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Este texto apresenta uma análise detalhada das desigualdades e oportunidades limitadas que afetam a juventude no brasil, com ênfase na educação e na habitação. O documento destaca as baixas taxas de frequência ao ensino médio e superior, especialmente entre jovens negros e rurais, e as desigualdades na qualidade do ensino rural. Além disso, o texto aborda as restrições ao acesso à habitação nas grandes cidades brasileiras e a presença de mais de 2 milhões de jovens morando em favelas. A política de juventude brasileira é discutida, com ênfase na importância de oferecer oportunidades de experimentação e inserção social múltiplas para favorecer a integração social dos jovens.
Tipologia: Notas de estudo
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o
Brasília, abril de 2008
Governo Federal
Ministro de Estado Extraordinário de Assuntos Estratégicos – Roberto Mangabeira Unger
Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
Fundação pública vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o Ipea fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais – possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.
Presidente Marcio Pochmann
Diretor de Administração e Finanças Fernando Ferreira Diretor de Estudos Macroeconômicos João Sicsú Diretor de Estudos Sociais Jorge Abrahão de Castro Diretora de Estudos Regionais e Urbanos Liana Maria da Frota Carleial Diretor de Estudos Setoriais Márcio Wohlers de Almeida
Diretor de Cooperação e Desenvolvimento Mário Lisboa Theodoro
Chefe de Gabinete Persio Marco Antonio Davison
Assessor-Chefe de Comunicação Estanislau Maria de Freitas Júnior
URL: http://www.ipea.gov.br
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
ISSN 1415-
JEL I38; J13; Z
Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais, por sua relevância, levam informações para profissionais especializados e estabelecem um espaço para sugestões. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. Colaboradores do Conselho Editorial do periódico Políticas Sociais: acompanhamento e análise Brancolina Ferreira José Aparecido Ribeiro José Celso Cardoso Jr. Leonardo Alves Rangel Luana Simões Pinheiro Luciana Jaccoud Luciana Mendes Servo Luseni Aquino Maria Martha Cassiolato Roberto Gonzalez Silvânia Carvalho Colaboradores de áreas específicas Fernando Gaiger Leonardo Alves Rangel
Previdência social Matheus Stivali Juliana Rochet Luciana Jaccoud
Assistência social e segurança alimentar Patrícia Dario El-Moor Andréa Barreto de Paiva José Aparecido Ribeiro Luciana Mendes Servo Roberto Passos Nogueira
Saúde
Sérgio Francisco Piola Ana Luiza Codes José Valente Chaves Maria Martha Cassiolato
Educação
Paulo Roberto Corbucci Cultura Frederico Barbosa da Silva Herton Ellery Araújo Brunu Marcus Amorim Fábio Monteiro Vaz José Celso Cardoso Jr. Luiz Eduardo Parreiras Marcelo Galiza
Trabalho e renda
Roberto Gonzalez Desenvolvimento rural Brancolina Ferreira Direitos humanos e cidadania Enid Rocha Luciana Jaccoud Josenilton Silva Sergei Soares
Igualdade racial
Waldemir Rosa Igualdade de gênero Luana Simões Pinheiro Natália de Oliveira Fontoura André Gambier Campos Helder Sant’Ana Ferreira Luseni Aquino
Justiça e segurança pública Natália de Oliveira Fontoura André Luís Souza Augusto de Araújo Maia Herton Ellery Araújo Joelmir Rodrigues da Silva
Núcleo de Gestão de Informações Sociais
Jhonatan Ferreira
SINOPSE
ABSTRACT
APRESENTAÇÃO
1 A JUVENTUDE COMO FOCO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS 9
2 SITUAÇÃO EDUCACIONAL DOS JOVENS BRASILEIROS 32
3 POLÍTICAS DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA PARA JOVENS 46
4 JOVENS: MORBIMORTALIDADE, FATORES DE RISCO E POLÍTICAS DE SAÚDE 56
5 JUVENTUDE E A POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL 67
6 O JOVEM COMO PÚBLICO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL 78
7 JUVENTUDE E CULTURA 87
8 JUVENTUDE RURAL: ALGUNS IMPASSES E IMPORTÂNCIA PARA A AGRICULTURA FAMILIAR 95
9 JUVENTUDE NEGRA E EDUCAÇÃO SUPERIOR 105
10 SÍNDROME DE JUNO: GRAVIDEZ, JUVENTUDE E POLÍTICAS PÚBLICAS 123
11 A JUVENTUDE BRASILEIRA NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NACIONAL 133
12 A POLÍTICA NACIONAL DE JUVENTUDE E A PROMOÇÃO DA CIDADANIA 138
POSFÁCIO 151
Produzir estudos e trabalhos variados sobre o desenvolvimento econômico e as ques- tões sociais brasileiras, oferecendo subsídios para a formulação, a avaliação e o aper- feiçoamento de políticas públicas nas várias áreas em que atua o Estado, são missões institucionais que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) vem cumprindo ao longo de sua história como serviço prestado à sociedade brasileira.
A publicação que ora se apresenta reúne, em caráter extraordinário e com nova edição, parte dos textos que compõem o número 15 de Políticas Sociais: acompanha- mento e análise , periódico semestral da Diretoria de Estudos Sociais (Disoc) do Ipea dedicado à reflexão sobre as ações implementadas pelo governo federal nas diversas áreas de corte social. O referido número do periódico deu destaque ao tema juventude em cada um dos seus onze capítulos setoriais, que exploraram aspectos diferentes da matéria e sua inserção na pauta das políticas públicas. Assim, foi possível identificar certos pontos de estrangulamento, bem como algumas das oportunidades existentes para o avanço na atenção adequada aos jovens brasileiros. No vértice deste esforço, um texto introdutório buscou contextualizar o desafio de inserir a temática juvenil no âmbito da ação pública, por meio tanto da recuperação dos conceitos que têm servido como balizas operacionais para a atuação de governo, quanto da identificação das questões cruciais que afetam a juventude brasileira na atualidade.
Tendo em vista esse esforço, considerou-se oportuno reunir, em uma publicação específica, mais leve e mais articulada, os vários textos que tratam a juventude segundo o prisma de cada política setorial. Ainda que tenham sido elaborados sem contar com especialistas propriamente dedicados à investigação sobre o tema, os textos aqui reuni- dos valem-se da atividade rotineira de acompanhamento do desenho e da execução das ações nas várias áreas cobertas pelo periódico. Ademais, partilham do reconhecimento da importância que têm, para a efetiva realização do potencial juvenil numa sociedade complexa e heterogênea como a brasileira, a geração de oportunidades de inserção produtiva, o acesso à educação de qualidade, o suporte familiar, a manutenção de uma vida sã e saudável, e o engajamento em experiências de construção de pertenci- mento comunitário ou cultural.
Nesse sentido, acreditamos que esta publicação pode contribuir para a compre- ensão do espaço que cada política setorial destina aos temas e problemas da juventude brasileira hoje, bem como para a identificação das lacunas e desafios a serem enfren- tados neste campo. Considerando-se a gravidade destas questões e a centralidade que vêm ganhando na agenda pública nos últimos anos, com expressão institucional em vários níveis de governo – inclusive o federal –, esperamos que este volume possa se constituir em uma referência para os debates que ora se travam na sociedade brasileira, na perspectiva de aprimorar a atenção devida aos jovens e, com isso, contribuir para a promoção da qualidade de vida e do desenvolvimento nacional.
Jorge Abrahão de Castro Diretor de Estudos Sociais do Ipea
A juventude se inscreveu como questão social no mundo contemporâneo a partir de duas abordagens principais. De um lado, por meio dos “problemas” comumente as- sociados aos jovens (como a delinqüência, o comportamento de risco e a drogadição, entre outros), que demandariam medidas de enfrentamento por parte da sociedade. É sintomático, por exemplo, o fato de que, pari passu à consolidação da afinidade en- tre a modernização socioeconômica e a configuração da juventude como categoria so- ciológica específica, firmou-se uma vinculação quase direta entre a temática juvenil e as questões da desordem social,^1 impondo a identificação dos jovens como o grupo prioritário sobre o qual deveriam recair as ações de controle social tutelar e repressivo, promovidas pela sociedade e pelo poder público.
De outro lado, a juventude também foi tradicionalmente tematizada como fase transitória para a vida adulta, o que exigiria esforço coletivo – principalmente da fa- mília e da escola – no sentido de “preparar o jovem” para ser um adulto socialmente ajustado e produtivo. Tendo como referência central o conceito de socialização, esta abordagem sugere que a transição é demarcada por etapas sucessivamente organizadas que garantem a incorporação pelo jovem dos elementos socioculturais que caracteri- zam os papéis típicos do mundo adulto (trabalhador, chefe de família, pai e mãe, en- tre outros): à freqüência à escola se somaria, em primeiro lugar, a experimentação afetivo-sexual, que seria sucedida progressivamente pela entrada no mercado de traba- lho, pela saída da casa dos pais, pela constituição de domicílio próprio, pelo casamen- to e pela parentalidade. Ao final deste processo, o jovem-adulto adentraria uma nova fase do ciclo da vida, cuja marca distintiva seria a estabilidade. Sob este enfoque, os “problemas” do comportamento juvenil foram redefinidos, passando a ser compreen- didos como desvios ou disfunções do processo de socialização. 2
Embora consolidadas em contextos ideológicos já distantes, as concepções da ju- ventude como etapa problemática ou como fase preparatória da vida, ainda hoje, se fa- zem presentes na tematização sobre o jovem. O contraste entre juventude e ordem social permanece arraigado de forma praticamente indelével, seja quando se abordam as experiências de contestação ou a rebeldia juvenil, seja quando o tema é a delinqüência ou a criminalidade.^3 Por seu turno, a identificação usual do jovem como “estudante” –
e, portanto, livre das obrigações do trabalho – indica o peso da compreensão transicio- nal existente ainda hoje, atualizada pela noção de moratória social : um crédito de tempo concedido ao indivíduo que protela sua entrada na vida adulta e possibilita experiências e experimentações que favorecerão o seu pleno desenvolvimento, especialmente em termos de formação educacional e aquisição de treinamento.^4
No entanto, novos fenômenos sociais têm evidenciado os limites da compreen- são da juventude a partir desses registros e chamado a atenção para aspectos que até muito recentemente eram pouco explorados. O primeiro deles está ligado à detecção, nas décadas finais do século XX, de mudanças estruturais na distribuição etária da população em todo o mundo resultantes do crescimento excepcional do grupo jovem. Em termos práticos, esta “onda jovem” significa um aumento relativo da população em idade ativa, o que pode ter efeito positivo sobre a dinâmica do desenvolvimento socioeconômico e, por isso, tem sido qualificado como bônus demográfico. A partir deste quadro, delineia-se uma nova perspectiva sobre a juventude, em que perde força a conotação problemática do jovem e ganha relevo um enfoque completamente ino- vador: a juventude torna-se um ator estratégico do desenvolvimento.^5 Medidas decor- rentes deste novo enfoque, no geral, reatualizam a visão preparatória da juventude, exigindo, por um lado, investimentos massivos na área de educação em prol do acú- mulo de “capital humano” pelos jovens; por outro, a adoção de um corte geracional nos vários campos da atuação pública (saúde, qualificação profissional, uso do tempo livre etc.) e o incentivo à participação política juvenil, com recurso à noção de protagonismo jovem.
Entretanto, o aproveitamento do bônus demográfico tem sido ameaçado por ou- tro fenômeno em escala mundial mais ou menos simultâneo: a “crise do emprego”, que abateu as economias desenvolvidas na década de 1980 e atingiu o Brasil nos anos 1990, ameaçando a incorporação ao mercado de trabalho de grandes contingentes de jovens saídos da escola. Neste cenário de restrição das oportunidades de emprego – que afeta inclusive os trabalhadores já inseridos, desacreditando a estabilidade como marca fun- damental da vida adulta –, duas grandes tendências se configuram entre os jovens. Aqueles de origem social privilegiada adiam a procura por uma colocação profissional e seguem dependendo financeiramente de suas famílias; com isso, ampliam a moratória social que lhes foi concedida, podendo, entre outras coisas, estender sua formação edu- cacional, na perspectiva de conseguir uma inserção econômica mais favorável no futuro. Os demais, que se vêem constrangidos a trabalhar, em grande parte das vezes acabam se submetendo a empregos de qualidade ruim e mal remunerados, o que, em algum grau, também os mantêm dependentes de suas famílias, ainda que elas lidem com isto de forma precária. Embora ganhe tonalidades diferentes segundo as possibilidades que o nível de renda familiar permite, o bloqueio à emancipação econômica dos jovens, em
escolares para o mundo do trabalho se torna cada vez mais incerta, ameaçando a redefinição da identidade do jovem segundo os cânones homogeneizadores da vida adulta, suas possibilidades de identificação são multiplicadas pela vasta pluralidade de (sub)culturas juvenis.^10 Estas subculturas comportam maneiras criativas de reivindicar reconhecimento e resistir aos padrões estabelecidos, bem como formas inovadoras de inserção nas esferas da vida social; dada sua presença marcante nas sociedades contem- porâneas, contribuem decisivamente para a produção e renovação do repertório de va- lores e práticas sociais.^11 O amplo reconhecimento deste fato reforça a valorização positiva do jovem e tem como expressão extrema a conversão da juventude em “modelo cultural” em vários níveis (comportamento, gostos, beleza, práticas, insígnia da indús- tria cultural etc.), fenômeno que tem sido descrito como juvenilização da sociedade.^12
Em um contexto em que a juventude surge de forma múltipla como questão so- cial relevante – seja pelos problemas que vivencia, seja pelas potencialidades de reali- zações futuras, seja ainda pelo que há de genuinamente rico nesse momento do ciclo da vida –, cabe pensar os desafios que se apresentam para a sociedade brasileira em termos de atenção aos jovens. Esta agenda indiscutivelmente aproxima a temática da juventude das reflexões sobre o desenvolvimento do país, pois, ainda que hoje a ju- ventude requeira atenção per se e demande uma abordagem que incorpore também a perspectiva própria dos jovens, ela ainda encerra uma “aposta” da sociedade no seu futuro, para onde está projetado o ideal do desenvolvimento.
Dados da Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – revisão 2004) apontam que, em 2006, os jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somavam 51,1 milhões de pessoas, o que então correspondia a 27,4% da população total. 13 Este contingente é 48,5% maior do que aquele de 1980, quando havia no país 34,4 milhões de jovens; no entanto, ainda é menor do que os 51,3 mi- lhões projetados para 2010. As projeções indicam, no entanto, que a partir daí a ten- dência de crescimento da população jovem deverá se reverter, havendo uma redução progressiva no número absoluto de jovens no Brasil, que chegará a 2050 em torno de 49,5 milhões (gráfico 1). 14
GRÁFICO 1 População Brasileira por Grupos Etários Selecionados
51,79 51,00 53,02 52,71 50,55 (^) 48,61 (^) 46,
41,89 48,13^ 51,27^ 50,85^ 53,12^ 51,13^ 49,
43, 58, 73,26 87,19^ 93,59^ 99,62^ 99,
40,47 52,06^ 64,
45,
34,
31,
19,28 28, 13, 9, 7,
0,
50,
100,
150,
200,
250,
300,
1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050 Anos
Milhões de habitantes
0 a 14 15 a 29 30 a 59 60 ou mais
Fonte: Projeção Populacional – Revisão 2004/IBGE. Elaboração: Núcleo de Gestão de Informações Sociais da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea.
O peso numérico desse segmento na atualidade, bem como o fato de que suas condições sociais presentes deverão ter impacto sobre a fase seguinte da transição, jus- tificam um olhar especial sobre as questões que afetam e mobilizam os jovens brasilei- ros hoje. A pesquisa de opinião “Perfil da Juventude Brasileira – 2003” 15 deixou evidente que, para eles, os aspectos positivos de ser jovem sobrepujam em muito os negativos: 74% dos informantes declararam que há mais coisas boas em ser jovem do que ruins, contra 11% que declararam o contrário e 14% que optaram pelas duas possibilidades simultaneamente. Por um lado, entre as coisas boas de ser jovem destaca- ram-se aspectos tão variados quanto não ter responsabilidades, poder aproveitar a vi- da, ter liberdade, fazer amizades, ter saúde e disposição física, mas também poder estudar e adquirir conhecimentos e poder trabalhar. Sintomaticamente, quando in- quiridos sobre os assuntos que mais lhes interessavam , três temas predominaram: educa- ção, trabalho e oportunidades de cultura e lazer. Embora os pesos relativos se diferenciem conforme a idade, a escolaridade e o nível de renda familiar, é interessan- te notar que este resultado geral espelha, em larga medida, as expectativas sociais so- bre essa etapa do ciclo da vida, estando todos os aspectos relacionados à liberalidade outorgada ao jovem para o seu pleno desenvolvimento pessoal e social – até mesmo a possibilidade de trabalhar, se entendida como experimentação da inserção no mundo de trabalho e desenvolvimento de capacidades.
escolar e a ociosidade (não freqüentar a escola e não trabalhar) passaram a integrar os “riscos” que circundam os jovens, o que, pelas potenciais conseqüências em termos da qualificação e produtividade da força de trabalho, extrapola a ameaça de danos do ní- vel meramente individual para o social. 18
Tomando-se o “risco” estritamente como uma ameaça à integridade e ao desen- volvimento do indivíduo, com repercussões diretas sobre si mesmo e sobre a socieda- de, alguns dados podem explicar a relevância que o tema adquiriu na atualidade. No Brasil, como se verá adiante, a violência ocasiona uma sobremortalidade nos adoles- centes e adultos jovens do sexo masculino, fazendo com que, do ponto de vista sani- tário, o período etário de 15 a 29 anos seja considerado de alto risco, quando poderia ser um dos mais saudáveis do ciclo vital. No que se refere à infecção por doenças se- xualmente transmissíveis, é importante notar que os casos notificados de aids na po- pulação de 15 a 29 anos correspondem a 30% do total (112 mil casos, desde o início dos anos de 1980 até 2005). Quanto ao abuso das drogas, é relevante o fato de que o grupo com idade de 18 a 24 anos é aquele em que se registram as maiores porcenta- gens de dependentes de álcool: 19,2% contra 12,3% observados para o total de todas as idades (a partir dos 12 anos), sendo que os jovens dependentes do sexo masculino prevalecem com grande vantagem sobre os do sexo feminino (27,4% contra 12,1%) e sobre o conjunto dos homens de todos os grupos etários (27,4% contra 19,5%).^19
É comum associar o envolvimento ou exposição a esses tipos de “risco” a fatores tão variados quanto baixa auto-estima, sentimento de inadequação aos espaços de convivência, vivência de abuso físico, sexual ou psicológico por membros da família, constrangimento imposto pela condição socioeconômica, de gênero ou raça etc. Em linhas gerais, estes fatores expressam dificuldades na relação do jovem com seu meio mais imediato, podendo ser organizados em três categorias distintas: i) problemas na vinculação social do jovem às instituições que têm como função contribuir para a sua formação e supervisão (a família, a comunidade, a escola); ii) condições em que se dá o processo de construção de sua auto-imagem; e iii) influência do grupo de amigos com que convive mais imediatamente o jovem e as inter-relações que este grupo esta- belece na sociedade.^20 Certamente o engajamento “voluntário” em condutas que en- volvem algum tipo de perigo previsível está relacionado a aspectos complexos da conjugação destes e possivelmente de outros fatores (como a fragilização das institui- ções sociais tradicionais ou a manifestação da chamada personalidade anti-social, por exemplo), mas o peso relativo de cada um deles, bem como sua forma de manifesta- ção mais imediata, varia caso a caso, segundo a situação individual de cada jovem em sua singularidade.
Entretanto, ao se abordar a questão do “comportamento de risco” para além de suas manifestações individuais e como aspecto associado à condição juvenil, é preciso atentar para um fator fundamental: nessa fase da vida ocorrem as primeiras experiên- cias de decisão autônoma e afirmação da liberdade em um contexto de experimenta- ção exploratória do mundo. Estas experiências – que carregam uma demanda implícita do jovem por assumir responsabilidades – envolvem sempre certo “risco”, que pode es- tar associado tanto aos “erros de julgamento” quanto aos “testes de confiabilidade” da rede de proteção disponível. 21 De um lado, o que se revela como comportamento de risco, muitas vezes pode ser a expressão do resultado não antecipado das decisões de quem está aprendendo a tomá-las premido pela urgência de mostrar o próprio va- lor a si mesmo e aos outros. Considerando-se que, do ponto de vista dos jovens, eles teriam “pouco a perder”, já que não estão plenamente integrados aos vínculos das ins- tituições sociais e que a morte é uma possibilidade distante, inverossímil, 22 é possível conceber que eles simplesmente se disponham a brincar com o controle da própria vida, correndo “riscos” ao desprezar a interdependência entre a própria ação e a de terceiros no estabelecimento de um determinado objetivo.
Ao mesmo tempo, tomar decisões autônomas requer confiança nas condições de sua implementação. À medida que aprofunda a inserção social do jovem nos âmbitos de circulação e atuação dos adultos, ele se vê impelido a certificar-se da validade e so- lidez das instituições, das normas e dos valores sociais com os quais passa a lidar de maneira cada vez mais freqüente. Nesse outro sentido, o que em muitas ocasiões é percebido como mera transgressão juvenil pode ser, na verdade, expressão de um teste da rede de proteção. Este teste, que conjuga a dimensão do perigo e da segurança e por vezes resulta em danos pessoais ou a terceiros, tem importância crucial para quem está construindo, experimentando e buscando afirmar uma nova identidade. Em úl- tima instância, serve para responder a uma pergunta essencial: se for preciso, será re- almente possível contar com alguém/algo? Tal pergunta é especialmente coerente com o contexto atual de produção social de insegurança, desencadeado pelo fracasso dos diversos mecanismos de integração social, inclusive as relações intergeracionais. Ademais, diante da juvenilização da sociedade e da conversão do jovem em modelo cultural, fica a seguinte questão: se todos são “jovens”, que referências de adulto res- tam ao jovem, com as quais se confrontar e perante as quais se afirmar? 23
Enfrentar essas questões e minimizar os seus efeitos para os jovens brasileiros re- quer levar a sério as dificuldades e as demandas desses jovens, e não adotar uma pers- pectiva catastrofista sobre a condição juvenil. Sob este aspecto, a reflexão sobre o tema dos “riscos” deve considerar as dificuldades e as estratégias de que os jovens lan- çam mão na trajetória que lhes dará acesso ao mundo adulto,^24 de modo que as ações