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Um estudo sobre o neologismo na escultura, focando em artistas como henry moore, eduardo paolozzi e outros. O autor discute a ideia de que além das aparências das coisas há uma essência espiritual, uma força ou um ser imanente, e como essa ideia se manifesta nas obras de escultura. O texto também aborda a simplificação formal do rosto na escultura e a geometrização cubista da era pós-industrial.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
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a) Imagem e Rosto Enquanto motivo o rosto pode ser considerado como o primeiro referente escultórico. A imagem representada da face humana encontra-se intimamente ligada à lenda ou mito da origem do aparecimento da escultura. De acordo com Plínio (23-79 dC.)^1 a amada, filha de Boutades (o oleiro Siciónio), no momento de partir, traçou na parede, a partir da sombra projectada pela luz da candeia, o perímetro do rosto de seu amante. Em seguida o pai da rapariga encheu essa silhueta com barro, deixou- o secar e levou-o posteriormente a cozer. A partir dessa linha de contorno emergiu o desenho, originou-se o relevo em terracota e a primeira peça de escultura. Qualquer das artes plásticas que produza imagens a partir de pontos, linhas, planos, massas ou volumes modelados em luz e sombra podem, afinal, reivindicar essa origem comum; esse instante único, inicial, fundado a partir do gesto, de forte carga emocional, através do qual o “artista” exprime o seu sentimento e evoca o amor desaparecido a partir do artifício da preservação perene da memória do semblante amado. (^1) PLÍNIO, História Natural, XXXV, 43 ou 131. Vid. KRIS, Ernst, KURZ Otto, Lenda, mito e magia na imagem do artista: uma experiência histórica, Lisboa, Presença, 1988, p. 7; idem, Victor I STOICHITA, Breve história de la sombra, Madrid, Ed. Siruela, 1999, p. 18. A história foi retomada por ATENÁGORAS, idem, op., cit., p. 19
A primeira manifestação iconoclasta, de que há memória, aparece com o judaísmo e é narrada no Antigo Testamento. O episódio conta como Moisés saiu em defesa do Deus único contra a idolatria pagã de “O bezerro de ouro”: Como Moisés se demorasse a descer do monte, o povo, reunido em torno de Aarão, decidiu mandar fundir o ídolo a partir do ouro dos adornos da comunidade.^3 Quando o patriarca reapareceu, a idolatria foi condenada e exigiu a destruição do bezerro de ouro, restabelecendo-se, deste modo, o vínculo na crença monoteísta.^4 A par da tradição mediterrânica da origem da escultura, a história da representação do rosto na cultura ocidental tem oscilado, alternadamente, entre a Iconoclastia 5 e a iconolatria. 6 Os últimos dois milénios da história da escultura ocidental têm manifestado as flutuações produzidas pelo condicionamento da imagem do rosto, tal como é, filtrado pela herança cultural da visão judaico-cristã. A iconoclastia ou a iconolatria prende-se com as diferentes possibilidades de representação da figura humana, com a questão cultural da exaltação ou rejeição da imagem do corpo, desde a apologia mimética ou naturalística até ao mais elevado paroxismo da exacerbação hiper-realista ou pelo contrário, com a sua radical negação, que se manifesta na recusa do corpo como modelo ou (^3) Êxodo 32, 1 - 10 (^4) Levítico , 26,1; Números , XXV, 1-16; 33,52. (Idolatria de Israel) “O bezerro de ouro simboliza a tentação sempre renovada de divinizar os desejos materiais, quer seja a riqueza, o prazer sensual ou o poder. [...] será um dos ídolos de Baal contra os quais os profetas se insurgirão ao longo da história de Israel”. GHEERBRANT, Dicionário dos Símbolos , p. 121 5 Iconoclasta [do gr. eikonoklástes] Diz-se de quem destrói imagens ou ídolos e, por extensão, obras de arte. Refere-se também às pessoas que não respeitam as tradições; às quais nada parece digno de culto ou reverência. Em termos religiosos designa-se iconoclasta aquele indivíduo que é partidário da luta contra as imagens sagradas como por exemplo aconteceu no Séc. VIII desencadeada por Leão Isáurico (Leão II, 675-741). (^6) Iconolatria – [icon+o) +latria] Adoração das imagens. Iconólatra [icon(o) + latra] Praticante da iconolatria.
referente ou simplesmente, aparece velado pelo efeito de abstratização, formalmente conseguida por via de um esquematismo mais geometrizado e simbólico. c) Modelo e Referente Em 1899 , na passagem do século XIX para o século XX, Bourdelle concluía “Figuras gritando” ou “A guerra”. 7 A obra é paradigmática, não só por constituir o sinal premonitório do período conturbado que a Europa iria viver durante a primeira metade do século XX, no confronto entre as duas grandes guerras ( 1914 - 18/1939-45) mas, sobretudo, por constituir um marco de modernidade na escultura. A peça, formada por um conjunto de cabeças criteriosamente colocadas em cima de um plinto, constitui um excelente exemplo da tendência que as vanguardas do Século Vinte imprimiram no sentido de assegurarem uma maior autonomia formal à escultura. Estes rostos encontram-se, aqui, subtraídos e desligados do espaço contíguo do corpo e vêem-se despojados dos conteúdos e normas, comummente, associados à convencionalidade normativa do retrato; o modelo subordinado à lógica antropomórfica, transformando-se, deste modo, num pretexto referencial da escultura. (^7) EMILLE-ANTOINE BOURDELLE (1881-1929) – ‘‘Figures Hurlantes ou ‘‘La Guerre’’ – bronze, Museu Bourdelle, Paris, 1899. Vid. Bourdelle , FCG, Lisboa, 1980, capa; Joseph Bernard , Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian, 1992, p. 48
A” Minha avó” e o “Gil Vicente ” de Joaquim Correia^11 constituem, entre nós, outra variante dessa tendência para a estereotipação formal. A figura modelada da avó, semelhante a um retrato romano, deixa transparecer o vigor e o verismo do ideário clássico. Formalmente diversa é a imagem idealizada de “Gil Vicente ”, cuja figura emerge descomprometida de qualquer compromisso de verosimilhança com o modelo vivo. A este respeito é, certamente, apropriado transcrever o trecho de um diálogo ocorrido há sete anos quando o entrevistámos, no seu atelier, em Paço de Arcos. 12 A propósito de monumentalidade e na sequência de um comentário sobre a importância da geometria no equilíbrio e na proporção na escultura, disse: Interessa-me sobretudo a unidade da peça, interessa-me que seja estruturada de maneira a que se faça uma leitura lógica, que as pessoas tenham facilidade em ler. Interessa-me uma escultura que tenha o menos possível. Em vez de pôr, tirar o mais possível. O mal nestas coisas da arte é pormos coisas a mais, de maneira que o problema é a síntese. E quantas vezes passados anos ao olhar para uma peça dizemos: “isto ainda aqui ficou?”. A busca dessa simplicidade passa, algumas vezes, por não sacrificar a legibilidade da peça, isto é, atendendo à necessidade de síntese, como conjuga a identificação do motivo com os adereços iconográficos? Penso que tenho uma peça, que já fiz há muitos anos, onde isso está patente. Refiro-me ao Gil Vicente que está na Biblioteca Nacional. Se vir, aquilo no fundo é uma pirâmide, o vértice é a cabeça, que nós não sabemos como é. Eu tinha de fazer um retrato de Gil Vicente e não o conhecia. Mas (^11) JOAQUIM CORREIA (1920) – “ A minha avó” – bronze, 30x20x25, 1938-9. Vid. A Escultura de Joaquim Correia, Lisboa, Verbo, 1982, p. 24; “Joaquim Correia – escultura”, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, 1991, p. 31; “Joaquim Correia”, Galeria Verney, p. 9; – “ Gil Vicente, (1465-1536)” – Lisboa, Campo Grande, (Biblioteca Nacional),
havia uma coisa que eu sabia: é que além de autor ele tinha sido também actor e a máscara dos actores eu já conhecia. E, sobretudo, eu relacionava a obra dele como autor com o actor Gil Vicente atrás da máscara e que eu fui procurar encontrar no vértice daquele cone que, no fundo, não é mais do que um espaço arquitectónico. Repara-se que há uma espécie de perspectiva que marcha para a cabeça. Essa perspectiva é a do observador que está na plateia, longe do palco. Há um espaço vazio entre a cabeça daquele homem e o observador. Esse espaço é realmente dado por aquele triângulo que está marcado de todos os lados. Depois, se olhar para a cabeça, há-de reparar que aquilo é a máscara de um actor que podia ser de qualquer época. É a máscara de um felino. O que é para mim o teatro de Gil Vicente? É um teatro crítico, um teatro corajoso, que está permanentemente a chamar a atenção. Contribui para remediar as coisas que ele considerava erradas. Esta era a atitude dele como homem e como artista. Pensei que se lhe não conhecia a cara, conhecia-lhe pelo menos a máscara. E se reparar aquilo tem qualquer coisa de felino, tem qualquer coisa que se assemelha ao gato, ao tigre ou a um bicho desses. Aquilo não é a cara de ninguém. É uma máscara que ele vestiu como o próprio teatro que fez.
A adopção dos princípios naturais ou da natureza como verdade de referência foram fundamentais para o desenvolvimento das técnicas de representação da figura. O Classicismo, o Naturalismo, o Vitalismo ou o Informalismo, constituem exemplos bastantes dessa intima ligação entre a arte e a natureza; a mimesis da natureza corresponde, em suma, a uma visão antropomórfica do mundo. O conceito vitalista com que Herbert Read exprime o princípio orgânico, deriva do axioma onde reconhece que a forma do ovo e a do cristal resultam, ambas, das leis naturais. A partir deste pressuposto, o filósofo acaba por extrapolar para a faculdade construtivista, que possibilita ao artista criar formas ideais a partir das formas naturais, porque o criador entende os processos da natureza e deles é capaz de abstrair os princípios fundamentais que o levam a agir de acordo com o que é, espiritualmente, necessário e eterno. O neologismo resulta, fundamentalmente, do estudo que o autor fez da obra do escultor Henry Moore ( 1898 - 1986), de quem a propósito diz:^15 “Henry Moore, como os artistas do seu tipo em todas as épocas, acredita que para além das aparências das coisas há um tipo de essência espiritual, uma força ou um ser imanente, cuja manifestação nas formas vivas é só parcial. Estas formas reais são como que resultados grosseiros determinados por circunstâncias gratuitas do tempo e do lugar. O fim da evolução orgânica é funcional ou utilitário e, espiritualmente falando, um fim difícil de encontrar. Assim, compete à arte libertar a forma das suas excrescências acidentais, para revelar essas formas que o espírito pode criar sem objectivos pragmáticos.” A Cabeça geometrizada, em pedra, de 1937, 16 ou a Cabeça do Capacete Nº 2, que foi um tema sucessivamente abordado por Henry Moore entre 1939 e 1960,^17 constituem dois exemplos das (^15) Herbert READ, A Filosofia da Arte Moderna , Lisboa, Ulisseia, 1952, pp. 234, 237, 239, (^16) Henry Moore , FCG, fig., 34 (^17) – “The Helmet” – bronze, 29,5cm, 1939-40. Vid. Henry Moore - my ideas, inspiration, and life as an artist, p. 194; – “Helmet head nº 2” – bronze, 35,5cm, 1950. Vid. La
possibilidades de representação do rosto cujas formas se situam, algures, entre a geometria e a organicidade. A Primeira manifestação da naturalidade ou organicidade a produzir efeitos na escultura do século XX, procede do sistema clássico e afirma-se a partir do processo da modelação. Quando, por exemplo, olhamos para a Cabeça da “Escultora Irene Vilar” modelada por Barata Feyo (1899-1990), em 1957, 18 o que, imediatamente, sobressai são as finas irregularidades impressas sobre a superfície do bronze. Ficamos com a ideia de que as marcas desse registo expressivo foram produzidas a partir da pressão da polpa dos dedos sobre a superfície do barro fresco. O que emerge da forma é a linha sinuosa onde se pode sublinhar a subtil vibração lumínica, que equipara este busto ao aspecto de uma paisagem natural. O Retrato do “Pintor José Tagarro”, do mesmo autor, 19 singulariza-se pelo acabamento da superfície. Quanto observamos a sua textura, apercebemo-nos das propriedades intrínsecas à plasticidade do material utilizado. A resistência dos materiais e as condições específicas de utilização do barro ou da cera são variáveis, nomeadamente, em função da temperatura e do grau de humidade. Estes factores, além do momento psicológico do autor, acabam por condicionar o resultado final da peça. Esta obra parece corresponder à necessidade que o escultor teve de ‘deixar falar o material’^20 , preocupação, que à semelhança do ‘respeito Sculpture de ce Siècle , p. 308; A Concise history of Modern Sculpture, p. 172; Henry Moore – my ideas [...] p. 197; – “Helmet head nº 3” – bronze, 25,5cm, 1960. Vid. Henry Moore, FCG, fig., 20 (^18) – “Irene Vilar” – 38x18x32cm, CACR, 1957 (^19) – “José Tagarro” – 33x19x25cm, Museu do Chiado, Lisboa, sd. Idem, “Museu Barata Feyo, Caldas da Rainha”, pp. 107, 113, (fig., 1) (^20) O maior elogio que algum dia fizeram a Giacometti, foi o terem escrito que ele havia deixado falar o material. Tratar a modelação, a pensar na superfície ígnea do bronze, revela a inteligência e a sensibilidade, um estado de empatia superior, só conseguida à
No retrato de Menez as formas são claras e acentuadas, como se de uma construção arquitectónica se tratasse; o rosto, destacando-se do frondoso volume do cabelo, confere à figura a monumentalidade de um rochedo. A “Cabeça do semeador” de Francisco Franco (1885-1955)^26 evidencia o início do processo de simplificação formal do rosto. Na alegórica figura bíblica, 27 modelada duas décadas antes em Paris, está bem visível a ascendência de Rodin mas é, por outro lado, já revelador da monumentalidade que caracterizará toda a sua futura obra, emblematicamente identificada a partir do “Zarco” (1928-34), que viria a constituir o exemplo mais paradigmático da sua influência na escultura portuguesa da primeira metade do Século Vinte. O processo de simplificação formal, indiciado no rosto do “Semeador” de Franco, repercute-se na obra de João fragoso que revela idêntica apetência pela monumentalidade e uma invulgar capacidade para a abstracção formal. A simplificação gradual que o conduz da naturalidade da representação à síntese geométrica que caracteriza o seu percurso pode, sumariamente, ser acompanhado a partir de três obras: O “Retrato de jovem das Caldas da Rainha” (1938),^28 que pela sugestão de sereno espanto parece proceder das Cíclades, apresenta- se, paradoxalmente, como uma obra simultaneamente antiga e 157; Estatuária do Porto, p. 39; p. 258; O Porto e a sua Estatuária, pp. 20,22,23; “Barata Feyo Escultor – Exposição retrospectiva”, p. 53; Barata Feyo, (Sellés PAES), p. 23; “Museu Barata Feyo, Caldas da Rainha”, pp. 14, 111 (estudos fig.s, 12,13,14). Antes da obra propriamente dita o autor fez um estudo de nu sentado para Almeida Garrett, bronze, 56x22x19cm e um segundo estudo, torso com panejamento geometrizado de Almeida Garrett. Podem ver-se ambos no CACR, Caldas da Rainha. Por curiosidade compare-se com a figura homónima, em pé, feita 4 anos antes para Lisboa. Almeida Garrett (1779-1854) – [maqueta] gesso, 92x40x28cm / pedra, h 288cm, Lisboa, Avenida da Liberdade, 1946-1950. (^26) – “O semeador” – Paris, 1921-23 / Jardim público do Funchal, 1941. Vid. Diogo de MACEDO, Francisco Franco, Lisboa, Artis, 1956, p. 14 Estampa 7 Ver: Cap. IV – HERÓIS: 2 - Fácies e Mito, d) Três emulações de si (Auto-retratos psicológicos) (^27) Vid. Mt. XIII, 1- 9 (^28) JOÃO FRAGOSO (1913-2000) – “ Retrato de jovem das Caldas da Rainha” – Verão de 1938. Vid. “João Fragoso, o mar e a arte ‘minimal’“, fig., 85
moderna, onde o escultor, sem perder de vista o modelo, se concentra na simplicidade e clareza da representação. No retrato do “Professor Egas Moniz”, 29 o autor leva mais longe a síntese formal atingindo, na redução geometrizada, um carácter quase cubista. Para além do retrato propriamente dito, a verdadeira síntese abstracta encontra-se, porém, na “Fase Mar” (1954-58), nomeadamente, em “Praia do Ocidente e do crepúsculo” 30 (1960) em que a trípode de motivos marinhos parece organizar-se de modo antropomórfico, sugerindo uma sucessão de três máscaras. É interessante verificar que a sua chegada à abstracção passa, em termos metodológicos, por uma correlação entre a escultura e o desenho a tinta-da-china, feito a partir de traços gestuais com a instantaneidade e a precisão da caligrafia chinesa, de onde emergem manchas de escrita hieroglífica, que sugerem formas e movimentos marítimos a que o escultor posteriormente, atribui tridimensionalidade. De salientar, aqui, a diferença de temporalidade entre o desenho e a escultura; o primeiro dado à brevidade imediata, mais ou menos caprichosa do momento, em contraponto com a elaborada lentidão da escultura, cujo corpo é indissociável da matéria perene. Não obstante a distinção, há que notar, nesta fase da escultura de João Fragoso, a necessidade de aproximação e preservação da frescura própria do primeiro instante. 31 29
A necessidade de despojamento que caracterizou o espírito moderno manteve-se também, paradoxalmente, permeável a uma certa exuberância barroquista transformada, muitas vezes, em informalidade. Se a obra de Matisse constitui um bom exemplo da passagem da figuração à abstracção ou da naturalidade à geometrização, a obra de Alberto Giacometti (1901-1966), emerge no sentido oposto. O seu caminho inicia-se na abstracção e culmina na figuração após um sonho que tivera, em que viu as pessoas transformarem-se em floresta 35 ou vice-versa. “O Casal” ou “o Homem” da década de vinte,^36 legitimados pelo movimento surrealista, são claramente influenciados pela arte africana, onde o esquematismo antropomórfico depende claramente da geometrização. Em obras posteriores, entre a década de 40 a 60, como por exemplo, o “Busto de Diane Bataille” , os três bustos de “Diego” ou na “Grande Cabeça”,^37 o que sobressai é o informalismo orgânico da exuberante textura. A informalidade da superfície ganhará adeptos noutras gerações, atingindo o paroxismo em Germaine Richier (1904-1949)^38 até (^35) – “A floresta” – bronze, 57x61x49,5cm, 1950. Vid. “Colecção Fundação Maeght”, Lisboa, Fundação Arpad szenes – Vieira da Silva, 1999, p. 29 (^36) – “O casal” – bronze, 64cm, Zurich, Kunsthause Foundation, 1926. – “ Homem” – bronze, alt., 40cm, 1929. Vid. A Concise history of Modern Sculpture, p. 143 (^37) – “Busto de Diane Bataille” – bronze, 48,5x13,5x12,5cm, 1945. Vid. “Colecção Fundação Maeght”, pp. 17, 26. – “Diego” – bronze, Paris, Museu Nacional de Arte Moderna, 1953. Vid. L’Aventure de l’art au XXe^ Siecle, p. 651. – “ Busto de Diego” – bronze, Paris, Museu Nacional de Arte Moderna, 1954. – “Diego au manteau” – bronze, Paris, Museu Nacional de Arte Moderna, 1954. Vid. Yves BONNEFOY, Alberto Giacometti, Biographie d’une œuvre, Paris, Flammarion, 1991, p. 442; ‘‘Giacometti’’, in , Qu’est-ce que c’est la sculpture moderne , pp. 186. – ‘‘Monumental Head’’ – bronze, 95x30x30cm, 1960. Vid. “Colecção Fundação Maeght” op., cit., p. 53; A Concise history of Modern Sculpture, p. 151 (^38) “Existe uma diferença radical entre o Geometrismo rigoroso patente na obra de Piero della Francesca e a voluntária degradação formal de certas esculturas como por exemplo Germaine Richier. Este informalismo atingiu, em algumas obras
culminar no amolecimento total da forma como acontece, por exemplo, em Meret Oppenheim () ou Claes Oldenburg (1929).^39 A forma orgânica, ao exibir a espontaneidade de uma força primitiva, pode manifestar-se como um ideal de vida antagónico ao espírito geométrico urbano e, tacitamente, como uma espécie de contra-poder, ideologicamente antagónico ao status quo da era racionalista e tecnocrata. 40 Neste sentido a informalidade da linha curva traduz-se numa vitória da natureza sobre a lógica. A passagem da organicidade à abstracção geométrica, de uma representação que ainda mantém vestígios da forma naturalista para a radicalização planimétrica do cubismo, pode ser acompanhada a partir de duas obras que Picasso realizou ente 1905 e 1910, desenvolvidos a partir do fácies de Fernande (sua companheira na altura). Na primeira cabeça, a superfície lisa e regular do rosto destaca-se, claramente, do contorno informal do fundo, onde a zona da retaguarda e a zona lateral, correspondente aos cabelos e à roupa, aparecem apenas esboçados dando, ao conjunto, o efeito de erosão o que confere dramaticidade temporal ao tema. contemporâneas, extremos que nos autorizam a falar de composições caóticas e até de amolecimento, degradação ou pulverização da forma.” Clara MENERES, «Reflexões filosóficas sobre os fundamentos geométricos da escultura», Revista Portuguesa de Filosofia , Tomo 38/I, Fascículo 2/3, Braga, Abril / Set., 1982, Terceira parte: p. 359. Ver por exemplo “La grand Sauterelle” – bronze , Lisboa, jardins da FCG, 1978. Isabel SALEMA, Luís LEIRIA de LIMA, Lisboa de Pedra e bronze, Lisboa, Difel, 1990, p. 165; Arte Pública, Estatuária e Escultura de Lisboa , p. 162 (^39) MERET OPPENHEIM () – “Déjeuner en fourrure” – (Chávena de chá, colher e pires em pele) – New York, Museum of Modern Art, 1936 New York, Museum of Modern Art, 1936. Vid. L’Aventure de l’art au XXe^ Siecle, p. 349. CLAES OLDENBURG (1929) – “Soft ligth switches “ghost” version” – (Interruptor) acrílico e grafite sobre tela com enchimento de kapot montado sobre madeira 132,1x132,x24,1cm, 1963; – “Ghost, Drum Set” – construção em tecido branco, Paris Museu Nacional de Arte Moderna, 1972. Vid. “Oldenburg Réinvente la Nature Morte” [1972] in, L’Avent ure de l’art au XXe^ Siecle, p. 689 (^40) “A geometria é o símbolo da opressão de uma sociedade excessivamente organizada. [...] “O ideal da vida constitui, em grande parte, a antítese do espírito geométrico, expressa na rebelião do instinto, do sentimento e da fantasia, face à intenção de submeter toda a conduta humana a esquemas racionais. É também a rebelião do indivíduo contra uma disciplina social excessiva.” ECHAIDE, op., cit., pp. 107, 119
g) Construção / Objet trouvé e Assemblage A construção em aço a partir da soldadura é um sucedâneo do processo da talha directa sobre a pedra, ambos característicos da modernidade. Após o Estado Novo e na emergência de um novo quadro institucional, político económico e social, a escultura portuguesa da 2ª metade do Século Vinte, a viver na ressaca da sua “época de oiro”, teve que procurar outras alternativas e novas referências formais, acabando por integrar as influências exógenas que haviam surgido na Europa. A escassez de encomendas oficiais, particularmente agudizada após a revolução de Abril, os custos adicionais com a trasladação aos materiais definitivos (bronze ou pedra), a falta de operários e colaboradores qualificados, fundidores, canteiros e formadores, foram alguns dos factores determinantes para o abandono do processo clássico da escultura. A crise do sistema clássico, com consequente desinteresse pela modelação, contribuiu, em contrapartida, para a afirmação do método construtivo que caracteriza o sistema moderno, intimamente associado ao desenvolvimento tecnológico e industrial, do qual assimilou novos processos e materiais. O uso de materiais industriais, pré-fabricados, particularmente desenvolvidos por via do reforço tecnológico da guerra, nomeadamente, os laminados metálicos e a soldadura a oxiacetileno, começaram a ser utilizados no final dos anos vinte pelo escultor Júlio González, que realizou as primeiras assemblages em aço.^42 É significativo referenciar na sua obra uma frequente recorrência à temática do rosto que começa na modelação e, de modo gradual, se (^42) A assemblage pressupõe a recuperação e reciclagem de objectos cujo caso mais paradigmático deve ser “Tête de Taureau” (1943) em que Picasso usa o selim e o guiador de uma bicicleta para representar a cabeça do touro. Vid. “La récuperation de l’objet déchu “, in , Qu’est-ce que c’est la sculpture moderne , p. 149- 188 - 189 - 192.
afasta da representação naturista, acabando por o reduzir, após sucessivas simplificações, a uma sucessão de máscaras, quer por via da talha directa em pedra quer, especialmente, devido à assemblage em metal, como por exemplo, se pode observar a partir da seguinte sequência: “Masque inquiet” (1914), “Tête Aigue” (1927- 3 0), “Jeune fille nostalgique” (1934-35), “ Masque ombre et lumière” (1934-35), “Masque de Montserrat criant” (1936 / 1941-2).^43 Nas décadas de 30 e 40, por influência dos catalães González e Picasso ( 1881 - 1973), desenvolveu-se a escultura em ferro, a que o escultor norte-americano David Smith posteriormente também aderiu, realizando algumas peças inspiradas no tema do rosto. “Cabeça agrícola ”^44 é uma construção em ferro que o autor realizou em 1933. Da peça destaca-se o pescoço, constituído pela apropriação da cápsula de um projéctil, fragmento vertical como um fuste que une a base ao topo da cabeça onde, através da soldadura de aros circulares de ferro forjado, o escultor define, esquematicamente, o contorno fisionómico de um personagem vermelho cuja expressão oscila entre a máscara, a caricatura e a banda desenhada. Entre 1938 e 1942 o autor regressa ao tema autonomizando, ainda mais, os elementos fisionómicos do rosto ao tratá-los com a independência formal de uma natureza morta. (^43) JÚLIO GONZÁLEZ (1876-1942) – “Masque inquiet” – terracota / fundição, 22cm, 1914, Vid. AGUILERA CERNI, Vicente, Julio González, Barcelona, Ediciones Polígrafa, S. A., 1973, p. 171; – “Tête Aigue” – Ferro / fundição, 31x17cm, Paris, Museu Nacional de Arte Moderna, 1927-30; “González renoue avec Picasso” [1928] in, L’Aventure de l’art au XXe Siecle, p. 278; Julio González, pp. 212-213; – “Jeune fille nostalgique” – pedra / fundição, 28cm, c. 1934-35. Vid. op., cit, pp. 228-229, 226; – “ Masque ombre et lumière”– bronze 14cm, 1934-35. Vid. idem, p. 216; “Masque de Montserrat criant” – Ferro / fundição em bronze, 27x16x12cm, Paris, Musée Nacional d’Art Modern, 1936 / 1941-2. Vid. ibidem p. 273; L’Aventure de l’art au XXe^ Siecle, p. 407 (^44) DAVID SMITH ( 1906 - 1965) – “Agricola Head” – ferro e aço, 47cm, 1933. Sculpture - 1900 - 1945 - After Rodin , p. 88