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Artigo ligado a introdução ao estudo filosofico ao direito.
Tipologia: Notas de estudo
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Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso INTRODUCÃO AO DIREITO Sumários de aula 1
Esta disciplina, de caráter enciclopédico, visa introduzir o aluno no universo do conhecimento jurídico; em razão disso, situa-se principalmente entre os campos da Filosofia e da Teoria do Direito. Em sua temática, busca basicamente refletir questões em torno do «quê» seja o direito e dos seus respectivos conceitos. Ao término desta disciplina, deverá o aluno ser capaz de: a) situar o Direito no universo do conhecimento e estabelecer uma relação entre ele e as ciências afins, refletindo criticamente esses conhecimentos; b) ter percebido a grandeza e a importância dos estudos jurídicos, e consciente de sua beleza, encará-los com diretrizes e com gosto; c) ter noções da evolução da temática do direito e conhecer sua estrutura organizacional básica; d) numa perspectiva crítica, conhecer do caráter polêmico que é a definição da origem, dos conceitos, objetivos e métodos do direito, situando-se na realidade atual e suas exigências ético-jurídicas.
Capítulo I: A QUESTÃO DO DIREITO
1.1) Vencida a fase mítica (aqui falamos de vencer num sentido institucional, já que na realidade os mitos continuam a fazer parte de nossas vidas), o homem necessitou de encontrar uma explicação coerente para as coisas. Essa busca de fundamentos lógicos possibilitou também o avanço técnico, forçando o homem a lançar mão da ciência para modificar a natureza e torná-la mais útil, mais justa, mais bela etc. Aqui se põe a grande diferença entre natureza e cultura.
1.2) Invocar o verbo conhecer pressupõe alguém que conhece (o sujeito do conhecimento); assim também, conhecer é conhecer algo (o objeto do conhecimento). Qualquer conhecimento está vinculado a esses dois elementos. De outra forma, fala-se ainda em tipos de conhecimento ou graus de conhecimento. Ao falarmos de conhecimento vulgar (por alguns também dito conhecimento empírico), consideramos aquele conhecimento mais comum em nosso dia-a-dia, espelhado na simples observação dos fatos isoladamente considerados e por isso mesmo carecedores de comprovação; ao falarmos de conhecimento científico estamos ultrapassando os limites dos casos isolados para
(^1) Estes sumários têm o fito exclusivo de dirigir as aulas de Introdução ao Estudo de Direito da Faculdade RADIAL, ministradas pelo Profa. Tânia Mara Fonseca Mendes Afonso para turmas de Dependência em 2003, bem como orientar os alunos quanto à escolha da bibliografia adequada ao desenvolvimento desta temática, conforme Programa de Curso previamente distribuído; estão, portanto, sujeitos a emendas que serão feitas no curso das aulas. Sugestões e dúvidas poderão ser feitas diretamente a autora pelo correio eletrônico tanaifon@terra.com.br
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso deles extrairmos uma uniformidade, e para isso utiliza-se métodos específicos de comprovação.
1.3) Para fins didáticos, costuma-se classificar as ciências de diversas formas. Aristóteles, parece ter sido o primeiro a nos oferecer uma classificação consistente: para ele há três grupos de ciências: teoréticas (destinadas à contemplação), práticas (para orientar as ações, onde se incluiria o Direito) e poiéticas (voltadas para a construção de coisas). Comte também classificou as ciências hierarquicamente onde a sociologia ocupa o lugar de destaque, estando ali incluído o Direito. Igualmente Kelsen se preocupou com a questão, dividindo-as em explicativas (ciências do ser) e normativas (ciências do dever ser, onde incluiu o Direito). Cossio tratou-as como ciências formais (relativas aos objetos ideais e cujo conhecimento se dava por ação do intelecto), naturais (quanto aos objetos naturais e que poderiam ser explicados) e culturais (pertencentes aos objetos da cultura e acessíveis pela compreensão). Na última classificação se incluiria o Direito. Franco Montoro, seguindo Aristóteles, oferece duas classificações: ciências teoréticas, especulativas ou práticas e ciências práticas, normativas ou aplicadas. Para esse jurista filósofo, o Direito estaria dentre as últimas.
1.4) Sabe-se também que o direito nem sempre foi pensado como uma ciência no sentido moderno da palavra, e até hoje há quem lhe negue esse estatuto. Assim é que entre os povos antigos era visto como uma manifestação da vontade dos deuses (neste caso por exemplo ver a fantástica narrativa de Sófocles [496-405 a. C] no episódio de Antígona quando esta, ignorando o édito de Creonte, exigiu sepultura para seu irmão), como uma exigência da natureza (Heráclito - 535 a 470 a. C) ou como uma virtude de se viver bem na polis (Platão e Aristóteles, 497- a. C e 384-322 a. C, respectivmaente), e aqui se confundia com outras regras de conduta (morais e espirituais).
1.5) Mas já na idade clássica se preocupou com o estudo do direito (sobretudo com os juristas romanos nos séculos I a III d. C como Paulo, Gaio, Ulpiano e Papiniano). Não obstante, parece mesmo ter sido a recuperação dos textos romanos pelo Imperador Justiniano o grande impulsionador desses estudos, pelo que surgiu a afamada escola dos glosadores e depois a escola dos comentadores no século XIII, estudos esses que passaram a se dar em torno da interpretação dos do Corpus Iuris Civilis e do Corpus Iuris Canonicis e que foram uma marca do ensino escolástico. Após período de crise desses estudos (crise essa que trouxe inovações, é claro), veio o movimento cientificista do século XIX que buscou elevar o Direito à condição de verdadeira ciência. Principalmente em Kelsen (início do século XX) se reivindica o direito de ser uma ciência pura, ou seja, sem as exigências ético-valorativas da Filosofia, bem como sem as recriminações da Sociologia ou da Política, privilegiando a formalidade à matéria.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso
2.1) O primeiro ponto que se coloca é o de se ter claro que em um período da humanidade em que tudo era explicado pelos mitos (é bom ter em conta que muitos mitos permanecem encarnados na vida do povo e que outros foram criados ou reinventados!). Assim é que segundo o poeta Homero, Témis , uma das esposas de Zeus e deusa da justiça, é a personificação da ordem estabelecida; sendo respeitada por todos do Olimpo, assiste todas as deliberações dos deuses e dos homens, preservando sempre a equidade das decisões. Assim também é que Hermes , filho de Zeus e embaixador do Olimpo, tinha a autoridade de revelar aos humanos a vontade dos deuses.
2.2) Já no período germinativo da Filosofia, começaram as primeiras especulações acerca da origem e do fundamento do direito. Nesse período abre- se uma fase importante do jusnaturalismo 3. 2.2.2. Enquanto os sofistas 4 defendiam a tese de uma moral temporal, Sócrates (439-499 a. C) defendeu a existência de normas de conduta de valor absoluto, e que se conhecidas, evitariam a prática de qualquer ação injusta (intelectualismo socrático). 2.2.3. Nesta perspectiva Platão, principalmente em três dos seus diálogos ( A República, O Político e Leis ), insiste na defesa de uma verdade política válida para todos os povos e em todos os tempos, capazes assim de construir uma cidade feliz. Em A República explica que essa lei eterna e imutável é fruto da vontade de Deus e reside no mundo das idéias , e representando um ideal a ser alcançado, é a matriz das nossas falsas idéias de justiça. 2.2.4. Já Aristóteles defendeu a origem de uma lei resultante da vontade dos deuses, independente das convenções humanas e eternamente válidas (um justo por natureza), não negando, porém, a existência de uma outra em sentido contrário e inferir àquela, tudo no sentido de viabilizar a vida na polis. 2.2.5. Diferente não foi com Cícero (106-43 a. C) a quem devemos grande parte da transposição da filosofia grega para nossa cultura, o qual fundamentou o direito em verdades supra legais e por isso indeléveis pelo senado de sua Roma; também não foi diferente com o apóstolo Paulo, que em Rom 13, 1-6 defendeu o direito como a vontade de Deus, gravada no coração dos homens e com vistas à justiça; assim também foi com os juristas romanos da época clássica, cujos pareceres fundamentavam em princípios de direito, dentre eles de direito natural ( ius naturale ) e com Santo Agostinho, que retomando a idéia platônica, coloca-a na mente divina ou lex aeterna , esta que manda «respeitar a ordem natural e proíbe perturbá-la».
Cabe frisar aqui a importância que tem o pensamento cristão em nosso edifício jurídico: Antes não se distinguia muito os interesses da pessoa com os do Estado,
(^3) Doutrina jurídica que prega a existência de um direito supra legal e eterno.
(^4) Professores que na época atuavam nas cidades gregas ensinando, dentre outras coisas, a arte
retórica para que seus alunos saíssem bem nas discussões da polis.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso e já por isso o direito era pensado quase sempre como uma força misteriosa que buscava a harmonia desse Estado, e para isso os interesses individuais estavam em segundo plano. A idéia de homem como imagem e semelhança de Deus o elevou a outro patamar de dignidade ainda não conhecido, abrindo caminhos para o Humanismo e futuramente para o Iluminismo jurídicos.
2.3) Assistida a queda da civilização romana, a ascensão da barbárie, a desagregação do Estado e a posterior derrocada do Feudalismo, começa novo período de florescimento da cultura e da política. Esse é um período em que tem muita importância o pensamento de Santo Tomás de Aquino (1225 a 1274), um compilador do pensamento anterior e anunciador de uma nova era. No Direito, coube ao doutor angélico cristianizar Aristóteles, fundindo sua doutrina com a da igreja. Em síntese, sua doutrina jurídica está centrada na idéia de bem comum a ser buscada pela lei, que antes de ser humana, é originária de Deus e revelada ao homem pela inteligência. O direito aqui é um pedagogo que orienta o homem no cumprimento seu papel na terra e o prepara para retornar ao criador.
2.4) Sendo Santo Tomás o principal expoente do jusnaturalismo no período medieval, sua morte foi sucedida por uma mudança de postura dessa corrente. Com Grócio (1583-1645), tenta-se outra forma de justificar o direito, haja vista a explosão das guerras religiosas que testemunhara: o direito natural consiste naquilo em que a reta razão demonstra ser conforme à natureza social do homem, e “o direito natural existiria mesmo que Deus não existisse ”. Mais radical ainda é a mudança implementada por Hobbes (1588 – 1679): O direito que antes dele era explicado por uma força misteriosa, agora passa a ter conteúdo estritamente racional. Para o autor do Leviatã os homens, maus por natureza e em luta constante uns com os outros, fizeram um pacto e renunciaram ao poder individual em favor do Estado a fim de que esse mantivesse a paz. Essa doutrina absolutista foi amenizada por autores como Locke (1632 – 1704) que afirmou não ter o homem renunciado a todos os direitos e por Rousseau (1712 – 1778), este que afirmando ser o homem bom em seu estado de natureza, viria a considerar como digna de respeito apenas as leis que possibilitassem ao homem essa felicidade. Essa fundamentação racional para o direito ganharia dimensão nunca vista com Kant (1724 – 1804), para quem os princípios de direito natural fundavam-se na autonomia da razão; face a isso, a liberdade era o único direito natural existente e então capaz de permitir ao homem agir moralmente (por puro dever). Isso levaria a uma conceituação de direito como “o conjunto das condições nas quais o arbítrio de cada um pudesse conciliar-se com o arbítrio dos outros segundo uma lei universal de liberdade”.
2.5) Esses autores do jusnaturalismo racionalista influenciaram a positivação do direito, a qual começou a ser implementada após a Revolução Francesa sob a promessa de uma maior segurança jurídica. As sucessivas críticas dirigidas contra o Código de Napoleão e outras experiências codificadoras levaram ao ressurgimento do Direito Natural, embora sob novas orientações. Uma dessas é a idéia de “Direito Natural de conteúdo variável” de Stammler (1856 – 1938), vale
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso as idéias que definem a vida social, mas esta que define as idéias. Para esta escola, o Direito, a Religião, a educação etc, constituem a super-estrutura do sociedade, que se define de acordo com os interesses econômicos tramados). Embora o direito para essa escola acaba por ser mesmo o direito positivo e sendo os fatores econômicos os seus determinantes, estaria ele fadado ao desaparecimento quando da plena realização econômica, já que o Estado desapareceria no reino do comunismo. 2.6.7. Parece ser pela empresa de Hans Kelsen (nascido no final do século XIX e vivenciado as experiências jurídicas desastrosas do século XX) que o positivismo jurídico alcança seu apogeu (fala-se aqui em normativismo jurídico no que lhe deu o autor uma marca especial).
Já Austin (1790 - 1859) defendera e teve muito eco em seu pós-morte a idéia de um direito positivo desvinculado de critérios morais e constituído de simples mandato imperativo. A teoria pura do direito de Kelsen significou o retorno ao formalismo de Austin, resumindo o direito ao simples conhecimento das normas. Seu direito é uma pirâmide de normas cuja unidade se deve ao fato de todas elas, numa escala hierárquica, se subordinarem uma norma superior (a Constituição!) e auto-subsistente. Já as normas, têm caráter hipotético, i.é, vincula a determinados atos determinadas consequências impostas pelo Estado. Desta forma, não há que se falar em "direito justo", mas em "direito válido" de acordo com os critérios valorativos que ele mesmo (o Direito) estabelece, valores esses, frisa-se, que não têm necessariamente que serem os do justo.
2.7) Importa agora meditarmos acerca das correntes que se põem hoje no sentido de superar (ou de recuperar) os dois grandes horizontes iniciais, ou seja, a visões naturalista e positivista do direito, uma vez que como vimos no ponto "2.5", última parte, os exageros positivistas levaram a uma situação de insustentabilidade da doutrina e a um consequente retorno ao direito natural. Atualmente, três vozes principais se escutam: há aqueles que se mantém fiéis ao culto da lei, nem que para isso se ofereça em holocausto a própria justiça; os que pregam o retorno ao direito natural; e aqueles que buscam uma alternativa ao dualismo positivismo/jusnaturalismo, sem contar que dentre eles há os que consideram não fazer mais sentido perguntar sobre "o que" seja o direito, mas apenas "para que" serve o direito ou "como" se apreende esse direito. 2.7.1. Em poucas palavras se diz que a visão normativista do direito demanda hoje alto grau de "insulina" para se sustentar, já que as próprias circunstâncias históricas lhes são muito desfavoráveis, malgrado seja igualmente difícil encontrar uma alternativa para ela. A visão reducionista do direito ao direito Estatal teve e terá consequências nefastas, já que qualquer direito que cumpra as formalidades exigidas seria legítimo (o nazismo, o fascismo, o stalinismo, o getulismo etc), além do que, desconfia-se, da possibilidade de o direito ser assim, imparcial. Por outro lado, a dinâmica das relações sociais e jurídicas não é acompanhada pelo legislador. 2.7.2. Em meio a estes desafios erguem-se propostas no sentido de superar a retórica normativa sem no entanto retornar às especulações metafísicas
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso do jusnaturalismo. Uma importante corrente neste sentido é a do jurisprudencialismo 5. Para esta escola, a norma tem sim o seu valor, não sendo, porém, imutáveis como querem os jusnaturalistas nem racional-legalista como querem os normativistas, estando, pois, sujeitas à revisão pelo homem histórico. De outro modo, tem projeção internacional a escola culturalista de Miguel Reale, cujas bases fundam-se na idéia de tridimensionalidade para o direito (teoria tridimensional do direito), com herança na teoria vitalista do direito de Recaséns Siches e teoria egológica do direito de Carlos Cossio. Para essa corrente, o direito é um dado da cultura, construído pelo homem na história e carregado de sentidos. Outro não menos importante agrupamento é o daqueles que se convencionou chamar escola crítica do direito , para quem o direito não dispõe do caráter científico apregoado pelo movimento liberal-iluminista, sendo mesmo um arsenal ideológico de que se servem aqueles que estão no poder para fazer valer seus interesses. Cabe ressaltar que aqui não se está tão preocupado com o conceito ou com a origem do direito, mas sim com a sua finalidade. 2.7.3. Entrincheirados assim pelos desafios que se nos impõe a atualidade, cremos ser angustiante a batalha do jurista no sentido de realizar o direito. Será difícil tomar partido sem uma reflexão amadurecida da historicidade do jurídico e sem uma primeira opção por um sentido para o direito, vale dizer, se o queremos apenas para "estabilizar" as relações sociais, para renovar no tempo as tramas do poder ou se para colaborar na realização da dignidade de todos os humanos.
Capítulo II: A MANIFESTAÇÃO DO DIREITO
1.1) A ação humana é, via de regra, orientada por normas. Quando temos um objetivo a alcançar, seguimos certas prescrições para sermos bem sucedidos; é o que ocorre, por exemplo, com as normas técnicas , como por exemplo as normas da ABNT e que regem a elaboração de trabalhos científicos.
1.2) A convivência social também pressupõe uma certa ordem, que entre os humanos pode ter muitas dimensões, como dimensão moral (do grego e thos = costume, origina da consciência que regulamenta a conduta humana), social (costumes sociais e etiquetas), religiosa (convição espiritual) ou jurídica. Nem todos aceitam que haja uma base objetiva para a conduta humana, como se pode ver dos céticos, dos relativistas, positivistas, utilitaristas, marxistas etc. As frustrações políticas da atualidade, no entanto, reclamam a busca de uma ética
(^5) Jurisprudencialismo aqui nada tem com a jurisprudência no sentido em que o termo é tratado pela
teoria do direito; é antes, sim, uma corrente doutrinária com o entendimento que lhe é próprio.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso onde o Direito e a moral têm campo de atuação comum e diferentes, simultaneamente. Para Reale , a diferença básica entre as regras jurídicas e as morais está no fato de que estas são dotadas de bilateralidade atributiva , i. é, a cada direito de um sujeito há o dever do outro em cumpri-lo.
1.2) A ordem jurídica requer e exige regras específicas de conduta e sujeita os atores a uma sanção 7 (imposta pelo Estado), embora nem sempre coativamente, podendo tais regras serem escritas ou consuetudinárias. Além disso, reconhece- se, por vezes, o caráter jurídico de normas não emanadas desse Estado, no que se tem a problemática do chamado pluralismo jurídico 8.
1.2.1. Na nomenclatura clássica, fala-se em ordenamento jurídico tendo em conta uma série de normas legais ou consuetudinárias que possibilitem a convivência das pessoas. É divergente, no entanto, a intenção dessa ordem: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (Ulpiano); impor limites aos vícios do homem e educá-lo para o bem-comum (Santo Tomás de Aquino); estabelecer a paz social (as doutrinas contratualistas); diante dos “conflitos” sociais, encontrar a solução mais útil para a maior quantidade de pessoas (Bentham); construir uma sociedade harmônica ao modo cósmico, como é comum nos autores clássicos quando não havia uma separação entre as regras jurídicas, morais e espirituais. 1.2.2. Tem-se tentado identificar o ordenamento jurídico pelo critério da formalidade (existência de um elemento estrutural de conteúdo positivo ou negativo, categórico ou hipotético, abstrato ou concreto), da matéria (o conteúdo da norma), pelo seu sujeito (a quem cabe impor a norma, neste caso o soberano, ou a quem ela se destina, e neste caso ao juiz). Mas ao que parece, o que distingue mesmo o ordenamento jurídico dos demais é a sua tentativa de realização do direito , a coação potencial e a bilateralidade atributiva. 1.2.3. Falar em a ordem jurídica pressupõe a existência de uma pluralidade de normas , reconhecidas a hierarquia , a antinomia e as lacunas. 1.2.4. À norma jurídica se impõem limites de atuação, com consequência direta em seus efeitos: quanto ao tempo , de uma maneira geral regula os fatos posteriores, salvo casos específicos e que trazem a lume o problema do conflito das normas no tempo, além de que os fatos estão sujeitos a constantes mudanças, podendo tornar obsoletas as regras impostas 9 ; quanto ao espaço,
(^7) Uma pena ou um prêmio que se obtém em razão do cumprimento de uma determinação ao
jurídica. Não se confunde, assim, com aquela sanção prevista na tecnologia legislativa onde, depois de aprovada pelo Legislativo, a lei vai ao Chefe do Executivo para ser sancionada e depois publicada para que tenha vigência. (^8) Conforme mais adiante se verá, trata-se do reconhecimento da existência de normas, dentro de
uma ordem jurídica estatal, com igual validade jurídica, contrariando, assim ao monismo estatal apregoado por algumas correntes jurídicas. (^9) Para tudo isso conferir o art 1º, §1 e art. 2º, §2 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso restringe a validade de tais disposições em um território específico, não negada a idêntica possibilidade de conflitos; quanto à matéria, restringe a aplicação apenas aos fatos de natureza pré-determinada. 1.2.5. Quanto às pessoas abrangidas pela norma, diz-se que têm destinatários imediatos, sendo os sujeitos em geral (Art. 171 do CP) ou para alguns em especial (Art. 240 do CP, Lei de Responsabilidade Fiscal, a pessoa física ou jurídica, os órgãos do Estado etc). Têm ainda destinatários mediatos, como os órgãos estatais chamados a garantir a lei. 1.2.6. Caracterizadas pela generalidade (destinada a diversas pessoas) e abstração (não se refere a um caso particular, mas descreve uma conduta típica, como por exemplo, o crime de violação de sepultura descrito no art. 210 do CP), as normas jurídicas compõem-se de preceito e de sanção. Preceito é o mandamento, positivo ou negativo, como por exemplo ao locatário pagar pontualmente o aluguer e os encargos da locação, na disposição do art. 23, I da Lei 8.245/91, ou a obrigação do proprietário de imóvel rural pagar o ITR. Sanção é a retribuição dada àqueles que descumprem ou cumprem o mandamento, como por exemplo a pena de desfazimento da locação por iniciativa do locador (Art. 9º, III da lei anterior) ou o desconto dado ao contribuinte que paga na data premiada com a redução do tributo. Uma sanção pode ser repressiva (prisão pelo não pagamento de pensão alimentícia), preventiva (o internamento de pessoa inimputável), executiva (a penhora de bens para pagamento de débitos), restitutiva (o dever de reparar um dano, como previsto no art. 159 do CC), rescisória (a ação rescisória prevista no art. 485 do CPC) ou extintiva (perda do prazo para intentar queixa-crime ou representação, prevista no art. 103 do CP).
Observa-se que além das atribuições gerais próprias do ordenamento jurídico, atribui-se à norma funções específicas como distributiva (distribuição de direitos, obrigações e funções), defesa social, repressiva, garantia ou tutela de direitos (o direito ao habeas corpus , habeas data , mandado de segurança etc), organizadora (a lei de organização judiciária), arrecadadora (criação de tributos), reparadora (dever do agente poluidor em reparar dano ambiental).
Impende também notar, a propósito do que se viu antes acerca das visões jusnaturalista e positivista do direito, o direito “moderno” orienta-se por um mínimo de normas escritas, sob a controvertida alegação da “segurança jurídica” 10.
1.3) Mas não se pode pensar o ordenamento jurídico apenas como um amontoado de normas. Há dois princípios básicos que orientam esse ordenamento: o do entrelaçamento , que diz respeito à necessidade de os elementos que compõem esse ordenamento estarem em coadunação uns com os outros (a Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, deve contemplar os princípios da educação contemplados pela CF/88, como a democratização do acesso, a
(^10) A este respeito, ver por exemplo o inciso II do art. 5o^ da CF/88, art. 37, caput da mesma carta
constitucional e o inciso XXXIX do art. 5o^ da Carta Magna c/c art. 1o^ , caput do CP.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso da CF/88, o de que ninguém pode cobrar o cumprimento de obrigação quando pendente a sua etc); a analogia consiste em tratar casos semelhantes como se fossem iguais (atente-se para o fato de que no Direito Penal só é cabível se for para beneficiar o réu); os tratados internacionais (entre Estados soberanos, ou entre estes e organismos internacionais); doutrina é o ensinamento dos juristas (Curso de Direito Constitucional Positivo, de SILVA, José Afonso da.).
1.6) No caso dos sistemas jurídicos federados, o ordenamento jurídico continua uno. No entanto, como no caso brasileiro, divide atribuições entre a União (CF, Código Penal, STJ, STF etc), os Estados-membros (CE, Lei de Organização Judiciária, Tribunais de Justiça etc) os Municípios (LO, Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, Lei de IPTU etc), reservando à primeira a Soberania.
1.7) Quanto às normas jurídicas propriamente ditas, costuma-se classificá-las pelo conteúdo , pelo grau de imperatividade , em função da forma e pela natureza da sanção.
a) Em função do conteúdo: em razão da extensão da validade , são de direito comum (aplicada em todo território nacional) ou local ; pela amplitude do conteúdo , podem ser gerais, quando aplicadas a todas as pessoas e em todo território nacional (Código Civil), especiais (Código Militar) e excepcionais (o art. 10 do AI nº 5 de 1968 que suspendeu o direito de habeas corpus nos casos de crimes contra a Segurança Nacional); pela força do conteúdo , podem ser constitucionais (CF/1988 e suas respectivas emendas), ordinárias (CC, ECA, Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.213/91, Lei 8.009/90 etc) e regulamentares (o Regulamento 3.048/99 da Previdência Social); quanto à aplicabilidade do conteúdo , são auto-aplicáveis (os direitos e garantias individuais descritos no art. 5o^ da CF/1988) e dependentes de regulamentação (o inciso XI do art. 7o^ da CF/88); pelo interesse que tutelam , são de Direito Público (Direito Processual Penal), Direito Privado (lei da propriedade industrial) ou de Direito Misto 11 (Direito do Trabalho). b) Em função do grau de imperatividade: Em relação aos particulares : taxativas (não podem ser derrogadas pelas partes), estas que podem ser “preceptivas” (o art. 156 do CTN, quando obriga o reconhecimento do crédito tributário) ou “proibitivas” (a equiparação salarial no inciso XXXIII do art. 7 da CF/88); dispositivas quando as partes podem alterá-la (os riscos da evicção previstos no art. 1.107 do CC). Em relação ao poder público , são rígidas (os casamentos que são nulos, conforme disposição do art. 207 c.c 183, I a VIII do CC) ou elásticas ( o §4o^ do art. 47 da Lei 8.069/90 que faculta ao juiz autorizar ou não a emissão de certidão em casos de adoção). c) Em função da natureza da sanção: Perfeitas , quando decreta a nulidade do ato praticado contrariamente ao determinado (art. 207 do CC); imperfeitas ou
(^11) Nem todos autores aceitam esta classificação, reduzindo-se às duas primeiras, i. é, Direito
Público e Direito Privado.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso sem sanção (a proibição de casamento do art. 183, XIII do CC; menos que perfeita (a possibilidade de anular o casamento em caso de erro de pessoa prevista no art. 218 do CC); mais-que-perfeitas (o dever de restituir a coisa esbulhada com os devidos acréscimos relativos à deterioração, em caso de esbulho, conforme art. 1541 do CC). d) Em função da forma: Escritas (as leis, os regulamentos etc) e consuetudinárias (os costumes).
1.8) Àqueles que comungam de uma mesma ordem jurídica, pelo menos do ponto de vista da atual juridicidade (considerada civilizada), atribui-se iguais direitos e obrigações, e a isso chamamos de igualdade jurídica 12 , como se vê nos casos do art. 5o^ , caput e 37, caput , ambos da CF/88. Mas não significa que estejamos obrigados a defender tais direitos quando os mesmos são violados. Neste sentido, fala-se em direito objetivo e direito subjetivo.
1.8.1. Fala-se, pois, em Direito Objetivo (norma agendi) quando referimos ao conjunto de regras que determinam como devemos nos portar juridicamente, bem como estabelendo sanções às quais nos sujeitamos quando nos portamos contrariamente. Ex.: CP, CC, os estatutos de um clube, o regimento interno de uma empresa etc. 1.8.2. Falar em Direito subjetivo (facultas agendi), é falar na faculdade que alguém tem de exigir que outro cumpra o que está estabelecido na norma. Ex.: Quando o art. 573 do CC proibe a abertura de janelas a menos de um metro e meio do prédio vizinho, concede ao proprietário prejudicado o direito de buscar a demolição da obra; mas essa é uma faculdade concedida a esse proprietário, que poderá se omitir ou ajuizar ação de nunciação de obra nova (art. 934 do CPC) para assegurar seu direito.
1.8.2.1. Há discussões em torno desta questão de saber de onde vem essa faculdade ( faculdade ao invés de obrigação ) da pessoa agir: a) para Jhering, isto se dá pelo fato de que o direito protege os interesses (teoria do interesse). Os críticos desta teoria dizem que seu autor confundiu finalidade do direito subjetivo com a sua origem; b) para Windscheid, a origem está no poder da vontade do homem que é defendido pela ordem jurídica (teoria da vontade). Uma objeção que se faz a essa teoria é o fato de que nem todo exercício de direito depende da vontade da pessoa, como o no caso dos incapazes (menores, pródigos etc); c) para Jellinek, a questão está no poder da vontade humana de satisfazer determinado interesse, poder esse defendido pelo Estado (teoria da vontade e do interesse);
(^12) Foge-se um pouco aos princípios revolucionários da Revolução Francesa, que apregoava todas
as igualdades. Do ponto de vista do direito, tem sido pouco mais que simples retórica, já que sem outros tipos de igualdade, fica mesmo difícil Ter efetivamente iguais direitos.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso (hipoteca, penhor, propriedade, usufruto etc, como descritos a partir do art. 485 do CC); obrigacionais, quando objetivam uma prestação pessoal (o contrato de trabalho); sucessórios, os decorrentes da morte de alguém cujos bens transmitem aos herdeiros; intelectuais, aqueles que protegem as invenções e as marcas comerciais (os da Lei 9.279/96) ou privados (patrimoniais e não patrimoniais). Os não patrimoniais são do tipo personalíssimos, quando são inerentes à pessoa humana e que as acompanha durante toda a vida (o nome, a integridade física e moral, a liberdade etc), e familiares, quando visam proteger a família e os seus interesses (art. 226, §§ 3 e 4 da CF/88 e art. 180 e ss. do CC). 1.8.2.3. Maynes veio afirmar o direito subjetivo do devedor de cumprir a obrigação que lhe cabe, postura essa adotada por nosso ordenamento jurídico no art. 890 do CPC: nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida (ação de consignação em pagamento).
1.8.2.4. A idéia de direito subjetivo é inseparável da idéia de dever jurídico, que por sua vez se relaciona com a idéia de lícito/ilícito. Entende-se por lícito tudo aquilo que o direito não obriga (art. 5o^ , II da CF/88: Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei), que o direito permite (art. 5o^ , XIII da CF/88) ou aquilo que ele não regulamenta. Por outro lado, a idéia de dever jurídico não se separa da idéia de proteção ou prestação jurisdicional, já que a lei civil afirma que “a todo direito corresponde uma ação que o assegura” (art. 75 do CC). 1.8.2.5. Como vimos anteriormente, à existência de um direito contrapõe-se uma obrigação ou dever jurídico, ou seja, restringe-se a liberdade de alguém. Mas de onde nasce esse dever jurídico? Kant não acreditava na idéia de autêntico dever jurídico, já que para ele dever mesmo é aquele nos censura internamente mandando fazer o bem sem esperar nada em troca (e este não é o caso do Direito); dirá, porém, que o dever jurídico nasce da adequação do fato à norma. Kelsen, porém, viu sua origem na norma (o dever de se fazer o que manda a norma). 1.2.8.6. O dever jurídico pode nascer de uma fato, a propósito do que dispõe o art. 159 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Mas pode também nascer da imposição legal, como o dever dos parentes em darem alimentos aos que dele necessitam, e do a do autor de homicídio, aos credores da vítima (artigos 399 e 1.537, II, respectivamente). Por outro lado a extinção desse dever poderá se dar pelo adimplemento da obrigação, pela renúncia do titular, pela morte (em obrigações personalíssimas), pela novação (art. 999 do CC), pela prescrição e decadência de direitos e obrigações (artigos 177/178 do CC, artigos 26/27 da Lei 8.078/90, art. 103 do CP etc), e até por determinação legal (art. 1.049 do CC). 1.8.2.7. É cabível uma classificação para os deveres jurídicos: contratuais, quando decorrentes de um acordo de vontades, acordo esse que a lei tratará dos efeitos, como aquele em que o prometente comprador se compromete de assinar a escritura do imóvel ao final do pagamento das prestações (art. 1.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso e ss. do CC); extracontratual (todos aqueles que advém de determinação legal, como ditos alhures); positivo, quando estabelece a obrigatoriedade de se fazer algo, como o dever do médico de informar à autoridade pública doença cujo perigo assim obriga (art. 269 do CP); negativa, de se abster de determinada conduta, como o de não praticar o charlatanismo ou curandeirismo (artigos 283 e 284, respectivamente); permanente, como aquele que se estende no tempo, como aqueles que nos impõe o dever de abster de práticas delituosas (art. 121 e ss. do CP); provisório ou instantâneo, como aqueles cujo adimplemento extingue de imediato esse dever (do empregador pagar o 13o^ salário, primeira metade entre os meses de fevereiro e novembro, e a segunda até 2o^ de dezembro). 1.8.2.8. Podemos então falar em elementos do direito subjetivo, quais sejam, o sujeito, o objeto, a relação jurídica e a proteção jurisdicional. É o que veremos a seguir. 1.8.2.9. O objeto do direito, como temos visto, são os fatos juridicamente relevantes. Dizemos “fatos juridicamente relevantes” porque nem todo fato interessa ao direito, como por exemplo, a queda de um bloco do sobrado de Machado de Assis; mas se a queda desse bloco cair, por exemplo, sobre a cabeça de Quincas Borbas que passava pela calçada, pode gerar o direito deste em ser indenizado por aquele (art. 159 do CC).
Fala-se em fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) quando um acontecimento qualquer está previsto na norma, fazendo nascer, modificar, subsistir, transferir ou extinguir um direito (a venda de um telefone que dá direito ao vendedor de receber o preço; assim, os fatos jurídicos em sentido amplo são o somatório dos fatos jurídicos em sentido estrito mais os fatos jurídicos humanos (voluntários).
Fato jurídico em sentido estrito (stricto sensu) ou fato jurídico natural, material ou involuntário quando a vontade humana não concorre diretamente, não obstante tal fato criar, modificar, manter ou extinguir uma relação jurídica (uma seca que destrói a plantação de Severino). Fatos jurídicos humanos ou voluntários são aqueles onde a vontade humana está presente (o contrato de compra e venda, de troca, de aluguel). Neste último caso fala-se ainda em atos jurídicos (art. 81 13 do CC), como aqueles capazes de adquirir, conservar, modificar, transferir ou extinguir direitos. Esses atos jurídicos podem ser lícitos (aquilo que o Direito permite, ou que não proíbe e o que não trata) ou ilícitos (o que é proibido pelo Direito), que podem ser ilícitos civis (art. 159 do CC), ilícito penal (ação ou omissão, tentada ou consumada, descrita como crime ou como contravenção penal), ilícito tributário (ato contrário à ordem tributária, ilícito administrativo (ato em desacordo com as regras da Administração Pública) etc.
Fala-se ainda em atos jurídicos em sentido estrito quando há intenção ou vontade do agente em praticá-lo (realizar uma compra no supermercado); em ato meramente lícito quando a ação humana não visava tal ato, como o agricultor que
(^13) A designação “lícito” empregada pelo legislador diz respeito ao que está previsto em lei.
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso A personalidade jurídica começa, na pessoa individual, a partir do nascimento com vida, como dispõe o art. 4o^ do CC (mas a lei coloca a salvo o direito do nascituro), e na pessoa coletiva, a partir do registro de seus estatutos (art. 18 do CC). Termina essa personalidade, na pessoa individual, com a morte, e na pessoa coletiva com a sua dissolução. O reconhecimento dessa personalidade requer a existência de um nome.
1.8.2.11. Falamos em relação jurídica como outro elemento essencial do direito subjetivo, ou seja, a relação existente entre duas ou mais pessoas capaz de gerar consequências jurídicas. Envolve o sujeito ativo (no direito privado é o titular do direito subjetivo, e no direito público é o Estado) e sujeito passivo (no direito privado é o devedor e no direito público pode ser um particular ou o próprio Estado através de algum de suas pessoas).
Usa-se classificar a relação jurídica em reais (poder exercido sobre a coisa. Ex.: Ação de Reintegração de Posse), pessoais (por uma inter-elação de condutas. Ex.: A requisição de um de um serviço por A e sua prestação por B), de direito privado (as que se dão com fulcro na lei privada. Ex.: A relação de consumo), de direito público (ao contrário da anterior, como por exemplo um contrato de concessão após devida licitação pública), formais (exigem uma forma especial para se realizar, como a obrigatoriedade de se realizar o casamento em ambiente público, de portas abertas, como dispõe o art. 193 do CC), não formais (como a realização de um contrato de arrendamento rural), de subordinação (onde está o imperium do Estado e do outro o particular. Ex.: O Contrato Administrativo) e de coordenação (onde há, pelo menos em princípio, uma relação de igualdade entre os sujeitos. Neste último caso, dá-se ao modo do direito privado, inclusive quando de um lado está o Estado sem seu imperium (quando presta ou adquire, nos casos previstos em lei, um serviço no mercado de consumo. Ex.: A compra de um livro pela Prefeitura de Conselheiro Lafaiete); dá-se no direito público quando o Poder Público responde por suas obrigações para com o indivíduo (Ex. : Ação de indenização por acidente de veículo provocado por motorista do INSS); no direito internacional quando os Estados soberanos acordam entre si (Ex.: Tratado de livre comércio).
Para a tutela do direito subjetivo presente na relação jurídica, as sociedades modernas proíbem a justiça privada (art. 345 do CP), e chamam para si essa responsabilidade (art. 75 CC). Esses direitos, no entanto, devem ser exercidos por quem tenha legitimidade (art. 6 do CPC) e no prazo previsto (artigos 103 e 109/115 do CP, artigos 177 e 178 do CC, art. 7, XXIX da CF/88 etc), sob pena de prescrição ou decadência (perda do direito de exercer esse direito quando não o faz no tempo previsto). Não obstante, há direitos que não são atingidos pela prescrição (art. 168 e 169 do CC e art. 5, XLII da CF/88) e outros que têm essa prescrição interrompida (artigos 172 do CC e 116/117 do CP).
1.8.2.12. Por fim, falemos da proteção jurisdicional como um dos elementos do direito subjetivo. Como vimos do art. 75 do CC, para cada direito
Profa. Tânia Mara F. Mendes Afonso existe uma ação que lhe proteja. A CF, por sua vez, impôs que todo pretenso direito (lesado ou ameaçado) está sujeito à apreciação do Poder Judiciário: é o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário previsto no art. 5, XXXV. Isto ocorre porque não é permitida a justiça privada em nosso ordenamento jurídico! Para efetivar essa prestação jurisdicional (seja no âmbito judicial como administrativo), o Estado é equipado em órgãos com competência específicas.
Em termos administrativos, os órgãos e intâncias são os mais diversos, tudo a depender da matéria a ser tratada: JARI e as instâncias superiores para os recursos de infração de trânsito, as juntas recursais em matéria tributária, as comissões de avaliações das funções administrativas etc). Essas decisões, embora transitem em julgado 16 na esfera administrativa, ainda estão sujeitas à apreciação pelo Judiciário.
Na esfera judicial, existe a justiça comum que tem uma estrutura destinada a julgar diversos tipos de relações jurídicas: a Justiça Comum Federal que julga os casos que a União tenha interesse (cível, criminal, tributário, agrário etc) e a Justiça Comum Estadual que julga as causas onde não haja interesse direto da União (cível, criminal). Por outro lado, existe a justiça especializada em determinadas matérias: A Justiça do Trabalho, que é Federal, e as justiças Militar e Eleitoral com organizações inclusive a nível estadual. É por causa desta divisão de atribuições que podemos falar em competência e incompetência para julgar determinadas matérias. Cada uma dessas estruturas se organizam em instâncias: primeira instância , quando a matéria é julgada pela primeira vez pelos Juizes de Direito, pelos Juizes Federais, pelos Juizes do Trabalho; segunda instância quando o vencido, descontente, pede um novo julgamento da questão (TRF, TRE, TRT, Juntas Recursais dos Juizados Especiais, TJ, e TA em alguns Estados). Neste último caso, quando o vencido fica descontente com a decisão ainda lhe é permitido em alguns casos recorrer da segunda decisão, e neste caso o recurso poderá ir para o STJ, TSE e STF. No caso da Justiça Estadual, ainda há a figura das entrâncias que servem para classificar a demanda de casos sob a apreciação de uma determinada jurisdição.
Em qualquer desses casos, o titular do direito subjetivo que se sentir lesado ou ameaçado de lesão precisará de provocar o Poder Judiciário com uma ação, e começa com uma petição inicial. Instaura-se o processo (citação e constestação), o juiz aprecia as provas e profere a decisão (sentença). O vencido descontente recorre (apelação na área cível e recurso ordinário na Justiça do Trabalho), o vencedor contesta o recurso (contra-razões) e o Tribunal reexamina a decisão e profere outra, seja mantendo a decisão a quo ou modificando-a (acórdão). Observa-se que aqui, via de regra, não se discute provas que não foram discutidas em primeiro grau.
(^16) Decisão contra a qual não caiba mais recurso.