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Sociologia Sociedade, Cultura, Etnia
Tipologia: Notas de estudo
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14.Quais as relações possíveis entre Sociologia e ideologia? 15.Qual a solução proposta por Gunnar Myrdal para o problema das relações entre o trabalho do sociólogo e os seus valores morais?
SUGESTÕES DE LEITURA r. BECKER, Howard S. Uma teoria da ação coletiva. Trad. Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. Cap. 9: "Política radical e pesquisa sociológica", p. 158-
BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Trad. Donaldson M. Garschagen. Petrópolis: Vozes, 1978. Cap. 1: "A Sociologia como passatempo individual', p. 9-34; Cap. 8: "A Sociologia como disciplina humanística", p. 181-194. FERNANDES, Florestan. Elementos de sociologia teórica. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1974. Cap. 1: "O que é Sociologia?", p. 19-32. INKELES, Alex. O que é sociologia? Trad. Dante Moreira LeiW 2. ed. São Paulo: Pioneira,
Todos nós sabemos da existência de certo tipo de "organização social" en - tre animais não humanos, não apenas entre mamíferos superiores, tais como os macacos, por exemplo, mas também insetos: formigas, cupins, abelhas, notada- mente. Entre esses insetos, verificamos algo que poderemos chamar de "divisão do trabalho", "hierarquia social", "poder político" etc. Mas será que poderemos chamar, aio menos.po sentido humano, de social a vida desses animais? Mesmo admitindo como social a vida desses animais, qual a diferença entre a sua "socie- dade" e a sociedade do homem? Quando comparamos as "sociedades" animais não humanas, particular- mente a sociedade daqueles insetos, o fazemos porque constatamos que o comportamento de tais animais apresenta certas padronizações parecidas com algumas padronizações verificadas entre os seres humanos. Padrões de compor- tamento são formas regulares de ação associadas a determinadas situações. To- das as espécies animais, e não apenas a espécie honro sapiens, apresentam formas padronizadas de comportamento. Os padrões de comportamento observáveis entre os animais não humanos são, porém, substancialmente diferentes dos ve- rificáveis entre os homens. Se compararmos, por exemplo, os padrões de com- portamento de formigas de uma mesma espécie, porém localizadas em áreas di- ferentes e sem possibilidade alguma de contato, notaremos, como já constatou a Zoologia, que eles são idênticos. Se observamos rigorosamente o comporta- mento das abelhas de uma colmeia qualquer durante o maior tempo que nos forpossível, mesmo durante anos, constataremos que os seus padrões de com- portamento são constantes. No entanto é inteiramente óbvio que os padrões de
comportamento do homem e, logo, as suas formas de organização social são ex- tremamente mutáveis no tempo e no espaço. Os padrões de comportamento do homem brasileiro na atualidade não são os mesmos de dez anos atrás. Algumas formas padronizadas de agir permaneceram, outras se transformaram e outras, ainda, cederam lugar a novas formas. Os padrões de comportamento do homem brasileiro não são os mesmos do homem francês, por exemplo. Assim, enquanto os padrões de comportamento dos animais não humanos possuem um altíssima grau de estabilidade no tempo e no espaço, os padrões de comportamento do homem são extremamente flexíveis. Isto ocorre precisamente porque os padrões básicos de comportamento dos animais não humanos são transmitidos através da herança biológica.' Já os padrões de comportamento do homem são transmitidos e aprendidos através da comunicação simbólica.^2 As formas padronizadas de agir dos animais não humanos são transmitidas geneticamente, logo, decorrem da natureza, enquanto as padronizações predominantes do comportamento humano não estão nas condições biológicas típicas da nossa espécie. Os padrões de comportamento do homem são artificiais, criados pelo próprio homem. Se as abelhas, como já foi constatado, se comunicam entre si através de uma espécie peculiar de "dança" durante o vôo, estes padrões de comportamen to não foram inventados por elas, mas estão no seu próprio organismo, pois resultam de impulsos inatos, naturais, biologicamente estabelecidos. Logo, as abelhas não precisam aprender esses padrões para se comunicarem com as outras. Elas já nascem com eles. Um castor também não precisa aprender a fazer diques. Esse é, igualmente, um padrão de comportamento biologicamente herdado por esse animal. Mesmo quando supomos que os padrões de comportamento dos animais não humanos resultam da "pressão das circunstâncias", como defende a economista Joan Robinson,^3 temos que admitir que as formas padronizadas de adaptação às circunstâncias ambientais terminam por serem incorporadas ao patrimônio genético de cada espécie. Isto não significa que os animais não humanos sejam destituídos da capacidade de aprender, nem que a totalidade do comportamento do homem resulte apenas da aprendizagem. Significa que o comportamento dos animais não humanos é predominantemente padronizado pela herança biológica, enquanto o comportamento humano é sobretudo padronizado pela aprendizagem através da comunicação simbólica. As peculiaridades orgânicas da espécie homo sapiens não explicam, por si mesmas, o comportamento humano típico e as suas formas de convívio. E ver dade que a nossa espécie é dotada de certas características orgânicas que só ela 1 DAVIS, Kingsley. A sociedade humana. Trad. M. P. Moreira Filho. Rio de Janeiro, São Paulo: Fundo de Cultura, 1964. p. 40-71, v. 1. 2 Idem. 3 ROBINSON, Joan. Liberdade e necessidade: uma introdução ao estudo da sociedade. Trad. Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 11-12. possui, tais como: um extraordinário grau de complexidade e especialização neurocerebral; a possibilidade de visão policrônica e estereoscópica (os touros, ao contrário do que supõe o senso comum, não se irritam com a cor vermelha, pois são organicamente incapazes de perceber as cores como tais); um aparelho vocal que possibilita a emissão de sons articulados; a mão preênsil, que confere ao homem uma capacidade ímpar de manipulação dos objetas; uma coluna vertebral que, conjugada à localização central do orifício occipital, dá aos indivíduos humanos a capacidade de andar em posição erecta. No entanto, todas essas características são apenas condições necessárias, mas não suficientes ao desenvolvimento da personalidade e do comportamento humano na sua forma social. As características biológicas peculiares da nossa espécie constituem uma condição necessária ao desenvolvimento de maneira própria do homem se associar a outros e viver em grupo, mas não bastam para que o homem desenvolva a sua sociabilidade. Sem elas, o homem não se torna social, mas elas não são suficientes, pois a forma típica de sociabilidade do homem não é, ao contrát'io dos animais não humanos, uma conseqüência direta das peculiaridades do seu or- ganismo. Isto significa que um organismo normal é condição necessária ao de- senvolvimento da sociabilidade no homem. Sem esta condição, a aprendizagem através da comunicação simbólica não atua ou se processa de modo deficiente. As deficiências orgânicas congénitas limitam ou, dependendo do seu tipo e grau, impedem o desenvolvimento da capacidade humana de convívio social. Um organismo normal, entretanto, não basta para que o homem se torne social, no sentido humano da expressão. Apesar das suas características orgânicas específicas, o homem não nasce social, porém somente adquire as características comportamentais conhecidas como tipicamente humanas através da socialização. Mas o que significa socialização na linguagem da Sociologia? SOCIALIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO SIMBÓLICA Na terminologia sociológica, socialização não significa, como se usa entender em outros contextos, distribuição igualitária de bens ou serviços, como, por exemplo, na expressão socialização da medicina. Para a Sociologia, socialização significa transmissão e assimilação de padrões de comportamento, normas, valores e crenças, bem como o desenvolvimento de atitudes e sentimentos coletivos pela comunicação simbólica. Socialização, portanto, é o mesmo que aprendizagem, no sentido mais amplo dessa expressão. A comunicação entre animais não humanos se faz através da chamada "linguagem emocional",^4 isto é, de uma linguagem que deriva diretamente dos 4 CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica: ensaio sobre o homem. Trad. Vicente Felix de Queiroz. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 57-58.
54 SOCIOLOGIA, CULTURA E SOCIEDADE INDIVfDUO, CULTURA E SOCIEDADE^55 trário do que se afirma na linguagem vulgar, quando se diz que algum indivíduo não tem cultura, a cultura não é exclusiva das pessoas letradas, já que qualquer indivíduo normalmente socializado participa dos costumes, das crenças e de algum tipo de conhecimento da sua sociedade. Por esta razão, é comum o emprego, principalmente entre antropólogos, da expressão enculturação como sinônimo de socialização, já que esta implica necessariamente a interiorização da cultura pelo indivíduo. Todas as sociedades, e não apenas as que possuem escrita, têm uma cultura. Tanto a mais simples e isolada sociedade tribal quanto a mais complexa sociedade urbano-industrial possuem cultura. A cultura, compreendendo conhecimentos, técnicas de transformação da natureza, valores, crenças de todo tipo, normas, é, pois, o modo de vida próprio de cada povo. Ela é o fundamento da sociedade e o que distingue o homem dos animais não-humanos. Cada povo, cada sociedade tem sua cultura, o que equivale dizer, seu modo de vida.^9 A cultura de um povo é o modo próprio de convívio que ele desenvolveu para a adaptação às circunstâncias ambientais. Ela é também a parte do ambiente resultante da transformação da natureza pelo homem, com o seu trabalho. É ainda o ambiente social criado pelo homem. Por isto, a cultura é, por excelência, o domínio do artificial e do convencional. O estudioso dos fenômenos culturais deve, porém, ter consciência do risco da
mesma, independente dos seres humanos, sem os quais ela não existe. Em última instância, são os indivíduos associados em grupos que criam, expressam, transmitem, recebem, reinterpretam e transformam a cultura de sua sociedade. A herança cultural que, ao nascer, encontramos em nosso meio social foi o resultado da invenção de outros indivíduos, os nossos antepassados, já que a cultura é uma criação
mas, apenas o comportamento dos indivíduos e, indiretamente, suas idéias e seus sentimentos coletivamente partilhados, expressões concretas da cultura que eles compartilham. CULTURA MATERIAL E NÃO MATERIAL Usa-se distinguir a cultura em dois setores: o da cultura espiritual ou não material e o da cultura material. A cultura não material compreende, como a expressão denota, o domínio das idéias: a ética, as crenças, os conhecimentos, as técnicas, os valores, as normas etc. A cultura material é constituída dos arte- 9 FICHTER, Joseph H. Sociologia. Trad. Hebe Guimarães Leme. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1975. p. 320-323. ELIOT, T. S. Notas para urna definição de cultura. Trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Perspectiva, 1988.
fatos e objetos em geral. Um machado tosco, feito com uma lasca de pedra presa por cipós à extremidade de um pedaço de madeira, é, numa sociedade não letrada, uma expressão da sua cultura material; um avião, na nossa sociedade, é componente da parte material da nossa cultura. A distinção entre cultura material e não material, contudo, deve ser encarada como uma classificação puramente nominal, para fins analíticos, pois, na realidade, estas são domínios interdependentes da cultura total. O violino, por exemplo, que é um elemento da cultura material, não poderia ter sido desenvolvido sem o conhecimento científico dos fenômenos físicos. Todo artefato, dessa maneira, está sempre ligado, em sua origem, a algum tipo de idéia, não só a algum conhecimento que possibilite o desenvolvimento de técnicas de transformação da natureza, mas também a valores, inclusive os estéticos. A fabricação de uma cadeira, por exemplo, está condicionada não somente pelos conhecimentos que tornam possível a transformação de madeira (se a cadeira for de madeira), mas também pelas noções de beleza convencionalmente associadas à mobília numa cultura qualquer. As transformações e criações materiais do homem, quando incorporadas à vida social, tendem a afetar o modo de pensar, os valores, as idéias dos homens a respeito de si mesmos, da sua sociedade, das suas relações sociais etc. Ampliando as possibilidades de sobrevivência e alterando o estilo humano de vida, a invenção da roda afetou, sem dúvida, as idéias do homem de então sobre o mundo que lhe circundava. E o que dizer da influência do automóvel, com a sua difusão, sobre os valores do homem urbano contemporâneo?
Para a Sociologia, não existem culturas superiores nem inferiores, mas apenas culturas diferentes. Não se pode afirmar que a cultura de determinada sociedade seja superior ou inferior a outra, pois, como já vimos, à ciência não compete julgar, emitir juízos de valor, porém constatar como as coisas são e explicar como e por que elas ocorrem. Além do mais, cada cultura é uma realidade autônoma e só pode ser adequadamente compreendida a partir de si mesma. Quando alguém admite a superioridade ou inferioridade de alguma cultura, assim o faz porque adota o ponto de vista e os valores de alguma cultura em particular, ou seja, age de modo etnocêntrico. Etnocentrismo, em ciência social, é a tendência humana universal a perceber e julgar culturas e sociedades estranhas através do crivo dos valores da sua própria cultura. Atitude etnocêntrica é, por exemplo, a do homem ocidental que, por não compreender os padrões tradicionais de comportamento da Índia, acha que essa é uma cultura inferior à sua. Nenhuma cultura pode ser compreendida a partir da "lógica" de outra, pois cada cultura possui sua própria "lógica". O modo como cada povo organiza' suas relações sociais para satisfazer as suas necessidades só pode ser compreendido a partir de si mesmo. Nada mais contrário à perspectiva sociológica do que a atitude etnocêntrica. A Sociologia é, inclusive, um contínuo exercício de libertação da tendência espontânea ao emocentrismo prejudicial ao conhecimento objetivo da sociedade. A cultura nasce do trabalho do homem em sociedade transformando a natureza para satisfazer ás suas necessidades. Partindo dessa afirmação, seria possível argumentar erroneamente que uma cultura que possui conhecimentos e técnicas que possibilitem a transformação mais eficiente da natureza de modo a satisfazer melhor às necessidades do homem é superior a uma cultura que não possua conhecimentos e técnicas tão aprimorados. Basta, no entanto, que pensemos nos problemas de desequilíbrio ecológico provocados pela alta capacidade tecnológica de transformação da natureza nas sociedades urbano-industriais do presente para constatarmos que essa capacidade não torna nenhuma cultura superior a outra. A sofisticada tecnologia das sociedades ocidentais contemporâneas tanto tem sido um eficiente instrumento de satisfação de necessidades quanto de criação de problemas para o homem. Além do mais, deve ser considerado que a cultura não é apenas constituída de técnicas de transformação da natureza. Ela é também composta de idéias e modos convencionais de convívio. Uma cultura pode proporcionar muito conforto material aos seus participantes e ser, ao mesmo tempo, pouco adequada ao bem- estar psíquico dos indivíduos, no que se refere ás formas estabelecidas para a convivência humana. A competição, por exemplo, como um valor cultural próprio das sociedades urbano-industriais do presente, é, sem dúvida, um fator de contínua ansicolãde para os indivíduos, na medida em que ela tende a gerar o medo do fracasso. Culturas tradicionais, de tecnologia rudimentar, podem, inversamente, oferecer condições mais favoráveis ao conforto mental dos seus participantes, na medida em que enfatizem a solidariedade e a cooperação e, conseqüentemente, dêem aos indivíduos fortes sentimentos de apoio grupal. Outro fato que impede o sociólogo de avaliar culturas corno superiores ou inferiores é o de que toda cultura tem áreas de atrofia e de hipertrofia. Uma cultura pode ser muito desenvolvida no campo do conhecimento dos fenômenos físicos, como acontece coro a cultura ocidental, e, no entanto, não dispor de um tipo de conhecimento a respeito das relações entre a mente e o corpo hu mano, nem de técnicas sofisticadas de controle físico, mental e emocional como os da cultura da índia, a qual, no entanto, parece ao homem ocidental inferior à sua cultura. É fato hoje inegável que naquela cultura se conferiu a essa dimensão da existência humana — a da possibilidade de autocontrole físico, mental e emocional — urna importância que a cultura do Ocidente não atribuiu a essa mesma realidade. CULTURA E NECESSIDADES HUMANAS Nascendo do trabalho humano para responder aos desafios da natureza, a cultura tem como função evidente satisfazer necessidades humanas. Quando o homem faz um instrumento de caça, é impelido pela necessidade de alimento; quando confecciona um casaco com peles de animais, é levado pela necessidade de se proteger do frio. Mas esta não é a única função da cultura. Toda cultura compreende, além dos meios de satisfação de necessidades, idéias a respeito do modo convencionalmente correto de satisfazê-las, isto é: normas. É um fato tipicamente humano que a satisfação das necessidades seja culturalmente regulamentada. É próprio da condição social do homem que ele não apenas se preocupe com a satisfação das suas necessidades, mas também com as formas estabelecidas como corretas na cultura da sua sociedade para satisfazê-las, pois toda cultura é inevitavelmente normativa. Uma segunda função da cultura é, portanto, limitar a satisfação das necessidades humanas. Na medida em que a cultura compreende uma regulamentação da
58 SOCIOLOGIA, CULTURA E SOCIEDADE É oportuno notar que, proporcionando ao homem meios de satisfazer as suas necessidades, a cultura nem sempre é inteiramente harmonizada com as condições orgânicas da nossa espécie. Ao contrário, a cultura, em geral, im- plica alguma forma de violação da condição natural do homem. O uso do pale- tó e da gravata e de tecidos e cores incompatíveis com o bem-estar humano em regiões de clima tropical são um exemplo do caráter arbitrário da cultura e de como ela nem sempre representa a forma mais adequada de adaptação do ho- mem às condições ambientais. Além de possibilitar a satisfação das necessidades humanas, de limitar nor- mativamente essa satisfação e de criar necessidades para os seres humanos, a cultura tanto pode estimular quanto inibir alguma necessidade em nossa espé - cie. Se durante a Idade Média, por exemplo, verificava-se uma acentuada re- pressão da sexualidade, já nas sociedades urbano-industriais do Ocidente, na atualidade, observa-se uma notória supervalorização das necessidades sexuais,
nal, assim como da chamada contracultura, movimento de contestação dos va- lores, da visão de mundo e do estilo de vida da subcultura pequeno-burguesa. Assim, esses fenômenos levaram a uma redefinição cultural do lugar da sexualia- dade na existência humana. Esses fatos nos mostram quanto, não só o comportamento, mas até mesmo nossas necessidades estritamente naturais, sendo moldados pela cultura, são de uma maleabilidade inconcebível entre animais não humanos. Desse modo, não foi, obviamente, como resultado de alguma transformação biopsíquica na es- pécie humana que a importância atribuída à sexualidade aumentou de tal modo, a partir dos anos sessenta na cultura do ambiente urbano no Ocidente, que veio a tornar-se uma verdadeira obsessão, em grande medida estimulada pelos meios de comunicação de massa. Tal fenômeno representa, antes, o resul- tado das transformações culturais no significado da sexualidade, dentro do que se convencionou denominar "Revolução sexual". CULTURA E CORPO: UM EXEMPLO O fato de que muitas necessidades humanas sejam criadas pela cultura, sendo, portanto, artificiais, não significa que tais necessidades não sejam tão fortes quanto as necessidades estritamente naturais. Na realidade, uma necessi- dade criada pela cultura pode ser tilo forte ou até mesmo mais premente do que as necessidades naturais. Uma pessoa pode privar a si mesma e à sua famí- lia de uma boa alimentação, por exemplo, para satisfazer uma necessidade de origem cultural, tal como a de supor-se reconhecida socialmente superior atra- vés da ostentação de um símbolo de prestígio como um automóvel, cuja aquisi - ção esteja acima do seu poder aquisitivo. INDIVÍDUO, CULTURA E SOCIEDADE 59 Um bom exemplo do alto grau de pressão que uma necessidade cultural pode exercer sobre os indivíduos está na necessidade de conformar o corpo aos padrões dominantes de beleza física em qualquer sociedade. Como sabemos, to- das as sociedades possuem padrões culturalmente ideais de beleza física para mulheres e homens. Sendo culturais, tais padrões são, em conseqüência, relati- vos. O que é considerado belo em uma cultura poderá ser tido como feio em outro contexto cultural. Se no Renascimento o padrão ideal de beleza feminina estava associado a formas volumosas, como demonstram as telas dos pintores daquele período, já nas culturas das sociedades urbano-industriais do presente o padrão dominante de beleza para as mulheres está antes associado a formas acentuadamente esguias. Durante muito tempo, as mulheres das categorias economicamente superiores no mundd ocidental usaram espartilhos com o fim de comprimir a cintura para conformar o corpo ao padrão ideal de beleza femi- nina dominante. Esse costume foi, seguramente, prejudicial à saúde, principal- mente por estar associado à idéia de que a palidez é um componente imprescin- dível à beleza das mulheres, o que as levava a se abrigarem do sol sempre que saíam à rua durante o dia. Na cultura japonesa tradicional, as crianças de sexo feminino destinadas a serem gueixas eram obrigadas a usar sapatos de ferro com o objetivo de atrofiar os seus pés, de acordo com o padrão de beleza exigido para aquela categoria de mulheres. Como quer que seja, em qualquer sociedade as pessoas são pressionadas de diferentes modos a conformarem seus cor pos aos padrões dominantes de beleza. Muitas pessoas são capazes de privar-se de determinados alimentos, às vezes de maneira drástica, para satisfazerem este tipo de necessidade. Vemos, assim, como uma necessidade cultural na sua origem pode, em determinada circunstância, exercer maior pressão sobre os indivíduos do que as necessidades primárias, estritamente naturais. AcuuruRAçÃo O modo de vida de muitos povos resulta da fusão de outros modos de vida, ou seja, de culturas de outros povos que, por alguma circunstância, entra- ram em contato. O processo de transformação de culturas em contaio é deno - minado aculturação. Dessa maneira, a aculturação pode dizer respeito à mu - dança recíproca da cultura de dois ou mais povos, ou categorias em contato, ou pude ocorrer em sentido unilateral, quando uma categoria nacional, ou étnica, por exemplo, presente em uma sociedade que não a sua, é influenciada pela cultura dessa sociedade, sem, contudo, afetá-la culturalmente. De acordo com a definição original de Robert Redfield, Ralph Linton e Melville Herskovits:
INDIVIDUO, CULTURA E SOCIEDADE 61 CULTURA E SUBCULTURA A cultura das sociedades simples, como notadamente as sociedades tribais, tende a possuir um grau muito alto de homogeneidade e de integração. ❑ ritmo de transformação dessas culturas, como já foi observado, tende a ser lento, quando comparado com o ritmo da mudança nas sociedades complexas, como a sociedade em que vivemos. Quando afirmamos que a cultura das sociedades simples tem um alto grau de homogeneidade, estamos, de outro modo, dizendo que a grande maioria dos seus padrões são compartilhados por todos os seus participantes. Todos os indivíduos, nessas sociedades, participam das mesmas crenças e dos mesmos valores básicios, observam as mesmas normas fundamentais, possuem motivos, sentimentos e atitudes semelhantes, compartilham de formas análogas de perceber e interpretar as situações da existência. Isto não acontece nas sociedades complexas, como as predominantemente organizadas com base na industrialização e na urbanização. As culturas de tais sociedades são altamente heterogêneas. Nelas, a participação cultural dos ilidi- víduos é fragmentária e diversificada. Por esta razão, para compreender as cul- turas das sociedades complexas em toda a sua diversificação é necessário iden- tificar as subculturas que as compõem. Na linguagem sociológica, ao contrário do uso que se faz da palavra na linguagem do senso comum, subcultura não significa cultura inferior, pois, como já vimos, não é tarefa da Sociologia julgar os fenômenos da sociedade. Subcultura significa parte de uma cultura. As sub- culturas, sendo diferentes do todo, não são, contudo, independentes da cultura total. Urna subcultura não é também um simples conjunto de pessoas. As pes- soas participam de subculturas, mas não são as subculturas. Nas sociedades complexas, as pessoas tendem a participar simultaneamente de várias subcultu- ras. Uma subcultura é antes constituída de valores, crenças, normas e padres de comportamento, ou seía, de um modo de vida próprio, compartilhados pOr uma parte da população fatal de uma sociedade. ❑ que distingue uma subcultura é o fato de que as crenças, os valores, as normas e os padrões de comportamento que ela implica são exclusivos dela. Ao mesmo tempo, sendo parte de uma cultura total, urna subcultura participa do modo de vida comum da cultura total, o que equivale a dizer de todas as outras subculturas. Podemos, assim, definir subcultura como parte de uma cultura, distinta desta última pela posse de crenças, valores, normas e padrões de comportamento exclusivos, mas dependente do todo através da participação de elementos culturais comuns ao todo. Do mesmo modo que uma subcultura não é um conjunto de pessoas, tam - bém não é necessariamente urna região. Existem, é verdade, subculturas regio- nais, ou seja, modos de vida culturalmente característicos de determinadas po- pulações localizadas em uma região comum. Esse tipo de subcultura, porém, é cada vez menos freqüente nas sociedades onde as comunicações de massa te- nham um papel relevante. Será que ainda é possível a identificação no Brasil de
OU SOCIOLOGIA, CULTURA E sou timut "A aculturação compreende aqueles fenômenos que resultam quando grupos de indivíduos de culturas diferentes entram em contato direto e contínuo, com mudanças resultantes de um deles, ou de ambos os grupos. „lo De acordo com esta conceituação, não pode haver aculturação por meio de contato a distância, por meio dos meios de comunicação de massa, pois ❑ con- tato indireto somente afeta os aspectos superficiais do comportamento e das idéias dos seres humanos — o modo de vestir, ou o gosto musical, por exemplo —, não provocando mudanças profundas na personalidade dos indivíduos, em seu modos de sentir, assim como em sua visão de mundo. A intensa exposição indireta do brasileiro ao estilo de vida e à música po- pular do povo norte-americano, por meio do cinema, da televisão, do rádio e do disco, não provocou, ao contrário do que alguns acreditam, nenhuma mudança significativa no comportamento, nos modos culturalmente padronizados de pensar e de sentir de nosso povo. Em outras palavras, não provocou sua "ameri- canização", de vez que não nos tornou mais individualistas, mais competitivos, pragmáticos e puritanos, segundo os padrões dominantes da cultura nor te- americana. A cultura brasileira, como todos nós sabemos, é o resultado da síntese de várias culturas em contato: a cultura européia, particularmente a ibérica; as di- ferentes culturas indígenas autóctones; as variadíssimas culturas tonsplantadas da África. Esse processo de síntese, estudado de modo único por Gilberto Freyre,^11 é um exemplo dos mais significativos de aculturação. ❑que resulta desse processo é um produto cultural novo, diferente das matrizes culturais que lhe deram origem. No caso do Brasil, o caldeamento singular de culturas é um dos mais importantes fatores da autenticidade do caráter social brasileiro, do modo de vida do nosso povo, enfim, da cultura brasileira. Quando duas ou mais culturas em contato se fundem através da acultura- ção, uma das culturas envolvidas nesse processo termina por prevalecer sobre a outra, ou as outras. Isto, contudo, não significa que a cultura do dominador prevaleça em todos os aspectos da vida social. ❑ Império Romano dominou po- liticamente a Grécia, mas foi por esta dominado no campo das realizações inte- lectuais: na literatura, na filosofia, na arquitetura, nas artes em geral. Como co- lonizador, o português dominou o africano, mas a presença africana é de tal modo marcante na cultura brasileira que não podemos entender esta cultura sem os traços das culturas provenientes da África em muitos campos da expe- riência sociocultural do brasileiro: na música, na religiosidade, no modo de ser na vida cotidiana. 10 REDFIELD, Robert; LENTON, Ralph; HERSKOV1T8, Melville. MernotAndurn on the study of acculturadon. American anthropnlogist. Washington, D. v. 38, o' 1, p. 149-152, 1936. 11 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958.
através da difusão de novos ritmos, por exemplo, mas não altera os padrões básicos da linguagem musical, resultantes, entre nós, da fusão de padrões europeus com padrões de origem africana. O vestuário vem sendo incessantemente afetado pela moda, mas esta não altera de modo profundo os padrões distintivãs de vestuário de homem e de mulher. Desse modo, a cultura de massa coexiste com a cultura dominante nas sociedades heterogêneas do presente sem que a primeira substitua a segunda e, mesmo influenciando-a, como é previsível, as duas existem como domínios diversos da experiência cultural. Como quer que seja, é inegável a importância da cultura de massa nas sociedades urbano-industriais do presente como um fenômeno emergente, somente possível com a invenção dos meios de comunicação de massa. Por esta razão, é freqüente o uso da expressão sociedade de massa para dominar as sociedades nas quais a cultura de massa passa a ter um lugar importante na experiência cotidiana da maioria dos indivíduos. CULTURA POPULAR Outra parte da cultura merecedora de atenção nas sociedades complexas é a chamada cultura popular. Do mesmo modo que a cultura de massa, a cultura popular não se confina a uma única subcultura, mas, ao contrário daquela, não perpassa todas as subculturas. Enquanto a cultura de massa resulta da indústria cultural, a cultura popular está ligada àquelas subculturas nas quais a perma nência de padrões tradicionais é mais forte. No Brasil, a cultura popular está presente em várias subculturas regionais espalhadas por todo o território nacional. Há, desse modo, uma cultura popular gaúcha como há uma cultura popular típica da região Norte, bem como uma cultura popular nordestina. É comum a associação da idéia de cultura popular apenas às manifestações lúdicas - escola de samba, maracatu, bumba-meu-boi, por exemplo - e à arte em geral - música, dança, cerâmica etc. -, mas a cultura popular não se restringe à diversão e às criações artísticas do povo. A cultura popular é uma realidade bem mais vasta do que estes campos da vida social, incluindo as práticas médicas, por exemplo, como, acentuadamente, a linguagem, os meios de conviver, de ver e de sentir o mundo. Outro equivoco freqüente consiste em identificar a cultura popular com as criações anônimas do povo - as lendas, as cantigas de roda e de ninar, por exemplo. A cultura popular, porém, tanto compreende as invenções anônimas do povo como inclui muitas criações, principalmente no campo da arte, de autores conhecidos. Neste sentido, tanto pertence à cultura popular um provérbio ou uma anedota de autor desconhecido como uma composição de Pixinguinha ou um folheto de literatura de cordel escrito por um poeta popular do Nordes te, como, entre outros, Leandro Gomes de Barros. É, ainda, freqüente identificar a cultura popular apenas com o que sobrevive do passado, o que também representa um equívoco. Afirmar que a cultura popular está ligada a padrões tradicionais não significa que estes padrões não sejam continuamente alterados e reinterpretados pelo povo, sem que isto signifique que a cultura popular seja necessariamente substituída pelos padrões da cultura de massa. Como todo fenôMeno social, a cultura popular é uma realidade viva e, portanto, dinâmica, em contínua transformação. Assim, ela é feita e refeita a todo momento graças á criatividade do povo. Mas é inegável que a cultura popular pode incorporar padrões provenientes dos setores modernos da sociedade e, até mesmo, da cultura de massa. Este processo se dá, antes, através da reinterpretação do significado de tais padffies, de acordo com ❑ modo próprio de agir, pensar e sentir do povo, e não como repetição pura e mecânica. Se a cultura popular está presente nas sociedades mais industrializadas, desenvolvidas e urbanizadas do mundo contemporâneo, ela tem, no entanto, um significado especial nas sociedades do chamado Terceiro Mundo, pelo fato de que, nessas sociedades, a cultura popular compreende um grande número de subculturas das quais participa uma proporção significativa da população. Embora as expressões da cultura popular sejam mais visíveis nas comunidades rurais mais isoladas (chamadas de culturas de folk, de acordo com a classificação do antropólogo Robert Redfield), a cultura popular está presente, também, no ambiente urbano, como se pode ver nas grandes metrókles brasileiras, nas quais são' muito fortes ainda as marcas da tradição rural, apesar da influência da cultura de massa. ESTEREÓTIPOS Os participantes de subculturas mais evidentes tendem a ser vítimas de rotulações sociais, ou seja, de estereótipos. Em sociologia, estereótipos são ima gens preestabelecidas para todos os indivíduos pertencentes a alguma categoria social, mediante a atribuição generalizada de qualidades de caráter positivas ou negativas. Embora nem todo estereótipo se refira à participação dos indivíduos em alguma subcultura, eles são mais freqüentemente aplicados às pessoas que pertencem a subculturas mais evidentes na sociedade, como tende a ocorrer com as minorias étnicas. É o que acontece, por exemplo, com os judeus, os por-
66 SOCIOLOGIA, CULTURA E SOCIEDADE INDIVtDUO, CULTURA E SOCIEDADE 67 tugueses e outras categorias étnicas em nossa sociedade. O estereótipo, porém, sendo uma imagem preconceituosa, quando não discriminatória, é uma representação falsa das pessoas rotuladas através dele. Até mesmo o processo de identificação sociológica dos modos próprios de ser dos membros de alguma subcultura envolve o risco do reforço e mesmo da criação de estereótipos, através de simplificação exagerada das características comportamentais específicas dos participantes de subculturas. Os estereótipos tanto podem ser positivos quanto negativos; tanto podem valorizar quanto depreciar as pessoas. Se um estereótipo é positivo ou negativo, isto depende da categoria social que o adota. Para alguma categoria social no Brasil, a suposta inclinação à folga e à brincadeira atribuída de forma generalizada e preconceituosa ao carioca pode representar um estereótipo positivo. Para outras categorias, este mesmo estereótipo será negativo. O mesmo se pode dizer do conhecido estereótipo do paulista. Os estereótipos tendem a ser muito arraigados nas relações sociais e a estar associados a sentimentos coletivos muito fortes, negativos ou positivos, em relação aos indivíduos estereotipados, a despeito de possíveis evidências em contrário, precisamente pelo seu caráter irracional. Não será este o caso do estereótipo do nordestino nos grandes centros urbanos da Região Sudeste do Brasil? A persistência desse estereótipo é hoje evidenciada e, ao mesmo tempo, estimulada pelas mensagent'aos meios de comunicação de massa, particularmente da televisão. Embora falsos, os estereótipos tendem a ter conseqüências reais nas relações sociais. Outro estereótipo bastante difundido na cultura brasileira é do mineiro. A Sociologia pode ser também um instrumento muito eficaz na neutralização dos efeitos dissociativos dos estereótipos, na medida em que, possibilitando aos indivíduos o conhecimento racional das origens socioculturais de alguns dos seus motivos, sentimentos, emoções e idéias em relação a pessoas e situações sociais, pode, igualmente, tornar possível a crítica racional dos estereótipos e a compreensão do seu verdadeiro caráter. SÍMBOLOS E NORMAS De todos os componentes da cultura, símbolos e normas estão entre os mais importantes para a organização social. Dentre os símbolos, como já vimos, a palavra é o símbolo por excelência. O símbolo está de tal modo presente em todos os momentos da vida social," que a comunicação verbal é sempre enriquecida de símbolos de outra ordem. Como observou Max Weber, as ações sociais são ações com significado. Por esta razão, todas as relações sociais possuem necessariamente uma dimensão simbólica. Gestos, cores, vestuários são 14 Ver WHITE, Leslie. Op. cit. e CASSIRER, Ernst. Op. cit. p. 48-51. alguns dos recursos simbólicos mais freqüentemente usados pelo homem. Roupas podem significar contentamento ou tristeza, autoridade ou submissão. O mesmo se pode dizer das cores. A atribuição de significado a alguma coisa, seja sons, cores ou abjetos, é sempre convencional ou arbitrária, o que equivale dizer que o significado de um símbolo não é intrínseco ao seu veículo físico. Se na cultura ocidental a cor preta significa dor e tristeza, em algumas culturas do Oriente os mesmos sentimentos são simbolizados pelo branco. A residência, como o vestuário, não funciona apenas como abrigo, mas também como símbolo. Seu tipo e sua localização desempenham uma importante função simbólica ni que se refere à localização dos indivíduos na hierarquia social. O mesmo se pode dizer do automóvel. Casa e automóvel, entre outros bens, não proporcio nam apenas conforto material, mam também, de modo significativo, conforto mental aos indivíduos, na medida em que satisfazem necessidades psíquicas de origem sociocultural. Do mesmo modo que o símbolo, a norma é um componente da Cultura onipresente na vida social. Não existe possibilidade de organização social se não existem normas partilhadas coletivamente. Vivendo em sociedade, o homem está, por assim dizer, sempre cercado de símbolos e normas. É típico da condição social do homem que o seu comportamento seja regulado por normas, quer se trate do costume, quer se trate de etiqueta ou de códigos legais (no Capítulo 3, este assunto é tratado mais extensamente). O símbolo, contudo, é o que confere sentido às normas, pois, afinal, somente as obedecemos porque a elas associamos algum significado. O símbolo, portanto, precede as normas em importância para a compreensão científica da sociedade. Quando obedeço à norma que estabelece que é com deferência e respeito que devo tratar meus pais, é porque tal norma simboliza precinente deferência e respeita; de outro modo, não seria norma. Se, como cristão, obe= deço à norma que estabelece que é meu dever ajudar o próximo, é porque essa norma simboliza amor a Deus e ao próximo. Quando, como professor, obedeço à norma que me obriga a ter o maior domínio intelectual possível da matéria que ensino, é porque essa norma simboliza competência e autoridade intelectual. Se obedeço à norma que me diz que devo ser solidário com o amigo que enfrenta alguma situação difícil, é porque tal norma simboliza o sentimento de amizade. Quando procuro obedecer às normas da etiqueta, é porque essas normas simbolizam boa educação e refinamento. Dessa maneira, não são os símbolos que possuem uma função normativa —embora a linguagem, verbal ou não, seja constituída de um conjunto de regras para a comunicação simbólica —, mas, ao contrário, são as normas que possuem uma função simbólica, e, assim, estão carregadas de significados, sem os quais não teriam poder de pressão sobre os indivíduos. Muito embora esse poder de pressão não seja o único fator por meio do qual as normas se impõem aos indivíduos, a principal fonte desse poder está no significado das normas. É esse po-
Para a Sociologia, os valores interessam como realidades objetivas. O fato de que a Sociologia se ocupe com o estudo das normas não implica, de modo algum, que ela assuma algum valor social. Ao contrário da ética, conforme já vimos, a Sociologia não afirma o que é bom ou o que é mau para o homem, o que é correto e o que é errado nas relações sociais. Estudando os valores so ciais, a Sociologia tenta, em primeiro lugar, identificá-los e, depois, explicar as suas relações com as formas coletivas de comportamento e, logo, com a organização social. Na linguagem da Sociologia, atitudes são predisposições mentais para agir de forma padronizada em situações 'sociais específicas. As atitudes, como as crenças e os valores, não são diretamente observáveis, já que se processam na mente. Observável é o comportamento humano. A partir dele é que podemos inferir atitudes. As atitudes tendem a derivar do sistema de crenças, valores, opiniões e sentimentos socialmente partilhados. As atitudes interessam à Sociologia enquanto são coletivamente padronizadas. Ao sociólogo não interessa se as explicações fornecidas pelas crenças coletivas correspondem ou não à realidade objetiva pois, falsas ou verdadeiras, as crenças são, de qualquer modo, reais por estarem sedimentadas intersubjetivamente na sociedade. O que importa ao sociólogo é que, como formulou William L Thomas em seu clássico teorema, "se os indivíduos definem as situações como reais, elas são reais em suas conseqüências".^16 Isto quer dizer que, para o sociólogo, não importam apenas as relações sociais como elas se apresentam objetivamente, mas sobremodo lhe interessam as formas como as pessoas percebem e definem essas relações, pois essas definições prévias condicionam as relações concretas entre os indivíduos. Desse modo, as crenças coletivas têm o poder de moldar as relações sociais. A sociedade, portanto, não é apenas o que as pessoas e grupos fazem entre si; a sociedade é também o que as pessoas acreditam que ela seja ou, sobretudo, que ela deva ser. Por esta razão, podemos constatar a existência de dois níveis básicos na vida social: o nível interacional e o intermental ou intersubjetivo. O primeiro diz respeito ao que os agentes sociais fazem entre si. (O conceito de interação social é abordado no Capítulo 9.) O nível intermental compreende as idéias e os sentimentos coletivamente partilhados pelos indivíduos sobre o que a sociedade em que vivem presumivelmente é ou deve ser. Esses dois níveis, contudo, são interdependentes e estão permanentemente influenciando um ao outro, de modo que tanto o que os indivíduos fazem entre si se reflete sobre o que eles pensam quanto as idéias e os sentimentos coletivamente partilhados por eles têm conseqüências inegáveis sobre as suas ações (ver Figura 2.1.). 16 Apud MERTON, Robert K. Sociologia: teoria e estrutura. Trad. Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 515.
70 SOCIOLOGIA, CULTURA E SOCIEDADE (^) INDIVÍDUO, CULTURA E SOCIEDADE. 71 NÍVEL INTERMENTAL (normas, símbolos, valores, crenças, atitudes, estereótipos etc.) ___________ SOCIEDADE _____________ NÍVEL INTERACIONAL (comportamento observável entre indivíduos, grupos, agregados, categorias sociais etc.) Figura 2.1 Níveis básicos na vida social. Desse modo, não importa para o sociólogo se a crença, muito comum en tre diversas categorias das áreas rurais no Brasil, de que a morte de crianças com menos de um ano de idade em decorrência de subalimentação, desidratação e outros males controláveis seja ou não o resultado da vontade de Deus; mas lhe interessa o fato de que tais pessoas tenham uma atitude fatalista em conseqüência de determinada visão religiosa do mundo, pois, de acordo com o teorema de Thomas, as idéias compartilhadas pelos indivíduos em sociedade, por mais absurdas ou fantasiosas que sejam, são reais porque, existindo na mente das pessoas, são uma parte da realidade e, de altím modo, se refletem no comportamento interpessoal e nas relações sociais. COMPORTAMENTO HUMANO E RELAÇÕES SOCIAIS A constatação de que a sociedade humana não se reduz aos seus componentes estritamente físicos, mas, sem colocá-los à parte, compreende componentes não físicos — normas, símbolos, crenças, valores, atitudes, estereótipos —, nos leva à conclusão de que o comportamento humano, ao contrário do que à pri meira vista se pode supor, não constitui o objeto de estudo da Sociologia. O comportamento humano é apenas um entre outros meios pelos quais o sociólogo pode chegar ao seu objeto fundamental de interesse: as relações sociais. O comportamento coletivo, que constitui o nível interacional da sociedade (o que as pessoas fazem, de fato, entre si), pode ser observado, tanto direta quanto indiretamente. Mas o comportamento humano tanto pode revelar quanto ocultar as relações entre as pessoas. As relações sociais — que podem ser de cooperação, competição, antagonismo, dominação, submissão, exploração, conflito, por exemplo — não podem ser diretamente observadas, mas somente podem ser inferidas através do comportamento humano. Uma pessoa em contato superficial com duas outras — patrão e empregado, por exemplo — pode concluir, a partir de cordialidade mútua expressa através do comportamento daqueles indivíduos, que as relações entre ambos sejam
INDIVIDUO, CULTURA E SOCIEDADE HERSKOVITS, Melville. Antropologia cultural. Trad. Maria José de Carvalho e,^ Hélio Bicheis. São Paulo: Mestre Jou, 1963. v. 1, Cap. 3: "Cultura e sociedade". p. 44-58. LINTON, Ralph. O homem: uma introdução à antropologia. Trad. Lavinia Vilela. 4. ed. São Paulo: Martins, 1962. Cap. 5: "O `background' da cultura", p. 86-97. _______ Cultura e personalidade. Trad. Oscar Mendes. São Paulo: Mestre Jou,