dhya-

A Deusa pediu a Kali que destruísse o exército dos demônios, em particular Chanda e Munda. Kali infli- giu grande destruição à sua volta, dançou sobre os cadáveres, matou Chanda e Munda e como troféus de guerra trouxe à Deusa suas cabeças decepadas. A Deusa atribuiu a Kali o epíteto de Chamunda – destru- idora de Chanda e Munda. As mortes de Chanda e Munda enfureceram fortemente Shumbha e Nishum- bha e eles, com os demônios sob seu comando, inclu- indo Rakta-bija e outros de seu clã, atacaram a Deusa e a cercaram, juntamente com Kali, por todos os lados. Para enfrentar seu imenso número, a Deusa invocou as Sete Mães (Sapta Matrikas) Brahmani, Maheshvari, Kumari, Vaishnavi, Varahi, Narsimhi e Aindri, os poderes de todos os grandes Devas, Brahma, Shiva, Skanda, Vishnu e Indra.

Matrikas e Mahavidyas lutando contra os demônios

Seguiu-se uma batalha feroz, porém o que mais perturbou a Deusa foi a multiplicação de Rakta-bija, pois este tinha um dom pelo qual surgia um novo de- mônio Rakta-bija de todos os lugares onde caísse uma gota de seu sangue. Finalmente, a Deusa chamou Kali para beber o sangue de Rakta-bija antes que caísse sobre o solo. Com uma boca escancarada, devorando multidões de demônios, e com uma língua que se es- tendia em todas as direções e que se movia mais de- pressa do que o demônio, Kali consumiu cada gota de sangue que saía das feridas de Rakta-bija. Kali é venerada como a Deusa que garante sucesso na guerra e elimina os inimigos – não apenas no Devi Mahatmya, mas em quase todos os Puranas, particu- larmente no Agni Purana e no Garuda Purana.

Aniquilação de Raktabija pelas deusas Durga e Kali

O Skanda Purana associa a origem de Kali a Par- vati. Inicialmente, Parvati tinha uma aparência escura, e por isso Shiva costumava caçoar dela de vez em quando. Um dia, depois de ser chamada duas vezes de Kali (a Negra), Parvati abandonou Shiva e disse que não retornaria a menos que se livrasse de sua aparên- cia escura. Depois que Parvati partiu, Shiva se sentiu muito só. Aproveitando sua ausência e a solidão de Shiva, um demônio chamado Adi, que estava procu- rando uma oportunidade para matá-lo e se vingar da morte de seu pai, disfarçou-se como se fosse Parvati e conseguiu entrar no quarto de Shiva. Depois de algum tempo, Shiva identificou o demônio e o matou. En- quanto isso, por um ascetismo rigoroso (tapas) e com a ajuda de Brahma, Parvati foi capaz de se desfazer de sua camada externa negra, e de dentro emergiu sua forma dourada. Transformada em Gauri (a dourada), ela retornou a Shiva. Os Deuses, procurando uma for- ma feminina que pudesse matar Mahisha, transforma-

Shiva dançando para Parvati

ram com sua luz esta casca negra de Parvati em Kali, e depois que ela realizou o desejo dos Deuses, Parvati a baniu para a região que fica depois da montanha Vin- dhya, onde ela se tornou conhecida como Katyayani.

O Linga Purana contém ainda um outro episódio responsável pela origem de Kali. Um demônio chama- do Daruka tinha um dom de que apenas uma mulher poderia matá-lo. Quando chegaram relatos de suas atrocidades, Shiva pediu a Parvati que o matasse. En- tão Parvati entrou no corpo de Shiva, e a partir do ve- neno que estava contido em sua garganta ela se trans- formou e reapareceu como Kali. Ela reuniu um exérci- to de Pishachas que comem carne humana e com sua ajuda destruiu Daruka. O Skanda Purana amplia mais essa história. Kali não parou a destruição mesmo de- pois de matar Daruka. Embriagada pelo consumo do veneno e pelo sangue do demônio, Kali se tornou in- controlável, enlouquecida, e por suas atividades des- trutivas colocou em perigo o equilíbrio cósmico. Fi- nalmente, Shiva assumiu uma das formas da própria Kali e sugou dos seios dela todo o veneno. Depois disso, ela se acalmou. (^) A deusa Kali amamentando Shiva

No Sul da Índia prevalece uma tradição semelhan- te, embora em um contexto diferente. Depois de derro- tar Shumbha e Nishumbha, Kali se retirou para uma floresta com sua escolta de companheiros terríveis e começou a aterrorizar a vizinhança e seus habitantes. Um devoto de Shiva foi até ele com o pedido de livrar a floresta do terror de Kali. Quando Kali se recusou a obedecer a Shiva, alegando que estava no seu próprio território, Shiva lhe pediu que competisse com ele dançando. Ela concordou, mas não conseguindo (ou não querendo) atingir o nível de energia de Shiva, Kali foi vencida e saiu. A origem de Kali também foi associada a Sati (a primeira esposa de Shiva) e com Sita (esposa do Se- nhor Rama) – embora não seja uma conexão muito significativa. Em um relato, quando é insultada por seu pai Daksha, Sati se torna furiosa, esfregou seu próprio nariz e daí apareceu Kali. Em outro relato, Rama estava retornando a Ayodhya depois de vencer Ravana. Em seu caminho ele encontrou um monstro que o assustou tanto que o sangue de Rama se conge- lou de medo. Então Sita se transformou em Kali e o derrotou.

A dança de Shiva e Kali

pelo som das asas dos abutres que rasgam os cadáve- res. A escuridão abissal desses lugares, ocasionalmen- te iluminada pelas chamas das piras funerárias, é o que mais convém a Kali. No campo de batalha e em outras situações, ela caminha descalça. Exceto raramente, quando toma emprestado ou pela força o leão de Dur- ga ou o búfalo Nandi de Shiva, Kali não usa um veícu- lo, um animal ou qualquer outra coisa, seja para se deslocar ou para ajudá-la na sua batalha. Ela dança para destruir, e sob seus pés que dançam há o cadáver da destruição. De pé ou sentada, ela tem debaixo de si um cadáver esticado com o pênis ereto – não a flor de lótus, que é o assento favorito da maioria das divindades. Ela se coloca sobre a não-existência – o cadáver do universo destruído, mas que apesar disso contém a semente de um novo nascimento.

Na sua iconografia, enquanto o cadáver representa a não-existência ou o universo destruído, a figura de Kali unida a Shiva ou ao seu cadáver (Shava) simboli- za o contínuo processo de criação. O universo mani- festo é aquilo que é envolto pelo tempo, mas quando Kali, o Poder do Tempo, destruiu o universo manifes- to, esse véu se ergue e o Tempo, assim como Kali, o Poder do Tempo, se torna des-nudo, um fenômeno indicado pela nudez de Kali. Por sua natureza, Kali está sempre faminta e nunca é saciada. Ela ri tão alto que todos os três mundos es- tremecem de terror. Ela dança loucamente, não apenas pisando sobre cadáveres, mas também sobre o cosmos vivo, reduzindo-o à não-existência. Ela espreme, que- bra, pisa e queima seus inimigos ou os de seus devo- tos. Kali não apenas é uma divindade de natureza inde- pendente, mas é também indomável, ou melhor, ela domina tudo. Ela é poderosa como Shiva, foge às convenções e fica mais à vontade quando reside à margem da sociedade. Seu estilo de vida não tem as- pectos de nobreza ou do modo de vida da elite. Ela é consorte ou companheira de Shiva, mas não tem o jeito meigo e humilde de Parvati. Sendo ela própria selvagem e destruidora, ela incita Shiva a um compor- tamento selvagem, perigoso e destrutivo, ameaçando a estabilidade do cosmos. Eternamente uma guerreira, Kali não perde uma oportunidade para lutar. Ela é um dos guerreiros de Shiva em sua batalha contra Tripu- ra.

Mahakali - a forma cósmica da deusa Kali

Shri Bhairavi Devi

AS FORMAS DE KALI

Um imenso corpo de mitologia sobre Kali se de- senvolveu na tradição popular, mais do que nos textos. Em toda aldeia, mesmo que tenha apenas uma dúzia de cabanas, há um canto no qual se vê uma imagem grosseira de Kali pintada em preto, com a língua ver- melha como o sangue. Também se espalham por toda parte as histórias de seus poderes misteriosos, tanto de produzir danos quanto de proteger dos males. Sua pre- sença é mais significativa ainda na arte indiana, onde ela aparece associada a muitos temas hindus importan- tes. Aquilo que algumas vezes aparece nos textos co- mo meros epítetos de Kali, são formas bem esta- belecidas dela, na arte indiana. Mahakali, Bhadrakali, Dakshina Kali, Guhyakali, Shmashana Kali, Bhairavi, Tripura-Bhairavi, Chamunda... são algumas de suas formas mais populares, tanto nos textos quanto nas artes. Na sua forma de Mahakali, ela é equivalente a Ma- hakala – o aspecto onipotente de Shiva, que devora o tempo e dissolve tudo. Kali é a transformação femini- na de Mahakala. Em sua forma de Mahakali, ela pre- side à Grande Dissolução que é simbolizada por Shiva sob a forma de Shava. Na arte, Kali invariavelmente o conserva como uma relíquia. Inicialmente, como Ma- hakali, seu papel estava limitado à destruição do de- mônio. Nos Puranas, embora ainda representando dis- solução, destruição, morte e envelhecimento, ela per- sonifica mais enfaticamente horror, medo, repugnân- cia. Ela ainda mata demônios, mas principalmente quando é convocada, e mantida sob controle. Em sua forma de Chamunda – a destruidora de Chanda e Munda – ela era um matador de demônios feroz, com muitos braços. Ela carregava nas suas mãos muitas armas mortais e em seus olhos uma luz que queimava seus inimigos. Sob a forma de Shmashana Kali, mais popular no Tantrismo, Kali freqüenta um terreiro de cremação entre as piras que queimam – o domínio intermediário entre este mundo e o próximo, onde a morte e a disso- lução reinam.

Kali, Mahakali ou Shmashana-Kali

Dakshina Kali

KALI NO YOGA E NO TANTRA

Kali tem um lugar muito significativo no Yoga e no Tantra, embora no Yoga seu status não seja tão elevado quanto no Tantra. O despertar da Kundalini (Kundalini sadhana), da energia adormecida que é vista como uma serpente negra que faz enrolada e a- dormecida no corpo interno, é uma prática principal em ambos, mas é a verdadeira base do Yoga. O Yoga percebe Kali como o poder enrolado, Kundalini Shak- ti. Kali é assim a base do Yoga, embora além dessa equivalência ele não invoque mais Kali. O Tantra procura sua realização nas dez Grandes Sabedorias (Mahavidyas). Kali, sendo a principal de- las, é a divindade mais significativa do Tantra. O comportamento disruptivo de Kali, sua aparência des- cuidada, atividades de confronto e envolvimento com morte e impureza, são o que convém mais ao Tantra, especialmente o da mão esquerda (vamachara). A forma de Kali que contém em uma estrutura corporal impura e mesmo pecaminosa a maior santidade espiri- tual ajuda o seguidor do Tantra a superar a noção con- vencional de puro e impuro, sagrado e profano, e ou- tros conceitos dualísticos que levam a uma natureza incorreta da realidade. Os textos Yogini Tantra, Ka- makhya Tantra e Nirvana Tantra veneram Kali como a divindade suprema, e o Nirvana Tantra percebe Brah- ma, Vishnu e Shiva como provenientes de Kali, como bolhas brotam do mar.

As dez Mahavidyas e o Shri Yantra

Para o seguidor do Tantra, a cor negra de Kali é um símbolo de desintegração: como todas as cores desaparecem no preto, assim todos os nomes e formas se misturam nela. A densidade do negro – massivo, compacto e sem mistura – representa a consciência pura. Kali, vestida de espaço (digambari), em sua nu- dez, livre de toda cobertura ilusória, define para o se- guidor do Tantra a caminhada do irreal para o real. Em Kali com seios repletos, que simbolizam sua materni- dade incessante, o seguidor do Tantra descobre seu poder de preservar. Seu cabelo desgrenhado (elokeshi) representa a cortina da morte que cerca a vida com mistério. Em sua guirlanda de cinqüenta e duas cabe- ças humanas, cada uma representando uma das cin- qüenta e duas letras do alfabeto sânscrito, o seguidor do Tantra percebe um tesouro de poder e conhecimen- to. O cinto de mãos, o principal instrumento de traba- lho, revela seu poder com o qual o cosmos atua, e em seus três olhos, sua atividade tríplice – criação, pre- servação e destruição. Tanto Kali quanto Tantra são uma síntese da unidade do dualismo aparente. Assim como na sua imagem aterrorizante, o aspecto negativo Kali

de seu ser (e, portanto, do cosmos), é a força vital cri- adora, a fonte da criação, da mesma forma no caminho do Tantra a viagem começa a partir daquilo que é ma- terial, até o ápice – o supremo.

PARA APROFUNDAMENTO:

  1. Mahabharata, Gita Press Gorakhpur
  2. Shrimad Devi Bhagavata, Chaukhambha Sanskrit Pratishthan, Delhi
  3. Devimahatmyam, tr. By Devadatta Kali, Delhi
  4. Dahejia, Vidya: Devi, The Great Goddess, Wash- ington D.C.
  5. Menzies, Jackie: Goddess, Divine Energy, Art Gal- lery, NSW
  6. Kinsley, David: Hindu Goddesses, Delhi
  7. Kinsley, David: The Ten Mahavidyas: Tantric Vi- sion of Divine Feminine, Delhi
  8. Hawley, J. S. & Wulff, Monna Marie (ed): Devi, Goddesses of India, Delhi
  9. Rosen, Steven J. (ed): Vaishnavi, Delhi
  10. Mitchell, A. G.: Hindu Gods and Goddesses, Lon- don
  11. Mookarjee, Ajit & Khanna, Madhu: The Tantrika Way, Boston
  12. Kanwar Lal: Kanya and the Yogi, Delhi
  13. Upadhyaya, Padma: Female Images in Museums of Uttar Pradesh and Their Social Background, Delhi Mahanirvana Tantra FONTE:

O original deste artigo, em inglês (Kali: The Most Powerful Cosmic Female. Article of the Month – Fe- bruary 2009), foi escrito pelo Prof. P. C. Jain e pelo Dr. Daljeet e está disponível no site Exotic India, que gentilmente nos autorizou a traduzir e publicar na In- ternet esta tradução para o português.

http://www.exoticindia.com/article/goddess_kali

Esta tradução está disponível no site “Shri Yoga Devi”:

http://www.yogadevi.org/Kali.pdf