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José Martí e o projeto identitário de Nuestra América. Uma ..., Notas de estudo de Cultura

Lucas Machado dos Santos.∗. Resumo: José Martí (1853-1895) foi um dos intelectuais latino americanos de maior repercussão no continente americano.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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José Martí e o projeto identitário de Nuestra América. Uma análise da construção de
identidade americana.
Lucas Machado dos Santos.
Resumo:
José Martí (1853-1895) foi um dos intelectuais latino americanos de maior repercussão no
continente americano. Sua obra, voltada para a discussão da cultura e história dos povos
americanos, é uma referência decisiva de um pensamento crítico acerca dos problemas por que
passavam os países da América Latina na segunda metade do século XIX. Certos problemas
comuns, além da identidade cultural existente entre os países da América Espanhola fizeram
Martí crer na necessidade de uma unidade de ação em relação á solução de diversos problemas,
principalmente a existência de uma ameaça comum á soberania dos países da America Latina por
parte dos Estados Unidos, problemas que passavam por uma necessária “mudança de espírito”.
Proponho compreender a centralidade da proposta martiana de “Nuestra América” através da
análise de seus conceitos fundamentais, situados em seu contexto histórico e intelectual.
Palavras Chaves: José Marti; América Latina: Intelectuais.
Abstract:
José Martí (1853-1895) was one of the most important intellectuals of the American
Continent. His thinking, reflect the discussion of culture and history of the peoples of the
continent, it is a decisive reference of a critical thinking about the problems witch the
countries of Latin American was passing trough in the second half of nineteen century.
Certain commons problems and cultural identity between the countries of Hispanic American
made Martí believe in the necessity of unity and action in order to solve a diversity of
problems, centrally the existence of a common threat to de sovereignty of Latin American
countries by USA, the defeat pass trough a necessary “change of mentality”. I propose to
understand the centrality of Martí project Nuestra América, trough the analysis of his
fundamental concepts, situated in its historical and intellectual context.
Key Words: José Martí; Latin American; Intellectuals.
Graduando da Unversidade Federal do Rio de Janeiro.
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José Martí e o projeto identitário de Nuestra América. Uma análise da construção de identidade americana.

Lucas Machado dos Santos.∗ Resumo: José Martí (1853-1895) foi um dos intelectuais latino americanos de maior repercussão no continente americano. Sua obra, voltada para a discussão da cultura e história dos povos americanos, é uma referência decisiva de um pensamento crítico acerca dos problemas por que passavam os países da América Latina na segunda metade do século XIX. Certos problemas comuns, além da identidade cultural existente entre os países da América Espanhola fizeram Martí crer na necessidade de uma unidade de ação em relação á solução de diversos problemas, principalmente a existência de uma ameaça comum á soberania dos países da America Latina por parte dos Estados Unidos, problemas que passavam por uma necessária “mudança de espírito”. Proponho compreender a centralidade da proposta martiana de “Nuestra América” através da análise de seus conceitos fundamentais, situados em seu contexto histórico e intelectual.

Palavras Chaves: José Marti; América Latina: Intelectuais.

Abstract: José Martí (1853-1895) was one of the most important intellectuals of the American Continent. His thinking, reflect the discussion of culture and history of the peoples of the continent, it is a decisive reference of a critical thinking about the problems witch the countries of Latin American was passing trough in the second half of nineteen century. Certain commons problems and cultural identity between the countries of Hispanic American made Martí believe in the necessity of unity and action in order to solve a diversity of problems, centrally the existence of a common threat to de sovereignty of Latin American countries by USA, the defeat pass trough a necessary “change of mentality”. I propose to understand the centrality of Martí project Nuestra América , trough the analysis of his fundamental concepts, situated in its historical and intellectual context.

Key Words: José Martí; Latin American; Intellectuals.

∗ (^) Graduando da Unversidade Federal do Rio de Janeiro.

Introdução. O presente trabalho tem por objetivo analisar o projeto político do intelectual cubano José Martí (1853-1895) quanto á construção do conceito de Nossa América e sua importância política e cultural para uma proposta de mudança dos paradigmas para o entendimento das características históricas, culturais e identitárias dos povos da América Latina. Proponho a interpretação do discurso martiano enquanto proposta crítica de construção de uma identidade americana alternativa ao discurso expansionista e imperialista dominante na política externa dos EUA da segunda metade do século XIX. O projeto martiano de Nuestra América realiza uma visão identitária calcada na valorização da história e cultura dos povos Hispanoamericanos. Para compreender as características deste projeto e suas representações feitas acerca das classes e grupos sociais da América Hispânica, se torna necessário entender o(s) contexto(s) histórico e intelectual mais amplo no qual o autor formula. Contexto com o qual se entenda quais são os possíveis dilemas políticos, sociais e culturais pelo qual o autor dos textos passa e que influi em sua produção textual. Neste sentido, pretendo usar o método contextualista, elaborado pelo historiador inglês Quentin Skinner, para relacionar a interpretação hermenêutica do texto e seus conceitos, com a influência da trajetória de vida do autor, situações vividas, e dilemas que o influenciam, entendendo que “a própria vida política coloca os principais problemas para o teórico da política” (Skinner, 1996: p.10). Neste sentido farei uma breve análise do contexto histórico e intelectual ligado á formulação de Martí de seu projeto americanista, entendendo que desta maneira pode se compreender melhor o sentido da problemática por ele formulada em relação á suas intenções de escrita, inserindo a trajetória individual do autor em suas relações com estes contextos. Neste estudo é central a análise do texto Nossa América , aonde se encontra os principais conceitos e perspectivas do projeto de Martí. Outros textos serão utilizados, entendendo que as idéias fundamentais de Martí acerca da América, sua história e cultura se disseminam pela sua vasta produção textual, tendo por centro a análise dos conceitos deste referido texto.

José Martí e o contexto do expansionismo e imperialismo estadunidense.

assumir uma liderança efetiva sobre os rumos do continente, propondo como interesse concreto da propaganda ideológica pan-americanista, uma união aduaneira que afastasse a influência comercial da Inglaterra e demais países Europeus, em favor dos interesses comerciais dos EUA. Esta proposta não se realiza pela veemente oposição de alguns países como Argentina e Chile. Este acontecimento tem relação direta com o texto Nuestra América de Martí, que demonstra uma clarividência impressionante acerca das intenções do “vizinho” do Norte. Para José Martí e outros revolucionários cubanos como Carlos Manuel Céspedes, Máximo Gomes e Antonio Maceo, não interessava uma independência da Espanha que fizesse a pátria simplesmente trocar de amo. Os diversos projetos e intenções anexionista, fizeram estas lideranças da luta independentista consolidar uma arraigada consciência antiimperialista.

José Martí e o contexto do modernismo literário latino-americano. José Martí nasceu em Cuba no ano de 1853. Aos 16 anos de idade é encarcerado por se envolver nas lutas pela independência de Cuba contra a Espanha, sendo influenciado pelas idéias de seu professor, o criollo Mendive. Por ser exilado, vive em Espanha entre 1871 e 1874, aonde se forma como bacharel em direito e filosofia, tendo que trabalhar para suprir as necessidades financeiras. Martí volta ao continente americano e entre 1878 e 1881, vive em vários países, México, Venezuela, Guatemala, EUA, chegando a visitar Cuba duas vezes, sendo deportado em 1879 por de suas movimentações em prol da independência. Neste período, ele entra em contato com a produção intelectual e os problemas políticos e sociais de diversos países do continente americano, começando a escrever na forma de cartas, poesias e crônicas para revistas e periódicos sobre as idéias que mais tarde foram desenvolvidas de forma mais integrada em seu projeto de América. De 1881 á 1895, Martí vive principalmente em Nova York, aonde ele escreve abundantemente para revistas e expressa suas idéias acerca do desenvolvimento da modernidade e da industrialização dos EUA. È de Nova York que Martí planeja e participa da criação do Partido Revolucionário Cubano e da luta armada sob a direção do General Máximo Gomes^2. A independência da maior parte do antigo Império Colonial espanhol nas Américas na primeira metade do século XIX, permitiu em termos intelectuais a produção de muitas reflexões acerca do futuro desta vasta região do mundo e os caminhos á serem percorridos

(^2) Retamar, 1984: P. 9-34.

para galgarem o status de nações civilizadas. Os intelectuais da segunda metade do século XIX continuam neste sentido estas reflexões, percebendo a aceleração do ritmo das mudanças sociais e culturais relacionadas ao processo de modernização destes países, com o crescimento das cidades e o debate acerca das necessidades por estas nações, de se industrializarem, adquirirem conhecimento científico e etc. A produção literária destes tempos, marcada por estes contextos, traz uma geração de escritores tais como Ruben Dário, José Henrique Rodó, Manuel Gonzalez Prada, o próprio Martí, entre outros que formam este gênero do modernismo literário latino americano, presente na poesia, na prosa e também nas crônicas. Nelas, verificamos a percepção sócio- cultural da modernidade enquanto espaço de mudanças, da transfiguração e do contraditório. As certezas dos discursos cientificistas e positivistas em suas tendências á percepção homogenia, dá lugar á percepção heterogênea e contraditória do mundo. O discurso científico sobre a sociedade tende á dar lugar á elaboração imaginativa e artística como sendo considerada importante para a compreensão do mundo. Estes autores por vezes produziam suas próprias reflexões conscientes sobre o problema da modernidade. 3

José Martí e o projeto de “Nuestra América”. Neste texto Martí utiliza a dimensão do imaginário e da linguagem metafórica para narrar o que ele mesmo chama em sua carta á Fausto Teodoro de Aldrey de “revelación, sacudimiento y fundación” (Martí, 1984: P.58-59) de uma Nova América. A importância deste texto reside, sobretudo, na formulação de uma cultura intelectual que discutem quais são os pressupostos fundamentais para a formulação do conhecimento, a produção literária e poética, a educação e as instituições políticas fundamentais de um país latino-americano, a formação de um conhecimento á partir de uma percepção cultural cujos pressupostos pretendo abordar a partir dos conceitos formulados no texto. Martí faz uma relação do problema do conhecimento da América e o aporte conceitual, epistemológico, histórico e cultural necessário para conhecer a realidade social destes países e enfrentar a solução de seus problemas, no sentido expresso no ditado, “Conhecer é Resolver”. Estes pressupostos devem ser encontrados principalmente á partir da vivencia profunda de seu

(^3) A exemplo de Martí no prólogo ao Poema del Niagara : “(...) la vida personal dudadora, alarmada,

preguntadora, inquieta, luzbélica; la vida intima febril, no bien enquiciada, pujante, clamorosa, há venido a ser el asunto principal y, com la naturaleza, el único asunto legítimo de la poesia moderna.”(Martí, 2002: P.33-52).

Para Martí, o conceito de povo é formado de todas as classes de uma nação^6. As nações se dividem, porém, por conta de elites dirigentes que não governam com o povo, nos criollos exóticos ou letrados artificiais, em oposição ao que ele chama de mestiço autóctone ou homem natural. As classes ou grupos dirigentes que não compreendem o povo e não governam com o povo são entendidas enquanto estrangeiras e exóticas, portanto enquanto elites dirigentes que não fazem parte verdadeiramente da nação e do povo. Esta crítica tem um sentido cultural mais profundo e remete á afirmação de Martí que as elites dirigentes da América Espanhola, dirigem mal os países por que não os conhecem. Sua formação educacional e cultural e teórica os faz olhar a realidade singular e violenta da história americana com olhos da Europa e da América do Norte. O estudo dos “ fatores reais do país ” (Martí, 2007: P.49-59), tendo em vista o sentido político da necessidade de compreender o povo, com suas características heterogêneas e suas heranças culturais, a contribuição do índio e do negro, do mestiço, do camponês, para formar o que ele chama de mestiço autóctone, dando á formação dos povos americanos, um sentido positivo, diferente de juízos depreciativos comuns ás elites intelectuais da época. O criollo exótico não governa com o povo por que não o conhece e inversamente não o conhece por que não o considera. As contribuições culturais dos índios negros e mestiços não deveriam ser desprezadas ou reprimidas, ao contrário, deveriam ser incorporadas. È neste sentido que se configuram os conceitos antitéticos do criollo exótico/mestiço autóctone, como uma contradição não apenas entre grupos ou classes distintas, mas fundamentalmente entre atitudes distintas perante o povo e a forma de considerar o conhecimento sobre o país. Apesar de Martí ser um contundente crítico da modernidade, ou dos processos de modernização tal como ele os percebia na Europa e América do Norte, ele era consciente da necessidade de industrialização, educação e desenvolvimento de conhecimento científico, por parte dos países de Nossa América. A questão é que a modernidade destes países deve segundo ele, ser considerada como uma modernidade própria e singular, pensada á partir de certos dilemas gerais, mais fundamentalmente á partir da investigação dos elementos próprios, autóctones da cultura destes países. Este pensamento está no centro da modernidade martiana: “Enxerte-se em nossas repúblicas o mundo, porém o tronco há de ser o de nossas repúblicas”. (Martí, 2007: P.53).

(^6) “Educação popular não quer dizer exclusivamente educação da classe pobre; mas que todas as classes da nação, que é o mesmo que o povo sejam bem educadas. Assim como não há nenhuma razão para que se eduque o rico e não o pobre, que razão há para que se eduque o pobre e não o rico? Todos são iguais.” (Martí, 2007: P.47).

Ou: “Não há batalha entre a civilização e a barbárie, mas entre a falsa erudição e a natureza.” (Martí, 2007: P. 52). Estes dois pares de conceitos ganham uma dimensão central, pois remete á discussão intelectual sobre a modernização, na qual Martí se opõe á visão difundida na época, de que a história dos países hispano-americanos significava apenas uma história de violência e ignorância e barbárie, entendida em uma perspectiva racista de que os índios, negros e mestiços não carregam as possibilidades de construir nações civilizadas. Apenas os brancos europeus ou de descendência européia poderiam civilizar os países, e para isso, o exemplo da Europa e da América do Norte deveria ser copiado. A esta perspectiva de pensamento político, Martí chama de falsa erudição. Por natureza ele entende a política elaborada á partir do conhecimento da realidade natural e também social dos países, incorporando as minorias desprezadas nos discursos hegemônicos da falsa erudição^7. A origem da composição turbulenta e violenta da América espanhola iniciada com a conquista, deveria dar lugar á formação de um equilíbrio entre os grupos e classes da nação, sedimentado por um sentimento patriótico e humanista, gerando unidade entre as raças, classes e diferentes interesses. A constituição hierárquica das colônias impede a organização democrática da república. Em Martí, o conceito de república e de democracia ganha um significado social profundo, quando ele coloca no centro do debate, a incorporação de todas as minorias, para resolver as contradições patentes, como a oposição expressa nos conceitos razão camponesa contra razão universitária, forma que expressa a contradição entre cidade e campo, que deveria ser superada pela mudança das formas de governo e a educação popular. Neste sentido ele afirma que ou a República é de todos ou não existe República.

Conclusão. Este texto clássico do pensamento latino-americano propõe uma identidade do que é ser americano, em um contexto em que os EUA se esforçavam para consolidar a noção ideológica de que a América se identifica com os ianques de origem anglo-saxônica. O restante da América seria outra América, situada em um patamar inferior. Martí inverte o

(^7) A crítica á perspectiva racista é importante e categórica em passagens como: “Não existe ódio de raças

porque não existem raças. Os pensadores raquíticos, pensadores de lampiões, tecem e requentam as raças de livraria, que o viajante justo e o observador cordial procuram em vão na justiça da Natureza, onde se destaca no amor vitorioso e no apetite turbulento, a identidade universal do homem”. (Martí, 2007: P. 59).

Bibliografia:

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  • Gomes, Miguel (org.). Estética del Modernismo Hispanoamericano. Caracas. Ed. Biblioteca Ayacucho. 2002.
  • Hobsbawn, Eric, J. A Era dos Impérios. São Paulo. Ed. Paz e Terra.1998.
  • Moniz Bandeira, Luiz Alberto. De Martí á Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2009.
  • Martí, José. Educação em Nossa América. Rio grande do Sul. Ed. Unijuí, 2007.
  • Martí, José. Política de Nuestra América. México. Ed. Siglo Veinteuno. 1984.
  • Paz, Ibrahim Hidalgo. Incursiones em la obra de José Martí. La Habana. Centro de Estúdios Martianos. 1989.
  • Rotker, Suzana. Fundacion de una escritura. Lãs Crônicas de José Martí. La Habana. Casa de las Américas. 1992.
  • Skinner, Quentin. As Fundações do Pensamento Político Moderno. São Paulo. Ed. Companhia das Letras. 1996.