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Uma pesquisa sobre os jogos tradicionais e a sociabilidade entre imigrantes espanhóles no brasil, explorando como essas práticas culturais contribuíram para a manutenção e continuidade da identidade coletiva. Utilizando a história oral, o estudo busca reter a memória individual e coletiva de grupos sociais, enfatizando a importância dos jogos na formação de laços sociais e a transmissão de saberes e tradições.
O que você vai aprender
Tipologia: Exercícios
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José Luiz dos Anjos Manuel Hernández Vpasquez
RESUMO A pesquisa teve como objetivo o estudo dos jogos tradicionais e a sociabilidade nos tempos e espaços de lazer, dos Imigrantes Espanhóis no Interior de São Paulo e Espírito Santo. O processo de investigação obedeceu dois momentos metodológicos: o primeiro, no Brasil, onde foram entrevistados imigrantes espanhóis, e, ou filhos destes. E em um segundo momento, analisou os significados dos jogos existentes nas Regiões da Espanha. O estudo levantou os jogos e as práticas culturais identificadas no Brasil. Mas também seu posterior estágio cultural procurando responder, se os mesmos de tradição espanhola se constituíram em elementos basilares para manutenção, e continuidade do universo identitário. Utiliza a História Oral para resgatar a memória individual e coletiva dos grupos sociais de imigrantes espanhóis no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Jogos tradicionais; Lazer; Imigração espanhola.
INTRODUÇÃO A cultura, a identidade e a memória formam o patrimônio cultural dos povos e podem ser identificados nas danças, nas expressões corporais, nos jogos, na culinária e no lazer. É por esses objetos que este estudo pretende, de forma geral, analisar o cotidiano das comunidades espanholas nas décadas iniciais do século XX, no interior do Estado de São Paulo e Espírito Santo. Temos como proposta, identificar os grupos sociais que formaram as comunidades de imigrantes e descendentes de espanhóis, onde puderam manter seus gostos culturais e de lazer. Embora saibamos que o processo urbano tenha diluído as comunidades formadas no início do século XX, o estudo promoverá agentes pioneiros em cada localidade. Há muitas formas de socializar, mas uma das mais antigas são os jogos os quais se desenvolve o convívio do lazer, permitido pela prática de jogos tradicionais, pela tradição, que espelham momentos baseados em situações de vida real ou representando cenários laborais. Eles permitem juntar pessoas e distintos grupos sociais, proporcionando momentos de convivência com representação de saberes, hierarquias e tradições.
A organicidade do lazer é estruturada por elementos culturais que promovem identidade nos espaços sociais e, neste caso, constituída de distintas tradições, como festividade, expressões artísticas e rituais, os quais procuram superar as antinomias sociais e as emoções cotidianas. Embora uma pesquisa nesse âmbito esteja mais direcionada a um historiador ou sociólogo, a proposta surge de pesquisadores oriundos da Educação Física que, doravante, observando lacunas na produção teórica esperam oferecer, de modo pioneiro, novas referências à compreensão do lazer em comunidades de imigrantes. E ao mesmo tempo acreditamos que os historiadores dos quais se ocupam dos estudos das comunidades espanholas no Brasil também se sentirão atendidos com esse estudo.
PRODUÇÕES ACADÊMICAS E QUESTÕES A INVESTIGAR Partimos da ideia em que as comunidades foram espaços de convivências dos imigrantes, portanto se qualificaram como lugar onde as práticas culturais da terra natal são revividas na forma idealizada de uma Espanha transposta além Atlântico. Destacamos que essas práticas culturais são carregadas de importantes memórias de ordem geográfica no processo de construções identitárias, e aqui está o lócus que nos leva a essa investigação. Partimos da hipótese cujos os elementos tradicionais que permearam esses locais agiram e constituíram-se instrumentos de continuidade, e manutenção no sentido de fortalecer tradições culturais legítimas. Assim sendo, perguntamos, quais são/foram os elementos ou convivência de lazer que acompanharam os grupos sociais espanhóis na decorrência do processo da imigração? Entendemos que ao mapear esses elementos nos espaços sociais, estaremos concatenando os elementos constitutivos, ou seja, os atributos de ordem estética, social, econômica, de tradição etc. Sempre que se fala em imigrantes, não se impõe uma referência ao corte dos laços afetivo-emocionais, mas sim à separação espacial. Se partirmos da premissa de que há locais nos quais implicam continuidade dos laços afetivo-emocionais, buscamos nestes, informações para dar resposta ao que ora apresentamos. No Brasil, onde a integração dos espanhóis foi facilitada, em parte, pelo idioma, a convivência no lazer reitera nosso problema: se os elementos culturais de tradição espanhola possuíram elementos basilares para manutenção da continuidade do universo identitário? Entendendo as questões
Brasil. Podemos afirmar que esses elementos possuem pouca ou nenhuma visibilidade acadêmica em sua produção quali-quantitativa, a partir desse viés que estamos apresentando. Essa preocupação também é notada por Souza (2006), Martins (2012) e Cánovas (2007) os quais constataram essa recorrente lacuna de produção teórica da imigração espanhola para, e no Brasil. No que permite falar da educação física brasileira, há estudos que abordam a importância dos jogos populares, e, ou tradicionais para as aulas de educação física (TAVARES, 2011; FRANCHI, 2013). Vale observar que, há uma forte indução de trabalhar os jogos a partir de uma pedagogia crítica, discutindo-os metodologicamente como tradição, significados e cultura. Contudo, vemos limitações nesses estudos, pois se há lacunas que abordem os jogos a partir das matrizes das Ciências Sociais, compreendê-los por esses conceitos, há que se ocupar de um extenso campo de conhecimento do contexto que os elementos culturais se inseriram. Conceitualmente, vemos necessidade de discutir o que o estudo entende por jogos tradicionais. Caracterizar um conceito que define jogo ou que possa explicá-lo, sabemos que haverá limitações e passíveis de críticas. Por certo ao reportarmos a conceituação de jogo , que neste estudo apresentamos como jogos tradicionais vemos que a pluralidade e a diversidade de jogos é muito grande e complexa e, qualquer caminho que tomarmos, é necessário fazê-lo com limitações. Somos conscientes de que é um tema de discussão que reúne distintas interpretações, conceituações, posturas fundamentadas e limitações que envolvem suas transcedências. Para este estudo do jogo tradicional possui duas faces: cultura (expressão simbólica) e ações motrizes, embora ao longo deste estudo abordaremos a primeira face. Assim adotamos conceituação sócio-histórico-cultural que de alguma forma reflete os sujeitos que dele participam, e o mantém socialmente. Sabendo da dificuldade de conceituá-lo e superar os entendimentos existentes, devido as multiplicidades de características, partimos de uma generalização convencional. Caberia aqui Roger Caillois, no entanto aportamos em Huizinga (1938) que conceitua, como: [...] acción o actividad libre, realizada dentro de ciertos límites fijados en el tiempo y en el espacio, según una regla libremente aceptada, pero completamente imperiosa; acción que tiene fin en sí misma y que va acompañada de tensión y alegría y con la conciencia de ser otra manera a la que se es en la vida corriente (p.54).
Oportunamente é pertinente falar que “la vida corriente” de que trata Huizinga, Recas (2011, p. 36) citando Aguirre Franco ao tratar dos jogos vascos na Espanha diz que “Los juegos y deportes vascos constituyen uma dramatización de la actividad cotidiana del hombre. [...] y cualquiera que ésta sea, se ha puesto em competición, regulada por costumbres inveteradas que constituyen norma inquebrantable.”
Aqui mostra a face do jogo tradicional: “regulada por costumbres inveteradas”. A manutenção de elementos tradicionais no jogo, sejam estes simbólicos ou de ações motrizes é que garantem as continuidades desses no interior do grupo social, o que nos motivou buscar nos atores que vivenciaram sua formação social, qualificados como lugar/espaços, onde as práticas culturais da terra natal puderam ser revividas e idealizada. Em efeito, pesquisas atuais têm destacado estudos tendo como lócus o imigrante no meio urbano, e as abordagens deste no campo rural são específicas as quais não indicam temáticas da sociabilidade e tempos de lazer. De passagem, Cernev (2004) e Martins (2012) citam o lazer e os relacionamentos dos grupos sociais, a aprendizagem na escola, os jogos, mas não discutem ou analisam essas questões como objeto específico de seus estudos. No entanto, Cánovas (2005) faz uma discussão das Associações de Mutuo Ajudas, tendo como cenário a urbes de São Paulo nas primeiras décadas do Século XX, a qual foi referência aos nossos estudos. A autora indica locais de lazer e a organização dos imigrantes espanhóis em São Paulo, das festas religiosas e romerías, a preferência em constituírem torcedores do Corinthians, juntando a massa de operários e pretos. Gallego (1995) em sua análise sobre os efeitos da cultura dos espanhóis no Brasil, afirma que - as influências da cultura espanhola na cultura brasileira não são tão facilmente identificáveis como é a italiana, por exemplo, na culinária, na música, em certas expressões idiomáticas ou nas famosas festas religiosas, como as de Acchiropita e de S. Genaro. Os espanhóis, pela facilidade de se fazerem entender, pela proximidade do idioma castelhano e, mais ainda, do idioma galego com o português, conservavam mesmo depois de muitos anos de Brasil, com frequência a comunicação em seu idioma. Entretanto, não se percebe na fala popular do paulista, em geral, ou do paulistano, em particular, nenhuma influência do imigrante espanhol. O que propomos é bem simples: enxergar a realidade sob a perspectiva das pessoas comuns e das práticas, hábitos e rituais que caracterizaram o dia-a-dia delas, tirando o foco
Ao tratarmos de memória^2 , não se trata de relacionar o presente com o tempo vivido, mas sim de entender a releitura do sujeito que a produz. Esta não é estática preenchida com pedaços passivos do passado, antes de tudo, ela é prospectiva e se lança em direção ao futuro, pois toda memória é incontida de elementos simbólicos, o qual lhes dão jus pertencimento aos sujeitos de um grupo social, mesmo que esses elementos sejam recriados no presente, define a autenticidade de seus significados no futuro (ANJOS, 2013). Aos entrevistados atribuímos denominações para preservar a identidade e as questões pessoais de cada um, ambas estão sujeitas as denominações mais usadas na Espanha: Paco, 75, Pepe, 82, Manolo, 89/91, Pilar, 81/85, Lola, 79, Maribel, 68, Quipe, 76, Mila, 82, Pepita, 67, Merche, Licha, 75 e Chema, 70. Elegemos duas Regiões para pesquisas: Interior de São Paulo, tendo os municípios de Catanduva, Sorocaba, Piracicaba e São Carlos, em face aos agrupamentos da imigração espanhola constituídos de Andaluces que ali se dirigiram para trabalharem na cafeicultura, e se constituírem na Zona Rural conforme estudos de Truzzi (2014) e Palma (2014). A região do município de Gerônimo Monteiro (ES) foi escolhida portanto um pequeno grupo de imigrantes galegos se fixaram ali em 1916, tendo como economia o trabalho em olarias, conforme informações de uma entrevistada. Mapeamos as comunidades de imigrantes espanhóis formadas no início século XX, de acordo com Cánovas (2007), e que atualmente ainda mantém associações com estrutura social. Escolhemos atores que viveram sua infância, juventude e vida adulta na Zona Rural e nessas pequenas comunidades, pois entendemos que os laços de preservação cultural foram mais intensos, pois nos micro espaços sociais, estes não promovem a desterritorialização do sujeito, do pertencimento a cultura do grupo étnico ou gênero. Em Gerônimo Monteiro, seguimos a mesma linha de ação metodológica, porém ressaltamos que os imigrantes localizados neste Município suas entradas foram via porto do Rio de Janeiro. Realizamos três entrevistas, duas das quais os entrevistados vieram da Espanha em 1936 e a coleta se deu no período de setembro a novembro de 2014. Abordamos cinco questões que no decorrer da entrevista fomos discutindo assuntos, que vinham à tona permitidos pela via metodológica. Após suas identificações lançamos aos entrevistados, - o que garante sua identidade com a cultura espanhola? Essa pergunta tinha como objetivo identificar os fios condutores dos objetivos traçados neste estudo.
(^2) Para melhor entendimento ler: HALBWACHS (2006).
Para Manolo, nascido na Espanha em Pontevedra, chegado ao Brasil em 1934 com nove anos de idade, disse que “[...] hoje eu sou brasileiro, estou aqui há mais de 70 anos. Mas tenho toda minha família na Espanha, e sei muita coisa de lá. O meu nome mostra que sou espanhol e tenho alguns gostos [como] tomar vinho, usar azeite e comer jámon.” A fala de Manolo é confirmada por Pepita, Paco e Pepe pois segundo eles, “o vinho, o azeite e o jámon” são marcas que os identificam com o antepassado de seus pais. Esses mesmos agentes de informação somados com as falas de Merche e Chema anunciam que ainda se lembram das receitas e dos temperos espanhóis, ao afirmarem que sabem fazer “gazpacho, alboronía, guiso de fabas e bacalao encebolado”, conhecimento adquirido no processo da relação mãe e filha tido como “dever” da futura “dona de casa”. Aqui reside um fato importante para este estudo. Foi o momento, onde colhemos os depoimentos em espanhol das denominações gastronômicas. Falar espanhol em família segundo Licha, Merche e Chema deixou de ser uma atitude cotidiana quando os netos, o que trouxe certa desaprovação por eles ao ouvirem os depoimentos. O “câmbio (troca) de pratos” permitia certa distinção da família na comunidade nas palavras de Licha, pois compartilhar alimentos, além de ser um preparo trabalhoso, revigorava os laços de solidariedade e de aproximação com o “outro”. Vemos nesse processo cuja a culinária de um grupo de imigrantes possui significados de memória e se torna um elo simbólico, que se perpetuou por mãos femininas os quais lembram a mãe. Fora de seus limites de origem, a mulher, nesse caso, teve necessidade de cultivar sua identidade, a qual se torna mais autêntica, não permitindo as descontinuidades do que no país de origem. Interessante os estudos sociológicos das imigrações, pois nos revela que o homem muda de seu habitat para outro, levando consigo memórias e tradições, contudo há elementos, os quais permanecem agindo como elemento central na preservação de identidades, aqui, revelou o gênero promovendo a continuidade da culinária ao lado da língua de origem, constituindo um dos últimos traços diacríticos a desaparecer. Embora os pioneiros familiares de imigrantes tenham procurado conservar os elementos culturais como culinária, religiosidade, língua materna e convivência familiar; os hábitos locais foram sendo progressivamente incorporados pelas gerações seguintes. Isto porque as mudanças na posição social de um grupo na sociedade promovem rupturas em seu universo cultural, favorecendo a emergência de novas identidades. Ademais, ainda que os filhos recuperem suas raízes culturais, da língua, por exemplo, eles não viveram a experiência
Os sujeitos vão se realimentando dos mesmos valores e seguindo novos rumos, ocupando os espaços neste processo de continuidade de entregas de recepção de saberes, já que para Mila e Pilar “hoje está difícil de encontrar condimentos [...] ou [...] não tem ninguém pra ensinar guitarra espanhola”. Não importa as descontinuidades dos elementos tradicionais, mas as estruturas sociais que envolvem os códigos atribuem aos sujeitos novos símbolos que se ressignificam no interior dos espaços de recepção de saberes. Consideramos código como uma linguagem, o qual nos revela inconscientemente sua estrutura, bem como suas contradições. Se a convivência familiar proporcionou a aprendizagem da língua e de um ícone instrumental da cultura espanhola, a ação coletiva (do grupo) promoveu escolhas individuais proporcionadas pelos espaços sociais, contudo permitiu aos sujeitos reconhecerem e pertencerem a um grupo social. Inicialmente é oportuno discutir, minimamente, a militância política dos espanhóis no período estudado. Correia (1986) apud Maciel (1995) e Antonacci (1995) discutiram a militância anarquista em São Paulo nas primeiras décadas do Século XX. Segundo as autoras, as residências dos militantes anarquistas serviram de pousada para os imigrantes que vinham de Santos, e no período de suas estadas discutiam estratégias e planos das militâncias, onde os elementos artísticos recebiam atenção desses. As propostas eram debatidas e planejadas constituindo como eixo motor deste processo entre outros, a construção de escolas anarquistas denominadas de Escolas Modernas. As próprias professoras divulgavam o programa das escolas e discutiam os instrumentos de ensino tendo o teatro como ponto de maior importância, porque proporcionava a aprendizagem da língua espanhola. Constituía momentos de lazer em suas apresentações, além de trazer discussões anarquistas no desempenho das performances apresentadas (MACIEL e ANTONACCI, 1995). Merche nascida em Conchal, Interior de São Paulo, diz que “[...] a escola donde morávamos foi construída por papai. Ele construiu a escola com seus irmãos e ficou dois anos sem professora, era lá, que brincávamos. Merche assinala algumas brincadeiras da escola: “pular ‘comba’ é o que mais a gente fazia. Eram só as meninas porque tinham uns versinhos que a professora ensinava quando a gente pulava”. Solicitando que pudesse cantar, aos poucos Merche foi rememorando as palavras ajudada pelos filhos: “tengo una muñeca, vestida de azul, con su camiseta, y su canesú, la saqué al paseo y se me constipó.
Dos y dos son cuatro, cuatro y dos son seis, seis y dos son ocho, y ocho son dieciséis, y ocho veinticuatro y ocho treintaidós”^4
Segundo Merche e Pepita “todos os filhos de imigrantes espanhóis estudavam”. Isso confirma o que Cánovas (2007) e Maciel (1995) e Antonacci (1995) constataram que na década dos anos de 1920, os filhos dos imigrantes representavam o dobro de alunos matriculados nas escolas públicas. No entanto, segundo as entrevistadas as professoras ensinavam a falar português, e em “casa papai nos proibia da gente falar espanhol”. Tal fato é discutido entre os historiadores, os quais revelam que entre os imigrantes havia animosidades entre aqueles que acreditavam em que seus filhos, mesmo nascidos no Brasil, algum dia voltariam à Pátria-mãe, daí a necessidade de manter os laços com a língua pátria, enquanto para outros regressarem à Espanha era um plano cada vez mais distante (CÁNOVAS, 2007). Se a escola possibilitava momentos de manifestação da língua familiar, em casa, nos momentos de brincadeiras, Pilar, Pepita, Merche e Licha comentam que quando brincavam de pular corda cantavam em espanhol. Pepita que estudou espanhol depois de adulta nos informa que “tudo que minha a mãe fazia... era cantando em espanhol e ela me ensinou esse versinho”: “Al passar la barca, me dijo el barquero, las niñas bonitas, no pagan diñero, yo no soy bonita, ni lo quiero ser, porque las bonitas se suelen perder”. Embora tenham vivido em regiões distintas, Pepita no Espirito Santo e Merche do Interior de São Paulo, ambas relembram fases da infância semelhantes, porque “nas combas a gente ensinava outras meninas vizinhas”. Indagadas sobre o que ensinavam, enfaticamente recitavam os versos de pular corda (comba) em espanhol. As outras meninas brincavam, visto que gostavam de aprender palavras diferentes [...] “A gente era conhecida na Vila, por isso”. A preocupação com a educação das filhas era um sinal de distinção nas Vilas de imigrantes espanhóis, por sinal, ao se falar de distinção cabe discutir o conceito de identidade
(^4) Algumas palavras foram adaptadas de acordo com a ortografia espanhola. Versos semelhantes à esses encontramos em livros didáticos espanhóis.
Manolo, que retornou à Espanha para estar a serviço na II Guerra Mundial, aponta os jogos de lutas como símbolos da força e do preparo do jovem espanhol. Manolo lembra que havia “luta canária, luta dos andaluzes, do povo da Extremadura”. Embora fossem lutas com pequenas distinções, “o jovem não aceitava instruções de um lutador experiente que fosse de outra região”. Para ele, isso foi percebido no exército espanhol. Em oposição a introspecção de um jogo, de uma luta não ser aceita, recebemos informações que a “regionalidade” se
Não aderir a um jogo/luta por características regionais nos leva crer que este reflete o ‘jogo social e político’; fenômeno típico dos diversos movimentos políticos de posição separatista, ligados aos nacionalismos periféricos existentes na Espanha. Dias (2010), nos fornece elementos para essa discussão ao abordar as recorrentes fundações e dissoluções das entidades representativas espanholas no decorrer das três primeiras décadas. Posto que tivessem os mesmos objetivos em uma mesma região, observava a criação de “tantas quantas forem as regiões de origem dos imigrantes”. Nas palavras de Manolo “o jovem não aceitava instruções” está acima de uma simples interpretação de não receber instruções técnicas de luta. Weber (2007) também chega à essa conclusão ao relatar que, posições políticas tomadas por diretores e lideranças no interior das Associações tendo pró franquistas ou pró republicanos, traduziram em constantes dissoluções de entidades representativas ou de enfraquecimento dessas em relação aos objetivos. É pertinente abordar a questão do papel das associações nas comunidades de imigrantes espanhóis. Elas foram importantes no processo de adaptação, defesa de interesses, assistência social e referência cultural na ampla teia de relações dos imigrantes. Contudo, vamos abordar como os agentes se manifestavam e se faziam entender como grupo social no tempo e nos espaços de lazer. Cabe destacar que o tempo e espaço de lazer não foram nas associações criadas, mas se deu relativamente após as missas aos domingos. Para os atores – onde se mais jogava, era nos barracões após as missas. Seguindo a interpretação dos atores, “era após as missas que a gente jogava, brincava e conhecia quem era novo na comunidade”. Aqui podemos pensar o lazer como festa, pois remete a significados. Analisando as interpretações dos nossos atores, o tempo do lazer se tratava de situações profanas, sagradas, familiar e de grupos; em última instância, comunitárias. Percebe-se que os imigrantes ou filhos destes queriam buscar no
passado, ou algo do passado, o cotidiano tradicional buscando manter e atualizar significações, expressões e relações simbólicas, fortalecendo sentimentos próprios de si mesmos, porém com o “outro”. Neste caso, o lazer e a festa definem identidades, portanto, de identidade nos espaços sociais. Também há que relatar que os jogos manifestados se tratavam de uma produção do cotidiano, uma ação coletiva. O jogo de bolos aparece nas falas de todos os atores. Esse jogo está presente na infância e na vida adulta dos atores não havendo distinção de gênero de quem o praticasse. Para os atores havia nítida separação dos jogos de acordo com a idade, gênero e da participação, contudo havia aqueles que nos espaços poderiam ser contados homens e mulheres, pois de acordo com Quipe e Pepe “nos domingos de manhã e também pela tarde nos jogos de bolos e de malha (tanguilla) havia homens e mulheres assistindo”. Vale analisar as falas interessantes, quando perguntamos se poderiam descrever alguns jogos. Interpretando as descrições, os imigrantes utilizavam de seus equipamentos de trabalhos, dando a eles características de instrumentos e ou equipamentos de determinados jogos. Justamente, o que se trata de equipamento de trabalho se transforma em instrumento de jogos, são exemplos típicos dos jogos tradicionais da região da Norte da Espanha, em Navarra, precisamente no País Basco e na Catalunha. Contudo vale analisar que o grupo dos atores deste estudo se constituem de galegos e andaluces, mas não encontramos jogos que manifestassem a “imitação do trabalho” nessas regiões. Buscando em outros estudos, vimos que a representação da identidade no seu processo de produção simbólica pelo grupo social realça ou disfarça diferenciações internas conforme a necessidade de se fazer “conhecido” e “agradável” ao “outro”, já que a valorização da identidade coletiva é maior, e dentro desse processo ocorre subtração/negação de diferenças internas valorizando as semelhanças identitárias, elegendo aspectos no campo simbólico que produz a identidade coletiva. Então, para ser conhecido como “espanhóis” e seus jogos, apropria-se de jogos não pertencente a sua região/comunidade, manifestando uma identidade pluralizada: sou espanhol, mesmo manifestando o jogo de outrem. O jogo estabelece relações com o mundo social, manifestando domínios, conformações com o que é hegemônico e pactuado no grupo social. Neste sentido os depoimentos, sempre parciais, transmitem uma versão dos acontecimentos, e não a sua reconstituição política. A visão do ator social pode ser inconscientemente deturpada, por fundar-se na memória, então, as narrativas podem ser imprecisas, com episódios deslocados
O segundo, a língua espanhola constituiu como importante elemento que permitiu a distinção coletiva, bem que para sua continuidade ou descontinuidade sofresse intervenções políticas e ideológicas circunscritas, mas também criadas pelo próprio grupo social. Enquanto para um grupo a continuidade da língua traduzia a possibilidade de retorno à pátria-mãe, para outros essa possibilidade estava cada vez mais distante. De outra maneira, sintetizando essa consideração, não obstante saibamos que existem várias maneiras nas quais os indivíduos de um grupo pode se apresentar ao “outro”, o reconhecimento distintivo partiu do “outro”, tendo a língua como elemento, que o indicava seu pertencimento cultural. O cotidiano escolar indicou um novo espaço de continuidades da língua materna, atravessado pela oficialidade dos contextos educacionais que traduziam as tendências políticas pedagógicas. Também permitiu entre os alunos a relação com o outro e ser identificado como pertencente a um grupo social. A literatura nos deu suporte para esse entendimento, que permitiu analisar a continuidade da língua espanhola no processo e instrumento de educação nas escolas anarquistas. Por último, o jogo, analiticamente, obedece as circunscrições políticas e sociais, que no seu interior é manifestada e expressa pelos seus praticantes. O jogo, nesse estudo, nos mostrou dois contextos distintos: um contexto de interação que acolhe e acomoda os universos culturais distintos (andaluzes e galegos manifestando e expressando a identidade espanhola através de um jogo que não lhe pertence), como no caso dos jogos interpretados pelos nossos informantes; e análogo, o jogo, como elemento cultural que na percepção da distinção promove atitudes permeadas por múltiplas e históricas concepções conflitantes, traduzindo nas divisões espaciais e geográficas conhecidas na sociedade espanhola. Nesse contexto, o jogo não é mediador para se relacionar com o “outro”, mas lócus identitários que os sujeitos se reconhecem introspectivamente, vinculando resistência, hierarquias e classificações comparativas de poder, portanto estabelecendo fronteiras entre “nós” e o “outro”. Longe de respostas e conclusões finais, esperamos ter contribuído com a educação física no embrionamento de discussões desta temática, fornecendo elementos emblemáticos ainda não discutidos em seu interior. Que possa ser lançados novos olhares para esses elementos, tendo o jogo e lazer no interior dos grupos sociais.
The objective of the research was to study the traditional plays and the sociability in the time and spaces for leisure of Spanish immigrants in the states of São Paulo and Espírito Santo. The research process followed two methodological phases: the first one, in Brazil, where Spanish immigrants and/or their children were interviewed, and the second phase, when the meaning of existing plays in regions of Spain was analyzed. The study identified plays and cultural practices in Brazil and their subsequent cultural stage, seeking to answer whether the same plays and cultural practices of the Spanish tradition became basic elements for maintenance and continuity of the universe of identity. The research uses the Oral History to reclaim the individual and collective memory of social groups of Spanish immigrants in Brazil.
KEYWORDS : Traditional plays; Leisure; Spanish immigration
INMIGRACIÓN ESPAÑOLA: SOCIABILIDAD, OCIO Y PERTENENCIA
RESUMEN
La investigación tuvo como objetivo el estudio de los juegos tradicionales y la sociabilidad en los tiempos y espacios de ocio de los inmigrantes españoles en el período de las primeras décadas del siglo XX hasta los años de 1940, en el Interior de São Paulo y Espirito Santo. El proceso de investigación obedeció a dos momentos metodológicos: el primero, en Brasil, donde se entrevistó a inmigrantes o hijos de éstos, y en un segundo momento se analizaron los significados de los juegos existentes en las Regiones de España. El estudio examinó los juegos y prácticas culturales identificadas en Brasil en los espacios de sociabilidad y su posterior etapa cultural, con el fin de responder si los juegos/prácticas culturales de tradición española se constituyeron como elementos basilares para la manutención y continuidad del universo identitario. Utiliza la Historia Oral para rescatar la memoria individual y colectiva y coteja las narrativas identitarias con los documentos que señalan la organización de los grupos sociales de inmigrantes españoles en Brasil.
PALABRAS-CLAVE : Juegos tradicionales; Ocio; Inmigración española.
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